Selva de Darién: fluxo de imigração ilegal
leva problemas ambientais para a região, dizem analistas
Dona de 5 mil km² de
matas tropicais, a selva de Darién, localizada entre a Colômbia e o Panamá, viu
o fluxo migratório crescer na região nos últimos anos. Saiba por que o trajeto
é considerado um dos mais perigosos do mundo e o que leva pessoas de vários
lugares do planeta a arriscarem suas vidas por lá.
Em entrevista ao
Mundioka, podcast da Sputnik Brasil, especialistas contam como o tráfego humano
pela selva de Darién tem prejudicado o bioma que, até pouco tempo, era praticamente
explorado apenas pelos indígenas que habitam a região.
Além disso, como os
governos de Colômbia, Panamá e a comunidade internacional lidam com os
problemas migratórios no caminho que faz milhares de pessoas buscarem o
"sonho americano"?
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'O tudo ou nada para viver uma vida
interessada em chegar aos EUA'
De acordo com a
Organização Internacional para as Migrações (OIM), que faz parte Organização
das Nações Unidas (ONU), no ano passado, cerca de 520 mil pessoas passaram pela
região, o maior registro já feito até então.
"A selva de
Darién é uma rota irregular que conta com montanhas íngremes, rios e clima
tropical. Além das questões naturais, quem passa por ali tende a enfrentar
também 'coiotes e traficantes de pessoas'", comenta Ana Paula Rodriguez,
doutora em história comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), especialista em estudos migratórios, consultora da Global Mobility e
consultora ad hoc da OIM.
Se até 2016 tínhamos
principalmente haitianos e cubanos se arriscando pelo trajeto, atualmente,
segundo Rodriguez, é possível ver colombianos, venezuelanos e até mesmo
populações de outros continentes, como da África e da Ásia, passando pelo local
para chegar à América do Norte.
Para fazer a
travessia, a especialista em estudos migratórios conta que muitos investem um
valor alto, seja pagando coiotes para levá-los ou investindo em equipamentos
para passar dias na selva.
"Há uma série de
equipamentos que as pessoas precisam adquirir para poder atravessar entre cinco
e nove dias de selva para sobreviver. […] Há um investimento alto em barracas
de camping, em água, em alimentos, alimentos que não vão estragar, repelente.
Também tem repelente para cobra para poder jogar perto dos acampamentos",
relata.
Nesse caminho, sujeito
a contrabando e tráfico de pessoas, apostam tudo, inclusive a vida, "para
se viver uma nova vida com interesse em chegar aos Estados Unidos",
acrescenta.
Dentre das opções,
passar por Darién seria a 'menos pior'?
Segundo Bruno Lima
Rocha, cientista político, jornalista e professor de relações internacionais, é
preciso entender a rota para avaliar as escolhas dos migrantes.
"A Colômbia tem
duas costas: […] uma costa do Pacífico e uma costa Caribe Atlântica. Ambas as
costas têm basicamente dois portos que têm volume", começa.
Um dos portos, o do
Valle Del Cauca, "historicamente serve ao narcotráfico", conta. O
outro, próximo a Barranquilla, "também tem um volume de carga gigantesco e
é meio complicado", resume.
Portanto, a selva de
Darién é escolhida como rota pela ausência do paramilitarismo e presença do
narcotráfico em pequena escala, explica o professor.
"É o menos
perigoso que tem para cruzar rumo à rota terrestre da América Central ou à rota
marítima buscando asilo ou imigração ilegal nos Estados Unidos", ressalta.
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Como o alto fluxo de pessoas na região tem
trazido problemas para Darién?
Desmatamento, afetação
aos povos originários, contrabando. Todos esses problemas estão na ordem do dia
devido ao alto fluxo de pessoas atravessando o Tampão de Darién, como também é
conhecida a selva.
Rodriguez comenta que
os principais desafios ambientais na região estão conectados à expansão da
agricultura e da extração de madeira, que geram "perda de habitat para
diversas espécies".
Junto a isso, soma-se
a "questão da associação ao narcotráfico e à imigração irregular",
que geram insegurança para as comunidades locais, sobretudo para os povos
indígenas que habitam a região.
"Essas próprias
comunidades indígenas estão sentindo que aos poucos vão tendo invasão dos
territórios, conflitos pela posse por mudanças de rota que às vezes pretendem
passar por dentro das comunidades indígenas", diz a analista.
Em relação à
fiscalização como medida para coibir as degradações ambientais e humanitárias,
a especialista em estudos migratórios afirma que o que é proposto nesse sentido
não "dá conta de absorver".
Ou seja, conforme
descreve Rodriguez, na cidade de Necoclí, no litoral colombiano, "ficam
misturado turistas e pessoas que pretendem fazer uma travessia de barco, que é
perigosíssima. São ondas muito altas, de duas horas até chegar à entrada de
Darién". Ali, conta a pesquisadora, há uma situação escancarada onde ficam
turistas, migrantes e traficantes de pessoas, o que dificulta a ação de
repreensão por parte das autoridades.
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Como os países podem trabalhar para
resolver o problema?
Como solução
migratória, e para as populações indígenas, em um cenário onde a rota deixar de
existir não parece viável, Rodriguez sugere trabalhos que permitam a
"participação indígena nessa gestão migratória", levando em conta o
direito desses povos.
"Para que a gente
faça uma política ambiental atrelada a uma gestão migratória, onde tem de um
lado traficantes, contrabandistas de pessoas, tráfico de drogas, inclusive
extração ilegal de madeiras, e comunidades indígenas, é muito importante também
que se integre o conhecimento dos indígenas das regiões, das rotas, para poder
incluir nessas abordagens científicas e políticas", sugere.
Para a analista, o
modelo de solução sustentável atrelado a esses projetos de cogestão poderiam,
ainda, contar com acordos de governança regional, tanto dos países, das
comunidades indígenas e, também, com a colaboração do terceiro setor,
"tanto na proteção do meio ambiente quanto dos migrantes e dos
indígenas", arremata.
"Tanto o governo
da Colômbia como o governo do Panamá estavam muito tranquilos com Darién sendo
um bioma preservado porque não tinham uma obrigação maior de segurança",
comenta Lima Rocha. Agora, com o fluxo de milhares de pessoas pelo Tampão, os
órgãos públicos devem trabalhar para mitigar os prejuízos no local.
Para o professor,
"aumentar o nível de controle talvez seja a solução menos pior",
tratando-se de medidas a curto prazo, dado o risco do controle do território
por máfias ou, mesmo, a intervenção direta dos EUA.
"Eu entendo que a
solução menos pior seria aumentar o controle de ambos os governos na região,
tentar preservar ao máximo os biomas dentro do possível, não urbanizar de jeito
nenhum porque vai ser um 'biocídio'", avalia.
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EUA, o principal destino: como se
comportam?
Em relação ao problema
migratório de forma geral, Rodriguez ressalta que o fator-chave para solucionar
a questão seria "cooperação internacional e reduzir os fatores de
desigualdade entre os países, preponderantes para levar pessoas a quererem
migrar".
Entretanto, em vez de
trabalharem juntos para uma solução global da migração irregular, "cada
país prefere acirrar suas políticas migratórias, suas políticas de fronteira,
de forma a coibir e tratar a imigração como um grande problema", analisa,
reafirmando que alguns Estados promovem políticas mais acirradas, como é o caso
de "países europeus e Estados Unidos, Austrália".
O processo migratório,
um direito que consta na Carta da ONU para que as pessoas busquem melhores
condições de vida, é limitado pela soberania dos Estados. "É um direito
incompleto do indivíduo", pontua.
Os EUA, principal
destino dos migrantes que atravessam o Tampão de Darién, tratam os processos
migratórios como questão de segurança no âmbito político. "A política
migratória norte-americana está incluída na política de segurança e defesa dos
Estados Unidos, então a migração irregular é vista realmente como uma
ameaça", explica a especialista.
A política dos EUA,
portanto, vai se estabelecer como "uma política de repressão, tentar
reprimir o máximo e endurecer a política migratória", diz. Endurecendo,
por exemplo, as fronteiras com "drones armados, aumento de tecnologia de
fiscalização e monitoramento", finaliza Rodriguez.
¨
Por que cada vez mais
migrantes sul-americanos arriscam suas vidas na rota suicida do
Estreito de Darien?
Muita da
discussão sobre a imigração ilegal para os EUA tem, nas últimas semanas, mudado seu foco para o sul, para o Estreito de Darien. Essa rota traiçoeira e selvagem, repleta de perigos naturais e
relacionados à mais perigosa criminalidade, liga através de floresta densa a
América do Sul e a América Central. A área, que até poucos anos atrás era
considerada uma passagem quase impossível de ser realizada, tem registrado um
número crescente de pessoas arriscando suas vidas para tentar atravessar, a
caminho de pedir asilo nos EUA. Para explorar as razões, o The Conversation
conversou com Sara McKinnon,
uma especialista em imigração da Universidade de Wisconsin-Madison, que conhece profundamente a região e entrevistou centenas de
pessoas que atravessaram a travessia da selva. Os trechos mais importantes
dessa entrevista você pode ler abaixo:
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Onde fica o Estreito de Darien?
O estreito é um trecho
de selva densamente florestada que atravessa o norte da Colômbia e o sul do
Panamá. Com cerca de 97 quilómetros de extensão, o terreno é lamacento, úmido e
instável. Não existem estradas pavimentadas ali. Apesar disso, ele se tornou
uma rota importante para a migração humana global.
Dependendo de quanto
podem pagar, as pessoas têm de caminhar entre quatro a 10 dias, subindo
e descendo montanhas, atravessando rios de fortes correntes e se esgueirando
através da lama, carregando tudo o que têm - e muitas vezes com crianças muito
pequenas para andar - para tentar atravessar a passagem. Os que conseguem
apanham ônibus e vans que atravessam a maior parte da América Central e seguem
para norte, através do México, até à zona de fronteira com os EUA.
O serviço de telefonia
celular deixa de funcionar assim que as pessoas entram na floresta densa; os
migrantes dependem dos “guias” pagos e de outros migrantes para conseguirem
passar.
Na década anterior a
2021, cerca de 10.000 pessoas por ano fizeram esta rota a caminho do norte para procurar
residência nos Estados Unidos e no Canadá.
Então, em 2021, o
governo panamenho documentou 133.000 travessias, um
aumento dramático no movimento humano em um trecho de terra tão hostil. Em
2023, mais de meio milhão de pessoas transitaram
por esta parte do Panamá.
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Por que é tão perigoso?
A rota, e na verdade
todo o percurso que as pessoas fazem quando migram da América do Sul para a
América do Norte, é controlada por organizações criminosas que ganham milhões, se não bilhões de dólares, anualmente na economia criminosa da migração humana ilegal.
É impossível
atravessar esta faixa de terra sem a ajuda de um contrabandista, ou guia,
porque as organizações criminosas que controlam o território exigem um
pagamento pela passagem.
No entanto, o
pagamento não garante uma passagem segura. Por vezes, as próprias pessoas pagas
para facilitar a viagem extorquem os migrantes para obterem mais dinheiro. Há
também relatos de grupos armados que
emboscam as pessoas em trânsito para roubarem seus pertences e o dinheiro que
possam ter guardado e trazido escondido nas costuras das roupas.
A extorsão e o rapto
são fenômenos comuns, e a organização de ajuda médica Médicos Sem Fronteiras
relatou recentemente um aumento dos casos de agressão sexual em massa, em que
centenas de pessoas foram capturadas, agredidas e violentadas - muitas vezes na
frente de seus familiares. Em dezembro de 2023, uma pessoa foi agredida
sexualmente a cada 3½ horas durante
a travessia, de acordo com os Médicos Sem Fronteiras.
A natureza extrema da selva pantanosa também torna a viagem perigosa.
Os caminhos podem ser
muito lamacentos, especialmente na estação das chuvas. Nas partes montanhosas,
é muitas vezes necessário escalar rochas íngremes ou agarrar-se a uma corda
para não escorregar e cair de um penhasco.
O Missing Migrant
Project relatou 141 mortes conhecidas no
Estreito de Darien em 2023, o que é provavelmente uma fração do número real
devido aos desafios na notificação e recuperação de corpos.
Muitas das pessoas que
entrevistei e que tinham feito a viagem falaram de terem visto corpos ao longo
do caminho cobertos de lama, provavelmente o resultado de terem escorregado ou
caído para a morte.
Outros migrantes
deixaram marcas perto dos corpos, como pedaços de tecido amarrados a uma
árvore, e tiraram fotografias dos mortos, na esperança de que estas provas
possam um dia ajudar a recuperar os corpos.
Os rios também são
perigosos. As cheias repentinas e as cabeças d'água fazem com que muitas
pessoas sejam arrastadas e se afoguem nas águas lamacentas. São frequentes os
hematomas, cortes, mordidas de animais venenosos e fraturas. A elevada umidade
e o calor diários, combinados com a falta de água potável, fazem com que muitas
pessoas adoeçam com sintomas de desidratação grave.
As doenças
transmitidas por vetores, pela água e relacionadas com fungos são também bastante comuns.
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O que está por detrás do recente aumento do número de travessias?
A violência, a
insegurança e a instabilidade nos seus países de origem levam muitas pessoas a
deslocarem-se. Podem ir para outro local da sua região. Mas quando o nível de
violência e insegurança é semelhante nesse país vizinho, continuam a
deslocar-se para encontrar um lugar mais seguro para viver.
As opções de imigração
legalmente permitida são cada vez mais limitadas para as pessoas dos países de
economia mais frágil. Por exemplo, quando os governos implementam restrições
aos vistos de viagem para determinadas nacionalidades, isso afeta as opções de
deslocação disponíveis para a população desses países.
Em 2021, com a pressão
dos Estados Unidos, o México começou a exigir que os venezuelanos que viajavam para o México portassem vistos de
viagem. Isso significava que os venezuelanos que
esperavam pedir asilo nos Estados Unidos não podiam mais voar para o México
como turistas e depois se apresentar na fronteira a um agente da Alfândega e
Proteção de Fronteiras dos EUA para expressar seu medo de retornar ao seu país
de origem.
Os venezuelanos
tiveram de encontrar outro caminho para se deslocarem. E, para muitos, esse
caminho foi e continua a ser o trânsito irregular através do Estreito de Darien
sem documentos de viagem.
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Quem faz essa viagem?
Em 2023, das 520.085
pessoas que se deslocaram pela região, os venezuelanos representaram mais da metade, 328.650. Mas o total também incluiu 56.422 haitianos, 25.565 chineses,
4.267 afegãos, 2.252 nepaleses, 1.636 camaroneses e 1.124 angolanos.
A migração humana nas
Américas é um fenômeno global. É também um fenômeno cada vez mais diversificado
em termos de gênero e idade, como mostram dados do governo panamenho.
Os homens adultos constituíam pouco mais de metade das pessoas que atravessavam
o Estreito de Darien em 2023, e as mulheres adultas representavam 26% da
população.
As crianças com menos
de 18 anos constituíam 20% das pessoas que atravessavam, sendo que metade
dessas crianças tinham menos de 5 anos. Os pais podem estar a carregar as
crianças durante longos períodos da viagem, ou as crianças podem ter de
caminhar mesmo estando cansadas. O stress e a fadiga aumentam a probabilidade
de lesões ao longo do percurso.
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Como reagiram as autoridades?
As restrições à
emissão de vistos de viagem impostas por muitos governos só têm levado mais
pessoas a tentar esta rota perigosa. Os governos também têm sido pouco
receptivos à presença de grupos humanitários que ajudam os migrantes em
trânsito. No dia 7 de março de 2024, os Médicos Sem Fronteiras informaram que o governo panamenho deixaria de permitir que a
organização prestasse apoio aos migrantes. Este acesso reduzido aos cuidados de
saúde significará certamente uma passagem ainda mais perigosa.
Em maio de 2022, os
países das Américas anunciaram conjuntamente a Declaração de Los Angeles sobre Migração e Proteção para melhorar a coordenação regional na gestão da
migração.
Com isso, o governo
dos EUA implementou uma série de novos programas legais para se mudar para os EUA e escritórios de processamento de pedidos em países da América do Sul e da América Central que dão
às pessoas a oportunidade de solicitar o reassentamento de refugiados nos EUA,
liberdade condicional humanitária e reunificação familiar, e ter os vistos
processados enquanto esperam no exterior.
Mas esses programas
não estão disponíveis para pessoas de todas as nacionalidades. E alguns dos
programas também exigem documentos oficiais como passaportes, um requisito que
exclui muitos dos que atravessam o Estreito de Darien.
Fonte: Sputnik Brasil/The
Conversation
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