O pesadelo do jovem detido em uma das
piores prisões do mundo, mesmo com duas decisões judiciais por soltura
Se ainda estiver vivo,
José Duval Mata está preso em um pesadelo real.
Há mais de dois anos,
o motorista de trator de 26 anos está detido em El Salvador, acusado de
"associação com gangues", embora a Justiça do país tenha ordenado por
duas vezes sua libertação imediata.
Apesar das decisões
claramente emitidas a seu favor por dois juízes, Mata ainda definha dentro de
um dos piores presídios de segurança máxima do mundo: o Cecot, sigla para
"centro de confinamento do terrorismo", em El Salvador.
A BBC chamou
repetidamente a atenção do governo salvadorenho para o caso — acionando o
Ministério Público, o Ministério da Segurança, o vice-presidente e o próprio
presidente, Nayib Bukele, no início deste ano.
Apesar das várias
promessas de que as autoridades iriam investigar, nenhuma ação foi tomada até o
momento.
É uma história de
proporções kafkianas.
Em abril de 2022, Mata
estava a caminho de casa, na comunidade rural de La Noria, quando foi parado
por tropas que haviam invadido seu vilarejo como parte da política de repressão
liderada pelo presidente Bukele contra as poderosas gangues do país.
Com uma série de
direitos constitucionais suspensos no âmbito de um decreto de emergência
chamado Estado de Exceção, a polícia e as tropas podem prender qualquer pessoa
suspeita de filiação a gangues sem o devido processo legal.
Cerca de 70 mil
pessoas foram presas em dois anos, incluindo aproximadamente 3 mil crianças,
muitas delas sem qualquer ligação aparente com atividades de gangues, afirma a
organização Human Rights Watch, com sede em Nova York, nos EUA.
Apesar dos protestos
de Mata de que nunca havia feito parte ou trabalhado para uma gangue, as tropas
o prenderam por "associação ilícita" — um termo genérico usado sob o
Estado de Exceção para deter pessoas.
A mãe dele, Marcela
Alvarado, não vê nem tem notícias do filho desde aquele dia.
"A polícia me
disse que eu precisava levar evidências para provar a inocência dele, então
juntei o diploma dele do ensino médio, as escrituras da terra dele, os recibos
de pagamento de um empréstimo bancário e uma declaração do empregador dele
atestando seu bom caráter", ela explica, mostrando à BBC os documentos
que, segundo especialistas, praticamente nenhum membro de gangue salvadorenho
possuiria.
Os esforços dela foram
em vão.
Mata foi julgado com
mais de 350 outros presos num julgamento coletivo que durou apenas alguns
minutos. Ele foi condenado a uma pena inicial de seis meses, que desde então
foi prorrogada indefinidamente.
Marcela ainda chora
com a lembrança. Mas as coisas estavam prestes a piorar muito.
Mata foi brevemente
solto depois de um juiz ter ordenado sua libertação imediata em setembro de
2022.
Mas ele foi detido
novamente na porta da prisão — pelas mesmas acusações —, enquanto esperava sua
família ir buscá-lo.
Voltar a deter os
prisioneiros no portão da prisão é "uma ação arbitrária… são detenções
ilegais e casos de dupla incriminação", afirma Noah Bullock, diretor
executivo da Cristosal, principal ONG de direitos humanos de El Salvador.
Mas, segundo ele, esta
prática foi generalizada sob o Estado de Exceção.
Em junho de 2023, um segundo
juiz confirmou a decisão anterior de libertar Mata. No entanto, mais de um ano
depois, ele continua atrás das grades, e os pedidos de informação feitos por
Marcela, cada vez mais desesperados, não resultaram em nada.
A família de Mata
levou agora seu caso à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Uma fonte do
Ministério Público salvadorenho disse à BBC que não via "nenhuma
justificativa legal ou qualquer explicação clara" para o jovem permanecer
detido.
Durante toda esta
provação, Marcela levava religiosamente um pacote de comida todas as semanas
para a prisão de Izalco, onde seu filho estava detido — uma sacola de plástico
com "flocos de milho, aveia, pão e biscoito", diz ela, para ajudar a
complementar as escassas refeições oferecidas na prisão, e manter José Duval de
pé.
Quando ela entregou
uma sacola de comida em junho do ano passado, os guardas disseram que ele havia
sido transferido da penitenciária algumas semanas antes.
Seus piores temores
haviam se tornado realidade.
José Duval estava
agora dentro do Cecot — o Centro de Confinamento do Terrorismo —, uma prisão de
segurança máxima que é o pilar da política de repressão às gangues de Bukele.
Os apoiadores do
presidente elogiam a instalação como evidência da sua mão de ferro no combate
ao crime cometido por gangues.
Já seus críticos a
consideram um buraco negro dos direitos humanos — e uma das prisões mais
controversas do mundo.
O presidente Bukele
afirmou muitas vezes que os detentos não veriam "um raio de Sol"
sequer — e receberiam as refeições mais básicas e frias de arroz com tortilhas.
Imagens de
presidiários tatuados e com a cabeça raspada sendo transferidos para as
instalações foram amplamente divulgadas pelo governo Bukele.
Bukele defendeu
repetidamente o Estado de Exceção e o Cecot por terem mudado a imagem da
segurança em El Salvador.
Uma série de áreas
"perigosas" e bairros controlados por gangues estão, de fato, de
volta ao controle das forças de segurança, e comunidades inteiras dizem que já
não vivem com medo.
Sendo assim, a
repressão é extremamente popular. Milhões de pessoas em El Salvador são
eternamente gratas ao jovem líder, bastante versado nas redes sociais, por
enfrentar o problema das gangues com rapidez e força implacável.
Em fevereiro, Bukele
foi reeleito com uma vitória esmagadora, garantindo cerca de 90% dos votos.
Em uma entrevista
coletiva, perguntei a ele se no segundo mandato se concentraria na libertação
daqueles que haviam sido detidos injustamente.
Bukele deu uma longa
resposta atacando seus críticos, especialmente os estrangeiros, argumentando
que erros judiciais de grande repercussão haviam sido cometidos no Reino Unido.
Segundo ele, suas
forças de segurança haviam cometido apenas "alguns erros" — e cerca
de 7 mil pessoas já haviam sido libertadas.
A repressão havia
restaurado a calma nas ruas de El Salvador, e isso era o mais importante,
insistiu o presidente.
Contei a ele detalhes
sobre o caso de José Duval Mata e, após a coletiva de imprensa, sua equipe me
pediu cópias das ordens de libertação emitidas pelos juízes. Poucos dias
depois, um membro do seu círculo próximo solicitou uma segunda vez a
informação, desta vez em formato digital, que eu forneci novamente.
Nas semanas seguintes,
a BBC procurou repetidamente o governo Bukele, e eu falei diretamente com o
vice-presidente, Félix Ulloa, em diversas ocasiões sobre o caso.
Há mais de um ano, ele
disse à BBC que Mata estava a poucos dias de ser libertado.
Ulloa afirmou esperar
que, uma vez fora da prisão, a imprensa retratasse Mata como um "caso
emblemático de processo justo".
Na verdade, naquele
momento, ele estava sendo transferido para o Cecot sem o conhecimento da
família.
No início deste ano,
após meses de solicitações, a BBC obteve acesso ao Cecot, mas não nos foi
permitido falar com os detentos ou perguntar aos funcionários sobre casos
específicos.
Enquanto isso, Marcela
não tem nenhuma prova de vida ou confirmação formal do bem-estar do filho há
mais de dois anos. Não é de surpreender que muitas vezes tenha passado pela
cabeça dela que Mata pode ter morrido na prisão.
"Eu costumava
pensar nisso sem parar", ela me conta em seu pequeno terreno em La Noria.
"Eu estava
obcecada com a ideia, estava completamente desesperada. Tudo que eu fazia era
chorar."
Agora ela diz que está
apenas agarrada à esperança de que seu filho ainda esteja vivo — e em algum
momento seja libertado.
"Estou
depositando minha confiança em Deus. É tudo que posso fazer."
Fonte: BBC News na
América Central
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