quinta-feira, 10 de julho de 2025

Um imposto mínimo para os super-ricos é o mínimo que se pede

Nunca foram tão ricos e, no entanto, contribuem muito pouco para os cofres públicos: de Bernard Arnault a Elon Musk, os bilionários têm taxas de imposto significativamente mais baixas do que o contribuinte médio.

Pesquisas pioneiras feitas em parceria com as autoridades fiscais de vários países mostram isso: esses super-ricos pagam algo entre 0% e 0,6% do seu patrimônio em imposto de renda individual. Em um país como os Estados Unidos, sua alíquota efetiva é de cerca de 0,6%, enquanto em um país como a França, é mais próxima de 0,1%.

Levando em conta todas as outras taxas obrigatórias (impostos corporativos, contribuições para a previdência social, impostos sobre o consumo, etc.), e expressos desta vez em porcentagem da renda, suas alíquotas efetivas acabam sendo mais baixas do que as dos contribuintes das classes populares, classe média e classe média alta. Os ultra-ricos contribuem menos do que os secretários ou os motoristas deles.

Como chegamos a este ponto? Resumindo, porque as grandes fortunas podem estruturar o seu patrimônio de forma a escapar ao imposto de renda, que deveria ser a pedra angular da justiça tributária. Nos países europeus, essa otimização passa pela criação de holdings familiares, nas quais os dividendos se acumulam protegidos da tributação.

Nos Estados Unidos, o uso de holdings para sonegar impostos é proibido desde a década de 1930, o que explica por que os ricos são mais tributados lá do que na Europa – embora alguns ainda tenham conseguido encontrar brechas.

Mas, felizmente, essa situação não é resultado de uma lei natural ou de um destino antigo: é o resultado de decisões humanas e escolhas políticas. Portanto, não é inevitável. Não só é preciso impor uma carga tributaria maior sobre os bilionários, mas, acima de tudo, isso é possível.

Uma das abordagens mais promissoras é a introdução de um imposto mínimo para os ultra-ricos, expresso em percentagem do seu património. Este dispositivo é eficaz, pois combate todas as formas de otimização, independentemente da sua natureza. É direcionado, pois se aplica apenas aos contribuintes mais ricos e apenas àqueles que recorrem à otimização fiscal. E é necessário, porque é difícil pedir a qualquer grupo social que faça sacrifícios antes de garantir que os mais ricos não escapem da tributação.

Em nível global, uma taxa mínima de 2% sobre a fortuna dos bilionários geraria cerca de 250 bilhões de dólares em receitas fiscais, provenientes de apenas cerca de 3.000 pessoas. Na Europa, cerca de US$ 50 bilhões poderiam ser arrecadados. E, ao estender essa alíquota mínima a indivíduos com patrimônio superior a US$ 100 milhões, esses valores aumentariam significativamente.

Na França, os deputados da Assembleia Nacional votaram em fevereiro a favor da criação de um imposto mínimo de 2% sobre patrimônios superiores a 100 milhões de euros. Mesmo que o Senado se oponha a esse avanço, não há dúvida de que essa proposta está do lado certo da história. Em 2024, o Brasil colocou a questão na agenda do G20. Em 30 de junho de 2025, o Brasil e a Espanha anunciaram sua intenção de trabalhar juntos na tributação dos ultra-ricos, logo acompanhados pela África do Sul e pelo Chile. O movimento internacional está em andamento.

Numa época de contas públicas em desequilíbrio e explosão da extrema riqueza, o governo francês precisa pegar o projeto aprovado pela Assembleia Nacional. Não há motivo para esperar que um acordo internacional seja finalizado – pelo contrário, a França deve dar o exemplo, como fez no passado. Ainda mais porque os super-ricos são especialmente prósperos na França. Os bilionários do mundo têm um patrimônio equivalente a 14% do PIB mundial, segundo a revista Forbes; os franceses, quase 30% do PIB francês.

É claro que, assim como quando o imposto de renda foi introduzido no início do século XX, os oponentes dessa medida prevêem todo tipo de desastre. No entanto, nem a experiência histórica nem o conhecimento econômico sustentam suas alegações.

Claro, como na época da votação do imposto de renda no início do século XX, os que são contra essa medida dizem que vai dar tudo errado. Nem a experiência histórica, nem o conhecimento econômico lhes dão razão. O crescimento e a inovação não foram aniquilados pela tributação progressiva da renda. Ora, o imposto mínimo sobre os ultra-ricos apenas completaria a revolução iniciada há um século, submetendo às regras comuns as grandes fortunas que hoje escapam a elas.

Quanto ao risco de exílio fiscal, o projeto de lei aprovado pela Assembleia Nacional prevê que os contribuintes continuariam sujeitos ao imposto mínimo por cinco anos após deixar o país. O governo poderia ir mais longe e propor o alargamento desse período para dez anos, o que provavelmente reduziria ainda mais o risco de expatriação.

Em 1954, a França foi o primeiro país a introduzir um Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA). Em poucos anos, todos os países do mundo (exceto os Estados Unidos) adotaram-no. Tributar o consumo – e isentar a poupança – podia justificar-se no final da Segunda Guerra Mundial, quando os estoques de capital e as desigualdades patrimoniais estavam em níveis historicamente baixos.

Mas se o IVA foi o imposto do pós-guerra, o imposto sobre os ultra-ricos é o que precisamos hoje, numa era de fortunas crescentes. A França tem agora a oportunidade, mais uma vez, de liderar o caminho para o resto do mundo.

¨      Antonio de Azevedo: É urgente envolver toda a sociedade na discussão do IOF

O embate entre Governo e Legislativo sobre o IOF vai além da tecnicalidade: está em jogo o equilíbrio entre os poderes, a legitimidade da política tributária e a defesa da democracia.

Ou seja, a recente derrubada, pela Câmara dos Deputados, do decreto que ajustava alíquotas do IOF expõe uma crise institucional de contornos profundos: trata-se não apenas de um impasse fiscal, mas de uma disputa sobre os fundamentos da democracia tributária e os limites constitucionais entre os Poderes (princípio da tripartição de poderes, inspirado na teoria de Montesquieu, presente na obra ‘O Espírito das Leis’ que estabeleceu três poderes independentes e harmônicos entre si: Legislativo, Executivo e Judiciário).

No contexto brasileiro, essa divisão é explicitada no Artigo 2º da Constituição, que afirma: “São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário”.

Essa independência, no entanto, não é absoluta, sendo atenuada pelo sistema de freios e contrapesos, que permite a cada poder influenciar e fiscalizar a atuação dos demais, dentro dos limites estabelecidos pela própria Constituição.

Importante ressaltar que o sistema de freios e contrapesos ou ‘checks and balances’ visa evitar o abuso de poder, garantindo que cada poder atue dentro de suas atribuições e exerça um controle sobre os demais, promovendo a harmonia e o equilíbrio entre eles.

Dito isso, o Decreto nº 12.499/2025, editado com base na competência expressa do Presidente da República no artigo 153, §1º da Constituição, visava arrecadar até R$ 12 bilhões por meio da tributação de operações cambiais, fundos exclusivos, aplicações no exterior e seguros – setores que concentram riqueza e historicamente escapam à carga tributária proporcional.

Não era, portanto, um aumento de impostos aleatório, mas uma medida orientada pela ideia de justiça fiscal: fazer com que os mais ricos contribuam mais em um país marcado por desigualdades profundas.

Ao sustar esse decreto, o Congresso invocou o artigo 49, inciso V da Constituição, alegando que o Executivo havia exorbitado suas funções.

A Advocacia-Geral da União (AGU), porém, argumenta com precisão que não se trata de regulamentação, mas de exercício direto de competência constitucional atribuída ao chefe do Executivo.

A judicialização da matéria pelo governo no Supremo Tribunal Federal (STF), portanto, é legítima, necessária e pedagógica. Afinal, está em jogo o princípio da separação dos poderes, uma cláusula pétrea da Constituição Federal.

Conforme entendimento constitucional, é preciso lembrar que a função normativa do Executivo sobre o IOF não exige lei ordinária específica, desde que respeitados os limites de legalidade, anterioridade e finalidade extrafiscal – todos presentes no caso concreto.

A tentativa de anular o decreto por razões políticas afronta e transgredi a harmonia entre os Poderes e pode gerar jurisprudência perigosa para o futuro da política tributária brasileira. Entretanto, esse debate não pode ficar restrito aos corredores de Brasília.

É urgente politizar essa questão no melhor sentido da palavra – a discussão sobre quem paga impostos no Brasil. Politizar é esclarecer. É envolver a sociedade em um tema que afeta a todos.

Afinal, enquanto os mais pobres pagam impostos embutidos no arroz, no gás e na passagem de ônibus, há quem movimente milhões em fundos exclusivos e ‘offshores’ sem qualquer progressividade tributária.

Nesse sentido, o IOF, como instrumento extrafiscal, permite ao Estado reequilibrar essa balança sem recorrer a reformas complexas ou longas batalhas parlamentares.

Nesse cenário, o Supremo Tribunal Federal, por sua vez, não julgará apenas um decreto. Julgará a solidez do pacto constitucional, a previsibilidade das normas fiscais e, sobretudo, a responsabilidade institucional diante do sistema democrático.

Ou seja, em um país que ainda se recupera dos atos golpistas de 8 de janeiro de 2023, em que os próprios ministros do STF foram alvos de violência e ameaças, não se pode normalizar nenhum tipo de usurpação de competências. As instituições precisam reafirmar seus papéis com firmeza – e a Corte tem a oportunidade de fazê-lo de maneira pedagógica.

Por fim, esse episódio reforça a urgência da participação popular nos debates sobre tributação em nosso País.

A sociedade precisa saber quem está votando para beneficiar setores específicos e quem está comprometido com um Brasil mais justo e equitativo – como fundamento para construir uma sociedade inclusiva, em que todos tenham a oportunidade de prosperar.

Nesse sentido, a justiça como equidade, proposta por John Rawls, oferece um marco ético poderoso: ela parte da ideia de que a estrutura básica da sociedade deve ser organizada de modo a beneficiar prioritariamente os menos favorecidos. Rawls propõe que, numa posição original de igualdade, as pessoas escolheriam princípios que assegurassem proteção e oportunidades justamente àqueles em situação mais vulnerável.

Aplicado ao sistema tributário, isso significa reconhecer a função redistributiva da tributação como instrumento legítimo de correção das desigualdades – desde que feita com transparência fiscal, controle social e acesso público à informação. Assim, consolidam-se os pilares de uma democracia madura e orientada pela justiça com equidade.

Dessa forma, se o sistema tributário nacional é uma ferramenta de poder, o povo brasileiro deve ter voz ativa através da politização, por exemplo, dessa questão para decidir como esse poder será exercido.

Mesmo porque, a democracia não se sustenta apenas com eleições: ela exige vigilância, consciência e presença constante. E isso inclui saber, com clareza, quem paga – e quem deveria pagar – a conta do Brasil.

¨      Cian Barbosa: A batalha do IOF nas redes

A convocação nacional pelo plebiscito popular de 2025 — “uma iniciativa dos movimentos sociais, centrais sindicais, juventudes, artistas, entidades de fé e partidos progressistas”, como descrito no site do governo —, com votações iniciadas no dia 1 de julho e que se estenderão até setembro, tem movimentado a sociedade em diversos estratos, desde setores do Executivo e Legislativo, integrantes da situação e da oposição partidárias e setores da sociedade civil. Vale lembrar que um plebiscito, como determinado pelo artigo 14 da Constituição Federal (regulamentado pela Lei nº 9.709 de 18 de novembro de 1998), define-se como uma consulta prévia para decidir sobre “matéria de relevância para a nação em questões de natureza constitucional, legislativa ou administrativa” (sua diferença para um referendo é que este determina uma consulta posterior à criação de um ato legislativo). 

O plebiscito atual tem como objetivo aferir em consulta pública voluntária a posição da população sobre a atual jornada de trabalho, assim como as estruturas tributárias vigentes. Postulando a redução da escala 6×1 — um movimento que ganha força popular e teve expressão eleitoral confirmada na eleição do vereador pelo Rio de Janeiro Rick Azevedo, eleito ano passado a partir dessa pauta — e a taxação dos “super ricos”, ou seja, uma reforma tributária um pouco mais igualitária e proporcional, o plebiscito tem sido eixo de disputas e polêmicas, mobilizando a propaganda política de defensores e opositores das mais diversas formas, seja nos setores clássicos da mídia hegemônica, principalmente na televisão, até as mais diversas plataformas midiáticas digitais. 

As tensões são marcadas pela disputa que se estende entre o Executivo e a oposição no Congresso, desde o decreto presidencial que aumentaria as alíquotas do IOF — posteriormente derrubado na Câmara dos Deputados e depois no Senado. A proposta previa a cobrança de IOF de 5% sobre novos aportes que ultrapassassem R$ 300 mil por CPF na mesma seguradora, entre 11/06 e 31/12/2025 — “a partir de 2026, o plano era tributar em 5% os valores acima de R$ 600 mil por ano, somando aportes em qualquer seguradora”. Em contrapartida, o governo previa a isenção de impostos para aqueles que possuem renda por CPF de até R$ 5 mil — ou seja, trata-se de uma reorientação da política tributária que seja mais proporcional aos montantes em operações financeiras. O líder da oposição, Luciano Zucco (PL-RS), afirmou em suas redes sociais: “é um confisco unicamente visando arrecadar recursos. Ataque ao setor produtivo: agro, serviços, comércio, indústria, tudo afetado.” Obviamente sua posição é a de defesa dos setores mais parasitários da sociedade, na medida em que o extrato verdadeiramente produtivo não encontra-se na parcela da população que faz operações financeiras anuais acima de 600 mil reais. 

Nos últimos dias temos visto também, nas matérias na mídia hegemônica, como ocorreu no Jornal Nacional, da Rede Globo, alardes sobre “campanhas nas redes sociais de ataque ao Legislativo”. Para sustentar sua narrativa, a Globo solicitou um relatório da consultoria Bites onde mostra-se, supostamente, que a mobilização digital sobre o tema tem início no dia seguinte ao início da reação do Congresso às mudanças do IOF, 17 de junho. No dia 27, o perfil oficial do PT publica um vídeo gerado por Inteligência Artificial com o slogan “Taxação BBB: bilionários, bancos e bets” — o que interpretam como uma retórica de antagonismo “entre pobres e ricos”. A reação da oposição na chamada “guerra digital” [sic] viria em sequência, com partidos como o PP e União Brasil, além do governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo), utilizando também de IAs para propagandas combatendo os argumentos vindos da ala progressista. 

É algo curiosa a mobilização de setores hegemônicos, como é o caso do grupo Globo, em cuidadosamente organizarem uma narrativa contra propagandas políticas digitais assim que essas começam a dar tração para pautas populares, mais próximas ao eixo da centro-esquerda, com propostas reformistas que se dirigem à melhoria da massa trabalhadora e à reformas — ainda que tímidas — do sistema tributário extremamente desigual e injusto, imposto fundamentalmente contra os mais pobres no país. É importante salientar que os temas dos impostos e taxações possuem grande valor de mobilização política massiva, especialmente na medida em que englobam uma ampla parcela da população identificada ideologicamente com a direita — e o mesmo ocorre com a pauta de redução da jornada de trabalho, algo já exposto pela mobilização do movimento VAT. Somando-se a isso o conflito direto com o interesse das classes exploradoras, temos uma bomba relógio para os setores parasitários da economia e da política brasileira. 

Não surpreende então que seus representantes comecem a encampar uma batalha de propaganda ideológica que desvela — aos mais desavisados — o lado político da grande mídia e sua (falsa) oposição aos setores bolsonaristas (ou intimamente ligados a eles). Quando começaram a provar do próprio veneno — a propaganda política massificada, barateada e pulverizada nas redes —, os setores da elite se viram forçados a promover uma narrativa onde relacionavam “perfis ligados ao PT” com um suposto “ataque antidemocrático” ao Legislativo, na medida em que Hugo Motta (Republicanos-PB), atual presidente da Câmara, foi alvo de críticas que ganharam alto índice de engajamento nas redes. Não surpreende então que análises feitas na GloboNews critiquem o “mote Robin Hood” do governo, apesar de ser particularmente cômico quando vindo de um analista com o sobrenome Camarotti — a piada vem surpreendentemente pronta. 

Assim, o risco de desinformação no uso de ferramentas digitais que barateiam o custo de produção das propagandas ideológicas e ganham amplificação massiva nas redes torna-se uma pauta fundamental para a mídia tradicional — mesmo que o uso de conteúdos gerados por IAs para propaganda política seja algo já utilizado pela direita desde muito antes do recorte tendencioso feito pela pesquisa encomendada pelo grupo Globo. Vale lembrar que o TSE proibiu o uso de inteligência artificial para criar deepfakes em períodos eleitorais, mas fora desses períodos a questão concerne à justiça comum. Os limites formais implícitos na linguagem utilizada pela campanha pró-plebiscito — explorando conteúdos produzidos por IAs generativas, apelando para a aliança com influenciadores e formatando-se à estrutura do espaço público-privado digital  — precisam ser investigados criticamente, mas é notável que a estratégia tenha surtido efeito; em especial pela reação da hegemonia burguesa. Resta agora avançarmos nas pautas, e seria de grande ganho também o uso das “velhas” mídias: Lula poderia fazer uso de seu horário televisivo; além disso, poderíamos também avançar em direção ao combate do assim chamado “teto de gastos”, um entulho do realismo neoliberal que parece ainda reger a retórica do governo. 

Além de tudo, uma coisa é certa: a propaganda política produzida por IAs está apenas começando a esboçar o que dará contornos para as próximas eleições, e o horizonte não é nada animador. As regulações atuais ainda parecem frouxas, sem contar a parcialidade das redes que hoje não passam de plataformas organizadas em oligopólios que convergem com os interesses da extrema direita. Se pretendemos levar esse debate a sério, ele passa por uma profunda regulamentação das plataformas. É digno de nota: no último dia 4 o ministro Alexandre de Moraes (STF) suspendeu os decretos tanto do Executivo quanto do Legislativo que tratam do IOF, convocando uma audiência de conciliação para o dia 15. Moraes é autor de uma tese que aborda, desde sua perspectiva jurídica, o que chama de populismo digital, o que torna sua visão sobre o assunto especificamente implicada. Resta aguardarmos o próximo dia 15 para saber como irá manejar a situação. 

 

Fonte: Le Monde/Opera Mundi/Vimundo

 

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