Imigração
no Canadá virou 'tormento' para brasileiros?
Durante
décadas, uma combinação de segurança, emprego, qualidade de vida e incentivos à
imigração atraíram milhões de imigrantes ao Canadá, inclusive brasileiros, e o
país passou a ser visto como uma espécie de paraíso migratório.
Enquanto,
nos últimos anos, alguns países da Europa, como França e Itália, além do
vizinho, os Estados Unidos, estão envolvidos nas discussões sobre imigração, o
Canadá parecia imune a essa questão.
Mas,
recentemente, esse clima favorável mudou: a população passou a se queixar do
aumento nos custos em habitação e da piora nos serviços públicos, atribuindo,
em muitos casos, a causa dos problemas ao aumento no número de imigrantes.
Pressionado,
o governo canadense anunciou uma redução na quantidade de imigrantes que o país
receberia nos próximos anos e alterou regras para concessão de vistos de
trabalho e de residência temporária.
Hoje,
centenas de milhares de pedidos de visto represados deixam os imigrantes tensos
e com medo do futuro.
É o
caso de Caroline Mansur, 27 anos, de Minas Gerais, que vive no Canadá há pouco
mais de três anos. Ela entrou e continua legalmente dentro do país.
Mansur
conta que ir para o Canadá era um sonho de infância, realizado por meio de um
visto para jovens profissionais.
Formada
em Direito, ela atua nas áreas de fotografia e marketing e sua meta era
conquistar um visto permanente, algo que parecia relativamente simples há
alguns anos.
"O
sonho canadense também virou um tormento por causa de toda essa situação da
imigração", diz Mansur.
• Identidade do Canadá
Ao
longo dos séculos, a imigração é um tema que faz parte da identidade do Canadá,
uma antiga colônia britânica inicialmente habitada por centenas de milhares de
povos originários.
País
com o segundo maior território do mundo, o Canadá já precisou de gente para
ocupar toda essa extensão de terras, para trabalhar em áreas como agricultura,
mineração e mais recentemente na área de petróleo.
Por
isso, faz séculos que a imigração é parte integral do Canadá. A lei de
imigração, dos anos 1800 definiu o país como uma sociedade de imigração,
tornando o tema parte da identidade canadense.
Assim,
recebeu imigrantes e colonizadores vindos do Reino Unido e da França. A partir
dos séculos 18 e 19, começaram a chegar levas de americanos refugiados da
Guerra da Independência americana e imigrantes de diversos países europeus.
Mas
essa identidade também foi constituída com capítulos polêmicos.
Antes
de 1967, o sistema migratório era praticamente baseado nas origens dos
imigrantes: pessoas brancas e europeias eram encorajadas a irem ao país, em
detrimento de pessoas com origens étnicas diferentes, como africanos e
asiáticos.
Da
mesma forma, os chineses que trabalhavam no país naquele século eram
desincentivados a obter um visto de permanência.
A
partir do fim dos anos 1960, o país trocou esse sistema imigratório baseado nas
origens dos imigrantes por um sistema de pontos, em que o potencial imigrante
era avaliado a partir de critérios como qualificação profissional, perspectiva
de conseguir emprego e domínio de outras línguas.
Quanto
maior a pontuação, maiores as chances de obter o direito de imigrar.
Ao
mesmo tempo, o Canadá também passou a atrair estudantes estrangeiros com a
promessa de uma possível permanência.
Nessa
esteira, mais recentemente, o então primeiro-ministro canadense, Justin
Trudeau, tomou uma série de medidas para abrir o país aos imigrantes. Em 2017,
ele foi às redes sociais dizer que o país receberia pessoas perseguidas
politicamente ou ameaçadas por guerras e terrorismo.
Essa
abertura chegou ao ápice após a pandemia de covid-19, quando o governo aumentou
as cotas para receber imigrantes. O objetivo era tentar reaquecer a economia de
áreas que haviam sido muito impactadas pela pandemia, como a saúde.
A
postura de Trudeau se repetiu depois que a Rússia invadiu a Ucrânia, e o país
se colocou à disposição para receber refugiados ucranianos, graças ao histórico
do país de ter recebido imigrantes ucranianos no fim do século XIX.
Esse
passado tornou a colônia ucraniana muito forte no país mesmo antes da guerra.
Em discurso em 2022, Trudeau enfatizou esses laços do país com a Ucrânia e sua
posição contra a invasão russa.
As
políticas inauguradas por Trudeau foram motivadas também por uma questão
econômica, já que o Canadá tem apresentado baixas taxas de natalidade e um
nível acelerado de envelhecimento de sua população.
Isso
reduz a chamada população economicamente ativa, aquela que compõe
majoritariamente a força de trabalho de um país. Assim, novamente a imigração
também foi uma forma de atrair mão de obra, desta vez para áreas como serviços,
saúde e agricultura.
• Imigrantes e a inflação
O
resultado de toda essa abertura se reflete nos números. Entre 2015 e 2024, a
população do Canadá saltou de 35 milhões para 41 milhões de pessoas. Estudos
apontam que 90% desse crescimento se deu pela imigração.
Em
2022, quase um em cada quatro habitantes havia chegado ao Canadá como
imigrante.
Os três
países que mais enviaram emigrantes para o Canadá no período foram Índia,
Filipinas e China. Segundo o Itamaraty, 143 mil brasileiros vivem hoje no país.
Ao
mesmo tempo, a imigração passou a ser associada a problemas que o país
enfrenta.
Um
levantamento realizado pelo governo sobre as condições habitacionais do país
apontou que existem hoje 2,4 milhões de famílias vivendo em casas minúsculas
com necessidade urgente de grandes reparos.
Este
cenário é atribuído por alguns setores do país ao aumento da busca por imóveis
gerado pelo crescimento no número de imigrantes. Mas isso não é um consenso.
Alguns especialistas atribuem essa crise à ausência de um plano nacional de
habitação.
A
associação que muitos canadenses passaram a fazer dos imigrantes com as altas
taxas de inflação levou a protestos em diversas cidades, como Ottawa, Vancouver
e Calgary, contra a imigração.
Isso
porque os índices de inflação também subiram nos últimos anos, saindo de 1,9%
em 2019 para um pico de 6,8% em 2022. Em 2024, o país encerrou com 2,4% de
inflação, segundo dados do Banco Mundial.
Uma
empresa que faz pesquisas de opinião pública no Canadá, a Environics, apontou
que o número de pessoas que achava que o país estava recebendo imigrantes
demais dobrou entre 2022 e 2024, passando de 27% para 58%.
A
tensão política chegou a tal ponto que fez com que Trudeau mudasse de rumo,
admitindo que o país não havia alcançado um equilíbrio na questão imigratória.
No fim
de 2024, o governo anunciou uma série de medidas para reduzir a imigração. Uma
delas limitou a 437 mil o número de estudantes estrangeiros a serem admitidos
em 2025, 10% a menos em relação a 2024.
Outra
medida reduziu de 500 mil para 395 mil a quantidade de vistos de residência
permanente a serem concedidos em 2025. E o plano é reduzir ainda mais, para 365
mil em 2027.
Em
contrapartida, o país anunciou medidas para aumentar a admissão de imigrantes
que falam francês.
O
objetivo era aumentar a população francófona, dado que o país foi inicialmente
colonizado por ingleses e franceses e o francês também é idioma oficial do
país, sendo especialmente falado na província de Quebec.
A taxa
de aprovação de Trudeau antes do anúncio havia chegado a 22% — muito abaixo do
primeiro ano de seu mandato, quando 65% dos eleitores aprovaram sua gestão.
Ainda
sob pressão e com a popularidade baixa, Trudeau renunciou e anunciou novas
eleições.
• 'Tormento'
O
sucessor de Trudeau, o liberal Mark Carney, prometeu coibir o que ele chama de
níveis "insustentáveis" de imigração, propondo, por exemplo, um
projeto de lei com mais restrições às solicitações de refúgio.
Esse
clima todo afetou a vida de quem escolheu o Canadá em busca de melhores
condições de vida.
"A
incerteza acaba virando um tormento", diz a brasileira Carolina Mansur.
Como
ela ainda não teve seu processo de visto permanente finalizado, seu temor, diz,
é sair do país para visitar a família no Brasil e, ao voltar, ter de dar início
a um processo de imigração novo ou até mesmo ser impedida de entrar no país.
"As
mudanças da imigração têm sido constantes desde o fim de 2023 para cá",
afirma ela. Por isso, a "insegurança jurídica" que ela diz sentir é
enorme.
O
governo canadense informou à BBC News Brasil que "o Canadá continua sendo
um dos principais destinos para recém-chegados, e o governo continua a
trabalhar para gerenciar deliberadamente a imigração e garantir um sistema
equilibrado e sustentável", e para "alinhar a imigração com a
capacidade do Canadá em receber e integrar" as pessoas.
Mas a
história de Mansur é parecida com a de milhares de outros imigrantes. Assim
como a dos amigos indianos Pushpinder Bawa e Sukhpal Randhawa, que vieram da
Índia para o Canadá como estudantes e conseguiram obter a permissão para
trabalhar.
Pushpinder
trabalha em um armazém, e Sukhpal como motorista de aplicativo.
Os dois
contam que hoje a situação está mais complicada para quem decide imigrar para o
Canadá.
"Comparado
com três anos atrás as coisas estão muito mais difíceis, antes os imigrantes
não tinham tanta necessidade de obter o visto permanente", afirma Sukhpal.
Ainda
assim, os dois amigos têm esperança.
"Eu
não acho que o sonho canadense tenha que acabar. É difícil, mas não é o
fim", diz Pushpinder.
Fonte:
BBC News Brasil

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