Febre
do Oropouche no Brasil: do local para o global
No
Brasil, a Febre do Oropouche tem acometido principalmente pessoas entre 20 e 49
anos, atingindo homens e mulheres de forma semelhante. Só em 2025, já temos
mais de 10 mil casos registrados, um aumento de mais de 50% em comparação ao
ano passado, sendo que o estado do Espírito Santo apresenta mais de 6 mil
casos. Até o momento, quatro mortes foram confirmadas relacionadas a esta
doença no país.
De nome
complicado – Orthobunyavirus oropoucheense –, o vírus causador da Febre do
Oropouche é transmitido por insetos do gênero Culicoides, popularmente
conhecidos como maruins, mosquitos-pólvora, mosquitos do mangue ou “pórvinhas”.
Tais insetos – mais parecidos com moscas do que com pernilongos –, por sua vez,
gostam de viver em áreas úmidas ou encharcadas, com muita matéria orgânica,
como mangues, beiras de rios, e até tocos (ou pseudocaules) de bananeiras recém
cortados – uma prática muito comum entre produtores de bananas.
• Impacto das mudanças climáticas na
transmissão de doenças como Oropouche
O
inverno chegou, mas ao contrário do que podemos pensar, a transmissão de
doenças como a Febre do Oropouche pode continuar durante o ano todo em alguns
locais do Brasil. Afinal, os microrganismos e os insetos vetores não tiram
férias. Embora possa parecer que no inverno – ao menos em locais em que as
temperaturas são mais amenas – a transmissão diminui, o que geralmente acontece
é que o metabolismo dos insetos fica mais lento e eles demoram mais para se
reproduzir, se alimentar e passar os patógenos adiante.
No
entanto, não é possível generalizar e dizer que as temperaturas durante o
inverno se comportam da mesma forma em todas as regiões brasileiras. Tem
cidade, por exemplo, com média anual de 38ºC ou que no último ano apresentou
recordes de 40ºC em pleno inverno. No caso dessas regiões, a transmissão de
certas doenças vetorizadas por insetos pode continuar durante o ano todo.
À
medida que o clima esquenta – literalmente, devido principalmente às ações
antrópicas –, aumentam também as chances de ocorrência de doenças como a Febre
do Oropouche. Embora ações para evitar a piora da crise climática sejam
extremamente importantes, elas geralmente envolvem esforços coletivos e
internacionais. Além disso, enquanto insetos “bons” como polinizadores estão
sob maior risco, estimativas mostram que insetos “ruins”, como os vetores de
patógenos, estão aumentando suas chances de proliferação e adaptação. Somado a
fatores climáticos, os controles químicos não espécie-específicos – ou seja,
que são aplicados com foco em insetos-vetores e acabam atingindo também os
insetos polinizadores – são um agravante adicional ao risco de extinção de
certos insetos “do bem”.
Neste
sentido, precisamos que sejam desenvolvidas cada vez mais ações integradas de
vigilância ambiental, sanitária, epidemiológica ou em saúde – cada uma com sua
estratégia, função e aplicabilidade – a depender das condições climáticas e
ambientais do momento. Afinal, ações integradas, organizadas e bem coordenadas
são o segredo do sucesso de um efetivo controle de transmissão.
• Ação climática aquém e além das
fronteiras
A
maioria das soluções para os problemas atuais, sejam eles climáticos e
relacionados à vetorização de patógenos por meio de insetos, dependem de ações
além das fronteiras geopolíticas, afinal, os insetos e o clima em si, não
prestam atenção a linhas imaginárias desenhadas em um mapa. No entanto, por
mais complexo que isso seja, e por mais camadas que estas estratégias envolvam,
existem soluções que certamente podem ser feitas de forma independente em nível
municipal, estadual ou nacional, e que podem contribuir para a diminuição de
casos de doenças vetorizadas por insetos, como a Febre do Oropouche.
Com a
ausência de vacinas e déficit nas metodologias de diagnóstico preciso de cada
doença (por exemplo, a inexistência de diagnóstico eficaz distribuído
gratuitamente ou o simples fato de ainda serem bastante comuns os casos de
infecção cruzada), focar no controle vetorial ainda é a estratégia ouro,
enquanto se investe em outras tecnologias. Porém, existem diversas
especificidades que podem comprometer a eficácia de um controle vetorial, já
que cada espécie pode responder de forma diferente à metodologia de controle
aplicada: algumas são mais ativas durante o dia, outras à noite, algumas
populações já apresentam resistência a certos compostos químicos, enquanto
outras ainda não.
Nesse
sentido, é importante entender que o controle vetorial deve ir além da busca
ativa e da aplicação de inseticidas, pois qualquer uma destas estratégias
possui limitações. Conhecer a biologia, o comportamento, o padrão evolutivo, e
o desenvolvimento de resistência de cada espécie transmissora, de cada
microrganismo relacionado à doença, é essencial para um controle efetivo.
• A importância da vigilância integrativa
no SUS do local para o global: o que está ao nosso alcance?
Sabemos
que apesar de nosso Sistema Único de Saúde (SUS) ser exemplo para muitos
países, ele possui falhas, as quais, somadas à realidade complexa e desafiadora
vivida por milhares de brasileiros que vivem em área de risco para várias
doenças vetorizadas por insetos, fazem com que o espalhamento de “mais uma”
dessas doenças chame a atenção pública. Portanto é imperativo que nosso sistema
esteja em constante evolução, aperfeiçoando toda prestação de serviço à
população. É desejável que sejam desenvolvidas e implementadas soluções
inovadoras e integradas para o controle da Febre do Oropouche e de outras
doenças transmitidas por insetos. É importante também que a população busque a
melhoria desse sistema, afinal, é ela a maior beneficiada por isso.
Da
mesma forma que a complexidade do SUS desafia sua gestão totalmente eficiente,
é também a razão do seu sucesso, principalmente no que se refere à
capilaridade. O Sistema Único de Saúde é dividido em Atenção Primária (Atenção
Básica – postinhos e UBSs), Atenção Secundária (Atenção Especializada, de média
complexidade – consultas com especialistas, hospitais, ambulatórios, UPAs e
SAMU), e Atenção Terciária (de alta complexidade – tratamentos complexos,
hospitais universitários, Santas Casas com UTIs). A Atenção Primária é definida
como um conjunto de ações de saúde individuais, familiares e coletivas que
envolvem promoção, prevenção, proteção, diagnóstico, tratamento, reabilitação,
redução de danos, cuidados paliativos e vigilância em saúde. É desenvolvida por
meio de práticas de cuidado integrado e gestão qualificada, realizada com
equipe multiprofissional e dirigida à população em território definido, sobre
as quais as equipes assumem responsabilidade sanitária.
A
distribuição de repelentes como ação profilática, como já é feito com
preservativos, por exemplo, seria um ótimo começo. A aplicação de telas nas
janelas, nos casos viáveis – afinal, as moradias são muito heterogêneas pelo
território brasileiro –, a ação contínua e o controle estratégico durante o
inverno – quando a população dos mosquitos em alguns locais pode ser menor do
que em outros – podem diminuir custos e esforços para supressão populacional
periódica e durante o ano todo. Aliadas aos controles tradicionais, essas ações
poderiam ser estratégias eficazes. Além disso, eventos como a COP 30, que
ocorrerá em novembro de 2025 em Belém, no Pará, são importantes para que
assuntos como este sejam discutidos. Em anos anteriores, grandes grupos de
cientistas se reuniram e escreveram alertas às grandes instituições.
Fonte:
Por Flávia Virginio, no Le Monde

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