O ciclo menstrual pode remodelar seu
cérebro
Elma Jashim,
recém-formada, está ansiosa para começar o curso de medicina na universidade no
outono. Mas ela também teme a montanha-russa emocional mensal que ocorre com
seu ciclo menstrual e os estragos que isso pode causar em sua agenda acadêmica
atribulada.
"Cerca de dois ou
três dias antes do início da menstruação, eu me sinto, de certa forma, não
muito emotiva, não particularmente triste, mas também não particularmente
feliz", revela Jashim. Essas alterações de humor aumentam a sensibilidade
de Jashim até mesmo a pequenos estímulos emocionais quando a menstruação
começa. "Se estou no trabalho e cometo um erro muito pequeno, quase chego
às lágrimas."
Não se sabe exatamente
o que acontece em seu cérebro que desencadeia essas emoções. Mas há progresso
na visualização de como os hormônios sexuais podem alterar algumas áreas do
cérebro. Estudos anteriores em ratos e outros mamíferos já haviam demonstrado
que o volume de regiões específicas do cérebro pode mudar em resposta ao
estrogênio – um hormônio necessário para o desenvolvimento sexual e reprodutivo
normal das mulheres. Mas não se sabia se esse potente hormônio poderia alterar
a estrutura do cérebro feminino humano.
Agora, exames recentes
de ressonância magnética do cérebro de mulheres mostram que o aumento e a queda
dos hormônios sexuais durante o ciclo menstrual – o período de 29 dias de
hormônios que se alternam e que preparam os órgãos reprodutivos para uma possível
gravidez – remodelam drasticamente as regiões do cérebro que controlam as
emoções, a memória, o comportamento e a eficiência da transferência de
informações.
"É incrível ver
que o cérebro adulto pode mudar muito rapidamente", afirma Julia Sacher,
psiquiatra e neurocientista do Max Planck Institute for Human Cognitive and
Brain Sciences em Leipzig, Alemanha, que liderou um dos estudos.
O fato de o cérebro
mudar ao longo do ciclo menstrual é especialmente notável porque a maioria das
mulheres passa por quase 450 ciclos menstruais ao longo de 30 a 40 anos, diz
Catherine Woolley, neurobióloga da Northwestern University em Evanston, Illinois,
nos Estados Unidos.
Os pontos fortes
desses estudos são que as imagens cerebrais e as medições de hormônios foram
feitas nas mesmas pessoas, em fases específicas do ciclo menstrual, diz
Woolley.
"Por meio desses
estudos, agora temos essa imagem emergente de quão potentes são esses hormônios
para moldar não apenas a morfologia do cérebro, mas também a arquitetura
funcional", diz Emily Jacobs, neurocientista da Universidade da Califórnia,
em Santa Barbara.
Os hormônios
impulsionam o ciclo menstrual
Um ciclo menstrual se
repete a cada 25 a 30 dias e começa com uma "menstruação" ou com a
descamação do revestimento do útero. Os níveis de hormônios sexuais femininos
no sangue são mais baixos no início do ciclo, mas aumentam acentuadamente nas
semanas seguintes. Primeiro, os níveis de estrogênio aumentam, sinalizando o
crescimento do revestimento do útero. Em seguida, os níveis de estrogênio caem
para liberar um óvulo do ovário, marcando o ponto médio do ciclo menstrual.
Depois disso, os
níveis dos hormônios progesterona e estrogênio aumentam novamente por cerca de
sete dias para preparar o revestimento do útero para a possível fertilização do
óvulo. Se a gravidez não ocorrer, os níveis de estrogênio e progesterona voltam
a cair, dando início ao sangramento menstrual.
Embora o ciclo
menstrual resulte de uma oscilação acentuada dos níveis hormonais, outros
hormônios – como a testosterona e o cortisol – também entram em ciclo,
aumentando antes do amanhecer e diminuindo à noite. Esses ritmos diários
ocorrem em ambos os sexos.
O estrogênio estimula
as regiões cognitivas do cérebro
O cérebro é uma massa
densa de células chamadas neurônios, cada uma delas parecida com uma árvore em
miniatura. A substância cinzenta, a camada externa do tecido cerebral, contém
os neurônios e seus ramos curtos chamados dendritos. Os dendritos têm saliências
semelhantes a folhas, chamadas espinhas. As raízes, ou os axônios dos
neurônios, se agrupam na substância branca do cérebro.
Enquanto a substância
cinzenta regula a emoção, o aprendizado e a memória; a substância branca, mais
profunda no tecido cerebral, troca informações e conecta diferentes regiões da
substância cinzenta.
Essa parte do cérebro
que responde aos hormônios sexuais femininos foi descoberta pela primeira vez
há quase três décadas. Em 1990, Woolley descobriu por acaso que o estrogênio
regula a densidade das espinhas dendríticas no hipocampo do cérebro de ratos.
"Esse foi um
resultado muito surpreendente e gerou um ceticismo considerável na área",
lembra Woolley. "Naquela época, considerava-se que os estrogênios eram
apenas hormônios reprodutivos e não afetavam regiões cognitivas do cérebro como
o hipocampo."
O hipocampo – o centro
cognitivo do cérebro que contém matéria cinzenta e branca – é uma estrutura
pequena e curva enterrada no fundo do cérebro, atrás das orelhas, em uma região
densamente povoada de receptores de hormônios sexuais. O hipocampo também é a
região do cérebro humano adulto que mais responde a mudanças de volume.
O desenvolvimento de
novas habilidades, como aprender a fazer malabarismos na velhice ou estudar
mapas para passar no exame da carteira de motorista de táxi em Londres, aumenta
o hipocampo. Por outro lado, o encolhimento do hipocampo pode ser um sinal precoce
de demência, principalmente na doença de Alzheimer.
Desde a descoberta
inovadora de Woolley, os cientistas descobriram que a menopausa diminui o
volume de massa cinzenta em algumas partes do cérebro. No entanto, a pesquisa
se limitou a obter apenas um instantâneo dos cérebros de voluntários em um
único momento. Os cientistas queriam saber se os cérebros humanos adultos mudam
durante o aumento e a queda mensal dos hormônios sexuais.
"Podemos ser
realmente precisos? Podemos pegar uma pessoa e medir seu cérebro 30, 50 ou 100
vezes?", questionou Jacobs. Isso fez com que uma cientista do grupo de
Jacob fizesse o escaneamento de seu próprio cérebro a cada 24 horas durante um
mês inteiro em 2020.
"Ela era como a
Marie Curie da neurociência", comenta Jacobs. A partir das 30 varreduras
do cérebro dessa mulher, a equipe de Jacobs descobriu que os hormônios sexuais
remodelaram o hipocampo e reorganizaram as conexões do cérebro. Entretanto, não
ficou claro com que rapidez as ondas de hormônios durante o ciclo menstrual
poderiam fazer isso.
Para resolver a
questão, os cientistas de Leipzig e Santa Bárbara agora escanearam
independentemente os cérebros de mais de 50 mulheres em vários momentos de seus
ciclos menstruais para dois estudos não relacionados.
A espessura das
regiões cerebrais flutua durante o ciclo menstrual
Em um estudo,
publicado na revista científica Nature Mental Health, a equipe de Sacher usou o
ultrassom para identificar o momento exato da ovulação de 27 mulheres
voluntárias. Isso permitiu que eles coletassem amostras de sangue de
voluntárias em seis pontos precisos durante o ciclo menstrual, que estavam
ligados à ovulação e aos níveis de hormônio no sangue.
Em seguida, eles
escanearam os cérebros dessas 27 mulheres em seis momentos específicos usando a
ressonância magnética de campo ultra-alto. Ao usar essa ressonância magnética
mais potente do que a normalmente empregada em clínicas, a equipe de Sacher pôde
obter imagens do cérebro vivo com uma resolução tão alta que antes só era
possível cortando diretamente o cérebro durante uma autópsia.
Apesar de ser uma
estrutura muito pequena, a equipe de Sacher conseguiu observar uma série de
mudanças em diferentes regiões do hipocampo à medida que ele se remodelava de
acordo com o ciclo menstrual. A camada externa do hipocampo ficou mais espessa
e a massa cinzenta se expandiu com o aumento dos níveis de estrogênio e a queda
da progesterona. Mas quando os níveis de progesterona aumentaram, a camada
envolvida na memória se expandiu.
Outra pesquisa, ainda
não revisada por pares, examinou os cérebros de 30 voluntárias durante a
ovulação, a menstruação e o período entre as duas fases. Esse estudo descobriu
que não apenas a espessura da massa cinzenta, mas também as propriedades
estruturais da massa branca, flutuavam sob a influência dos hormônios.
"Aplicamos uma
espécie de régua [à massa cinzenta] e vimos que ela mudou de acordo com as
flutuações hormonais", diz Elizabeth Rizor, coautora do estudo com
Viktoriya Babenko, ambos neurocientistas da Universidade da Califórnia em Santa
Barbara.
O estudo sugere que as
alterações na substância branca devido às flutuações hormonais que antecedem a
ovulação podem desencadear uma transferência de informações mais eficiente em
diferentes partes do cérebro.
"Essas mudanças
são muito amplas, não apenas na massa cinzenta, mas também nas áreas do cérebro
que são responsáveis pela coordenação entre as regiões e entre as rodovias de
massa branca", explica Babenko.
Entretanto, as
alterações observadas no volume ou na espessura das regiões do cérebro nesses
estudos ainda não foram associadas a funções cerebrais específicas. Embora os
estudos mostrem que determinadas áreas do cérebro podem se remodelar de acordo
com as oscilações dos hormônios durante o ciclo menstrual, os cientistas
alertam que esses estudos não significam que a memória ou a cognição sejam
afetadas.
"Não podemos
dizer que maior é melhor para determinadas funções ou processos
cerebrais", diz Woolley. Os estudos também não revelam se as alterações de
volume estão relacionadas aos inúmeros sintomas emocionais e cognitivos que as
mulheres apresentam durante a menstruação. De fato, esses estudos incluíram
apenas mulheres saudáveis que não relataram nenhum desses sintomas.
O que esses estudos
destacam é a urgência de mais pesquisas para estudar as necessidades
neurocientíficas exclusivas das mulheres, diz Jacobs. "Estão ocorrendo
mudanças estruturais reais em nosso cérebro que podem estar ligadas às
montanhas-russas, às mudanças de humor, seja o que for", afirma Jashim.
Embora as mulheres
representem 70% dos casos de doença de Alzheimer e 65% dos casos de depressão,
apenas cerca de metade de 1% das pesquisas de imagens cerebrais está
relacionada a elas. Essa disparidade continua até mesmo nas aprovações de
medicamentos que o FDA aprovou recentemente para o tratamento do início da
doença de Alzheimer, mas que pode não retardar a doença em mulheres.
"Está mais do que
na hora de tornar o cérebro o foco principal da saúde da mulher", conclui
Sacher.
Fonte: National
Geographic Brasil
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