Os
preocupantes efeitos de longo prazo da pandemia que agora estão sendo
observados nas crianças
Para a
professora de pré-escola Rebekah Underwood, há algo diferente na turma de 2025.
Ela notou que as crianças a quem ensina — com idades entre cinco e seis anos —
são fisicamente mais cautelosas do que o grupo que frequentava a pré-escola em
Santa Monica, na Califórnia, nos EUA, antes da pandemia de covid-19.
"Muitas
crianças não conseguem dar cambalhota, não conseguem pular com os dois pés,
hesitam muito em escalar", diz ela.
Ela se
pergunta se isso tem algo a ver com a falta de exploração ao ar livre que
ocorreu quando essas crianças eram pequenas. Elas estão entre o grupo que era
bebê quando a covid-19 começou.
Em
março de 2020, as escolas do mundo todo começaram a fechar repentinamente, e a
vida de 2,2 bilhões de crianças e jovens ao redor do mundo sofreu uma mudança
drástica.
Famílias
inteiras se viram presas em casa, saindo apenas por períodos curtos e
determinados, enquanto as crianças em idade escolar eram ensinadas pelos pais
ou aprendiam por meio de uma tela.
Isso
fez com que as crianças perdessem o ritmo da vida cotidiana — a oportunidade de
frequentar clubes, praticar esportes e hobbies foi substituída por atividades
em casa, trabalhos manuais e televisão. Muitas também perderam marcos
importantes, como apresentações de dança, festas e formaturas.
Em
alguns lugares, os alunos não voltariam a se reunir com seus colegas por um
ano. Algumas escolas ficaram fechadas por 5,5 meses, mas outras permaneceram
fechadas por muito mais tempo.
Somando
isso ao estresse da pandemia e dos pais em uma situação sem precedentes, surgiu
uma especulação generalizada sobre o impacto que a pandemia de covid-19 teria
na geração de jovens que a vivenciaram.
Afinal,
as experiências da infância tendem a ter um efeito desproporcional na
trajetória de vida das pessoas, uma vez que podem alterar o desenvolvimento do
cérebro, o comportamento e o bem-estar geral.
Underwood
e seus colegas viram uma diferença nas crianças a quem estavam ensinando
praticamente assim as escolas reabriram em 2021.
Os
alunos das turmas de crianças pequenas de Underwood, por exemplo, são
facilmente superestimulados.
A
escola em que ela trabalha teve que suspender as aulas de música há dois anos
porque os instrumentos na sala de aula eram simplesmente demais para as
crianças pequenas lidarem — o barulho estridente, tanto alegre quanto caótico,
as deixava muito aborrecidas.
"Metade
da turma sentou do lado de fora porque estava muito superestimulada", diz
Underwood.
"Especialmente
em uma aula prática, é difícil de administrar."
Ela se
pergunta se essas crianças que não tiveram contato com apresentações musicais
ou parquinhos quando eram pequenas agora têm dificuldade com ambientes
barulhentos e caóticos.
Neste
ano, eles começaram lentamente a reintroduzir a música no currículo.
Cinco
anos depois que a covid-19 começou a se espalhar pelo mundo, desencadeando
lockdowns generalizados, os pesquisadores estão começando a desvendar o efeito
que as mudanças sociais abruptas podem ter tido sobre as crianças.
A
pandemia deixou sua marca no comportamento, na saúde mental, nas habilidades
sociais e na educação delas. Mas a profundidade dessas cicatrizes e seus
efeitos a longo prazo podem só ficar claros nas próximas décadas.
Para um
bebê, tudo é novidade: cada visita ao parque, cada cheiro dentro de um
supermercado, cada carinho em um animal de estimação.
Então,
o que será que acontece quando um bebê não vivencia tantas experiências?
Na
Inglaterra, o estudo Nascidos no Ano da Covid: Principais Efeitos do Lockdown
(Bicycle, na sigla em inglês) está tentando analisar o papel dos lockdowns em
crianças nascidas entre março e junho de 2020.
"Estávamos
realmente preocupados que, durante a covid, as crianças estavam tendo uma
experiência muito incomum", diz Lucy Henry, professora de fala e linguagem
na City St George's, Universidade de Londres.
O
estudo acompanha três grupos de 200 crianças nascidas antes da pandemia,
durante os lockdowns de 2020 e depois que eles foram suspensos em 2021, com
foco nas habilidades linguísticas e nas funções executivas aos quatro anos de
idade.
Os
pesquisadores jogam jogos simples com as crianças — incluindo um em que elas
precisam clicar quando um gato aparece em uma tela. O objetivo é "acertar
o gato", mas evitar clicar quando virem um cachorro — uma medida de
inibição e outras funções executivas.
As
conclusões preliminares devem ser publicadas ainda este ano, mas os
pesquisadores dizem que os resultados parecem indicar que as crianças que eram
bebês durante a pandemia têm vocabulário menor e podem ter mais dificuldades
com habilidades de raciocínio de maior grau.
"O
panorama geral apresentado pelas evidências é que a comunicação parece ser algo
que pode ter sido afetado", diz Nicola Botting, psicóloga do
desenvolvimento da City St George's, Universidade de Londres, que é colíder do
estudo.
Os
pesquisadores esperam que seu trabalho os ajude a entender as razões desse
atraso, embora especulem que a falta de oportunidades sociais no primeiro ano
de vida possa ter tido um impacto desproporcional no desenvolvimento das
crianças.
Os
bebês nascidos nos lockdowns mais rigorosos não tiveram as oportunidades de
comunicação social em espaços públicos, como acenar para as pessoas, andar em
um balanço, ver rostos diferentes ou ouvir vozes diferentes falando.
"Sabemos,
com base em um amplo conjunto de pesquisas, que esses primeiros meses são muito
importantes para o aprendizado dos fundamentos da comunicação social",
explica Botting.
"Embora
os bebês pareçam não estar fazendo nada, eles estão fazendo coisas, e uma
dessas coisas é aproveitar diversas oportunidades sociais."
Embora
as implicações de longo prazo desses atrasos no desenvolvimento levem tempo
para serem compreendidas — e pode ser possível que essas crianças pequenas
consigam recuperar o atraso com relativa rapidez —, uma das principais áreas de
pesquisa sobre os efeitos da pandemia nos jovens tem sido a educação.
Estima-se
que 1,6 bilhão de estudantes em mais de 190 países tiveram sua educação
prejudicada pela pandemia. Quando as escolas fecharam, grande parte do ensino
passou para os pais, que conduziam atividades escolares dentro de casa, em
paralelo a aulas remotas pela internet.
As
crianças sem acesso a computadores ou conexões de internet confiáveis
inevitavelmente sofreram mais.
Em
2023, as Academias Nacionais de Ciências, Engenharia e Medicina dos EUA
publicaram um relatório abrangente sobre os efeitos da pandemia de covid-19 nas
crianças, mostrando que "em todas as métricas de engajamento escolar e
resultados de aprendizagem, os alunos parecem estar em pior situação" do
que estariam sem a pandemia.
Os
efeitos são particularmente pronunciados entre aqueles de famílias de baixa
renda e comunidades marginalizadas, um padrão que aparece repetidamente quando
analisamos muitos aspectos de como a covid-19 afetou as crianças.
De
forma assustadora, o relatório conclui que as perdas de aprendizado ocorridas
durante a pandemia podem ter implicações econômicas duradouras quando essas
crianças chegarem à idade adulta.
Um
estudo recente, publicado em janeiro de 2025, tentou quantificar a perda de
aprendizado usando dados de pontuação em testes globais.
Eles
descobriram que as notas de matemática diminuíram em média 14% — o que equivale
aproximadamente a sete meses de aprendizado para um aluno.
Alguns
grupos — incluindo estudantes de escolas que enfrentaram fechamentos
relativamente mais longos, meninos, imigrantes e alunos desfavorecidos —
tiveram um desempenho ainda pior.
E o
ensino remoto, no qual os alunos se conectam a telas para assistir às aulas,
não parece ter contribuído muito para conter a onda de defasagem de
aprendizado. No fim das contas, eles dizem, essas defasagens podem se traduzir
em perdas de renda, e podem custar trilhões de dólares a essa geração de
estudantes.
"As
lacunas existem, e não estão desaparecendo", diz Maciej Jakubowski,
pesquisador da área de educação da Universidade de Varsóvia, na Polônia, que
liderou o estudo.
Os
resultados coincidem com os de outras pesquisas. Em toda a Europa, por exemplo,
as crianças perderam o equivalente a um a três meses de aprendizado, sendo que
em alguns países, como a Polônia e a Grécia, esse nível foi três vezes maior.
Efeitos
ainda mais significativos foram encontrados em países como Brasil, México,
África do Sul e Estados Unidos, com maior defasagem em matemática e ciências do
que em outras disciplinas.
Outra
análise importante de 42 estudos realizados em 15 países diferentes durante um
ano e meio de pandemia estimou que os alunos perderam um terço do aprendizado
de um ano letivo devido ao fechamento das escolas.
Esses
déficits também persistiram à medida que a pandemia avançava, sem uma
recuperação clara mesmo depois que as escolas começaram a reabrir, observa
Bastian Betthäuser, que estuda desigualdade social na Universidade de Oxford,
no Reino Unido, e liderou essa revisão de estudos. "Vimos que esses
déficits de aprendizado inicial eram muito persistentes", explica
Betthäuser. "Isso não piorou muito com a continuação da pandemia, mas não
vimos, naquele momento, uma tendência clara de recuperação."
Os
resultados também foram semelhantes para os alunos do ensino fundamental e
médio. Isso foi uma surpresa, pois os pesquisadores achavam que os déficits
seriam maiores para os alunos mais novos, que tinham menos probabilidade de
aprender por conta própria.
Betthäuser
diz que isso pode ter ocorrido porque o fechamento das escolas foi mais longo e
mais intenso para os alunos mais velhos, de modo que eles acabaram ficando fora
da escola por mais tempo e perdendo mais conteúdo.
Desde a
pandemia, muitas escolas tentaram recuperar essa defasagem por meio da
aprendizagem acelerada, mas com sucesso variável. Mas Betthäuser diz que há
lampejos de esperança — evidências do Reino Unido e dos EUA mostram que houve
alguma recuperação desses grandes déficits de aprendizagem, mas que ela não foi
total.
"Essa
recuperação tende a ser mais rápida para crianças de origens mais favorecidas,
o que significa que as disparidades no desempenho entre crianças de diferentes
origens socioeconômicas continuam muito grandes, às vezes até maiores do que
eram antes da pandemia", acrescenta Betthäuser.
Os
efeitos desse tipo de aprendizado inacabado podem persistir, manifestando-se em
altos custos econômicos para a sociedade, adverte Jakubowski.
Para
alguns países, como a Polônia, as perdas de aprendizado se traduzem em um
declínio no crescimento econômico de 0,35%. Uma análise feita pela consultoria
de gestão McKinsey estima que o aprendizado inacabado dos alunos durante a
pandemia pode fazer com que eles ganhem dezenas de milhares de dólares a menos
ao longo da vida do que aqueles cujos estudos não foram interrompidos. Isso
poderia representar um prejuízo anual de US$ 128 bilhões a US$ 188 bilhões (R$
694 bilhões a R$ 1 trilhão) para a economia dos EUA quando os alunos de 2020
entrarem no mercado de trabalho.
"É
um impacto econômico enorme", afirma Jakubowski.
Ele diz
que há intervenções direcionadas que podem ajudar a resolver as lacunas de
aprendizado, como ensino para pequenos grupos ou aulas particulares sobre temas
específicos, embora esta seja uma solução cara.
No
entanto, o custo de longo prazo para a sociedade pode ir além da educação. Os
lockdowns levaram a preocupações sobre como a saúde física das crianças pode
ter sido afetada durante a pandemia.
Um
estudo realizado no Reino Unido mostrou que a obesidade entre crianças de 10 a
11 anos aumentou durante a pandemia, e persistiu.
Os
pesquisadores estimam que isso equivale a 56 mil crianças a mais com obesidade.
É provável que isso se deva a mudanças nos hábitos alimentares e na prática de
atividade física que ocorreram em muitos países durante a pandemia, e que
talvez tenham continuado.
A longo
prazo, isso poderia custar à sociedade britânica um valor estimado em £ 8,7
bilhões (R$ 64 bilhões), segundo os pesquisadores.
Porém,
embora a pandemia tenha causado um choque repentino na vida e na educação das
crianças, ela também exacerbou tendências que já estavam ocorrendo antes do
surgimento da covid-19.
Judith
Perrigo, pesquisadora da área de educação da Universidade da Califórnia em Los
Angeles (UCLA), vinha observando há anos as notas em leitura e matemática
diminuírem lentamente nos EUA.
Perrigo
lidera um estudo de longo prazo com alunos do jardim de infância que vem sendo
realizado há 14 anos.
O
estudo pede aos professores que deem uma nota sobre a saúde física e o
bem-estar de cada aluno; competência social; maturidade emocional; linguagem e
desenvolvimento cognitivo; e comunicação e conhecimento geral.
Mas ela
e seus colegas descobriram que a pandemia levou a uma queda ainda mais
acentuada nas habilidades linguísticas, cognitivas e de competência social. O
estudo foi único, uma vez que os pesquisadores estavam coletando os mesmos
dados há mais de uma década, o que permitiu a eles ver o impacto de um choque
universal como a covid-19 na população e ao longo do tempo.
"A
história é que a pandemia de covid prejudicou o desenvolvimento das
crianças", diz ela, embora afirme que seu estudo mostra que a trajetória
descendente já estava em andamento quando a pandemia começou,
Perrigo
e seus colegas esperavam ver quedas em todas as áreas que os professores
estavam avaliando, mas, em vez disso, descobriram que três das cinco áreas
apresentaram declínio — linguagem e habilidades cognitivas, habilidades de
comunicação e competência social.
A saúde
física permaneceu a mesma, possivelmente porque havia tanta ênfase na saúde
pública durante esse período que tornou mais fácil manter a saúde, ou porque o
tempo em casa durante os primeiros lockdowns fez com que as crianças passassem
mais tempo ao ar livre quando eram autorizadas.
Talvez
surpreendentemente, os pesquisadores também observaram que as pontuações das
crianças em relação à maturidade emocional melhoraram durante a pandemia.
Embora isso possa parecer contraintuitivo em um primeiro momento, diz Perrigo,
há uma série de pesquisas que fazem uma relação entre adversidade e maturidade
emocional.
"Quando
as crianças passam por adversidades, que podem ser o divórcio dos pais ou a
violência na vizinhança, elas vivenciam a maturidade emocional que vem junto
com essas adversidades", diz ela.
"Durante
a covid, não havia para onde ir. O noticiário estava ligado. Víamos a contagem
de mortos todos os dias. As crianças foram expostas a muitos temas complexos.
Por isso, seus índices de maturidade emocional realmente aumentaram."
Se isso
vai ajudar a preparar melhor esta geração para os desafios que vão enfrentar
mais adiante na vida, ainda não sabemos.
Mas o
estresse da pandemia pode ter deixado outras marcas na saúde mental de crianças
e adolescentes — com muitos estudos revelando níveis elevados de ansiedade,
depressão, raiva e irritabilidade durante os lockdowns.
As
crianças também apresentaram mais sinais de internalização e problemas
comportamentais devido aos longos períodos de confinamento. Aquelas que se
exercitavam mais, tinham acesso a entretenimento e mantinham relações
familiares positivas tendiam a se sair melhor.
E,
talvez sem surpresa, quanto mais estressados os pais ficavam com os lockdowns,
mais volátil tendia a ser o bem-estar dos filhos.
Há
também evidências de que alguns dos problemas persistiram após a reabertura de
escolas e universidades. Um estudo na China constatou que as crianças tendiam a
apresentar um comportamento menos pró-social, ou seja, eram menos dispostas a
agir de maneiras que beneficiassem os outros.
Tandy
Parks, assistente social que lidera grupos de pais em Los Angeles, diz que
encontra famílias que ainda estão lidando com as consequências das interrupções
no aprendizado e nas conexões sociais durante a pandemia.
Muitas
crianças com as quais ela trabalha demoram a desapegar dos pais e adquirir um
senso de independência.
"Recebo
ligações de pais de crianças de quatro a sete anos, e são quase as mesmas
conversas que eu costumava ter com pessoas com filhos de dois anos e
meio", diz ela.
Os pais
estão tendo dificuldade para estabelecer limites apropriados e se comunicar
claramente com as crianças, e até mesmo marcos do desenvolvimento — como o
desfralde — estão ocorrendo em um ritmo muito mais lento, segundo Parks.
Há, no
entanto, esperança de que, ao pesquisar como as crianças se saíram durante e
depois da pandemia, também seja possível identificar estratégias para apoiá-las
no futuro.
"Esperamos
que parte do que descobrimos não seja aplicável apenas no caso de haver outra
pandemia, mas também se dirija a oportunidades sociais limitadas de diferentes
tipos", incluindo crescer como parte de grupos que podem estar isolados
por motivos culturais, diz Henry. "Portanto, há uma espécie de amplitude,
assim como uma perspectiva longitudinal."
Perrigo,
da UCLA, adverte que mais apoio é necessário para ajudar os jovens — no mundo
todo — que enfrentaram uma mudança tão abrupta em suas vidas. A menos que os
formuladores de políticas públicas, pais e professores comecem a concentrar
esforços e a usar abordagens comprovadas pela ciência para melhorar o
bem-estar, as tendências vão continuar a piorar com o tempo, diz ela.
"Essas
trajetórias são muito claras — todas elas estão caindo, e vêm caindo há algum
tempo", observa. "Portanto, acho que não há razão para acreditar que
elas vão melhorar por conta própria nos próximos cinco anos, na próxima década,
a menos que façamos coisas de forma concentrada para garantir que elas
melhorem."
Todas
as implicações da pandemia de covid-19 para uma geração de crianças só vão ser
percebidas com o passar dos próximos anos e décadas. Mas para a professora de
pré-escola Rebekah Underwood, há sinais de esperança em sua última turma. As
crianças pulam, dão cambalhota e gostam muito mais das aulas de música do que
seus colegas de um ou dois anos atrás.
"Com
certeza está havendo uma melhora", diz ela. "Eles são mais
aventureiros, embora o desenvolvimento socioemocional seja um pouco
complicado."
Fonte:
BBC Future

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