O ócio, o cansaço e a guerra civil
Robert Louis Stevenson
(1850-1894) é o escritor britânico que produz novelas juvenis fascinantes e
também ensaios instigantes, como O elogio do ócio. “O que se chama
de ócio, que não consiste de não fazer nada, mas de fazer demais do que não
seja reconhecido nas descrições dogmáticas das classes dominantes, tem tanto
direito de mostrar sua importância quanto o próprio trabalho”. Vale para
aqueles românticos que “se recusam a entrar no páreo por dinheiro”. Logo,
“implica ao mesmo tempo uma ofensa e um desestímulo às pessoas que entram”. O
“americanismo” (a expressão já era utilizada) estigmatiza os que ousam rejeitar
as convencionais sociais e a submissão à mais-valia.
A história é cheia de
bukowskianos que pegam a estrada sem rumo e legam sonhos, sem platitudes de
autoajuda. As cartilhas motivacionais sobre o self-made man compensam
um Estado e um Deus ausentes. O status quo deixa os comuns à
mercê do oportunismo caça-níquel em jornais, programas rádio e televisão,
templos neopentecostais e intervenções de influencers em redes
sociais. Profetas periféricos anotam mensagens mais honestas e combativas nas
paredes, sem a intenção de lucrar.
Durante a ditadura
civil-militar, no campus universitário federal então no centro histórico de
Porto Alegre, jovens rebeldes reuniam-se num entroncamento viário batizado
“esquina maldita”. O local funcionava como respiradouro no ambiente de ar
rarefeito, dada a censura e a repressão dos órgãos de segurança estatais. O
ócio dos desajustados pregava o mau exemplo ao empurrar para o fim da fila as
aspirações de um emprego prestigioso, “das pessoas da sala de jantar”. Em
troca, crescia a adesão político-ideológica da juventude ao projeto de
sociabilidade criativa, pluralista, libertária.
- Crise da globalização
Byung-Chul Han,
em Sociedade do cansaço, afirma que cada época tem suas
enfermidades. O século XX foi uma época “imunológica” com uma divisão nítida
entre dentro e fora, o amigo e o inimigo. O modelo bacteriológico abate o que
parece estranho, apesar de não representar um perigo e não ter propósito
hostil. A ação purificadora envolve ataque e defesa, na dialética do gato e o
rato.
O século XXI traz a
forma “neuronal”: depressão, transtornos de déficit de atenção com síndrome de
hiperatividade, transtorno de personalidade limítrofe, síndrome de esgotamento
profissional. O cansaço é a resposta do corpo ao excesso de positividade (desempenho).
Já a extrema direita é uma resposta à ocupação do organismo social pelo
modernismo, o feminismo, o antirracismo, os grupos LGBTQIA+ e os partidos
progressistas. O filósofo sul-coreano sabe que, se a globalização ativa um
processo para o intercâmbio transnacional, a polarização não termina com o fim
da Guerra Fria; diversifica os sintomas. “Passa e volta / a cada gole / uma
revolta”, diz o haikai de Paulo Leminski.
O nacionalismo
xenófobo contrapõe-se à Nova Ordem Mundial anunciada, com pompa, na década de
1980. Na Europa, o afã nacionalista mina a consolidação de uma união
continental. Nos Estados Unidos, o ardor nacionalista embute no slogan America
first a restrição ao globalismo comercial ou guerreiro. No Brasil, o
bloco nacionalista desfila a viralatice no carnaval lesa-pátria. No hemisfério
Norte e Sul, o autoritarismo ameaça a democracia, empregos formais e incrementa
as iniquidades e as injustiças. O capitalismo não ronda as relações sociais;
canibaliza-as. Não obstante, o cansaço que advém das promessas esquecidas evoca
mudanças, no horizonte. Não está morto quem peleia.
- Caminhando descalço
O cansaço que recusa a
lógica do labor produtivista é, em simultâneo, um convite ao lúdico onde as
coisas perdem a decisibilidade e sua urgência. O fastio desperta “a vontade de
caminhar com pés descalços na areia”, conforme o octagenário Jorge Luis Borges
ao comentar do que se arrependia de não haver aproveitado mais, na longeva
vida. A pertença, o parentesco, tudo se esvai no cansaço o qual lembra o Sabah que
significa “parar”. Em especial, o lapso remete às atividades artísticas e
culturais que não buscam metas burocráticas, senão aproveitar as brechas
sistêmicas para refazer os hábitos em uma jornada do desejo e do valor de uso –
sem os algoritmos mercadistas da Big Tech.
“Deus existe mesmo
quando não há; mas o demônio não precisa de existir para haver”, decreta
Riobaldo, em Grande sertão: Veredas. O cansaço é a oportunidade
para superar o produtivismo, torcer no estádio, aplaudir o músico no parque,
celebrar os espaços verdes, andar de mãos dadas, admirar o pôr do sol, abraçar
os camaradas, imaginar a estrela no céu, vencer a rotina demoníaca.
Os indivíduos
necessitam de energia social e organização política para o combate de classe,
gênero e raça ao gran capitalismo que arranca a dignidade do
ser humano, substitui-a por cifras de mercado e torna o cotidiano uma prosaica
loja de conveniências. A crescente positividade acolhe inovações tecnológicas,
terceirizações e inempregabilidades. A economia compartilhada converte cada um
em vendedor, à espreita de clientes. Não conduz à resiliência política; destrói
a condição humana na engrenagem que consome os consumidores na dinâmica
inclemente da acumulação e coisificação.
- Culpa de professores
Michel Maffesoli,
em Apocalipse: Opinião pública e opinião publicada, entende que há
em curso o encerramento de um ciclo. Uma “revolução”, na acepção etimológica
de revolvere eterno retorno em um círculo. O sociólogo francês
acusa o pensamento crítico de “tentar frear a inelutável circulação das
elites”, ao convocar alternativas à marcha insensata da humanidade. Incrimina,
pois, os scholars pela “guerra civil latente em nossa época”.
O neofascismo diagnostica a solução na luta contra a “escola sem partido”, a
“ideologia de gênero” e a “guerra cultural”. No circo de horrores, o ócio e o
cansaço cedem ao obscurantismo, à misoginia e ao extermínio da verdade
libertadora.
O apocalipse
maffesoliano pretende “desmascarar nostalgias do paraíso perdido e melancolias
do paraíso futuro”, para que “possamos descobrir o que o mundo tem de
autossuficiente”. Mas o que o teórico das “tribos urbanas” consegue é empanar a
luta de classes para enaltecer o sentimento de pertença, em bolhas. A hecatombe
climática demonstra até onde pode levar a tola autossuficiência.
“Considerar o mundo
imundo, infame, negá-lo, eis a raiz do ressentimento moderno. Jansenismo,
marxismo, freudismo, eis as tetas em que mama o senso comum das elites
contemporâneas” (leia-se esquerdas). As invectivas pós-modernas dirigem-se aos
contestadores do status quo que agem “em função do mundo e da
sociedade sempre por vir”. Como se normativas democráticas não ajudassem na
conquista do direito a ter direitos. Sem utopia, o realismo esmorece a
esperança na nova manhã.
- Nossas prioridades
Os apóstolos das
hierarquias sociais e da apatia política carimbam de irracional o que está em
sua cabeça colonizada. Acham que a irracionalidade reside nos protestos
coletivos contra mecanismos da opressão e da alienação. Esconjuram, com a
inércia da dominação, os elementos exóticos para o capital e turvam os vetores
subversivos, utópicos e promissores do ócio ontem e do cansaço hoje.
O rentismo parasitário
procura os medíocres para o papel de palhaços sociopatas. Acha e perde nos
Estados Unidos e no Brasil. Acha e mantém na Argentina. A plutocracia mundial
só não contava com a liderança 3.0 de Luiz Inácio Lula da Silva. Com a ponta de
lança dos Brics, a multipolaridade protagoniza a transição que impede
retrocessos civilizacionais e as sujas artimanhas imperialistas.
Se o “ócio” da negação
dialética de Robert Louis Stevenson equivale ao “cansaço” disruptivo de
Byung-Chul Han, – a “guerra civil” aludida por Michel Maffesoli é a reação à
pauta revolucionária. O principal intelectual da pós-modernidade abusa de
metáforas para desqualificar os projetos com vieses transformadores, capazes de
estancar o feminicídio, o racismo, a homofobia e a exploração.
É errado periodizar
novas etapas históricas, antes de concretizar os ideais da modernidade. Ainda
são nossas prioridades as tarefas da liberdade, igualdade e fraternidade. O
apressado come cru.
¨
Pior do que está não
fica? Por Jean Pierre Chauvin
O senso comum
brasileiro está bem familiarizado com chavões que denotam certo otimismo
compulsório. Rifões como “é melhor pingar do que faltar”; “do chão não passa”;
ou “pior do que está não fica” – este, transformado em slogan por
um candidato do Paraná há alguns anos – exprimem um modo superficial,
porventura ingênuo, de antever as consequências tenebrosas de incertas
escolhas.
Seja por leviandade,
seja por desilusão com o cenário nacional, o fato é que nos habituamos a
conviver com candidatos sem qualquer relevância social, cultural e política,
projetados por certas legendas partidárias (e financiados por grandes
empresários), com o fito de obter votos graças à sua exposição na assim chamada
grande mídia.
Votos irresponsáveis
em figuras dessa estirpe já trouxeram consequências nefastas, tanto local
quando federalmente. Não seria necessário recordar a fala grotesca de seres
inomináveis que zombaram da morte; negaram a ciência; criaram uma lista de
inimigos (contrários ao patriotismo de araque); fizeram pactos com facções
criminosas; ofenderam pessoas (já vitimadas por variados preconceitos);
estimularam violências físicas e simbólicas; articularam máquinas de produzir
ódio; divulgaram fake news; participaram de esquemas de corrupção
em todas as escalas (das rachadinhas à apropriação indébita de joias);
privatizaram empresas lucrativas etc.
Um candidato em
campanha para prefeitura da capital paulista, neste ano, reedita parte das
estratégias da extrema direita, ao maldizer e disseminar pseudoinformações, sem
respaldo em quaisquer dados verificáveis. Não bastassem os ataques infundados
aos adversários, desferidos por esse candidato de ocasião, forrado de clichês
do universo coaching, parte da imprensa corporativa age em direção
parecida ao abrandar as responsabilidades do ex-presidente e daqueles que o
tratam como “líder” ou “chefe”.
A despeito disso,
neste momento, dezesseis por cento dos entrevistados paulistanos declaram apoio
ao sujeito. Como alguém pode levar a sério as mentiras propaladas por um tipo
investigado criminalmente (por conta de suas falas sem fundamento) pelo Ministério
Público? Como alguém pode acreditar que os apaniguados do bolsonarismo, feito
ele, ajam “contra o sistema”?
Tiririca estava errado
e sabia disso: pior do que estava ficou. E muito. Não demora o dia em que parte
expressiva dos congressistas defenderá o fim do Estado laico e naturalizará as
falas delirantes de pseudorreligiosos que vivem às custas da boa-fé de seus
fiéis.
¨ Prêmio Internacional da Paz Lev Tolstói: quem o merece e por
quais méritos é concedido?
O prêmio é um projeto
público internacional de grande escala, e sua atribuição é regida por noções de
humanismo, misericórdia e compaixão.
No dia 9 de setembro,
será realizada em Moscou a cerimônia de entrega do Prêmio Internacional da Paz,
em homenagem a um dos ícones da literatura russa e renomado humanista, Lev
Tolstói (1828–1910). Mas quem o merece e por quais méritos é concedido?
O prêmio é atribuído a
esforços notáveis para combater a ameaça de uma Terceira Guerra Mundial e prevenir uma catástrofe nuclear.
Ao mesmo tempo,
valoriza as conquistas na desmilitarização, democratização e humanização das
relações internacionais, com base em normas morais e jurídicas geralmente
aceitas.
Em particular, pelas
conquistas na abordagem dos problemas globais do nosso tempo, pela manutenção
ativa da paz e pela luta em defesa dos direitos humanos e das liberdades.
Os vencedores serão
anunciados em uma cerimônia que terá lugar no aniversário do escritor e
filósofo russo, uma vez que sua magnitude e seu legado correspondem à ideia e
aos objetivos do prêmio.
A Fundação Prêmio
Internacional da Paz Lev Tolstói foi criada em 22 de junho de 2022.
Podem ser premiados
indivíduos e grupos de iniciativa, fundações, organizações e movimentos civis
nacionais e internacionais, bem como centros científicos e de pesquisa e
instituições de ensino.
A cerimônia contará
com a presença de personalidades públicas e políticas, representantes da
comunidade cultural, bem como responsáveis estrangeiros
e outros convidados de vários países.
Os membros do júri são
cidadãos de nove países, incluindo três Estados-membros permanentes do Conselho
de Segurança das Nações Unidas.
Fonte: Por Luiz
Marques, em A Terra é Redonda/Sputnik Brasil
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