Eduardo
Vasco: Mudança de regime no Brasil
O
Brasil entrou definitivamente no radar dos Estados Unidos. Em um único dia,
três ações acenderam o sinal vermelho para o governo brasileiro. Primeiro,
novas declarações de Donald Trump em apoio a Jair Bolsonaro e contra as
instituições brasileiras; em seguida, manifestação no mesmo sentido da
embaixada dos EUA em Brasília; finalmente, o anúncio de tarifas de 50% para
todos os produtos brasileiros, com os mesmos argumentos políticos contrários ao
atual governo brasileiro.
Embora
esquecida, sobretudo diante do anúncio tarifário, a ação que mais me preocupa é
a emissão de uma nota oficial da embaixada. Esta é a primeira vez em toda a
história das relações bilaterais que a embaixada dos EUA critica aberta e
duramente o governo e as autoridades brasileiras e defende um opositor. O
comunicado repete as falas de Trump, dizendo que o ex-presidente Bolsonaro e
seus familiares “têm sido fortes parceiros dos Estados Unidos” e que eles e
seus apoiadores sofrem uma perseguição “vergonhosa”.
Não há
nenhuma necessidade de uma embaixada se pronunciar apenas porque a Casa Branca
se manifestou sobre a política local. O gesto da embaixada dos EUA é uma
interferência maior na política brasileira do que os comentários proferidos por
Trump. Mais do que isso: se uma embaixada emite uma nota como essa, tendo a
certeza de gerar uma crise diplomática com acusações de interferência nos
assuntos internos, é porque o governo americano já está trabalhando nos
bastidores para interferir concretamente na política interna do Brasil. Ou melhor, já está interferindo
de forma concreta.
De
fato, no final de 2024 os
esforços desestabilizadores contra o governo de Lula foram redobrados e 2025 começou
com uma breve guerra especulativa para forçar a administração a adotar um
ajuste fiscal em benefício dos grandes bancos e do conjunto do capital
financeiro internacional. A pressão não surtiu o efeito esperado. Os setores
imperialistas e a burguesia brasileira – sócia minoritária da dominação
estrangeira sobre o país – perceberam que a única saída seria derrubar o atual
governo. O processo golpista
foi iniciado.
Os
partidos da direita com os quais o PT se aliou, como sempre, desde o começo do
governo já o estavam sabotando internamente, mas nos últimos meses passaram a
debandar gradualmente. No Congresso, esses partidos estão em guerra contra
Lula. A imprensa ecoa diuturnamente as exigências dos grandes capitalistas: o
corte de programas sociais, o congelamento do salário mínimo, as privatizações
e o afastamento dos “autocratas” (Putin e Xi Jinping) de quem Lula está se
aproximando. O governo, por seu lado, está perdido, limitado pela política de
colaboração de classes que o faz seguir parcialmente a cartilha estabelecida
pelo Consenso de Washington, especialmente através do Ministério da Fazenda e
do presidente do Banco Central.
A
desestabilização causada pelas instituições da burguesia (bancos, latifúndio,
multinacionais, Congresso, imprensa, institutos de pesquisa, etc), somada às
alianças com seus inimigos e à manutenção das estruturas fiscais e econômicas
erguidas a partir da década de 1980, transformaram o governo em uma vítima
vulnerável à mudança de regime pretendida pelo imperialismo americano. O
governo Lula é extremamente débil.
·
União de interesses
“O
Brasil não tem sido bom para nós”, declarou Trump. O conjunto do capital
internacional pensa da mesma forma, assim como os seus sócios minoritários
dentro do Brasil. Nesse sentido, há um ponto essencial de convergência entre o
trumpismo e os setores tradicionais do imperialismo: a necessidade da derrubada
do governo Lula. E o alvo central disso tudo é justamente o presidente Lula,
embora muitos digam que seja a Corte Suprema e o ministro Alexandre de Moraes –
estes, na verdade, com sua atuação absolutamente arbitrária, estão trabalhando
contra os interesses do Brasil e do próprio governo Lula. O presidente e seu
partido pagarão caro pelas ações de Moraes e do STF, ainda que não sejam
responsáveis por elas.
Rubens
Ricupero, ministro da Fazenda e embaixador em Washington em parte do período de
ascensão neoliberal e submissão completa aos EUA, acredita que as declarações
de Trump são um “presente eleitoral” para Lula, porque reforçam o discurso
nacionalista do líder brasileiro. Mas ele não percebe que a interferência dos
Estados Unidos na política brasileira vai muito além da retórica de Trump nas
redes sociais. Lula só poderia aproveitar essa oportunidade – aberta não agora,
mas desde que Trump foi
eleito presidente dos EUA – se ele agisse na prática, e não só no discurso,
contra o avanço imperialista sobre o Brasil e a favor de uma verdadeira
independência do país.
A atual
política econômica de Lula não é uma proteção
da soberania do Brasil. Suas alianças políticas, tampouco. As classes
dominantes brasileiras, que fizeram o governo de
refém desde a farsa do 8 de janeiro, não se interessam por um confronto com os
Estados Unidos. Seu instinto de classe fala mais alto. A burguesia nacional
brasileira é muito pouco nacional.
Os
produtos industriais vendidos pelo Brasil aos Estados Unidos, como peças de
tratores e de automóveis, são fabricados pelas empresas americanas no Brasil, e
daqui vendidos para lá. A produção “nacional” de aço é controlada por uma
empresa indiana (Arcelor Mittal) e outra ítalo-argentina (Rocca) e a maior
parte é exportada. As siderúrgicas “brasileiras” possuem fábricas em outros
países e podem facilmente exportar de lá para os EUA para contornar as tarifas,
realizando uma migração em massa da produção para garantir os seus lucros. Isso
afetaria os empregos e a indústria no Brasil? Claro que sim, mas quem se
importa, já que há outros países com uma mão de obra mais barata e onde as
tarifas não funcionariam!
Donald
Trump disse que as empresas “brasileiras” podem evitar as tarifas ao
transferirem a sua produção para os Estados Unidos, onde seu governo já está
aplicando uma série de incentivos. Para permanecerem no Brasil, as companhias
“brasileiras” podem muito bem exigir mais incentivos fiscais do governo
brasileiro. E, como já estão fazendo durante toda essa campanha de
desestabilização, exigir garantias com reformas neoliberais,
desregulamentações, redução do salário dos trabalhadores e menos direitos trabalhistas.
Afinal, como gosta de pregar a burguesia “nacional”, o custo de se produzir e
operar no Brasil é muito alto…
Essas
mensagens já haviam sido transmitidas na primeira rodada de tarifas de Trump
contra o Brasil. Os órgãos da burguesia sugeriram que o
governo brasileiro agradasse Trump para que ele reduzisse as tarifas.
Como? Eliminando “tarifas elevadas, burocracias regulatórias, exigências de
conteúdo local, subsídios”, indicou o jornal O Estado de S. Paulo. “Além de
facilitar acesso ao mercado dos EUA, a medida beneficiaria o consumidor
brasileiro com importados mais baratos”, concordou o jornal O Globo. Que bela
manifestação de burguesia “nacional” que tem o Brasil! Esses jornais são os
mesmos que defenderam abertamente o golpe militar promovido pelos Estados
Unidos em 1964.
As convergências com o
trumpismo são
muito maiores do que as suas divergências, apesar da aparência “antifascista”.
As tarifas de Trump irão gerar desemprego no Brasil – o que os ditos
empregadores exigem há muito tempo, para reduzir os salários. Elas vão
desacelerar a economia, que é criticada por estar aquecida, devido ao aumento
do consumo. O capital financeiro internacional, através de seus funcionários no
Banco Central, trabalha incessantemente para reduzir a inflação com uma das
maiores taxas de juros do mundo. Logo após o novo anúncio tarifário de Trump, a
bolsa de valores caiu e o dólar subiu, o que levará ao aumento da inflação e do
preço dos combustíveis e alimentos, se a tendência persistir. A especulação
financeira, que domina a economia brasileira, agradece.
A
Câmara de Comércio dos Estados Unidos no Brasil pediu que haja uma “solução
negociada” entre os dois países, a mesma posição dos empresários brasileiros.
Isso significa que o Brasil terá de ceder para que os EUA reduzam as tarifas.
Mas ceder em quê, se o Brasil não adotou nenhuma medida contra os EUA? Ceder
exatamente no que atende aos interesses de maior abertura do mercado interno,
com as reformas neoliberais apregoadas há tempos dentro do país.
Pelo
andar da carruagem, está sendo selada a
aliança entre
o trumpismo, protetor do bolsonarismo, e os agentes dos setores tradicionais do
imperialismo no Brasil, os partidos do “centrão”, a imprensa tradicional e as
instituições estatais. Os bolsonaristas
ganham um maior poder de barganha, a partir do apoio do governo mais poderoso
do mundo, em suas negociações com o “centrão”. Este, por sua vez, ainda tem a
vantagem da inelegibilidade de Bolsonaro e do apoio dos setores mais
importantes do empresariado norte-americano (BlackRock, Bank of America,
Citigroup deram tapinhas nas costas de Tarcísio de Freitas na Brazil Week, em
Nova Iorque). Como concluiu o The Economist recentemente: “[se Bolsonaro nomear
um sucessor] e a direita se unir em torno desse candidato antes das eleições de
2026, a presidência estará nas mãos deles.”
É
absolutamente previsível que, para tentar anular o movimento de aliança entre o
bolsonarismo e o “centrão”, Lula e seu partido
buscarão um acordo com este último, apelando para o pretenso nacionalismo das
oligarquias locais. No entanto, a campanha de desestabilização conhecida por
todos tem como motor justamente o “centrão”.
Já era
perceptível que uma campanha golpista semelhante à que acometeu o governo de
Dilma Rousseff estava em andamento. Daquela vez, o “centrão” derrubou a então
presidenta petista e Michel Temer praticamente privatizou a Petrobras, realizou
as reformas trabalhista e previdenciária (parcialmente), favoreceu as
terceirizações e estabeleceu o Teto de Gastos, entre outras medidas neoliberais
das mais severas em quase 20 anos. Mas o “centrão” já estava alinhado com o
bolsonarismo, e, de fato, foi aquela campanha que fez a extrema-direita crescer
– até chegar ao governo graças à prisão de Lula pelo mesmo Poder Judiciário que
hoje é seu suposto aliado. Bolsonaro deu continuidade ao choque neoliberal de
Temer, privatizando a Eletrobras e outras empresas, entregando o Banco Central
e consolidando a reforma da previdência.
Portanto,
Lula não poderá se apoiar no “centrão” para se defender desse golpe de Estado
em andamento. Em quem ele irá se apoiar, senão no próprio povo? Mas as medidas
de Lula, de seu ministro da Fazenda e de seu governo de “frente ampla” com os
inimigos nada fazem para atrair o apoio ativo do povo brasileiro. A única coisa
que resta a Lula e ao PT é o rompimento definitivo com aqueles setores, a
implementação de medidas emergenciais que revoguem as principais reformas
neoliberais e a concessão de direitos trabalhistas e sociais para as grandes
massas do povo, golpeando seus inimigos e fortalecendo a própria organização
popular, a única capaz de ir a seu resgate.
O
imperialismo quer uma mudança de regime no Brasil e vai executá-la até as
eleições de 2026. Os interesses distintos dentro do imperialismo internacional
estão se unindo a partir dessa necessidade. Após um primeiro semestre de
política externa ambígua, Donald Trump parece
ter se dobrado ante as pressões dos falcões dentro e fora da Casa Branca ao
atacar o Irã e dar uma guinada intervencionista na guerra contra a
Rússia na Ucrânia.
A situação do regime imperialista é muito delicada e a corrida armamentista
indica a preparação de uma guerra em escala mundial para os grandes
capitalistas se salvarem do declínio completo. Os Estados Unidos precisam
garantir sua retaguarda no Hemisfério Ocidental, não podem permitir nenhum foco
de instabilidade a partir do crescimento da China na América Latina – e o Brasil
é a grande nação latino-americana, parceira da China. Daí a assunção de regimes
abertamente pró-americanos na Argentina, Equador, Paraguai e El Salvador. Daí
a trama para derrubar
os governos incômodos, como o do Brasil.
¨
Obrigado, Trump! Por Ricardo Mezavila
Finalmente
os vassalos conseguiram o posto máximo na hierarquia dos ‘lacaios do
imperialismo norte-americano’, com a ameaça do presidente Donald Trump de taxar
em 50% os produtos brasileiros.
É
inacreditável a reação positiva dos seguidores do lesa pátria nas redes
sociais. Os influenciados comemoram o desemprego de milhões de trabalhadores
brasileiros, como os do vale do aço de Minas Gerais, por exemplo.
A
taxação prejudica a exportação de café e petróleo, além de impactar na
indústria e no agronegócio. O estado de São Paulo seria uma das unidades
federativas mais prejudicadas, mesmo assim o oportunista governador Tarcísio
tenta lacrar com o grupo de eleitores manipulados e úteis.
Incomodado
com o avanço do BRICS e o possível enfraquecimento do dólar na economia global,
o chefe da Casa Branca usou o espectro sombrio de Bolsonaro como pano de fundo
para atacar o bloco.
O réu
inelegível e covarde aproveita-se da carta de Trump como troféu, para reverter
a situação e colocar na conta de Lula e Moraes a responsabilidade pelas
bravatas de Trump.
Os
criminosos golpistas que atentaram contra a democracia e o estado democrático
de direito, veem em Trump a última instância para a anistia, por isso querem
coagir o judiciário. O Brasil é soberano e não uma colônia subserviente como
querem e insistem os ‘Josés Silvério”.
Obrigado,
Trump! Por fazer cair a máscara de deputados e senadores que, eleitos por seus
estados, articulam contra a população, mineradoras e siderúrgicas.
Obrigado
por ter unido ainda mais os brasileiros trabalhadores, brasileiros empresários,
brasileiros estudantes; brasileiros, brasileiros.
Fonte:
Jornal GGN

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