sexta-feira, 30 de agosto de 2024


Francisco Fernandes Ladeira: ‘Marçalismo, etapa superior do bolsonarismo’

Nas eleições municipais deste ano, o nome mais comentado até aqui, sem sombra de dúvidas, é o de Pablo Marçal, candidato à prefeitura de São Paulo. Não é exagero dizer que o coach e empresário conseguiu sequestrar a agenda pública nacional. Fala-se nele nos mais variados meios. Falsas acusações a adversários, suspensão de perfis nas redes sociais e suspeitas de ligações com o crime organizado estão entre as questões debatidas.

A princípio, parecia que Marçal buscava visibilidade na atual eleição de olho no pleito de 2026 (disputar uma vaga no senado; talvez a presidência da República). No entanto, o crescimento nas pesquisas (infelizmente) o credencia como candidato forte para a prefeitura paulista.

Marçal conseguiu aquilo que direita tradicional e grande imprensa já tentam há alguns anos: ameaçar a hegemonia de Bolsonaro no campo conservador brasileiro. O que não é pouco, haja vista que o “gado” parecia lobotomizado no culto ao “mito”.

Não por acaso, Marçal tem sido atacado por grande imprensa e membros do clã Bolsonaro. Trata-se da típica ocasião em que “torcemos para a briga”.

Por falar nisso, se Bolsonaro já era um mergulho profundo no lamaçal da extrema direita, o coach candidato a prefeito de São Paulo dobrou a aposta.

Diferentemente do inelegível, que vegetou durante décadas no Legislativo, Marçal é realmente um outsider na política. Não respeita regra alguma do jogo. Elevou a ideia de tumultuar uma campanha eleitoral a patamares jamais imaginados.

Enquanto Bolsonaro se tornou conhecido do grande público a partir de declarações esdrúxulas em programas televisivos popularescos; Marçal foi forjado exclusivamente na internet (o terreno privilegiado das fake news). Cada polêmica, distracionismo e bate-boca que ele protagoniza com algum adversário parece ser estrategicamente pensado para gerar cortes nas redes sociais e, consequentemente, engajamento digital.

Já em relação ao slogan da extrema direita, “conservador nos costumes e liberal na economia”, o coach está muito além do ex-presidente. De fato, ambos compartilham as características do conservadorismo, como a paranoia de ameaça comunista, a misoginia e a (suposta) defesa da tradicional família cristã brasileira.

Porém, enquanto o ex-presidente se fez exclusivamente no setor público (se vendendo como “neoliberal” somente para obter apoio do grande capital e ganhar a eleição de 2018); Marçal, por sua vez, é um típico representante do capitalismo selvagem e da racionalidade neoliberal: o (suposto) self-made man.

De acordo com matéria no Portal Terra, como “coach” e “empresário”, Marçal tem em seu currículo a tentativa de operar um milagre em público (fazer uma mulher em cadeira de rodas voltar a andar) e a venda de palestras e infoprodutos de autoajuda, com títulos sobre “como tomar o governo da sua própria vida” e “como fazer pelo menos 6 mil por mês do zero”.

Portanto, Marçal representa o “combo completo” do conservadorismo brasileiro: anticomunista, messiânico, armamentista e adepto ao discurso da meritocracia (na teoria e na prática).

Não é exagero apontar que ele é mais bolsonarista do que o próprio Jair Bolsonaro. Melhor dizendo, parafraseando Lenin, o marçalismo é a etapa superior do bolsonarismo. Na extrema direita brasileira nada é tão ruim que não possa piorar.

 

        Marçal: pior do que está, fica. Por Florestan Fernandes Jr.

Tenho visto muitas pessoas reclamando do espaço dedicado ao candidato Pablo Marçal nos sites de notícias e nos programas jornalísticos. Queixam-se de que estão dando importância exagerada para a eleição de São Paulo, em detrimento dos demais municípios e até mesmo de algumas notícias diferentes das eleições.

Não concordo e explico. Além da obviedade de que tipos como Pablo Marçal são uma ameaça real ao próprio gênero humano, a questão que está em jogo agora é maior do que a pessoa do candidato e do que a cidade em que ele disputa a eleição. A questão posta é a disrupção que Pablo Marçal representa, a forma como se coloca na campanha eleitoral e que, se normalizada, certamente dará a tônica daqui por diante, capturando e subvertendo completamente o processo eleitoral, já tão desgastado por Bolsonaro e os seus. O ex-presidente, a despeito de se vender como outsider da política, sempre foi um personagem bem alinhado ao sistema que tanto critica, mas serve. Bolsonaro vem do baixíssimo clero do Congresso Nacional, já foi filiado a uma infinidade de partidos fisiológicos e, tanto ele quanto seus filhos, ocuparam e ocupam vários mandatos parlamentares. Ou seja, mesmo atacando os poderes constituídos, o ex-presidente compôs com o que existe de pior na política nacional. Na presidência da República, atendeu aos interesses do sistema que atacava, nomeando nomes experientes e de sua confiança para cargos no STF, Procuradoria-Geral da República e Controladoria-Geral da União. A ruptura democrática que desejou, planejou e por pouco não conseguiu, preservava os interesses que o próprio Bolsonaro representava (e representa), numa reprodução do modelo instituído pela ditadura militar.

Pablo Marçal é a personificação da disrupção, do queimar pontes e navios com qualquer sombra de institucionalidade e mesmo de civilidade. Prova disto é o novo “modelo de campanha” que instituiu: cria competições remuneradas entre seus milhares de seguidores para publicação de conteúdos, tentando driblar leis eleitorais; usa debates e entrevistas como espaços de lacração – quando lhe fazem perguntas, diz que a resposta estará em suas redes. Ignora completamente as regras eleitorais e descumpre, sem qualquer constrangimento, as determinações da Justiça Eleitoral. Marçal não precisa dos meios ordinários de campanha; as penalidades previstas em lei e resoluções não o impedem de fazer o que bem entende. Tudo isso que vemos agora, se não for seriamente combatido pela Justiça Eleitoral, poderá ser o “novo normal” das campanhas eleitorais daqui por diante, inclusive dos novos personagens que virão a reboque do “coach-candidato”.

Uma amiga que trabalha há mais de 25 anos como advogada eleitoral diz estar assombrada com a perspectiva, cada dia mais próxima, de destruição da pólis. Entendo a angústia dela. A pólis, constituída por um aglomerado urbano, é considerada o mais importante aspecto na formatação das sociedades e no desenvolvimento da civilização. Imagine, caro leitor, o que será viver em um mundo nos moldes de Pablo Marçal, sem as normas e as leis que norteiam a convivência em sociedade? O caminho que nos trouxe até aqui foi traçado não somente pelo mau uso das novas tecnologias digitais, mas principalmente pela ganância do capital. Com o fim da União Soviética e da “ameaça do comunismo”, o capitalismo ocidental já não vê mais a necessidade de investir nas políticas de bem-estar social. Pouco a pouco, todos os direitos conquistados pelos trabalhadores no século passado estão sendo relativizados ou mesmo retirados.

Em contrapartida, nas redes sociais, o apelo ao consumo de coisas e de corpos nunca foi tão exacerbado. Busca-se o que para a maioria da população é inalcançável. É quando se popularizaram os influenciadores digitais e coaches – gente que não chegou a lugar nenhum, “ensinando” os incautos a chegarem a nenhum lugar. Nesse caldo, os discursos antissistema vão ganhando cada vez mais adeptos, até mesmo porque a política tem um timing diferente do imediatismo das redes sociais. Projetos consistentes são de longo prazo, e a percepção do brasileiro médio é de que a política não tem conseguido entregar para as pessoas as suas necessidades mais básicas, como educação, segurança, moradia, emprego, dignidade. Ou seja, ambiente mais que propício para gente como Milei e Pablo Marçal, que, de tão vazios e superficiais, se limitam a lacrar.

Ao contrário do que dizia Tiririca, pior do que está, fica.

 

        A leniência de Paulo Gonet fez vicejar um Marçal. Por Denise Assis

A colega jornalista Helena Chagas externou, hoje, no X, a sua indignação, ao escrever: “É espantoso, imperdoável, que apenas hoje, quase seis meses depois de iniciado o processo, o Conselho de Ética da Câmara vai analisar a cassação de Chiquinho Brazão, preso como mandante do assassinato de Marielle Franco e Anderson Gomes. Depois da provável aprovação lá é que a perda de mandato irá a plenário — sabe Deus quando. Ao protelar essa decisão, qual é a mensagem que os deputados, eleitos pelo povo, passam ao país? Que não é importante punir o responsável por um crime brutal? Ou que, por ser um de seus pares, o sujeito pode tudo?”

Pode, Helena. Pode. Vimos desfilar diante dos nossos olhos, uma Carla Zambelli de arma em punho, cruzando as ruas movimentadas de São Paulo, na véspera da eleição, quando todos sabemos ser proibido o porte de arma, perseguindo um jornalista, apenas porque ele cantarolou uma música que não lhe cai bem no gosto. Vimos a mesma deputada contratar um hacker para simular um código fonte, a fim de impressionar uma plateia ávida pelo golpe, em Sete de Setembro de 2022. O que aconteceu? Nada...

Vimos um deputado jovem, subir à tribuna ostentando uma peruca loura e fazer deboche da condição de uma deputada trans. O que aconteceu? Nada...

Vimos um senador, o Marcos do Val (Podemos-ES), da ultradireita, ameaçar um ministro do Supremo Tribunal Federal com “um fim trágico”. Por fim entenda-se, morte, e por trágico compreenda-se violência. O que aconteceu? Nada...

E, voltando quase dois anos para trás, vimos um país perplexo assistir a cenas de vandalismo e terror nos dias 12 e 24 de dezembro de 2022, e outras tantas de barbárie no 8 de janeiro de 2023, porque alguém perdeu uma eleição que se pretendia democrática, mas como última cartada, em desespero, prosseguiu com o seu plano golpista, que de resto nunca foi suspenso, até os dias de hoje. Pode quem quiser descansar e achar que com uma frente ampla e alguns telefonemas de chefes de estado internacionais o poder está sob controle. Não está.

A carga que o jornal Folha de São Paulo tem feito sobre o ministro que preside os inquéritos sobre fake news e que abarca todos esses episódios pró golpe, não tem outro propósito a não ser enfraquecer o poder do STF – vide as PECs da vingança -, e abalar a estrutura de um governo que vai muito bem na economia, espetando na cara do mercado índices positivos, tal como a criação de mais 200 mil empregos, no mês anterior, mas politicamente se equilibra.

Pode-se criar “pautas positivas” à vontade. Porém, o tecido político está esgarçado, quando do ponto de fervura da indignação crescida no auge da desrupção do 8 de janeiro, até o do anúncio de um novo presidente do Banco Central – nitidamente uma medida para acalmar o mercado, que se bandeou para os braços de um fascista, com folha corrida na Polícia-, há um espaço de tempo em que vicejou a desfaçatez e a naturalização do crime.

Houve tempo para que o encolhido Jair Bolsonaro e seus filhinhos amestrados saíssem da toca onde estavam encolhidos de medo e se arvorassem do alto de um caminhão de som na Paulista, a clamar por anistia. (Isso foi só o início da ideia). Houve tempo suficiente para, a partir do brado por anistia ela virasse uma PEC. Houve espaço para que ela começasse a tramitar e, mesmo sendo uma ideia escalafobética, pois nem crime há, ainda, para ser anistiado, que ela virasse tema de discussão levado “a sério”.

Houve, ainda, espaço para que o calhamaço da Polícia Federal encaminhado pela Polícia Federal ao ministro Alexandre de Moraes, com um arrazoado de provas contundentes e irrefutáveis provocasse um Oh! na sociedade, e fosse dormitar no arquivo digital do PGR.

E, por fim, houve tempo suficiente para que o PGR, arrogando para si o papel de moço compenetrado e preocupado com os rumos da eleição de 2024, empurrasse com a barriga todos esses fatos, em nome do bem viver e da tranquilidade geral.

Mentira! Ao dizer que não quer causar sacolejos na democracia, o que ele faz é colocar no centro dos acontecimentos o seu lado sombrio, que tanto uma colega de 247 quanto eu denunciamos em artigos. Paulo Gonet, ao se recusar a indiciar Jair Bolsonaro pelos crimes – que vamos constatar ali na frente, ele cometeu -, na verdade se posiciona de forma afrontosa.

Tal como no caso do “orçamento secreto”, quando a mídia passou a usar a expressão para a indecência que se desenrolava diante dos nossos olhos, no orçamento da União, como quem chama carinhosamente a um Pet, agora se fala com naturalidade, do zelo de Gonet com as eleições municipais.

O que Paulo Gonet está fazendo é trabalhando pela ideologia na qual acredita, a da direita. Deixa, permite, acumplicia, com o papel de “cabo eleitoral” de Bolsonaro no pleito. E, nesse estado de leniência, o que fez foi propiciar com o esticar do tempo, que vicejasse um Marçal.

Quando Jair terminar o seu périplo pelo país, elegendo prefeitos e vereadores à vontade – embora venha perdendo fôlego para alguém mais esperto, apena isso, mais esperto -, aí, sim, Gonet entra em cena para indiciar aqui, aliviar ali, pois nesse caso Bolsonaro já terá jogado o jogo da torcida do PGR. Vergonhosa a postura de Paulo Gonet. Agora me perguntem se estou surpresa. Nem um pouco. Eu e colega avisamos...

 

Fonte: Jornal GGN/Brasil 247

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