Pedro Telles: Pablo Marçal pode ser a morte
do bolsonarismo
A ascensão da extrema
direita no Brasil esteve umbilicalmente ligada a Jair Bolsonaro nos últimos
anos. Apelidamos esse conceito de bolsonarismo.
Principal liderança de
conservadores radicais, Bolsonaro conseguiu se eleger presidente do país,
tornando sua trajetória política pessoal um elemento central da trajetória
política brasileira.
Contudo, o conceito de
bolsonarismo sempre teve duas grandes limitações. Primeiro, é um conceito
maleável e de definição vaga, sendo usado no debate público para definir
simultaneamente uma ideologia, um movimento e um projeto político particular –
três coisas que são fundamentalmente distintas, por mais conectadas que
estejam.
Segundo, é um conceito
que reduz à figura de uma única pessoa (por ser construído em torno do seu
nome) um fenômeno político de grande amplitude e complexidade, cujo início, o
fim e o meio são compostos por muitos outros fatores relevantes.
Enquanto Bolsonaro
mantinha inquestionável hegemonia no campo da extrema direita, essas limitações
podiam ser mais facilmente relevadas, tendo em vista que a ideologia, o
movimento e o projeto político particular moviam-se em sincronia sob a batuta
de um único político que exercia domínio sobre as três frentes.
• Pablo Marçal entra na jogada
Com a projeção
nacional de Pablo Marçal a partir da sua candidatura à prefeitura de São Paulo,
essa realidade mudou – e, por consequência, o bolsonarismo como o conhecemos
até hoje morreu. As três frentes que o compunham agora seguem caminhos
separados, levando a uma ressignificação de cada uma delas e do conceito de
bolsonarismo em si.
Ao despontar como
liderança política batendo de frente com Bolsonaro, mas defendendo em grande
parte as mesmas ideias e valores do ex-presidente, Marçal torna impossível
continuar chamando de bolsonarismo a ideologia que tomou o país de assalto.
É uma ideologia da
qual Bolsonaro ainda pode ser o principal representante, mas que está acima
dele e vai além dele, havendo nítido espaço para o crescimento de outras
lideranças, capazes inclusive de derrubá-lo.
Mobilizando militantes
e eleitores, até recentemente, fiéis a Bolsonaro, mas convencendo-os a apoiar
um projeto político que vai contra os interesses do capitão, Marçal mostra que
a base de apoio popular do ex-presidente é mais frágil do que parecia.
Há mesmo um movimento
com liderança centralizada? Ou um movimento mais difuso, com coesão ideológica
e um ecossistema de atores-chave dentre os quais algum pode até se destacar
temporariamente, mas onde a liderança é fluida?
Ou talvez nem mesmo
haja um movimento, apenas uma pulsão social habilmente explorada por diferentes
extremistas, que podem ou não agir em concerto?
Deixando de ser
sinônimo de uma ideologia, e tendo em xeque seu suposto movimento, Bolsonaro
ainda conta com um projeto político – a única das três frentes que faz sentido
continuar chamando de bolsonarismo.
Mas esse projeto nunca
esteve sob tanto risco. Bolsonaro tem sido resiliente desde o fim do seu
mandato, apesar de todas as adversidades, mas talvez tenha encontrado em Marçal
seu arquirrival.
Se o apadrinhado
Ricardo Nunes chegar ao segundo turno contra Guilherme Boulos, existe a
possibilidade de Bolsonaro se manter firme como principal liderança da direita,
apesar de ter que dividir esse espaço com Marçal daqui em diante. Mas se Nunes
ficar atrás de Marçal, um cenário cada vez mais provável, o projeto fica
desestruturado.
• E o Bolsonaro?
A ascensão de Marçal
não chega a ser uma surpresa para quem acompanha de perto sua trajetória e
estratégia ao longo dos últimos anos. Mas isso não torna menos impressionante a
forma como ele tirou do eixo o fenômeno até então conhecido como bolsonarismo.
Não é à toa que
Bolsonaro e sua família estão reagindo de forma tão intensa: Marçal não é
apenas mais uma ameaça ao bolsonarismo – ele é uma ameaça existencial.
Àqueles dedicados a
enfrentar a extrema direita no país, o problema está mudando de forma e de
cara, mas suas três dimensões continuam aí.
Daqui em diante será
preciso, mais do que nunca, olhar para cada uma dessas dimensões em separado:
como combater a ideologia de extrema direita no país; como enfrentar (e impedir
a formação) de movimentos pautados por essa ideologia; e como derrotar projetos
políticos particulares das lideranças que despontam.
Cada uma dessas
frentes exige suas próprias estratégias, que precisam estar minimamente
integradas por serem partes da resolução de um problema maior.
• Noblat: ‘A sinuca de bico que paralisa a
família Bolsonaro’
O candidato sensação a
prefeito de São Paulo aproveitou a entrevista de mais de uma hora à Globo News,
ontem à noite, para acenar com bandeira branca à família Bolsonaro. Não a toda
ela: deixou de fora o vereador Carlos Bolsonaro (PL-RJ), o Zero Três,
queridinho do pai, a quem voltou a chamar de “retardado mental”.
Pablo Marçal disse que
Bolsonaro é o “maior líder” da direita e que terá seu apoio caso seja candidato
a presidente em 2026. Bolsonaro, por enquanto, está inelegível. E só poderá
disputar qualquer cargo público a partir de 2030. Marçal não admite, mas pensa
em candidatar-se a presidente daqui a dois anos.
Os Bolsonaro não sabem
o que fazer com Marçal. A ele, numa conversa recente, Bolsonaro disse que foi
muito longe no seu apoio à candidatura de Ricardo Nunes (MDB) à reeleição, e
que não pode mais recuar. Nas redes sociais, Bolsonaro e os filhos criticaram
Marçal e foram criticados pelos bolsonaristas que votarão nele.
Daí, a sinuca de bico
em que se meteram, e o silêncio que guardam desde o fim da semana passada. Daí
também o espanto que paralisa a primeira família presidencial da história do
Brasil. Se ela insistir em se opor à candidatura de Marçal, arrisca-se a contrariar
uma fatia importante de sua base e – quem sabe? – a perdê-la.
E se Marçal, ao fim e
ao cabo, se eleger prefeito? Como ficará a família? Com a merecida fama de ter
sido derrotada por uma de suas criaturas? O admirador de hoje, no caso de
Marçal, pode ser o inimigo de amanhã. Bolsonaro sabe disso porque já fez muitos
inimigos entre seus admiradores – quase todos traídos por ele.
O jeito é dar tempo ao
tempo e torcer para que Marçal não passe de uma chuva de verão. O bolsonarismo
está em adiantado processo de liquidação – e não somente em São Paulo.
• O processo de naturalização de Pablo
Marçal. Por Luís Nassif
É inacreditável a
incapacidade brasileira de aprender com a tragédia. O país testemunhou o que
foi a leniência da Justiça com os abusos do então deputado Jair Bolsonaro. Está
testemunhando o que acontece agora com Pablo Marçal.
Não assisti sua
entrevista à Globonews, mas a enquete que o Globo fez com colunistas do jornal
é uma demonstração cabal da ignorância coletiva nacional. Nem se diga do artigo
de Joel Pinheiro da Fonseca, na Folha, o grande sem-noção da atualidade, que defende
até o comércio de órgãos humanos. Mas o tratamento dele, como “empresário”, é a
maior demonstração da falta de senso de mídia.
E os comentários do
Globo são de arrepiar.
Pablo Ortelado, um
sociólogo da USP, tratou Marçal como um “Dória goiano Tik Toker”. Ortellado foi
o principal defensor dos “black blockers” nas manifestações de 2013, o fator
que provocou a reação que jogou as manifestações nas mãos da direita. Logo depois,
foi contratado pela revista Veja para um trabalho visando equiparar blogs de
esquerda aos blogs de ultradireita geradores de fake news.
Agora, trata como
“empresário” um coach que vende livros de auto-ajuda disfarçando-se de convicto
evangélico, atropela todos os procedimentos legais, tem vinculações claras com
pessoas ligadas ao PCC e defende uma radicalização mais ampla que a de Bolsonaro.
Outros colunistas
elogiaram a postura “mais amena” de Marçal, como se não fosse uma encenação. Se
vissem Hitler tocando violino, o tratariam como um sujeito de bons sentimentos.
Poucos se ativeram ao
essencial para um candidato a prefeito: as propostas para São Paulo. Ou as
implicações de sua candidatura para viabilizar uma ultradireita mais rancorosa
e irracional.
São incapazes de
entender os efeitos da montagem de redes sobre a política, mesmo após a
ascensão de Bolsonaro. São incapazes de entender que quem afronta as regras do
jogo, não pode permanecer no jogo. São incapazes de questionar sequer os
negócios de Marçal. Ou as acusações absurdas de que Boulos é usuário de drogas.
Nada disso contou para
esses analistas do momento presente.
Recentemente, o
próprio Marçal admitiu que está sendo investigado pelo COAF. Tem negócios
nebulosos com Angola, não registrados no Banco Central. Em 2023, uma
investigação da Polícia Federal constatou que as inúmeras empresas que
declararam são meros CNPJs, sem demonstrações contábeis adequadas.
• Marçal é “uma coisa abjeta, um
criminoso, um marginal”, diz Boulos
Ninguém é obrigado a
estar preparado para enfrentar em debate público quem acha que eleição é uma
luta de vale tudo. Para Guilherme Boulos (PSOL), Ricardo Nunes (MDB), Tabata
Amaral (PSB) e Luiz Datena (PSDB), não vale tudo para se eleger prefeito de São
Paulo. Para Pablo Marçal (PRTB), vale. Ele mesmo admite:
“Eu queria ser um
menino bonzinho que não peida, mas não sou assim”.
No primeiro turno da
eleição de 2022, Lula e Bolsonaro estiveram cara a cara quatro vezes,
juntamente com os demais candidatos a presidente mais bem situados nas
pesquisas de intenção de voto. E, no segundo turno, duas vezes. Os temas mais
candentes foram debatidos e eles trocaram pesadas acusações.
Mas em momento algum
apelaram para golpes baixos. Havia uma espécie de linha vermelha traçada no
chão que nenhum deles atravessou. No horário de propaganda da eleição
presidencial de 1989, a primeira depois do fim da ditadura militar, Fernando
Collor ignorou a linha de uma maneira que o país jamais veria.
Collor levou ao ar
depoimento da enfermeira Miriam Cordeiro, mãe de Lurian, filha de Lula. No
vídeo, Miriam dizia que Lula ofereceu dinheiro para que ela abortasse. Lurian
saiu em defesa do pai no horário de propaganda dele. Descobriu-se que Collor
pagou a Miriam para que ela dissesse o que disse.
Marçal não está a
serviço de ninguém, a não ser de sua ambição de governar a capital paulista,
quando diz e repete que Boulos cheira cocaína. E promete apresentar provas
disso no último debate entre os candidatos que será promovido pela TV Globo em
3 de outubro. No Roda Viva, ontem, Boulos voltou a negar que cheire.
Bolos emocionou-se ao
lembrar do sofrimento de sua filha, sujeita na escola a perguntas de colegas
sobre o suposto vício do pai. E disse com a voz embargada:
“Minha filha chega,
chora, como que fica. Olha o nível que chega, olha o esgoto que chega. Quando
mexe com sua família, com quem você mais ama na vida, com criança, aí te faz
perder o prumo. […] Marçal é uma coisa abjeta, um criminoso, um marginal. Ele próprio
já foi condenado por fraude bancária”.
Perder o prumo… É tudo
que Marçal espera que aconteça com Boulos e com Nunes, empatados com ele nas
pesquisas de intenção de voto. Nunes subiu o tom e afirmou que Marçal está
envolvido “até o nariz” com o crime organizado de venda de drogas. Dos
candidatos, Tabata é quem melhor enfrenta Marçal até aqui.
Marçal está convencido
de que com a ajuda da extrema-direita que começa a abandonar Nunes, irá para o
segundo turno contra Boulos, candidato de Lula. Caso isso ocorra, contará com o
apoio de Bolsonaro e de quem mais queira derrotar a esquerda. A eleição em São
Paulo é sobre Lula, para enfraquecê-lo antes de 2026.
O que apavora Marçal é
a possibilidade do seu sonho ser obstruído pela Justiça. A presidente do
Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministra Cármen Lúcia, destravou uma ação
que pode provocar um “efeito dominó” no PRTB e implodir a candidatura de
Marçal. A ação estava parada havia 20 dias no gabinete da ministra.
• Marçal tem chilique e anuncia processo
contra Natuza Nery, que o desestabilizou na Globonews
O feitiço foi usado
contra o feiticeiro e Pablo Marçal (PRTB) deu chilique e anunciou um novo
processo contra a jornalista Natuza Nery ao final da entrevista na Globonews na
noite desta segunda-feira (26).
Com uma postura firme,
sem cair nas provocações do ex-coach, Natuza primeiramente desestabilizou
Marçal emocionalmente ao indagar sobre o elo de lideranças do PRTB com o
Primeiro Comando da Capital, o PCC, e o tráfico de cocaína.
Visivelmente irritado,
Marçal partiu para cima da jornalista, indagando "qual a sugestão você me
dá sendo candidato de um partido desse?". E tomou uma invertida de
bate-pronto.
"Meu papel não é
lhe dar sugestões", respondeu a jornalista, provocando um chilique no
candidato que tenta, a todo custo, interromper as perguntas sobre o assunto.
"Então, está
respondido. Porque o [Gerson] Camarotti, a Dani [Daniela Lima], você. Eu não
tenho nada o que fazer com isso. Tem que ser processado...", afirmou,
visivelmente nervoso.
Em seguida, a
jornalista da Globo explica: "mas eu queria deixar claro que é crime
organizado, é PCC".
Marçal, então, apela
para tentar por fim ao assunto. "Que pegue todo mundo que está lá, vocês
não estão entendo, estou pedindo socorro: limpe o PRTB pelo amor de Deus, eu
não tenho poder de fazer isso", diz o ex-coach, respirando aliviado quando
Monica Waldvogel intervém. Marçal ainda usou, em sua defesa, um bordão de Jair
Bolsonaro (PL), dizendo que "meu partido é o Brasil".
Ao final da
entrevista, Marçal se vitimiza dizendo que foi "maltratado" e diz,
mais uma vez, que vai processar Natuza Nery.
"Eu fui muito
maltratado aqui nessa televisão. Foi por você, Natuza", disse o ex-coach
perturbado com a intervenção e as perguntas da jornalista.
"Você acabou
falando uma mentira a meu respeito. Eu te pedi na outra entrevista para a gente
resolver isso, você acabou ignorando meu pedido. E vai seguir um processo
contra a Rede Globo e a sua pessoa", anunciou.
Em maio deste ano,
Marçal chegou a entrar com processo contra a jornalista, mas desistiu da ação.
No processo, ele pedia a censura e direito de resposta, além de indenização por
danos morais, após reportagem que o acusou de fake news sobre as enchentes no
Rio Grande do Sul.
À época, o ex-coach,
juntamente com Eduardo Bolsonaro, esteve no topo da lista entre os maiores
propagadores de fake News sobre a tragédia climática no Rio Grande do Sul.
Após anunciar o
processo, Marçal volta se vitimizar para tentar minimizar os crimes que cometeu
e foi condenado.
"Eu querida, de
verdade, ser uma pessoa que nunca foi processado, que é tudo bonitinho, queria
ser um menino que nem peida", regurgitou o ex-coach.
Visivelmente
transtornado, ele tentou se vitimizar atacando Lula com fake news, antes de
tomar a última invertida da jornalista.
"Mas, não foi
assim. Infelizmente fui injustiçado, muitas coisas da minha vida foi bobeira
minha mesmo, de coisas que eu fiz. Todo muno erra. A gente tem um presidente
que fez a maior quadrilha, desviou mais de um trilhão e vocês estão pegando em
coisas que eu peguei R$ 350 para ajudar na minha casa?", indagou.
"Só uma coisa: o
senhor chegou a ser preso nesse caso?", indagou Natuza, arrancando mais
uma confissão do ex-coach: "fiquei 3 ou 4 dias na superintendência da
Polícia Federal".
Fonte: The
Intercept/Metrópoles/Jornal GGN/Fórum
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