Por
tudo o que há de bom na humanidade, proíbam os smartphones
Desculpem
o comentário pessoal de início, mas é relevante para o assunto em questão.
Lembro-me de comprar meu primeiro smartphone. Era 2010 e eu tinha acabado de
voltar da Coreia do Sul para o Canadá, onde não tinha conseguido comprar um
iPhone. Ao retornar, tentei resistir ao fenômeno crescente da interconexão
infinita. Não resisti por muito tempo. Comprei um iPhone e o configurei.
Naquele mesmo dia, eu estava na fila de uma cafeteria e, pela primeira vez na
vida, me vi ignorando o caixa enquanto ele pedia o pagamento. Eu estava
distraído, mexendo no celular.
Nos
quinze anos desde que comprei aquele telefone, e vários de seus sucessores, os
smartphones se tornaram onipresentes. Os telefones não são apenas um
dispositivo, mas uma extensão de nós mesmos, de nossas conexões sociais,
memórias, cognição e até mesmo de nossa consciência. Em 2024, 98% dos
estadunidenses possuíam um celular, 91% dos quais eram smartphones. Isso
representa um salto considerável em relação aos 35% que possuíam um dispositivo
inteligente quando a Pew Research Center começou a monitorar a posse de
dispositivos em 2011.
De
muitas maneiras, os celulares agora nos controlam. Um estudo de 2025 descobriu
que, em média, os estadunidenses checam seus celulares mais de 200 vezes por
dia — “quase uma vez a cada cinco minutos enquanto estamos acordados”. Como as
pessoas passam horas por dia rolando a tela ou digitando, mais de 40% relatam
se sentir viciadas em seus smartphones. Estudos diferentes apresentam
resultados variados, mas a linha de raciocínio é semelhante: a maioria de nós
possui smartphones e passa mais tempo neles do que gostaria — presos a eles a
um custo pessoal e social considerável. Há muitos motivos para abandonar essa
ferramenta.
Nós
construímos máquinas de solidão e as chamamos de inteligentes
Uma
proibição total de smartphones seria, no mínimo, pesada — e provavelmente
inconstitucional tanto nos Estados Unidos quanto no Canadá, dependendo de como
fosse promulgada. Mas vamos refletir sobre a proposta, partindo da premissa de
que o uso de smartphones é um problema coletivo, não pessoal. Representa um
problema do qual precisamos nos livrar juntos. Afinal, a capacidade de um
indivíduo de se desconectar é moldada por normas e expectativas sociais. É
quase impossível largar o smartphone se ninguém mais o fizer.
Essa
dimensão coletiva já é reconhecida nas escolas, onde celulares são cada vez
mais proibidos. Autoridades citam um crescente conjunto de evidências que
mostram que esses dispositivos são prejudiciais às crianças. Até mesmo alguns
figurões da tecnologia estão enviando seus filhos para escolas
“antitecnologia”. Mas estender isso para o resto de nós é um trabalho árduo,
especialmente quando se trata de enfrentar uma indústria que movimenta centenas
de bilhões de dólares a cada ano e continua crescendo.
“Resumindo,
os smartphones são ruins para nossa saúde mental e física, nos tornando
infelizes, estúpidos e antissociais.”
Smartphones
não são ruins apenas para crianças. São ruins também para adultos. Eles nos
tornam mais solitários, deprimidos, estressados, ansiosos e propensos a
pensamentos suicidas. Usá-los à mesa ou onde quer que estejamos reunidos nos
deixa infelizes. Eles também podem ter efeitos negativos sobre a atividade
física, a capacidade de atenção, a função cognitiva e até mesmo nossa vida
sexual. Em suma, smartphones são ruins para nossa saúde mental e física,
tornando-nos infelizes, estúpidos e antissociais.
<><>
O direito de se desconectar
Os
smartphones — e as plataformas de mídia social que eles suportam — não são
apenas prejudiciais à saúde individual; eles são corrosivos para a saúde do
corpo político, tanto social quanto politicamente. Há muito tempo sabemos que,
como canais da internet, os celulares facilitam a disseminação de informações
falsas e desinformação, amplificam a indignação e confinam os usuários em silos
midiáticos adaptados por algoritmos. O resultado é um estreitamento de
perspectiva que deixa muitos de nós intelectualmente isolados, reativos e
desconectados de visões opostas.
Os
smartphones supostamente nos “conectam ao mundo”, mas, na verdade, muitas vezes
nos tornam incapazes de compreender — e muito menos de confiar — aqueles que
estão fora da nossa bolha. Com o tempo, isso aprofunda a polarização e corrói a
fé em instituições compartilhadas, dificultando o consenso sobre fatos básicos,
quanto mais a ação coletiva. A consequência não é apenas confusão — é uma crise
de legitimidade que se alastra lentamente.
Mesmo
quando os smartphones oferecem acesso a informações precisas, seus efeitos
minam nossa capacidade de processá-las ou agir com base nelas. A ferramenta que
supostamente deveria servir como porta de entrada para fontes infinitas de
informação — para nos libertar das restrições ao aprendizado — não fez nada
disso.
Assim
como os smartphones oferecem a ilusão de conexão social, eles oferecem uma
falsa sensação de protagonismo político — como se pegar o telefone e postar
fosse o equivalente a organizar, mobilizar ou construir solidariedade.
Enquanto
isso, o impulso, agora habitual, de pegar o celular para digitar uma mensagem
rápida ou responder a uma mensagem de texto na presença de outras pessoas —
amigos, familiares, trabalhadores do setor de serviços — não é apenas rude, mas
também corrosivo para a interação social básica. Os smartphones são ameaças
antipolíticas, antiintelectuais e antissociais.
Com os
smartphones, nós — ou seja, a indústria da tecnologia — criamos um dispositivo
no qual encontramos nosso par perfeito. Pior ainda, estar sempre conectado e
sempre acessível é particularmente penoso para os trabalhadores. Chefes
rotineiramente exploram esse acesso para confundir os limites entre trabalho e
vida pessoal. Para os milhões de empregos que dependem de e-mails ou
aplicativos de mensagens, a distinção entre vida profissional e vida privada
desapareceu.
Agora,
não só estamos sempre conectados, como também estamos sempre conectados ao
trabalho. Reconhecendo isso, países como França e Austrália adotaram leis de
“direito à desconexão” na tentativa de libertar os trabalhadores da dependência
de seus dispositivos fora do horário de trabalho.
Trabalhadores
do mundo, desliguem-se
Os
smartphones representam um problema para a sociedade em geral, mas em
particular para os socialistas que defendem uma ordem social, econômica e
política que pressupõe e exige um nível básico funcional de sociabilidade que
esses dispositivos minam. Os smartphones não são pró-sociais. É difícil
imaginar uma ordem socialista governada por zumbis viciados em dispositivos,
cada vez mais desconectados e semianalfabetos — retroagindo a algo como uma
tradição oral, mediada apenas por ChatGPT, mensagens de texto digitadas e posts
niilistas no Twitter/X, tudo isso enquanto publicam TikToks entre tarefas.
“E se
nos amarrássemos aos mastros, como Odisseu navegando entre as sereias,
libertando-nos das melodias atraentes, mas custosas, dos nossos smartphones?”
Hoje em
dia, os celulares dobráveis, ou “celulares burros” com funções limitadas, estão
em alta. Em 2023, quase 100.000 deles foram vendidos no Canadá, um aumento de
25% em relação às vendas de 2022. Houve um movimento semelhante nos Estados
Unidos. Mas a maioria dos usuários de celulares continua usando smartphones,
seja por escolha própria ou por força do hábito, pressão social, exigências do
trabalho ou vício total. É isso que queremos para nós mesmos? Para nossos
amigos, familiares e parceiros? Certamente não. Estamos presos em uma armadilha
e precisamos nos livrar dela.
E se
proibíssemos os smartphones e nos obrigássemos a ser livres? Pode parecer
absurdo. Mas é menos uma proposta política literal do que um pedido coletivo de
ajuda. Muitos de nós queremos nos desconectar, mas não podemos fazer isso
sozinhos — não sem perder o contato com o mundo ao nosso redor. A desconexão,
hoje, acarreta custos sociais e econômicos reais. Até que os smartphones e as
mídias sociais possam ser governados democraticamente ou nacionalizados —
libertos da necessidade de lucrar com nossa atenção indefinidamente —, uma
proibição pode ser o caminho mais realista para recuperar nossas vidas. Isso
não é uma rejeição da liberdade; é um apelo por um tipo mais profundo de
liberdade: um pré-compromisso coletivo com uma ordem social que nos devolva nossas
vidas.
E se
nos amarrássemos aos mastros, como Odisseu navegando entre as sereias,
libertando-nos das melodias sedutoras, porém custosas, dos nossos smartphones?
E se, em vez de “nos conectarmos”, nos reconectássemos — uns com os outros,
conosco mesmos, com livros e filmes, com as notícias, com a vida ao ar livre,
até mesmo com o nosso trabalho — livres das pressões constantes dos nossos
dispositivos? Poderíamos ser mais inteligentes, mais felizes, mais saudáveis,
mais gentis e mais presentes. Melhor ainda, seríamos livres.
Fonte:
Por David Moscrop – Tradução Pedro Silva, em Jacobin Brasil

Nenhum comentário:
Postar um comentário