sexta-feira, 30 de agosto de 2024

O ócio, o cansaço e a guerra civil

Robert Louis Stevenson (1850-1894) é o escritor britânico que produz novelas juvenis fascinantes e também ensaios instigantes, como O elogio do ócio. “O que se chama de ócio, que não consiste de não fazer nada, mas de fazer demais do que não seja reconhecido nas descrições dogmáticas das classes dominantes, tem tanto direito de mostrar sua importância quanto o próprio trabalho”. Vale para aqueles românticos que “se recusam a entrar no páreo por dinheiro”. Logo, “implica ao mesmo tempo uma ofensa e um desestímulo às pessoas que entram”. O “americanismo” (a expressão já era utilizada) estigmatiza os que ousam rejeitar as convencionais sociais e a submissão à mais-valia.

A história é cheia de bukowskianos que pegam a estrada sem rumo e legam sonhos, sem platitudes de autoajuda. As cartilhas motivacionais sobre o self-made man compensam um Estado e um Deus ausentes. O status quo deixa os comuns à mercê do oportunismo caça-níquel em jornais, programas rádio e televisão, templos neopentecostais e intervenções de influencers em redes sociais. Profetas periféricos anotam mensagens mais honestas e combativas nas paredes, sem a intenção de lucrar.

Durante a ditadura civil-militar, no campus universitário federal então no centro histórico de Porto Alegre, jovens rebeldes reuniam-se num entroncamento viário batizado “esquina maldita”. O local funcionava como respiradouro no ambiente de ar rarefeito, dada a censura e a repressão dos órgãos de segurança estatais. O ócio dos desajustados pregava o mau exemplo ao empurrar para o fim da fila as aspirações de um emprego prestigioso, “das pessoas da sala de jantar”. Em troca, crescia a adesão político-ideológica da juventude ao projeto de sociabilidade criativa, pluralista, libertária.

  • Crise da globalização

Byung-Chul Han, em Sociedade do cansaço, afirma que cada época tem suas enfermidades. O século XX foi uma época “imunológica” com uma divisão nítida entre dentro e fora, o amigo e o inimigo. O modelo bacteriológico abate o que parece estranho, apesar de não representar um perigo e não ter propósito hostil. A ação purificadora envolve ataque e defesa, na dialética do gato e o rato.

O século XXI traz a forma “neuronal”: depressão, transtornos de déficit de atenção com síndrome de hiperatividade, transtorno de personalidade limítrofe, síndrome de esgotamento profissional. O cansaço é a resposta do corpo ao excesso de positividade (desempenho). Já a extrema direita é uma resposta à ocupação do organismo social pelo modernismo, o feminismo, o antirracismo, os grupos LGBTQIA+ e os partidos progressistas. O filósofo sul-coreano sabe que, se a globalização ativa um processo para o intercâmbio transnacional, a polarização não termina com o fim da Guerra Fria; diversifica os sintomas. “Passa e volta / a cada gole / uma revolta”, diz o haikai de Paulo Leminski.

O nacionalismo xenófobo contrapõe-se à Nova Ordem Mundial anunciada, com pompa, na década de 1980. Na Europa, o afã nacionalista mina a consolidação de uma união continental. Nos Estados Unidos, o ardor nacionalista embute no slogan America first a restrição ao globalismo comercial ou guerreiro. No Brasil, o bloco nacionalista desfila a viralatice no carnaval lesa-pátria. No hemisfério Norte e Sul, o autoritarismo ameaça a democracia, empregos formais e incrementa as iniquidades e as injustiças. O capitalismo não ronda as relações sociais; canibaliza-as. Não obstante, o cansaço que advém das promessas esquecidas evoca mudanças, no horizonte. Não está morto quem peleia. 

  • Caminhando descalço

O cansaço que recusa a lógica do labor produtivista é, em simultâneo, um convite ao lúdico onde as coisas perdem a decisibilidade e sua urgência. O fastio desperta “a vontade de caminhar com pés descalços na areia”, conforme o octagenário Jorge Luis Borges ao comentar do que se arrependia de não haver aproveitado mais, na longeva vida. A pertença, o parentesco, tudo se esvai no cansaço o qual lembra o Sabah que significa “parar”. Em especial, o lapso remete às atividades artísticas e culturais que não buscam metas burocráticas, senão aproveitar as brechas sistêmicas para refazer os hábitos em uma jornada do desejo e do valor de uso – sem os algoritmos mercadistas da Big Tech.

“Deus existe mesmo quando não há; mas o demônio não precisa de existir para haver”, decreta Riobaldo, em Grande sertão: Veredas. O cansaço é a oportunidade para superar o produtivismo, torcer no estádio, aplaudir o músico no parque, celebrar os espaços verdes, andar de mãos dadas, admirar o pôr do sol, abraçar os camaradas, imaginar a estrela no céu, vencer a rotina demoníaca.

Os indivíduos necessitam de energia social e organização política para o combate de classe, gênero e raça ao gran capitalismo que arranca a dignidade do ser humano, substitui-a por cifras de mercado e torna o cotidiano uma prosaica loja de conveniências. A crescente positividade acolhe inovações tecnológicas, terceirizações e inempregabilidades. A economia compartilhada converte cada um em vendedor, à espreita de clientes. Não conduz à resiliência política; destrói a condição humana na engrenagem que consome os consumidores na dinâmica inclemente da acumulação e coisificação.

  • Culpa de professores

Michel Maffesoli, em Apocalipse: Opinião pública e opinião publicada, entende que há em curso o encerramento de um ciclo. Uma “revolução”, na acepção etimológica de revolvere eterno retorno em um círculo. O sociólogo francês acusa o pensamento crítico de “tentar frear a inelutável circulação das elites”, ao convocar alternativas à marcha insensata da humanidade. Incrimina, pois, os scholars pela “guerra civil latente em nossa época”. O neofascismo diagnostica a solução na luta contra a “escola sem partido”, a “ideologia de gênero” e a “guerra cultural”. No circo de horrores, o ócio e o cansaço cedem ao obscurantismo, à misoginia e ao extermínio da verdade libertadora.

O apocalipse maffesoliano pretende “desmascarar nostalgias do paraíso perdido e melancolias do paraíso futuro”, para que “possamos descobrir o que o mundo tem de autossuficiente”. Mas o que o teórico das “tribos urbanas” consegue é empanar a luta de classes para enaltecer o sentimento de pertença, em bolhas. A hecatombe climática demonstra até onde pode levar a tola autossuficiência.

“Considerar o mundo imundo, infame, negá-lo, eis a raiz do ressentimento moderno. Jansenismo, marxismo, freudismo, eis as tetas em que mama o senso comum das elites contemporâneas” (leia-se esquerdas). As invectivas pós-modernas dirigem-se aos contestadores do status quo que agem “em função do mundo e da sociedade sempre por vir”. Como se normativas democráticas não ajudassem na conquista do direito a ter direitos. Sem utopia, o realismo esmorece a esperança na nova manhã.

  • Nossas prioridades

Os apóstolos das hierarquias sociais e da apatia política carimbam de irracional o que está em sua cabeça colonizada. Acham que a irracionalidade reside nos protestos coletivos contra mecanismos da opressão e da alienação. Esconjuram, com a inércia da dominação, os elementos exóticos para o capital e turvam os vetores subversivos, utópicos e promissores do ócio ontem e do cansaço hoje.

O rentismo parasitário procura os medíocres para o papel de palhaços sociopatas. Acha e perde nos Estados Unidos e no Brasil. Acha e mantém na Argentina. A plutocracia mundial só não contava com a liderança 3.0 de Luiz Inácio Lula da Silva. Com a ponta de lança dos Brics, a multipolaridade protagoniza a transição que impede retrocessos civilizacionais e as sujas artimanhas imperialistas.

Se o “ócio” da negação dialética de Robert Louis Stevenson equivale ao “cansaço” disruptivo de Byung-Chul Han, – a “guerra civil” aludida por Michel Maffesoli é a reação à pauta revolucionária. O principal intelectual da pós-modernidade abusa de metáforas para desqualificar os projetos com vieses transformadores, capazes de estancar o feminicídio, o racismo, a homofobia e a exploração.

É errado periodizar novas etapas históricas, antes de concretizar os ideais da modernidade. Ainda são nossas prioridades as tarefas da liberdade, igualdade e fraternidade. O apressado come cru.

 

¨      Pior do que está não fica? Por Jean Pierre Chauvin

O senso comum brasileiro está bem familiarizado com chavões que denotam certo otimismo compulsório. Rifões como “é melhor pingar do que faltar”; “do chão não passa”; ou “pior do que está não fica” – este, transformado em slogan por um candidato do Paraná há alguns anos – exprimem um modo superficial, porventura ingênuo, de antever as consequências tenebrosas de incertas escolhas.

Seja por leviandade, seja por desilusão com o cenário nacional, o fato é que nos habituamos a conviver com candidatos sem qualquer relevância social, cultural e política, projetados por certas legendas partidárias (e financiados por grandes empresários), com o fito de obter votos graças à sua exposição na assim chamada grande mídia.

Votos irresponsáveis em figuras dessa estirpe já trouxeram consequências nefastas, tanto local quando federalmente. Não seria necessário recordar a fala grotesca de seres inomináveis que zombaram da morte; negaram a ciência; criaram uma lista de inimigos (contrários ao patriotismo de araque); fizeram pactos com facções criminosas; ofenderam pessoas (já vitimadas por variados preconceitos); estimularam violências físicas e simbólicas; articularam máquinas de produzir ódio; divulgaram fake news; participaram de esquemas de corrupção em todas as escalas (das rachadinhas à apropriação indébita de joias); privatizaram empresas lucrativas etc.

Um candidato em campanha para prefeitura da capital paulista, neste ano, reedita parte das estratégias da extrema direita, ao maldizer e disseminar pseudoinformações, sem respaldo em quaisquer dados verificáveis. Não bastassem os ataques infundados aos adversários, desferidos por esse candidato de ocasião, forrado de clichês do universo coaching, parte da imprensa corporativa age em direção parecida ao abrandar as responsabilidades do ex-presidente e daqueles que o tratam como “líder” ou “chefe”.

A despeito disso, neste momento, dezesseis por cento dos entrevistados paulistanos declaram apoio ao sujeito. Como alguém pode levar a sério as mentiras propaladas por um tipo investigado criminalmente (por conta de suas falas sem fundamento) pelo Ministério Público? Como alguém pode acreditar que os apaniguados do bolsonarismo, feito ele, ajam “contra o sistema”?

Tiririca estava errado e sabia disso: pior do que estava ficou. E muito. Não demora o dia em que parte expressiva dos congressistas defenderá o fim do Estado laico e naturalizará as falas delirantes de pseudorreligiosos que vivem às custas da boa-fé de seus fiéis.

 

¨      Prêmio Internacional da Paz Lev Tolstói: quem o merece e por quais méritos é concedido?

O prêmio é um projeto público internacional de grande escala, e sua atribuição é regida por noções de humanismo, misericórdia e compaixão.

No dia 9 de setembro, será realizada em Moscou a cerimônia de entrega do Prêmio Internacional da Paz, em homenagem a um dos ícones da literatura russa e renomado humanista, Lev Tolstói (1828–1910). Mas quem o merece e por quais méritos é concedido?

O prêmio é atribuído a esforços notáveis ​​para combater a ameaça de uma Terceira Guerra Mundial e prevenir uma catástrofe nuclear.

Ao mesmo tempo, valoriza as conquistas na desmilitarização, democratização e humanização das relações internacionais, com base em normas morais e jurídicas geralmente aceitas.

Em particular, pelas conquistas na abordagem dos problemas globais do nosso tempo, pela manutenção ativa da paz e pela luta em defesa dos direitos humanos e das liberdades.

Os vencedores serão anunciados em uma cerimônia que terá lugar no aniversário do escritor e filósofo russo, uma vez que sua magnitude e seu legado correspondem à ideia e aos objetivos do prêmio.

A Fundação Prêmio Internacional da Paz Lev Tolstói foi criada em 22 de junho de 2022.

Podem ser premiados indivíduos e grupos de iniciativa, fundações, organizações e movimentos civis nacionais e internacionais, bem como centros científicos e de pesquisa e instituições de ensino.

A cerimônia contará com a presença de personalidades públicas e políticas, representantes da comunidade cultural, bem como responsáveis ​​estrangeiros e outros convidados de vários países.

Os membros do júri são cidadãos de nove países, incluindo três Estados-membros permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

 

Fonte: Por Luiz Marques, em A Terra é Redonda/Sputnik Brasil

 

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