terça-feira, 22 de julho de 2025

Brasil pode perder competitividade, diz especialista em comércio exterior

A tarifação em 50% sobre produtos brasileiros comprados nos Estados Unidos, caso prospere, pode inviabilizar completamente as exportações para o mercado americano. A avaliação é do ex-secretário de Comércio Exterior e sócio-fundador da BMJ Consultoria, Welber Barral.

Segundo o consultor, um dos setores mais afetados será o de carnes, que enfrenta forte concorrência de países com tarifas mais baixas, como Austrália, Canadá e União Europeia.

"O impacto é muito grande. Se os Estados Unidos conseguem importar de outras origens com tarifas menores, o Brasil perde competitividade e, potencialmente, o próprio mercado", afirma Barral em entrevista ao Correio. O especialista lembra que o setor de carnes é um dos mais sensíveis a esse tipo de barreira, por ser altamente dependente de margens e exposto à concorrência internacional.

Barral também destaca a motivação política por trás da medida de Trump, citando declarações que relacionam a decisão ao processo judicial que envolve o ex-presidente Jair Bolsonaro. "Há um alinhamento entre os dois, tanto no discurso sobre tentativas de golpe quanto na perseguição judicial. Além disso, há pressão das big techs contra o governo brasileiro, que também pode ter influenciado essa postura protecionista", avalia.

Por outro lado, especialista recorda que as tarifas, se efetivadas, devem ter efeitos inflacionários nos Estados Unidos, o que pode interferir nas eleições legislativas do próximo ano. "Trump está apostando que esse impacto será absorvido, mas um aumento no custo de produtos importados pode favorecer os democratas, que tentam retomar o controle da Câmara", explica.

Segundo ele, o Brasil deve seguir o caminho tradicional da diplomacia: primeiro, apresentar uma reclamação formal à Organização Mundial do Comércio (OMC), e, se necessário, abrir um contencioso. Mas o processo é demorado. "Um contencioso leva de três a quatro anos. Não é uma solução imediata", pondera. Barral lembra que, em 2009, o Brasil conseguiu negociar com os EUA após ameaçar aplicar sanções cruzadas, inclusive, sobre patentes e direitos autorais. Contudo, ressalta que o atual cenário é mais instável e exige cautela. "Uma ameaça precipitada pode piorar ainda mais a relação bilateral. É preciso saber o momento certo para pressionar".

Mesmo diante da tensão, Barral acredita que o Brasil tem capacidade técnica para enfrentar o desafio. "O problema é que o cenário nos Estados Unidos mudou. A política comercial americana se tornou imprevisível e muito dependente do humor do presidente".

Além do Brasil, países como Canadá, México, China e os membros da União Europeia também estão sob ameaça de tarifas elevadas. Todos, segundo Barral, estão tentando negociar para evitar uma nova guerra comercial.

¨      Tarifaço: "É hora de serenidade e calma", diz ex-ministro Maílson da Nóbrega

Em meio à possibilidade de o governo dos Estados Unidos impuserem uma tarifa de 50% sobre produtos brasileiros, o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega defende que o Brasil adote uma postura mais estratégica e menos confrontadora na condução das relações com Washington. Para ele, as declarações públicas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva contra Donald Trump e a operação da Polícia Federal contra o ex-presidente Jair Bolsonaro podem agravar ainda mais o cenário e atrapalhar as negociações.

Mailson classifica o presidente norte-americano como "megalomaníaco", alguém que não ouve assessores e toma decisões emocionais. Nesse contexto, avalia que os ataques verbais de Lula são contraproducentes. "O país precisa de um acordo para neutralizar o efeito desastroso dessa tarifa, que prejudicaria nossa economia e também empresas e consumidores americanos", destacou.O ex-ministro também mencionou as declarações de Lula durante o encontro do Brics, quando chamou Trump de "irresponsável" e fez piadas com jabuticabas. Para Mailson, não é o momento para "brincadeiras ou gozações".

>>>>>>> Confira os principais trechos da entrevista:

  • O senhor acredita que a operação da Polícia Federal contra Bolsonaro pode influenciar negativamente a postura de Trump em relação ao Brasil?

Olha, o que se pode afirmar, com certeza, é que o Trump é imprevisível. Ele tem objetivos muito claros de ascensão global, de se tornar um líder global. E, como disse a revista The Economist, numa matéria de fevereiro deste ano, o método de ação dele é semelhante ao da máfia. Ele tem armas que os outros não têm. Por exemplo, se contrapor à máfia é correr o risco de morrer. Contra isso, você não tem racionalidade. O Trump, além de tudo, é um presidente megalomaníaco, que não ouve a sua assessoria, age de acordo com a cabeça dele e também emocionalmente. Então, tudo pode acontecer. É difícil prever.

  • E como o senhor vê as declarações do presidente Lula a respeito de Trump?

Acho que o presidente faria bem a ele e ao país se parasse com suas bravatas contra o Trump. Isso pode até agradar a um segmento da sociedade brasileira, particularmente sua base eleitoral, mas pode ser totalmente contraproducente. Estamos lidando com uma pessoa irracional, que não mede as consequências dos seus atos. Ele quer ferir, quer 'matar' no sentido figurado, claro. Não há nenhum líder de países que foram atacados pelo Trump que tenha adotado um discurso como o do Lula. O Brasil precisa de um acordo para neutralizar o efeito desastroso de uma tarifa de 50%, que pode prejudicar a economia brasileira, as empresas e até os consumidores dos Estados Unidos.

  • Lula também chamou Trump de "irresponsável" e fez piadas durante o encontro do Brics. Como avalia esse tom?

Isso não é hora de brincadeira. É hora de serenidade, de calma. É preciso confiar o trabalho de negociação aos profissionais do governo, que são altamente qualificados, como é o caso da diplomacia brasileira, e mobilizar os empresários brasileiros, como ele está fazendo corretamente. Esses empresários devem ajudar o Brasil a desenvolver uma boa estratégia e também mobilizar os empresários americanos, que também perderão com essa maluquice da tarifa de 50%.

  • Que papel os empresários e parlamentares nos EUA podem ter na defesa dos interesses brasileiros?

O Brasil também precisa recomeçar um trabalho de lobby nos Estados Unidos. Lá, lobby é legítimo e regulado por lei. É preciso mobilizar não só o governo e os órgãos de comércio exterior, mas também pessoas e setores da economia americana que serão prejudicados. Por exemplo, o suco de laranja, parte integrante do café da manhã americano, vai ficar mais caro, sumir das prateleiras ou ter oferta reduzida. Esse é o tipo de argumento que pode surtir efeito.

  • O que o Brasil deveria estar fazendo de diferente?

O presidente brasileiro não pode continuar atacando o presidente dos EUA diariamente. Não temos as mesmas armas. Não adianta o Lula dizer que vai defender a soberania nacional. Com isso, todos concordamos. Mas qual é a força dessa declaração para deter o Trump? Nenhuma. É óbvio. Qual brasileiro, a não ser o Eduardo Bolsonaro, não está de acordo com a defesa da soberania do país?

  • Na sua avaliação, Trump utiliza tarifas como parte de uma estratégia política, além da econômica?

Sem dúvida. Ele vê a tarifa como instrumento de ação política e de política de comércio. Trump tem uma ideia inacreditável, ele acha que deficit comercial é sinônimo de prejuízo. Não há nada na teoria econômica, nem na prática de comércio internacional, que diga que os países precisam ter equilíbrio comercial. Há países com superavit, outros com deficit, e tudo isso se ajusta com o tempo.

  • Trata-se de uma visão anacrônica?

Exatamente. Trump tem uma cabeça do século XVII, como a de Colbert, ministro francês que aplicou uma política mercantilista, buscar superavit a qualquer custo, inibir importações e aumentar exportações. Essa política caiu em desuso há quase três séculos. Trump está tentando ressuscitá-la. É uma ignorância inacreditável em questões básicas de economia. Por isso, não se pode reagir com o fígado. É preciso reagir com a cabeça, com prudência, com silêncio e com diplomacia.

         ¬¬¬¬¬¬ As vendas brasileiras já prejudicadas por anúncio de tarifa de Trump

A decisão de Donald Trump de impor tarifas de 50% ao Brasil já prejudica a economia do país, mesmo antes da data prevista, 1º de agosto.

Como as encomendas podem demorar a ser preparadas e transportadas, alguns importadores nos EUA já cancelam, por temerem que cheguem em agosto e sejam taxadas. Em outros casos, os próprios empresários brasileiros estão segurando a produção para evitar o prejuízo.

A incerteza não se restringe aos setores já afetados e já atinge outras regiões e produtos do país, que enxergam na medida uma ameaça à estabilidade econômica local. Da indústria de aviões à lavoura de laranja, a preocupação é grande.

>>>> Carne em Mato Grosso do Sul (MS)

Frigoríficos de MS paralisaram a produção de carne destinada aos EUA após o anúncio das tarifas, afirmou o Sindicato das Indústrias de Frios, Carnes e Derivados de Mato Grosso do Sul e o governo do estado.

Ainda segundo o sindicato, pelo menos quatro frigoríficos no estado interromperam a produção voltada ao mercado americano:

  • JBS
  • Naturafrig
  • Minerva Foods
  • Agroindustrial Iguatemi

Depois da China, os Estados Unidos são o maior comprador da carne nacional. O país importa 12% de todo o volume de carne que o Brasil vende para o exterior, enquanto os chineses levam praticamente metade (48%), segundo o Ministério da Agricultura. O preço da carne brasileira era o mais barato do mercado externo até então.

A suspensão das exportações visa evitar formação de estoques e prejuízos imediatos, já que as vendas se tornariam inviáveis economicamente com a tarifa extra de 50%.

Isso não significa que os frigoríficos brasileiros vão colocar mais carne no mercado nacional, é o que afirma Fernando Henrique Iglesias, analista do Safras & Mercados.

"Os frigoríficos vão tentar redirecionar esse produto para o mercado internacional para não gerar um efeito tão negativo. [...] A nossa sorte é que tem mais 100 países comprando carne do Brasil", diz.

Além da carne, o Mato Grosso do Sul também pode enfrentar prejuízos com pescados, uma vez que 99,6% da tilápia produzida no estado é exportada para os Estados Unidos. De acordo com o relatório do Anuário da Piscicultura 2024, da Peixe BR., o estado é o 5º maior produtor de tilápia do país.

>>>> Mel no Piauí (PI)

O tarifaço de Trump causou o cancelamento imediato de grandes encomendas de mel orgânico do Piauí ainda no dia 9 de julho, data em que o presidente americano anunciou a decisão.

O Brasil é um dos maiores produtores de mel do mundo. E o Piauí é um dos líderes da produção nacional.

Os compradores temem que o mel chegue aos EUA após a entrada em vigor da nova tarifa, gerando impacto em pelo menos 500 toneladas do produto. A decisão afetou uma das maiores exportadoras do mundo, o Grupo Sama, que compra o produto de pelo menos 12 mil pequenos produtores do Nordeste Brasileiro.

Os Estados Unidos consomem 80% do mel produzido no Brasil. Com o cancelamento, o produto precisa ser armazenado em câmaras refrigeradas, o que gera custos

>>>> Madeira no Paraná (PR)

Devido ao tarifaço de Trump, a indústria madeireira paranaense BrasPine anunciou férias coletivas para 700 funcionários da fábrica de Jaguariaíva, nos Campos Gerais do Paraná.

Os Estados Unidos recebem 42,4% das exportações de madeira do Brasil, sendo um dos principais mercados internacionais do setor paranaense.

De acordo com estimativas da Associação Paranaense de Empresas de Base Florestal (Apre), o Paraná é um dos principais exportadores de produtos de madeira para os Estados Unidos.

O setor madeireiro gera cerca de 400 mil empregos diretos e indiretos no estado, considerando os trabalhadores florestais e os que atuam em indústrias do segmento, aponta a associação.

A madeira está entre os dez produtos mais exportados para os Estados Unidos e já foi alvo de um outro tarifaço de Trump em abril, taxada em 25%.

No Rio Grande do Sul (RS), as exportações de móveis também foram interrompidas nesta quarta.

>>>> Pescados do Nordeste (Bahia, Ceará e Pernambuco)

Apenas 24 horas após o anúncio de Trump, empresários norte-americanos suspenderam a compra de pescados brasileiros.

A decisão fez com que pelo menos 58 contêineres de peixes, lagostas e camarões fossem desembarcados de três dos principais portos do Nordeste, os de Salvador (BA), Pecém (CE) e Suape (PE).

O Brasil exporta peixes para os Estados Unidos há mais de cem anos. Segundo o presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Pescados (Abipesca), Eduardo Lobo, 70% das exportações feitas pelo setor têm como destino os EUA, o que torna os produtores vulneráveis.

>>>> Pedras (Rochas Naturais) no Espírito Santo (ES)

Compradores dos Estados Unidos suspenderam imediatamente o embarque de rochas naturais do Espírito Santo nesta quarta-feira (16), dias após o anúncio do tarifaço de Trump. O estado é potência no setor de mármore e granito.

Segundo empresas que exportam rochas naturais, os pedidos não foram cancelados, ainda que os norte-americanos tenham pedido a suspensão imediata dos embarques.

O Espírito Santo é líder nacional em exportação de rochas naturais, como granito e mármore, e 82% da receita do setor vêm do estado.

Até junho deste ano, os Estados Unidos compraram, em média, 66% das rochas naturais do Espírito Santo. O governo federal decidiu criar um comitê para ouvir os setores mais atingidos pela tarifa.

Na segunda-feira (14), o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), se reuniu com o vice-presidente Geraldo Alckmin, que também é ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, pasta que trata da política de exportações do país.

frigorífico, os galoes de mel, pedras e madeira — Foto: Montagem/g1

>>>> Incerteza geral, mesmo em setores sem vendas canceladas

No Vale do Paraíba, a Embraer estima perdas de até R$ 20 bilhões até 2030 se a tarifa entrar em vigor. Os EUA representam 45% das vendas de jatos comerciais da empresa e 70% dos jatos executivos.

O CEO da companhia, Francisco Gomes Net, alerta para cortes de investimento e até demissões em massa.

No setor de laranja, espalhado por várias regiões do Brasil, o temor é generalizado. O Brasil é líder mundial na exportação de suco de laranja, e a taxação pode comprometer uma cadeia produtiva que emprega cerca de 200 mil pessoas, deixando pequenos produtores mais vulneráveis.

A esperança, segundo empresários do setor, é que a própria indústria americana pressione por um recuo da medida, dado o impacto também para consumidores nos EUA.

O estado de São Paulo deve ser o mais afetado pelas tarifas de Trump. É o que aponta uma pesquisa do Núcleo de Estudos em Modelagem Econômica e Ambiental (Nemea-UFMG). No interior paulista, cidades como Piracicaba e Sorocaba já contabilizam os possíveis efeitos sobre a agroindústria, o setor metalmecânico e a indústria automotiva.

Em Sorocaba, 8,5% de tudo o que se exporta vai para os EUA, e a cidade teme ruptura de contratos e aumento do desemprego. Itapetininga, com forte presença do agronegócio, teme tanto a perda de mercado quanto o aumento dos custos de produção devido à alta do dólar.

No Porto de Santos, por onde escoam 35% das exportações de café para os EUA, o alerta é de queda na movimentação de cargas e perda de até R$ 145 milhões em receita, além de centenas de empregos diretos e indiretos em risco. Já no Sul de Minas e no litoral paulista, o setor cafeeiro também teme uma retração drástica.

O café brasileiro, que hoje paga 10% de tarifa, pode sofrer um aumento de até 400% no imposto, tornando o produto inviável para o mercado americano, principal destino da produção nacional.

Em Pernambuco, a preocupação gira em torno da indústria da cana-de-açúcar, das uvas frescas e das estruturas metálicas, uma vez que os Estados Unidos ocupam o 2º lugar no ranking de compradores dos produtos pernambucanos.

 

Fonte: Correio Braziliense/g1

 

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