sábado, 12 de julho de 2025

Evandro Menezes de Carvalho: Ante a ameaça dos Estados Unidos de aumentar tarifas, o Brasil diz "não"

A decisão de Donald Trump de impor uma tarifa adicional de 50% a todas as exportações do Brasil enviadas aos Estados Unidos a partir de 1º de agosto surpreendeu negativamente a opinião pública brasileira, tanto pela forma quanto pelas motivações expostas pelo próprio presidente americano.

Trump tem dado vários sinais de que considera os protocolos diplomáticos uma perda de tempo. Ele acredita, de fato, na persuasão pelo uso da força. O presidente americano não tem a paciência de um diplomata versado na arte da negociação entre países soberanos — ainda que apenas para manter as aparências. Trump parece ser daqueles que não têm paciência para esperar o convidado estrangeiro para o jantar, dar-lhe as boas-vindas, acomodá-lo à mesa e aguardar que os pratos sejam servidos, brindando, antes, à presença do ilustre visitante em sua casa. Firulas demais.

Mas, nas relações internacionais que se pretendem pacíficas e duradouras, ainda que o assunto do jantar possa ser relativamente indigesto, é preciso tratar o convidado com o respeito devido, na esperança de que ele retorne ao seu país minimamente satisfeito — ou, ao menos, que não se despeça como um novo inimigo.

Esse método de negociação de Trump é antipático e desrespeitoso. Além disso, a medida anunciada por ele contra o Brasil não possui qualquer justificativa sob o ponto de vista da balança comercial. No ano passado, os Estados Unidos registraram um superávit de 2 bilhões de dólares. Atualmente, o déficit comercial do Brasil com os EUA já ultrapassa os 3 bilhões de dólares.

Acrescente-se ainda o fato de que, segundo estatísticas do próprio governo dos Estados Unidos — como disse Lula —, “comprovam um superávit desse país no comércio de bens e serviços com o Brasil da ordem de 410 bilhões de dólares ao longo dos últimos 15 anos”. Sendo assim, a declaração de Trump de que o relacionamento dos EUA com o Brasil “tem estado longe de ser recíproco” soa mais como uma provocação do que como uma afirmação digna de crédito.

Por que, então, aumentar a tarifa dos produtos brasileiros de maneira uniforme e sem critério? Porque a medida de Trump nada tem a ver com o comércio bilateral. Relaciona-se, primeiramente, com as decisões e investigações do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre o financiamento de atos antidemocráticos, ataques ao sistema eleitoral e campanhas de desinformação patrocinadas pela extrema-direita.

O STF tem exigido que plataformas como X (ex-Twitter), YouTube, Meta e Telegram cumpram ordens judiciais para retirar conteúdos ilegais do ar, identificar usuários que promovam golpes ou atentem contra a Constituição Federal brasileira e bloquear perfis reincidentes em desinformação. Isso irrita as big techs, que preferem operar com pouca ou nenhuma regulação em países em desenvolvimento, onde costumam resistir ao cumprimento de decisões judiciais locais. E também irrita Trump.

Afinal, todo o movimento de extrema-direita no mundo depende de redes sociais desregulamentadas para disseminar seu projeto de poder, fazendo largo uso de fake news. Para Trump e a extrema-direita global, o que acontece no Brasil serve como espelho ou laboratório.

O fato de o ex-presidente do Brasil, Jair Bolsonaro, estar sendo investigado, condenado e inelegível com base em decisões judiciais — especialmente por atacar o sistema eleitoral — levanta um alerta simbólico para Trump e seus aliados: algo como “se isso aconteceu com Bolsonaro, pode acontecer comigo”. Por isso, atacar o STF brasileiro também é, para a extrema-direita, uma forma de reforçar a narrativa de que existe um suposto “complô judicial global” contra a nova direita populista.

Por fim, o segundo motivo de Trump para taxar o Brasil em 50% reside no fato de que Lula, além de defender a regulamentação das big techs, tem engrossado o coro de líderes internacionais que defendem a redução da dependência do dólar. Lula fez tais declarações durante a XVII Cúpula dos BRICS, grupo que atualmente possui um PIB em paridade de poder de compra já superior ao dos países do G7. Essa agenda de política externa, se levada adiante pelos países do BRICS, é considerada uma ameaça vital à hegemonia dos Estados Unidos no mundo.

Trump iniciou a guerra comercial contra o Brasil. Mas suspeita-se que, com a medida anunciada, o presidente americano queira, mais do que punir o Brasil, testar Lula e saber que tipo de liderança política ele exerce: se será do tipo que bate continência para a bandeira dos Estados Unidos — como fez Jair Bolsonaro — em clara demonstração de subserviência aos interesses estadunidenses; ou se será um líder que se faz respeitar e atua exclusivamente a serviço do povo brasileiro.

No caso de Lula, a segunda opção é a resposta correta. Não há dúvidas. Isso Trump já deveria saber. Mas o que esperar dele, quando pergunta ao presidente Joseph Boakai, da Libéria, onde ele aprendeu a falar tão bem — sem ter sido informado de que aquele é o idioma oficial do país de seu ilustre convidado?

¨      “Eu que deveria taxar ele”, diz Lula sobre Trump

Durante visita oficial ao Espírito Santo nesta sexta-feira (11), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) fez duras críticas ao-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, após o anúncio de que os EUA irão impor tarifas de 50% sobre produtos brasileiros a partir de 1º de agosto.

Em seu discurso, Lula contestou a justificativa econômica apresentada por Trump para a taxação, afirmando que o Brasil, na verdade, é quem acumula prejuízo nas relações comerciais com os norte-americanos. “Portanto, eu quero dizer com todo respeito ao presidente Trump: o senhor está mal informado, muito mal informado. Os EUA não têm déficit comercial com o Brasil, é o Brasil que tem déficit comercial com os EUA. Só pra vocês terem ideia, em 15 anos, entre comércio e serviço, nós temos um déficit de 400 bilhões de dólares com os EUA. Eu que deveria taxar ele”, declarou o presidente brasileiro.

Além da crítica econômica, Lula condenou a postura de Trump ao comentar sobre a situação jurídica do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL), investigado por uma suposta tentativa de golpe de Estado após as eleições de 2022. Na carta divulgada por Trump na quarta-feira (9), o norte-americano classificou o processo como uma “vergonha internacional” e uma “caça às bruxas”, além de manifestar apoio a Bolsonaro.

O petista não poupou palavras ao responder: “Qual a razão que ele aponta a taxação? Primeiro com base em uma mentira porque os Estados Unidos não é deficitário com o Brasil. Segundo, qual é a lógica dele ‘ah não processe o Bolsonaro, pare com isso imediatamente’”.

Lula também ironizou o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), filho do ex-presidente, que atualmente está nos Estados Unidos, sugerindo que o parlamentar estaria buscando ajuda estrangeira para evitar consequências judiciais ao pai. “Porque a coisa [Jair Bolsonaro] mandou o filho dele que era deputado [Eduardo Bolsonaro] se afastar da Câmara para ficar pedindo ‘o Trump pelo amor de Deus solta meu pai, não deixa meu pai ser preso’ é preciso essa gente criar vergonha na cara”, criticou.

Apesar das críticas, Lula reiterou seu compromisso com o diálogo internacional e o respeito à soberania dos países. “Eu respeitava todos. Eu não quero saber se ele [Trump] gosta de mim ou não; eu quero saber que ele foi eleito do seu país. Ele é o presidente. Eu gosto ou não gosto, eu tenho que tratar ele com respeito, porque o povo deu a ele o mandato. E essa é a minha vida”, afirmou.

Por fim, Lula assegurou que buscará medidas diplomáticas e comerciais para impedir que a tarifa entre em vigor. “Vou tentar brigar em todas as esferas para que não venha a taxação, vou brigar na OMC, vou conversar com meus companheiros do BRICS. Agora, se não tiver jeito no papo, nós vamos estabelecer a reciprocidade, taxou aqui, vamos taxar lá. Não tem outra coisa a fazer”, concluiu.

¨      Todos os antieméticos do mundo não impedem a ânsia de vômito. Por Marcelo Zero

Desde janeiro de 2009 até junho de 2025, o Brasil acumulou um déficit comercial de bens com os EUA de US$ 90,28 bilhões. Se levarmos em consideração também o déficit dos serviços, o déficit total do Brasil com os EUA chega, nos últimos 15 anos, a mais de US$ 410 bilhões.

Assim sendo, não há, evidentemente, justificativa técnica e racional para as medidas anunciadas por Trump, mesmo sob o parâmetro que o governo trumpista costuma utilizar para impor tarifas, qual seja, o déficit comercial bilateral que os EUA sustentam com outros países.

Observe-se, adicionalmente, que essas tarifas de Trump impostas ao Brasil, assim como todas as outras tarifas do governo Trump, contrariam os princípios e regras da OMC, inclusive o da “nação mais favorecida”, o qual obriga um país-membro da OMC a tratar todos os outros países da forma como trata a nação mais favorecida, sem discriminar ninguém, exceção feita aos países que estabeleceram acordos especiais de livre comércio.

No caso do Brasil, portanto, os motivos das tarifas são puramente políticos e ideológicos, o que despertou um ácido comentário do Prêmio Nobel estadunidense Paul Krugman, o qual afirmou que essa atitude de Trump é motivo para impeachment. Krugman adicionou, ademais, que Trump age de forma insana e irracional.

Segundo Paul Krugman, "repare que Trump mal finge ter uma justificativa econômica para essa ação. Tudo isso tem a ver com punir o Brasil por colocar Jair Bolsonaro em julgamento", afirmou. "Não seria a primeira vez que os Estados Unidos usam a política tarifária para fins políticos". "Agora, Trump está tentando usar tarifas para ajudar outro aspirante a ditador", disse Krugman.

Inacreditável. Teve de vir um economista estadunidense, Prêmio Nobel, para defender o Brasil e dizer a verdade.

Mais do que meras tarifas, essas medidas são sanções econômicas do governo dos EUA contra o Brasil e sua democracia, estimuladas pela família Bolsonaro, que, mediante o enviado especial da quinta-coluna, Eduardo Bolsonaro, se esforçou bastante para implantá-las.

Esses motivos políticos são de duas ordens.

Há, é claro, como destacou Krugman, o desejo de anistiar Bolsonaro e todos os golpistas, de interferir indevidamente na Justiça do Brasil, que é independente.

Mas creio que também há motivos geopolíticos mais amplos e profundos.

A liderança regional do Brasil, embora justamente centrada na relativa autonomia da América Latina, na recusa a alinhamentos automáticos com quaisquer potências extrarregionais e avessa à adesão descabida à nova “Guerra Fria”, é, do nosso ponto de vista, o obstáculo mais significativo à efetivação da nova e crua Doutrina Monroe, que Trump sonha implementar em nossa região.

Como afirmou Pete Hegseth, secretário de Defesa de Trump: “precisamos recuperar nosso quintal”. Pois bem, para recuperar o “quintal”, é preciso destruir a liderança regional do Brasil.

E Lula, sabem eles, é uma formidável barreira a essa pretensão imperialista crua e vergonhosa.

O Brasil de Lula é, na América Latina, a vanguarda da aliança do Sul Global com o BRICS e da construção de uma ordem global “anti-imperialista”, fundada na multipolaridade e na reconstrução do multilateralismo. O Brasil, gostem ou não os “vira-latas” de sempre, é uma peça estratégica no tabuleiro mundial do xadrez geopolítico.

Não é à toa que essa decisão de Trump vem logo após a reunião do BRICS, no Rio de Janeiro, que o deixou muito nervoso e inquieto.

É, sobretudo, uma punição política, que não tem nenhuma relação com o comércio exterior do Brasil, o qual, como observamos, é fortemente deficitário com os EUA.

Mas quais seriam os impactos concretos dessas medidas políticas e ideológicas, estimuladas por Bolsonaro?

Em primeiro lugar, é preciso considerar que os EUA, hoje em dia, absorvem apenas cerca de 12% das nossas exportações.

O Brasil não é como o México, por exemplo, cujas exportações se destinam, em mais de 70%, aos EUA.

Entretanto, há setores importantes que, mesmo assim, serão impactados. Segundo cálculos da CNI, em 2024, a cada R$ 1 bilhão exportado ao mercado americano, foram criados 24,3 mil empregos, R$ 531,8 milhões em massa salarial e R$ 3,2 bilhões em produção no Brasil.

O Brasil exporta para os EUA principalmente aviões, peças de carros, suco de laranja, carnes, aços e café.

Em relação às commodities agrícolas (café, carnes, suco de laranja etc.), é possível aliviar parcialmente o prejuízo explorando novos mercados, na Europa e no Sul Global.

Mas, em relação a produtos industriais de maior valor agregado, a coisa muda de figura.

Os aviões da Embraer, em particular (jatos comerciais, jatos privados, aviões para a agricultura, cargueiros etc.), são produtos muito caros, que são difíceis de encontrar destino, de uma hora para outra, em mercados alternativos.

Cerca de 60% do faturamento da Embraer vem de vendas para os EUA. Assim, se a decisão desastrosa de Trump, estimulada por Bolsonaro, se mantiver, essa estratégica empresa de alta tecnologia, um orgulho do Brasil, poderá passar por maus momentos.

Estados como o de São Paulo, cujo governador veste o boné do MAGA e cujas exportações se destinam, em cerca de 30%, aos EUA, poderão também ser muito prejudicados. A principal fábrica da Embraer fica em Gavião Peixoto (SP).

Adiantou alguma coisa o governador Tarcísio vestir o boné do MAGA? Não adiantou nada. Trump está se lixando para Tarcísio e para São Paulo. E se lixando para o Brasil também.

Nesse contexto, a anódina manifestação dos dois chefes do Legislativo brasileiro, que sequer menciona as absurdas tarifas — as mais altas do mundo — que seriam aplicadas ao Brasil, decepciona profundamente quem tem um mínimo de brio patriótico.

Porém, essa coisa lamentável e vergonhosa terá, creio, um efeito didático: o setor empresarial produtivo brasileiro vai acabar por perceber que quem o defende, de verdade, é o governo Lula.

Bolsonaro et caterva são meros sabujos cujo “patriotismo” começa e termina na submissão vil e pusilânime ao império trumpista.

Na hora de se defender o Brasil, não se pode contar com vastos setores da direita e, principalmente, da extrema-direita. Esses já entregaram corpo e alma ao entreguismo mais vil e baixo. Aqueles que já venderam sua alma não se envergonham de vender a pátria. Vai tudo junto.

Horas antes de Trump agredir de forma tão vil o Brasil, suas empresas e seus trabalhadores, a Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional da Câmara aprovou uma inacreditável “Moção de Louvor e Regozijo” a Trump, na qual se elogia o “Excelentíssimo Senhor Donald John Trump, Presidente dos Estados Unidos da América – EUA, pelo brilhante trabalho desenvolvido como presidente da maior nação (sic!) e pela incansável luta em defesa da democracia e da liberdade de expressão em todo o planeta”.

Todos os antieméticos do mundo não impedem a ânsia de vômito.

 

Fonte: Brasil 247

 

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