Ucrânia:
a OTAN pode perder sua “guerra infinita”
Quando
em fevereiro de 2022 a Rússia anunciou sua decisão de iniciar uma Operação
Militar Especial1 contra a Ucrânia, boa parte da chamada “comunidade
internacional” – leia-se Estado Unidos, Europa e demais aliados – condenou o
que foi chamado de “agressão a um país soberano”. Pouco importava o golpe de
estado de 2014 em Kiev, apoiado e financiado abertamente pela União Europeia
(UE) e Estados Unidos, que levou ao poder um governo antirrusso,
ultranacionalista e que desfila com suásticas em praça pública. O que importava
é que aquele novo governo, nascido do golpe, jogasse o perigoso jogo da guerra
contra Rússia, com a promessa de ver seu país integrado à Organização do
Tratado do Atlântico Norte (OTAN) e União Europeia.
Para a
Rússia, a expansão da OTAN para o território ucraniano não apenas descumpria
acordos que remetiam ao fim da União Soviética, mas representava uma ameaça
vital para a própria existência do Estado-nação russo. Depois de três anos de
guerra e mais de um milhão de mortos (segundo estimativas não confirmadas) na
maior guerra em solo europeu desde 1945, a Ucrânia está devastada, a Rússia se
reorganizou economicamente e militarmente e a OTAN dobra sua aposta numa
possível confrontação com Moscou.
O mais
novo dossiê do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, OTAN: a organização
mais perigosa da terra, traz uma excelente contribuição para o conhecimento
histórico dessa organização militar que funciona como um verdadeiro exército
global a serviço das potências imperialistas. Se na sua origem estava a
dissuasão contra o “inimigo soviético”, a OTAN se transformou a partir dos anos
1990. Foi exatamente naquele momento em que, valendo-se do caos originado pela
dissolução da União Soviética, a organização militar ocidental iniciou seu
avanço sobre as antigas repúblicas do bloco. Ainda que fragilizada, a Rússia
garantiu que em seu entorno vital, Ucrânia, Bielorrúsia e Georgia não seriam
incluídas na aliança militar ocidental.
Esse
acordo foi paulatinamente desrespeitado – não sem constantes avisos das
autoridades em Moscou – e provocando ora intervenções militares russas, como no
caso da Geórgia, até golpes de Estado vendidos como “revoluções pela
democracia”, como no caso bielorrusso e ucraniano. Não se trata aqui da defesa
ou avaliação das qualidades destes regimes – cada povo tem o direito de decidir
sobre seu destino sem intervenção externa. Trata-se de compreendermos que
constantemente OTAN e Estados Unidos se valem de descontentamentos internos,
subornos, lobbies, grupos mercenários, neonazistas e o que mais estiver a
disposição para colocar no poder governos que atendam seus interesses.
Portanto, é nesse contexto que devemos entender o conflito iniciado em
fevereiro de 2022.
A
evolução do conflito reflete também a evolução dos atores envolvidos. Nos
primeiros meses da guerra, entre fevereiro e abril de 2022, a iniciativa
militar russa aparentemente havia desabilitado qualquer possibilidade de defesa
própria por parte da Ucrânia. Isso se refletiu nas negociações que ocorreram na
capital da Turquia (Istambul). A Ucrânia se tornaria um país neutro – sem
possibilidade de se tornar membro da OTAN; desarmaria e desmobilizaria das
fileiras das suas forças armadas os batalhões neonazistas e antirrussos que
atuavam no país; aceitaria a autonomia da região do Donbass que, desde 2014,
era alvo de bombardeios constantes pelo regime de Kiev e, por fim, reconheceria
a Crimeia2 como território russo.
Ambas
as partes estavam prontas para assinar o acordo quando, o então
primeiro-ministro britânico Boris Johnson interveio e, na prática retirou a
Ucrânia da mesa de negociação. O ex-ministro não falava por si mesmo: naquele
momento o governo do democrata Joe Biden e a OTAN deixavam claro que nunca se
tratou dos interesses ucranianos, e de que lutariam “até o último ucraniano”.
Com as armas da OTAN e estadunidenses fluindo infinitamente para a guerra por
procuração contra a Rússia e a delirante ideia de “derrubar o regime de Putin”
e desmembrar o gigante eurasiático, a OTAN levou a cabo seu projeto, mesmo que
ao custo de milhões de vidas e um país devastado.
Os anos
2022 e 2023 foram marcados pelo discurso delirante da “virada ucraniana” sobre
a Rússia, ainda que em 2022 quatro regiões do leste ucraniano – o mais
desenvolvido industrialmente e com importantes reservas de minérios – tenham
feito plebiscitos que decidiram por se separar da Ucrânia e se unir a Federação
Russa. É fato que a Ucrânia obteve algumas vitórias táticas, mas nunca
conquistou o controle estratégico, que sempre esteve nas mãos da Rússia. Não
foram poucas as vezes que testaram os limites do governo russo, colocando a
humanidade em risco de uma confrontação nuclear.
Ao
mesmo tempo, a Rússia precisou reorganizar sua economia diante das inúmeras
sanções que recebeu, bem como reorientar a sua produção de armamentos. E foi
extremamente bem-sucedida em ambos. A economia russa se fortaleceu,
desligando-se cada vez mais dos circuitos financeiros dominados pelo dólar; não
apenas ampliou sua capacidade de produção militar como passou a ter a dianteira
tecnológica na produção de drones e mísseis hipersônicos, por exemplo, e
modernizou sua tríade nuclear. Aprendeu com seus erros no campo de batalha e
reformulou todo seu sistema de incorporação e treinamento, bem como métodos de
combate. Tudo isso em tempo recorde e associado com crescimento econômico.
O
resultado do que descrevemos acima foi uma virada impressionante a partir de
2024. De lá para cá, a Rússia se tornou implacável no campo de batalha,
conquistando de modo meticuloso todas as cidades estratégicas na região do
Donbass. Enquanto isso, OTAN e Ucrânia passaram a atuar cada vez mais em atos
de sabotagem e terrorismo, com bombas e assassinatos de civis e militares e
ataques de drones e mísseis em áreas civis. Além disso, tentaram uma invasão da
região de Kursk na Rússia, que resultou em mais de 80 mil soldados ucranianos
mortos, segundo estimativas russas, bem como pesadas perdas em equipamentos
militares. Tornou-se lugar-comum a exibição de equipamentos da OTAN e dos
Estados Unidos na Praça Vermelha em Moscou.
As
ações de caráter terrorista promovidas pela Ucrânia e planejadas pela OTAN têm
elevado a tensão com a Rússia. Se antes havia preocupações em ocultar as fontes
das ações ucranianas, isso hoje já não existe. Diariamente líderes europeus
autorizam o uso de seus armamentos em ações de ataques diretos contra o
território russo, falam em envio de tropas para o território ucraniano e não
escondem que estão em guerra, ou se preparando para um confronto direto com a
Rússia. Moscou já entendeu que há tempos que sua luta não é contra a Ucrânia,
mas contra os 32 países que fazem parte da aliança militar ocidental. A vitória
russa na Ucrânia não é uma dúvida, é um fato. A Rússia continuará lutando no
território ucraniano enquanto for conveniente para seus interesses militares,
políticos e econômicos. É claro que uma intervenção direta da OTAN traria um
novo cenário – totalmente imprevisível, pois certamente estaríamos lidando com
uma guerra mundial. Entretanto, o errático governo Trump não tem sinalizado
apoio nessa direção, o que não significa que haja alguma segurança de longo
prazo.
Cada
guerra carrega em si as contradições de seu tempo e sinaliza transições de
maiores ou menores proporções. Em 2022 a Rússia foi vista por boa parte do
mundo como um país governado por um “líder autoritário” que desejava reviver um
antigo império. Três anos depois, podemos afirmar que a Rússia – ainda que com
suas contradições – tem se mostrado extremamente equilibrada diante do
descontrole do decadente império estadunidense e seus aliados. Não sabemos
quando nem como o conflito na Ucrânia será encerrado, mas uma certeza nós
temos: como bem demonstra o dossiê do Instituto Tricontinental, a OTAN precisa
ser extinta para que a construção de uma Nova Ordem Mundial igualitária e
multipolar seja possível.
1O uso
do termo não é apenas formalidade ou reprodução do discurso oficial, mas sim
sobre o caráter do conflito. De fato, ao não se declarar oficialmente em guerra
contra a Ucrânia e sim numa operação especial, o governo russo tem internamente
limites legais para a condução das ações.
2Em
2014, no contexto do golpe em Kiev, a região da Crimeia realizou um plebiscito
onde optou por se desligar da Ucrânia e passar a pertencer a Federação russa.
Fonte:
Por Anderson Barreto Moreira, em Outras Palavras

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