Luís Humberto Carrijo:
‘O viralatismo e as mentiras da Folha’
A Folha de S. Paulo,
que no passado colaborou com a ditadura militar, saiu de vez do armário. Perdeu
os escrúpulos e mostra sem medo sua face entreguista. Mas nunca se sabe qual é
a verdadeira emboscada atrás da provocação até que ela aconteça. O editorial “O
que a Folha pensa: Privatizar Petrobras, Caixa e Banco do Brasil" pode
tanto antecipar uma campanha publicitária ideológica, para impor a agenda da
elite econômica ao Congresso Nacional como pode ser um truque diversionista de
algo pior que está por vir, pior até mesmo que a apologia à entrega do patrimônio
público ao capital transnacional.
Mas limitando-se a
decompor o editorial, percebemos que o jornal do clã Frias, para sustentar sua
narrativa, recorre a retóricas e reforça anacrônicos estereótipos, uma ideia
fixa e simplificada sobre as estatais, longe de corresponder à realidade.
O primeiro parágrafo
já traz uma inconsistência. A visão otimista da Folha de que o programa de
privatização nos governos neoliberais quebrou tabus e preconceitos não se
sustenta quando analisamos os fatos e as evidências disponíveis. As
privatizações não conseguiram resolver problemas econômicos estruturais do país
e não foram suficientes para estabilizar a economia ou evitar o endividamento
crescente. A desestatização de lesa-pátria do governo de Fernando Henrique
Cardoso arrecadou cerca de 78,61 bilhões de dólares, mas a dívida pública
aumentou de 60 bilhões de dólares em 1994 para 245 bilhões em 1998.
As privatizações
resultaram em um aumento do controle estrangeiro sobre setores estratégicos,
como telecomunicações e energia, estrangulando a soberania econômica do Brasil.
Além disso, os benefícios econômicos das privatizações se concentraram em uma
pequena elite, exacerbando as desigualdades sociais e econômicas existentes.
A promessa de que a
privatização melhoraria a qualidade dos serviços não se concretizou. No setor
de telecomunicações, os consumidores enfrentam tarifas altas e serviços de
baixa qualidade, especialmente em áreas rurais, onde a operação é menos
lucrativa.
Desmentindo a Folha,
pesquisas de opinião do Datafolha, do Grupo Folha, realizadas em 2019 indicaram
que dois terços dos brasileiros eram contrários à privatização de serviços
públicos. Outra, de 2023, mostrou que mais de 50% dos entrevistados eram contra a
privatização de estatais, como Petrobras e bancos públicos, revelando que a
percepção geral era de que as privatizações pioraram os serviços prestados à
população em setores como telefonia, energia elétrica e água. Essa rejeição não
é apenas partidária ou ideológica, mas reflete preocupações reais sobre a
qualidade e acessibilidade dos serviços.
As implicações
negativas das privatizações no auge dos governos neoliberais no Brasil
desmentem, ainda, o ufanismo enganoso do editorial. Casos como as tragédias de
Brumadinho e Mariana, envolvendo a Vale, por exemplo, destacam a falta de
responsabilidade socioambiental em empresas privatizadas. A busca alucinada por
lucros incessantes comprometeu a segurança e o bem-estar das comunidades
locais. Sem contar os benefícios fiscais da ordem de R$ 26 bilhões que a Vale
recebe todo ano, montante acumulado que paga e sobra o que foi gasto na sua
compra.
Já a Embraer, outro
exemplo de empresa privatizada percebida como bem-sucedida, segundo a Folha,
recebe incentivos e injeções de recursos públicos desde que foi desestatizada.
Nos últimos 26 anos, a empresa acumulou financiamentos públicos que somam cerca
de 25,6 bilhões de dólares. Ou seja, as gigantes privatizadas continuam ainda
dependendo do Estado para crescer. A diferença está que, antes, o lucro do
dinheiro público investido nas outrora estatais revertia para o Tesouro
Nacional e o povo brasileiro, agora fica nas mãos de poucos magnatas.
Em outras palavras, as
teses “catastróficas” sobre as privatizações, do ponto de vista do interesse do
povo brasileiro, se confirmaram. As desconfianças em relação às privatizações
continuam válidas, ao contrário do diz a Folha, que continua à vontade para
mentir impunemente (por isso sua guerra santa contra o inquérito das fake News
do ministro Alexandre de Morais).
Sem se enrubescer, o
jornal desinforma quando afirma que as estatais, como a Petrobras, são
ineficientes. Muito longe disso. Historicamente, a empresa tem sido uma das
mais lucrativas da América Latina, com um histórico de valorização
significativa na bolsa, o que justifica expressiva alta de suas ações em quase
8%, no dia 26 de agosto.
Além disso, a
Petrobras é líder em inovação no setor de petróleo, com investimentos robustos
em pesquisa e desenvolvimento, focados na transição energética e
descarbonização. Isso demonstra seu papel como uma empresa inovadora e
estratégica para a soberania nacional, garantindo a autossuficiência em
petróleo. A defesa da privatização da petroleira pela Folha reflete, na
verdade, descontentamento de concorrentes da estatal que se sentem prejudicados
pela força da Petrobras.
Invocar as agências
reguladoras como se fossem uma panaceia para proteger a sociedade e os
consumidores é outra balela. Não vivemos na Noruega, e sabemos o quão forte é a
influência das grandes corporações de setores estratégicos sobre os
reguladores, que agem mais para desregular e desembaraçar do que para
normatizar e fiscalizar, a fim de beneficiar empresas privadas em detrimento
dos consumidores e do meio ambiente.
Isso é evidente nos
setores de telecomunicações e mineração. Sem a prometida e saudável
concorrência, as operadoras e as mineradoras construíram um oligopólio privado.
As poucas empresas do setor de telefonia, por exemplo, formaram um cartel para
combinar preços, sem chances para o consumidor.
Das estatais, a única
que foi preservada da verborragia da família Frias foi a Embrapa. O jornal a
trata, dissimuladamente, como a joia do interesse público. Não é do interesse
público, mas do agronegócio, que lucra bilhões graças ao trabalho duro do instituto
de pesquisa agropecuária.
Na campanha
difamatória do jornal do clã Frias, o jornal acusa, sem provas, a petroleira e
os bancos públicos de má gestão, apesar de reportarem ano após ano lucros e
distribuírem dividendos bilionários aos acionistas. Ao mesmo tempo, sugere que
essas empresas estariam em melhores mãos da iniciativa privada, ancorando-se na
falácia da eficiência e da competitividade dos empreendedores particulares,
entendidas erroneamente como “ágeis e inovadoras para responder à pressão do
mercado e à necessidade de gerar lucro”.
Não é bem isso que
testemunhamos recorrentemente no Brasil. O que dizer das fraudes bilionárias,
má gestão e falta de governança, além da péssima prestação de serviço, em
inúmeras gigantes corporativas, como a Americanas, a IRB Brasil Resseguros, a
Enel, a Light, a Oi, para citar algumas?
A privatizada
Eletrobras, por exemplo, está agora sob o comando de um executivo de ética
questionável, Ivan Monteiro, um dos acusados de fraude contábil no IRB Brasil
de cujo Conselho de Administração foi presidente até 2020. É esse tipo de
gente, com ficha corrida, que a Folha pensa ser a melhor gestora para empresas,
como a Petrobras e Caixa Econômica.
Por conta de todos
esses contra-argumentos, é mais do que natural deduzirmos, que se a Folha é
capaz de mentir descaradamente em seu editorial, os conteúdos não apenas
opinativos, mas também os informativos, estão sob suspeita. Não seria demais
inferir que até as reportagens estariam servindo de apoio à guerra
desinformativa e aos propósitos pouco republicanos do jornal. Em poucas
palavras, concluímos que o que a Folha publica não é definitivamente
confiável.
¨ A Folha e a privatização: “perdeu, mané, não amola”
O jornal Folha de São
Paulo publicou em 25 de agosto seu editorial (O que a Folha pensa)
refletindo sobre a temática das privatizações, tentando recolocar na ordem do
dia uma agenda derrotada em 2022. Os alvos escolhidos foram a Petrobrás, a
Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, o “trio de gigantes” que, segundo
reza o jornal, “deve ser o próximo tabu a ser derrubado no bem-sucedido
programa brasileiro de desestatização”.
O editorial começa
exaltando as privatizações realizadas a partir do Programa Nacional de
Desestatização, lançado por Fernando Collor em 1990 e parte do trágico Plano
Brasil Novo. A privatização de empresas e serviços públicos virou um vício
nacional, religiosamente alimentado pelo financismo, suas mídias e seus
economistas.
O conjunto de bens e
serviços outrora produzidos pelo Estado e endereçados ao bem-estar público
adquire outra finalidade: engordar margens e massas de lucros do setor privado.
O dinheiro que vai para os cofres do governo é estéril, não pode ser investido
em outros setores e serve apenas para amortizar a dívida pública, além de
eventualmente estancar crises de balanço de pagamentos, como no período do
Plano Real. As quantias arrecadadas ficam abaixo do valor real da empresa
privatizada, isto é, do potencial de lucros futuros trazidos à valor presente.
Ou seja: as grandes empresas (em geral estrangeiras, e, às vezes, estatais
estrangeiras) adquirem o ativo nacional com desconto e financiamento
subsidiado, lucrando na partida e aumentando seus lucros conforme manipulam
preços, custos e margens para maximizar o valor repassado ao acionista.
Os benefícios
prometidos – aumento de eficiência produtiva, inovação tecnológica, preços mais
baixos ao consumidor etc. – ficam somente nos livros-texto que martelam a
pregação sobre a concorrência perfeita e o equilíbrio intertemporal. Na
prática, as coisas são bem diferentes.
Os gestores da antiga
empresa pública, agora privada, aumentam seus salários indiscriminadamente. A
diretoria da Eletrobrás aumentou em 10 vezes os rendimentos dos membros do
conselho de administração (que votaram majoritariamente pela desestatização) tão
logo a empresa foi privatizada.
A preocupação
ambiental custa caro e opõe obstáculos na busca pelo lucro. Não podemos deixar
de lembrar da Vale e sua responsabilidade nos casos de Brumadinho, Mariana e
Maceió.
Os ativos dos bancos
estaduais e suas linhas de crédito acessíveis às empresas nacionais e ao
consumidor comum engordaram os balanços dos grandes bancos, e suas dívidas com
a União foram convenientemente reequacionadas com deságios expressivos,
conforme revelou o PROER. As concessões de crédito direcionadas e de longo
prazo se transformaram em crédito caro com taxas flutuantes e de curto prazo.
O governo, que em
alguns casos mantém participações minoritárias nas empresas, assiste impotente
à redução dos investimentos e à desidratação das finalidades públicas das
empresas privatizadas. O acionista da grande empresa passa a receber gordos
dividendos (não tributados, aliás). A nova controladora abre logo um largo
programa de demissões, espremendo ao máximo seus custos e restringindo os
reajustes salariais. Depois, ninguém se importa com a qualidade do serviço. O
consumidor de energia elétrica que o diga.
Parece existir, na
compreensão dos responsáveis pelo editorial, apenas a dicotomia “Estado x
mercado”. De um lado, o Estado corrupto, ineficiente e gastador. Do outro, o
setor privado responsável, eficiente e transparente. Como se fosse
possível organizar o mercado sem a ação do Estado.
Segue a cantilena:
“Esse
aparato é custosamente mantido sob o comando do Estado, sobretudo, por
interesses políticos e sindicais. Invocam-se pretextos nacionalistas e
estratégicos para preservar o poder de lotear cargos, distribuir favores e
bancar projetos de retorno duvidoso, para nem falar em lisura.
Petrobras
e Caixa, especialmente, são assíduas no noticiário sobre aparelhamento e má
gestão. Ajustes legislativos nos últimos anos trouxeram melhora da governança,
sim, mas continuam sob assédio das forças reacionárias e intervencionistas à
esquerda e à direita, sujeitos a retrocessos.
O caminho
a seguir é a privatização criteriosa, com modelos que incentivem a competição e
regulação que salvaguarde os interesses dos consumidores. Há um trabalho de
convencimento a fazer e um longo processo de conhecimento a ser aproveitado.”
Curioso notar que o
“intervencionismo” destacado acima jamais incomodou a Folha durante o governo
militar que a mesma Folha apoiou, inclusive com recursos materiais. Razão pela
qual seu discurso privatista não pode ser outra coisa senão hipócrita e autoritário.
Privatizar a
Petrobrás, a Caixa e o Banco do Brasil é um sonho antigo do rentismo. Imagine o
leitor que a participação do setor bancário público cresce consistentemente
acima da participação privada, em especial no crédito habitacional, rural
e nas linhas de financiamento de médio/longo prazo, com taxas de juros pelo
menos 50% menores que as praticadas pelos bancos privados (segundo estudo do
DIEESE), constituindo a única barreira consistente contra a elevação do
já abusivo spread bancário praticado no Brasil, visto que o
Bacen, em tese o regulador do mercado financeiro, é totalmente submisso aos
interesses dos regulados.
Nas crises recentes,
das quais somente agora estamos nos recuperando efetivamente, não fossem os
bancos públicos elevando seus volumes de crédito, enquanto os bancos privados
os reduziam, a depressão seria ainda pior. Não se trata, de modo algum, de ineficiência,
aparelhamento ou corrupção, mas de submeter o interesse público aos vícios
privados de nossa elite financeira.
O caso da Petrobrás é
ainda mais escandaloso. Não bastasse a Folha se alinhar ao lavajatismo na
primeira hora, ajudando a destruir a reputação da empresa e paralisar os
investimentos no pré-sal, foi grande entusiasta da política de Preço de
Paridade Internacional (PPI), criadora da farra especulativa com os preços das
ações da companhia aqui e lá fora. A Folha ajudou a demonizar a reversão das
políticas de preços e de dividendos que haviam criado uma situação inédita
entre as empresas do setor petrolífero mundo afora: distribuir 100 vezes mais
em dividendos do que novos investimentos, chegando a distribuir 99% de
resultados inflados pelos preços cotados em dólar pagos pelo consumidor.
As refinarias
privatizadas a preços de retalho constituem monopólios regionais, o que permite
que operem com preços acima dos praticados pela estatal. Em benefício de quem?
Do público, como diz a Folha, certamente não.
O autoritarismo
privatista é hipócrita. Estranhamos a Folha falar em “lisura” e transparência
que, afirmam, sobram no setor privado e inexistem no setor público. Não consta
nos registros do jornal um editorial sequer exigindo punição aos acionistas
controladores das Lojas Americanas e aos gestores responsáveis pelo escândalo
que lesou financeiramente milhares de empregados, consumidores, fornecedores e
pequenos investidores. No único editorial sobre o caso, em 13 de janeiro de
2023, a Folha se limitou a apoiar as investigações e pedir punições
para a empresa. Algo em relação aos responsáveis e beneficiários da fraude?
Oito dias depois vem a resposta em artigo elogioso sobre o trio de acionistas
majoritários cuja reputação, abalada pelo escândalo, preocupou a Folha: “crise
da Americanas ameaça reputação de bilionários brasileiros”.
De volta aos instintos
privatistas da Folha, devemos ao leitor sintetizar a teoria econômica por trás
dos moralismos e hipocrisias do fascismo de mercado.
A ideologia liberal
que a sustenta entende que a industrialização brasileira foi um equívoco
monumental, empurrada artificialmente pelas mãos do Estado e sustentada à custa
de um protecionismo causador de distorções insuportáveis.
Segundo eles, posta a
casa em ordem, haverá uma regeneração espontânea dos mecanismos fundamentais da
economia de mercado. As forças de longo prazo promoverão a eficiente alocação
de recursos em cada momento e ao longo do tempo. Haverá poupança suficiente
para financiar os investimentos, desde que as taxas de juro reais, formadas em
mercados financeiros desobstruídos, sejam capazes de exprimir a preferência da
comunidade. O crescimento será estável e duradouro e a taxa de desemprego será
fixada no seu nível “natural”. A distribuição de renda corresponderá à
contribuição efetiva de cada um à formação do produto anual.
A eficiência dos
mercados é uma ilusão saborosa, mas esse “equilíbrio natural” não existe.
Nelson Rodrigues nos alertou sobre a torpeza das unanimidades. Se todos pensam
que o mercado é eficiente, isso diz mais sobre a eficiência da pregação do que
sobre a crença em si, e nada diz sobre o etéreo deus-mercado. Uma economia
“equilibrista”, “natural”, de “concorrência perfeita” e sem incertezas. Onde
existe?
Negar o papel do
Estado para o desenvolvimento social e econômico, ou tentar reduzi-lo a um
carimbador de contratos privados, vai muito além de uma corrente de pensamento.
Significa tomar partido dos endinheirados. Ninguém fala ou escreve abertamente
sobre ser a favor de que os ricos fiquem mais ricos às custas do restante da
população. Basta dizer que os vícios privados conduzem ao bem-estar geral e
que, no longo prazo, tudo estará em equilíbrio.
Preferimos, no
entanto, relembrar as considerações de Keynes sobre a relação Estado-mercado:
“O importante para o governo não é fazer as coisas que os indivíduos já estão
fazendo, e fazê-las um pouco melhor ou um pouco pior, mas fazer as coisas que
atualmente eles não podem fazer.”
Para a infelicidade de
quase todos, o fascismo de mercado não pode, não faz e não quer o
desenvolvimento social e econômico do país. Importa extrair riqueza – o mais
rapidamente possível – daquilo que já foi feito ao longo de décadas de
industrialização e luta pela soberania nacional.
Privatizar não
significa ampliar a capacidade produtiva, mas apenas transferir capacidades já
instaladas. Não significa aumentar a eficiência – exceto na extração de lucros
– e não traz benefícios ao público, apenas aos gestores de riqueza da Av. Faria
Lima, sempre ansiosos para alocar capitais ociosos sob sua gestão em negócios
já instalados, lucrativos e de baixo risco, ou não investiriam seu rico
dinheirinho. Não é a ineficiência estatal que atrai o interesse privatista,
mas, ao avesso, sua eficiência. Não à toa, três empresas eficientes e
lucrativas estão sob a mira da Folha. Todos sabemos, inclusive a Folha, quem
paga a conta e quem se banqueteia nessa festa.
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Assinam este artigo:
Luiz
Gonzaga Belluzzo
André Luiz
Passos Santos
Nathan
Caixeta
Murilo
Tambasco
Fonte: Brasil
247/Jornal GGN
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