Doméstica de 94 anos e mais 592 são
resgatados da escravidão após megaoperação
UMA MEGAOPERAÇÃO com
23 equipes de fiscalização resgatou 593 pessoas de condições análogas às de
escravo em 125 ações em 15 estados e no Distrito Federal. Dessas, 16 são
crianças e adolescentes e duas trabalhadoras domésticas – uma delas com 94
anos, a pessoa mais idosa a ser retirada da escravidão contemporânea no país.
A Operação Resgate 4,
realizada entre 29 de julho e 28 de agosto, foi um esforço concentrado de
auditores fiscais do Ministério do Trabalho e Emprego, procuradores do
Ministério Público do Trabalho e do Ministério Público Federal, agentes da
Polícia Federal e da Polícia Rodoviária Federal e defensores da Defensoria
Pública da União.
Realizada anualmente,
a Operação Resgate tem sido uma das maiores de combate a esse crime, não pelo
número de resgatados (em 2007, 1.064 foram libertados em uma só fazenda de cana
e usina em Ulianópolis, no Pará), mas pela estrutura envolvida, a quantidade de
ações fiscais simultâneas e a diversidade de atuação.
No ano passado, a
terceira edição resgatou 532 pessoas em 22 estados e no Distrito Federal. Ou
seja, 2024 representou um aumento de 11,5% no total de vítimas encontradas.
Vale ressaltar que ações de resgate comuns são realizadas semanalmente no
Brasil desde maio de 1995.
Entre as atividades
com o maior número de vítimas na zona rural estão o cultivo de cebola (141
pessoas), a horticultura (82), o cultivo de café (76) e o cultivo de alho (40).
Em áreas urbanas, destacaram-se a construção civil (44), as clínicas para usuários
de drogas (18), os restaurantes e similares (16) e os condomínios prediais
(16).
• Doméstica é pessoas mais idosa resgatada
da escravidão contemporânea
Houve inspeção em dez
ambientes domésticos, com duas trabalhadoras resgatadas. Uma com 52 anos, em
São Paulo, e outra com 94 anos, em Mato Grosso – a pessoa mais idosa a ser
resgatada da escravidão contemporânea.
Dados da fiscalização
mostram que ela trabalhou por 64 anos sem salário e sem acesso à educação. Ela
cuidava da patroa, uma mulher com 90 anos e com Alzheimer. A fiscalização
garantiu à trabalhadora o usufruto da casa onde morava e todas as despesas pagas
pela família da empregadora, incluindo a contratação de cuidador para ela e um
salário mínimo por mês.
Com isso, a Operação
Resgate 4 quebra um triste recorde que havia sido obtido na edição anterior. Em
2023, uma trabalhadora doméstica negra de 90 anos foi encontrada em uma
residência no Grajaú, Zona Norte do Rio de Janeiro. Ela trabalhava para a mesma
família há 50 anos e, como doméstica, há 16. Entre suas tarefas estava cuidar
de uma mulher de mais de 100 anos, mãe de sua empregadora. Dormia em um sofá.
Até agora, ela era a
pessoa mais idosa resgatada desde que o Brasil implementou o seu sistema de
combate à escravidão contemporânea em 1995.
Naquele momento, ela
já havia tirado esse triste título de outra mulher de 85 anos, resgatada de
condições análogas às de escravo após 72 anos trabalhando como empregada
doméstica para três gerações de uma mesma família também no Rio em maio de
2022. Nesse período, cuidou da casa e de seus moradores, todos os dias, sem
receber salário, segundo a fiscalização. Essa ainda é a mais longa duração de
exploração de uma pessoa em escravidão contemporânea desde 1995, quando os
resgates sistemáticos começaram.
Os estados com mais
resgatados foram Minas Gerais (292), São Paulo (142), Pernambuco (91) e
Distrito Federal (29). Mas também houve vítimas libertadas no Amazonas, Goiás,
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul. O
Sudeste concentrou 75% das vítimas.
• Mais de 63 mil foram resgatados da
escravidão desde 1995
Também houve resgate
de estrangeiros. Quatro trabalhadores argentinos foram retirados de condições
análogas às de escravo, no município de Anta Gorda (RS), a 185 quilômetros de
Porto Alegre. Eles trabalhavam na extração, corte e carregamento de lenha de eucalipto
a ser usada por ervateiras e laticínios da região.
“Esses trabalhadores
migrantes são tratados de forma descartável. Quando não mais necessários,
simplesmente são mandados embora e, muitas vezes, voltam para o seu país sem
dinheiro algum. Dessa forma, alguns têm que fazer bicos até conseguirem juntar
o suficiente para comprar uma passagem”, afirmou à coluna a auditora fiscal do
trabalho Lucilene Pacini, coordenadora da operação.
Desde 1995, quando o
Brasil reconheceu diante das Nações Unidas a persistência de trabalho escravo,
mais de 63 mil pessoas foram resgatadas por grupos de fiscalização com a
participação dessas instituições. A diferença é que a Operação Resgate realiza
um ataque ao crime de forma simultânea, tanto na área urbana quanto na rural.
Por enquanto, a
estimativa de verbas rescisórias e direitos já pagos pelos empregadores é de R$
1,9 milhões. O total estimado é de quase R$ 3,5 milhões. Há pagamentos em
andamento e empregadores que se negaram a quitar suas dívidas e serão cobrados
na Justiça. Os trabalhadores também vão receber três parcelas de um salário
mínimo do seguro-desemprego especial para resgatados da escravidão, criado em
2003.
O Ministério Público
do Trabalho e a Defensoria Pública da União também estão firmando acordos para
o pagamento por danos morais individuais e coletivos.
A operação também
coletou provas para responsabilizar, na esfera criminal, os envolvidos na
exploração dos trabalhadores e assegurar a reparação dos danos individuais e
coletivos causados aos resgatados.
• Trabalho escravo contemporâneo no Brasil
A Lei Áurea aboliu a
escravidão formal em maio de 1888, o que significou que o Estado brasileiro não
mais reconhece que alguém seja dono de outra pessoa. Persistiram, contudo,
situações que transformam pessoas em instrumentos descartáveis de trabalho, negando
a elas sua liberdade e dignidade.
Desde a década de
1940, a legislação brasileira prevê a punição a esse crime. A essas formas
dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea,
condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo
149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea
por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir),
servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas),
condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco
a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo
esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua
saúde e vida).
O grupo especial móvel
de fiscalização, que completou 29 anos no mês de maio, e é composto pelos
órgãos que participam da Operação Resgate, é a base no combate a esse crime no
país.
Os mais de 63 mil
trabalhadores resgatados estavam em fazendas de gado, soja, algodão, café,
frutas, erva-mate, batatas, cebola, sisal, na derrubada de mata nativa, na
produção de carvão para a siderurgia, na extração de caulim e de minérios, na
construção civil, em oficinas de costura, em bordéis, entre outras atividades,
como o trabalho doméstico.
No total, a pecuária
bovina é a principal atividade econômica flagrada desde 1995. Números
detalhados sobre as ações de combate ao trabalho escravo podem ser encontrados
no Painel de Informações e Estatísticas da Inspeção do Trabalho no Brasil.
• Anta Gorda é palco de resgate de quatro
argentinos escravizados na lenha
QUATRO TRABALHADORES
argentinos foram resgatados de condicões análogas às de escravo, nesta sexta
(23), no município de Anta Gorda (RS), a 185 quilômetros de Porto Alegre. Eles
trabalhavam na extração, corte e carregamento de lenha de eucalipto a ser usada
por ervateiras e laticínios da região.
A operação foi
realizada pela Superintendência do Trabalho e Emprego no Rio Grande do Sul,
pelo Ministério Público do Trabalho e pela Polícia Rodoviária Federal.
“Esses trabalhadores
migrantes são tratados de forma descartável. Quando não mais necessários,
simplesmente são mandados embora e, muitas vezes, voltam para o seu país sem
dinheiro algum. Dessa forma, alguns têm que fazer bicos até conseguirem juntar
o suficiente para comprar uma passagem”, afirmou à coluna a auditora fiscal do
trabalho Lucilene Pacini, coordenadora da operação.
De acordo com ela,
nessa região, esse tipo de situação, com extração de madeira envolvendo
migrantes argentinos, é comum. Empregadores vão buscá-los do outro lado da
fronteira, depois os colocam em situações degradantes.
O trabalhador há mais
tempo na propriedade estava no serviço desde o mês de maio. Ele teve a passagem
para o Brasil descontada da remuneração, o que é proibido por lei. O empregador
deve garantir o custeio da vinda e do retorno caso a contratação ocorra fora do
local do serviço.
Estavam em situação de
completa informalidade, sem autorização para trabalho, nem carteira assinada. A
fiscalização caracterizou condições degradantes de trabalho, um dos elementos
que, de acordo com o artigo 149 do Código Penal, configuram a escravidão contemporânea
no país.
“Um dos trabalhadores
estava em um anexo improvisado de um galpão, sem porta, piso bem rústico,
muitas frestas, sem banheiro e com goteiras que deixavam passar a chuva. A
equipe de fiscalização quase congelou no local, imagine dormir por lá”, afirmou
a procuradora do Ministério Público do Trabalho Franciele D’Ambros, que
participou da operação.
Outros três estavam
alojados em uma casa abandonada. Não havia água, o que obrigava os
trabalhadores a fazerem suas necessidades fisiológicas no mato e pedirem água
para beber.
Também não havia
fornecimento de equipamentos de proteção individual, nem treinamento para
operar a motosserra.
No total, as verbas
rescisórias pagas aos quatro resgatados somaram R$ 23,6 mil. A fiscalização
providenciou a emissão de CPF e de carteira de trabalho a todos. O empregador
também teve que arcar com hospedagem no hotel e as passagens de volta à
Argentina.
As autoridades ainda
não revelaram o nome do produtor envolvido porque ainda está em negociação um
acordo de indenização por danos morais para os trabalhadores. O empregador não
foi preso em flagrante porque ele não estava no local no momento da operação.
• Trabalho escravo hoje no Brasil
Desde a década de
1940, o Código Penal Brasileiro prevê a punição a esse crime. A essas formas
dá-se o nome de trabalho escravo contemporâneo, escravidão contemporânea e
condições análogas às de escravo.
De acordo com o artigo
149 do Código Penal, quatro elementos podem definir escravidão contemporânea
por aqui: trabalho forçado (que envolve cerceamento do direito de ir e vir),
servidão por dívida (um cativeiro atrelado a dívidas, muitas vezes fraudulentas),
condições degradantes (trabalho que nega a dignidade humana, colocando em risco
a saúde e a vida) ou jornada exaustiva (levar ao trabalhador ao completo
esgotamento dado à intensidade da exploração, também colocando em risco sua
saúde e vida).
Desde a criação dos
grupos especiais de fiscalização móvel, base do sistema de combate à escravidão
no país, em maio de 1995, mais de 63 mil trabalhadores foram resgatados.
Participam desses grupos, além da Inspeção do Trabalho, o Ministério Público do
Trabalho, Ministério Público Federal, Polícia Federal, Polícia Rodoviária
Federal e Defensoria Publica da União.
Denúncias de trabalho
escravo podem ser feitas de forma sigilosa no Sistema Ipê, sistema lançado em
2020 pela Secretaria de Inspeção do Trabalho (SIT) em parceria com a
Organização Internacional do Trabalho (OIT). Dados oficiais sobre o combate ao
trabalho escravo estão disponíveis no Radar do Trabalho Escravo da SIT.
Fonte: Por Leonardo
Sakamoto, em Repórter Brasil
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