sexta-feira, 4 de julho de 2025

Febre do Oropouche no Brasil: do local para o global

No Brasil, a Febre do Oropouche tem acometido principalmente pessoas entre 20 e 49 anos, atingindo homens e mulheres de forma semelhante. Só em 2025, já temos mais de 10 mil casos registrados, um aumento de mais de 50% em comparação ao ano passado, sendo que o estado do Espírito Santo apresenta mais de 6 mil casos. Até o momento, quatro mortes foram confirmadas relacionadas a esta doença no país.   

De nome complicado – Orthobunyavirus oropoucheense –, o vírus causador da Febre do Oropouche é transmitido por insetos do gênero Culicoides, popularmente conhecidos como maruins, mosquitos-pólvora, mosquitos do mangue ou “pórvinhas”. Tais insetos – mais parecidos com moscas do que com pernilongos –, por sua vez, gostam de viver em áreas úmidas ou encharcadas, com muita matéria orgânica, como mangues, beiras de rios, e até tocos (ou pseudocaules) de bananeiras recém cortados – uma prática muito comum entre produtores de bananas.  

•        Impacto das mudanças climáticas na transmissão de doenças como Oropouche  

O inverno chegou, mas ao contrário do que podemos pensar, a transmissão de doenças como a Febre do Oropouche pode continuar durante o ano todo em alguns locais do Brasil. Afinal, os microrganismos e os insetos vetores não tiram férias. Embora possa parecer que no inverno – ao menos em locais em que as temperaturas são mais amenas – a transmissão diminui, o que geralmente acontece é que o metabolismo dos insetos fica mais lento e eles demoram mais para se reproduzir, se alimentar e passar os patógenos adiante.  

No entanto, não é possível generalizar e dizer que as temperaturas durante o inverno se comportam da mesma forma em todas as regiões brasileiras. Tem cidade, por exemplo, com média anual de 38ºC ou que no último ano apresentou recordes de 40ºC em pleno inverno. No caso dessas regiões, a transmissão de certas doenças vetorizadas por insetos pode continuar durante o ano todo. 

À medida que o clima esquenta – literalmente, devido principalmente às ações antrópicas –, aumentam também as chances de ocorrência de doenças como a Febre do Oropouche. Embora ações para evitar a piora da crise climática sejam extremamente importantes, elas geralmente envolvem esforços coletivos e internacionais. Além disso, enquanto insetos “bons” como polinizadores estão sob maior risco, estimativas mostram que insetos “ruins”, como os vetores de patógenos, estão aumentando suas chances de proliferação e adaptação. Somado a fatores climáticos, os controles químicos não espécie-específicos – ou seja, que são aplicados com foco em insetos-vetores e acabam atingindo também os insetos polinizadores – são um agravante adicional ao risco de extinção de certos insetos “do bem”. 

Neste sentido, precisamos que sejam desenvolvidas cada vez mais ações integradas de vigilância ambiental, sanitária, epidemiológica ou em saúde – cada uma com sua estratégia, função e aplicabilidade – a depender das condições climáticas e ambientais do momento. Afinal, ações integradas, organizadas e bem coordenadas são o segredo do sucesso de um efetivo controle de transmissão.

•        Ação climática aquém e além das fronteiras

A maioria das soluções para os problemas atuais, sejam eles climáticos e relacionados à vetorização de patógenos por meio de insetos, dependem de ações além das fronteiras geopolíticas, afinal, os insetos e o clima em si, não prestam atenção a linhas imaginárias desenhadas em um mapa. No entanto, por mais complexo que isso seja, e por mais camadas que estas estratégias envolvam, existem soluções que certamente podem ser feitas de forma independente em nível municipal, estadual ou nacional, e que podem contribuir para a diminuição de casos de doenças vetorizadas por insetos, como a Febre do Oropouche. 

Com a ausência de vacinas e déficit nas metodologias de diagnóstico preciso de cada doença (por exemplo, a inexistência de diagnóstico eficaz distribuído gratuitamente ou o simples fato de ainda serem bastante comuns os casos de infecção cruzada), focar no controle vetorial ainda é a estratégia ouro, enquanto se investe em outras tecnologias. Porém, existem diversas especificidades que podem comprometer a eficácia de um controle vetorial, já que cada espécie pode responder de forma diferente à metodologia de controle aplicada: algumas são mais ativas durante o dia, outras à noite, algumas populações já apresentam resistência a certos compostos químicos, enquanto outras ainda não. 

Nesse sentido, é importante entender que o controle vetorial deve ir além da busca ativa e da aplicação de inseticidas, pois qualquer uma destas estratégias possui limitações. Conhecer a biologia, o comportamento, o padrão evolutivo, e o desenvolvimento de resistência de cada espécie transmissora, de cada microrganismo relacionado à doença, é essencial para um controle efetivo. 

•        A importância da vigilância integrativa no SUS do local para o global: o que está ao nosso alcance? 

Sabemos que apesar de nosso Sistema Único de Saúde (SUS) ser exemplo para muitos países, ele possui falhas, as quais, somadas à realidade complexa e desafiadora vivida por milhares de brasileiros que vivem em área de risco para várias doenças vetorizadas por insetos, fazem com que o espalhamento de “mais uma” dessas doenças chame a atenção pública. Portanto é imperativo que nosso sistema esteja em constante evolução, aperfeiçoando toda prestação de serviço à população. É desejável que sejam desenvolvidas e implementadas soluções inovadoras e integradas para o controle da Febre do Oropouche e de outras doenças transmitidas por insetos. É importante também que a população busque a melhoria desse sistema, afinal, é ela a maior beneficiada por isso. 

Da mesma forma que a complexidade do SUS desafia sua gestão totalmente eficiente, é também a razão do seu sucesso, principalmente no que se refere à capilaridade. O Sistema Único de Saúde é dividido em Atenção Primária (Atenção Básica – postinhos e UBSs), Atenção Secundária (Atenção Especializada, de média complexidade – consultas com especialistas, hospitais, ambulatórios, UPAs e SAMU), e Atenção Terciária (de alta complexidade – tratamentos complexos, hospitais universitários, Santas Casas com UTIs). A Atenção Primária é definida como um conjunto de ações de saúde individuais, familiares e coletivas que envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação, redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde. É desenvolvida por meio de práticas de cuidado integrado e gestão qualificada, realizada com equipe multiprofissional e dirigida à população em território definido, sobre as quais as equipes assumem responsabilidade sanitária. 

A distribuição de repelentes como ação profilática, como já é feito com preservativos, por exemplo, seria um ótimo começo. A aplicação de telas nas janelas, nos casos viáveis – afinal, as moradias são muito heterogêneas pelo território brasileiro –, a ação contínua e o controle estratégico durante o inverno – quando a população dos mosquitos em alguns locais pode ser menor do que em outros – podem diminuir custos e esforços para supressão populacional periódica e durante o ano todo. Aliadas aos controles tradicionais, essas ações poderiam ser estratégias eficazes. Além disso, eventos como a COP 30, que ocorrerá em novembro de 2025 em Belém, no Pará, são importantes para que assuntos como este sejam discutidos. Em anos anteriores, grandes grupos de cientistas se reuniram e escreveram alertas às grandes instituições. 

 

Fonte: Por Flávia Virginio, no Le Monde

 

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