Argentina
entra em espiral de endividamento e protestos contra Milei ganham força
Enquanto
o presidente Javier Milei e funcionários do governo continuam divulgando
índices, cifras e dados falsos sobre a grave situação social, econômica e
política da Argentina — rebatidos por
pesquisas documentadas de distintos organismos reconhecidos argentinos —, a
cada dia as marchas e protestos aumentam em Buenos Aires e nas províncias,
assim como as demandas à Justiça de diversos setores afetados. Ao mesmo tempo,
a ex-mandatária Cristina Fernández de Kirchner, em prisão domiciliar e
condenada sem provas por delitos não cometidos, continua recebendo
solidariedade em amplos setores locais e em países da América Latina e da
Europa, onde se formaram movimentos que reclamam sua liberdade.
Kirchner,
a líder política mais importante do país, também proscrita perpetuamente para
exercer cargos públicos, advertiu: “Em 45 dias, 4 bilhões de dólares viraram
fumaça”, ou seja, quase um terço do empréstimo que o Fundo Monetário
Internacional concedeu à Argentina como parte do novo endividamento. Como
resultado do levantamento do controle cambial, “em abril levaram a bonita soma
de quase 2,2 bilhões de dólares” e “em maio, nos dizem que 1,7 bilhão, mais ou
menos”, explicou, ao se referir às ações da equipe econômica liderada pelo
ministro Luis ‘Toto’ Caputo, aprofundando ainda mais a brecha da desigualdade
na Argentina.
Durante
a 52ª reunião da Associação Bancária, a ex-presidenta afirmou que o “modelo econômico está caindo aos
pedaços” e que há “sinais mais que contundentes sobre o quão insustentável” é
esta política econômica e financeira. Ressaltou também que a agência
classificadora de risco Moody’s questionou o governo de Milei sobre o tipo de
câmbio. “Toto Caputo não conseguiu a qualificação financeira para continuar
endividando o país”, portanto, “bem-vindo seja o fato de que não possam seguir
agravando a situação de endividamento estrutural em que primeiro Macri
(Mauricio, ex-presidente), e agora Milei, nos colocaram”.
“Vocês
sabem que se a macroeconomia vai mal, a micro é uma tragédia social”, disse a
ex-presidenta, recordando os últimos relatórios que destacam que “mais de 50%
das famílias argentinas não chegam ao fim do mês” e “estão se endividando para
comer”, o que está causando outra tragédia (…), e essa micro fecha ainda muito
menos, muitíssimo menos, e de forma muito mais trágica”.
Kirchner
se referiu ao poder econômico e seu viés “depredador, de afugentar dólares e de
trabalhar para a especulação e a evasão”, o que gera a tragédia social que se
vive, diante da qual “o modelo econômico vigente desmorona”. E destaca: essa é
a razão de sua prisão, já que era necessário tirá-la do cenário político. Da
mesma forma, afirmou que o governo de Milei “continua destruindo tudo o que
resta”, enquanto os alertas sobre a situação social e econômica vêm até dos
próprios setores jornalísticos da mídia pró-governo.
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Enquanto
isso, deputados e senadores da União pela Pátria (Partido Justicialista)
questionaram a restrição judicial que os impede de visitar a ex-presidenta e
informaram que denunciarão o fato à Comissão Interamericana de Direitos Humanos
e à União Interparlamentar.
Por
outro lado, a Justiça trabalhista acatou a medida cautelar da Confederação
Geral do Trabalho (CGT), suspendendo o decreto do governo que limitava o
direito à greve e uma série de outras atividades que passaram a ser
consideradas essenciais e transcendentes.
Nesse
contexto, nesta segunda-feira (30), o governo de Milei enfrentou uma verdadeira
rebelião de governadores provinciais, que exigiram o pagamento da
coparticipação que, no caso da província de Buenos Aires, já soma bilhões de
pesos, em meio a uma situação social crítica cada vez mais aguda, que leva o
governo a seguir se endividando, fechando um círculo insustentável.
Por sua
vez, Milei lançou seu partido, A Liberdade Avança, em La Plata,
capital da província de Buenos Aires, onde insultou de forma degradante o
governador da União pela Pátria, Axel Kicillof, provocando repulsa
em grande parte da população, que vai cada vez mais às ruas.
Na
sexta-feira (27), uma grande manifestação com tochas de estudantes e
professores universitários de todo o país — em greve de dois dias — se uniu a
outros milhares de manifestantes que lutam para salvar os hospitais públicos.
Outras mobilizações foram anunciadas para a próxima semana, apesar das ameaças
de repressão.
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“Movimento audacioso”: aliança Colômbia-Brics é divisor
de águas para o Sul Global
“Celebro
a notícia que transcende o financeiro e amplia nosso horizonte. A Colômbia se
une oficialmente ao banco do Brics (…) após a solicitação feita pelo presidente
Gustavo Petro em Xangai no último mês de maio. Seguimos abrindo caminho para
novas oportunidades para o país”, afirmou a chanceler Laura Sarabia no X.
A razão foi o ingresso
formal da Colômbia no Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), a instituição
multilateral do Brics, formados por Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul.
A
adesão foi confirmada
pela presidenta da instituição bancária, Dilma Rousseff, durante uma reunião
com o mandatário russo, Vladimir Putin, no âmbito da realização do Fórum
Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF).
Trata-se
de um dos movimentos mais audaciosos da política externa colombiana em
décadas e foi interpretado por especialistas como uma guinada rumo a
um modelo de integração com o Sul Global, em busca de autonomia estratégica
frente aos centros tradicionais de poder financeiro.
“A
pertença ao Brics, ainda que parcial ou limitada, implica um questionamento
dessa matriz dependente”, assegura o analista político Jaime Corena Parra em
entrevista à Sputnik.
Para o
também docente universitário, esta decisão marca uma “inflexão substancial
no marco da política externa do país”, e deve ser interpretada não como uma
simples estratégia financeira, mas como uma ação profundamente política que
responde a uma necessidade urgente: a de recuperar a autonomia estratégica
e a soberania nacional.
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Uma guinada estratégica
A
Colômbia, historicamente alinhada com os interesses dos Estados Unidos, foi,
nas palavras de Corena, “uma peça subordinada no xadrez geopolítico de
Washington, articulada à sua estratégia hemisférica de controle, tanto
econômico quanto militar”.
Sob
essa perspectiva, o ingresso no NBD representa uma reorientação rumo
ao sul global, não como um alinhamento automático com outras
potências, mas como “uma aposta na construção de um mundo multipolar, onde
os países do sul possam exercer seu direito de definir seu próprio destino sem
a tutela do capital financeiro global”.
A
chegada da Colômbia a essa instituição bancária — criada por Brasil, Rússia,
Índia, China e África do Sul para financiar projetos de desenvolvimento
sustentável e infraestrutura — ocorre em um contexto de múltiplas tensões
entre Bogotá e Washington.
O
presidente da nação sul-americana tem sido claro em seu propósito de
diversificar as relações internacionais do país e abrir novos canais de
cooperação com a Ásia, África e América Latina. Nessa linha, a recente
adesão da Colômbia à Iniciativa do Cinturão e Rota também foi
vista como um sinal inequívoco de mudança.
Continua
após o anúncio
Para
Corena, a participação da Colômbia no NBD pode se tornar uma alavanca
poderosa para a integração regional.
“A
presidência pro tempore da Celac que a Colômbia exerce neste
momento é uma oportunidade histórica para reativar as aspirações de unidade de
Nossa América”, explica.
O
especialista acrescenta que o presidente colombiano tem proposto uma visão que
atualiza o ideário de Bolívar e Martí sob a ótica da transição ecológica,
justiça social e integração produtiva.
“Petro
poderia propor uma linha específica de crédito dentro do banco para iniciativas
de integração latino-americana, o que significaria recuperar uma visão que foi
traída pelas instituições financeiras tradicionais, como o BID
(Banco Interamericano de Desenvolvimento), hoje transformadas em mecanismos de
dominação ideológica do neoliberalismo”, afirma.
Nesse
contexto, Corena sugere inclusive a possibilidade de criar uma mesa
técnica CELAC–Brics, que articule projetos regionais com financiamento
multilateral não condicionado, complementando-se com outras iniciativas como o
SUCRE, o Banco do ALBA ou a proposta de moeda comum regional.
Em
comparação com organismos como o Fundo
Monetário Internacional (FMI) ou o BID, o Novo Banco de
Desenvolvimento oferece, segundo o analista, vantagens claras.
“As
instituições tradicionais atuaram historicamente como instrumentos de
subordinação. Seus empréstimos vêm atrelados a pacotes de reformas estruturais
— privatização, flexibilização trabalhista, austeridade fiscal — que destruíram
nossas economias e enfraqueceram o tecido social”.
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Por
outro lado, o NBD se apresenta como um instrumento financeiro que respeita a
soberania dos países membros.
“Não
impõe condicionalidades macroeconômicas regressivas, e seu foco está em
financiar projetos que contribuam para o desenvolvimento sustentável, a
transição energética e a inclusão social”, afirma Corena. Neste ponto, o
analista introduz um matiz importante: “Nenhuma relação financeira está isenta
de contradições. A China, como principal ator do banco, também tem interesses
estratégicos e econômicos”.
A
chave, adverte, está em que a Colômbia ingresse nessa instância com uma
estratégia nacional clara. “Não se trata de trocar de amo, mas de deixar de ter
amos”, pondera.
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Olhar para o Sul Global
O
ingresso no NBD também deve ser analisado no contexto da “autonomia
estratégica” promovida por Petro.
“A
unipolaridade está se esgotando, e Brics encarna o
projeto de uma ordem mundial mais equilibrada”, afirma Corena.
No
entanto, reconhece que a Colômbia mantém profundos laços econômicos, militares
e culturais com os Estados Unidos e a Europa, razão pela qual “não se trata de
rompê-los de maneira abrupta, mas de construir uma política externa
soberana que não sacrifique os interesses nacionais aos ditames de nenhuma
potência“.
“A
Colômbia deverá sustentar uma posição de não alinhamento ativo. Ou seja, não se
subordinar nem ao capital ocidental, nem ao asiático, mas promover uma agenda
internacional centrada na defesa da vida, do planeta e dos povos”, afirma o
acadêmico, que ressalta: “a neutralidade não deve ser passividade, mas
exercício firme de soberania”.
Mais do
que o acesso ao crédito, o NBD poderia se tornar uma ferramenta para
implementar os pilares da política externa petrista: a transição
energética justa, a paz total e a luta contra a mudança climática.
“A
transição energética justa requer investimentos colossais, e a Colômbia não
pode assumi-los sozinha nem depender do capital especulativo”, aponta. Nesse
sentido, Corena vê com otimismo o papel que o banco pode desempenhar
em projetos como usinas solares em La Guajira, redes elétricas
inteligentes, transporte público eletrificado e reconversão de indústrias
poluentes.
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A paz total também
requer recursos sustentáveis e não condicionados, especialmente para
as regiões mais excluídas.
“Não
apenas para desmobilizar os atores armados, mas para construir economias
alternativas, infraestrutura rural, serviços sociais e justiça territorial”,
explica. O NBD, nesse sentido, pode ser um parceiro-chave para implementar
os acordos de paz em zonas como o Pacífico e o sul amazônico.
Em
relação à luta climática, Corena propõe ir além. “Por que não propor um fundo
regional para o bioma amazônico, financiado pelo NBD com participação dos
países da região e com cooperação sul-sul?”, reflete. O mesmo vale para os
grandes projetos de conectividade bioceânica: trens elétricos, corredores
ecológicos, passagens fronteiriças integradas.
Em
suma, conclui o analista, “tudo isso faz parte da visão de uma Colômbia que não
seja mais quintal, mas coluna vertebral da nova ordem solidária e multipolar”.
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Prometeu justiça, entregou repressão: senadora do Chile
denuncia criminalização de protestos sob Boric
No
início de junho, no Chile, distintas
organizações de direitos humanos romperam relações com o Governo de Gabriel
Boric devido ao nulo avanço em matéria de justiça, reparação e garantias de não
repetição em relação às vítimas de violência estatal durante a Explosão Social
de 2019.
Sobre a
decisão das entidades, e também sobre o golpe que o governo de Boric deu
nas vítimas da violência estatal, conversou com o Resumen Latinoamericano a
senadora independente Fabiola Campillai. Na entrevista, Campillai fala da
gênese dos acordos hoje ignorados pelo mandatário, os quais foram pactuados não
apenas durante a candidatura do presidente, mas também posteriormente à sua
chegada ao poder.
Após a
última prestação de contas pública de Boric, novamente os acordos relativos às
vítimas de agentes do Estado durante a Explosão ficaram de fora. Desde janeiro,
as distintas organizações de direitos humanos que, junto ao Executivo, formaram
uma mesa de trabalho sobre o tema, esperavam o apoio do mandatário ao Projeto
de Reparação Integral, mas este não chegou.
É neste
contexto que anúncios como o de Punta Peuco (decisão de transformar um
presídio especial para militares em um centro de detenção comum) resultam
em um mero aceno simbólico, sobretudo considerando que será a próxima
administração presidencial a responsável por colocar em marcha a iniciativa de
Boric na questão — iniciativa esta que surge no último período de seu governo.
“Em
plena campanha do segundo turno, o então candidato Gabriel Boric solicitou se
reunir conosco e pediu nosso apoio como sobreviventes. Nesse encontro,
comprometeu-se com a justiça, com uma Comissão da Verdade e com uma lei de
reparação para as vítimas. Já no governo, foi criada uma Mesa de Reparação
Integral que presidi junto à ex-subsecretária de Direitos Humanos, Haydee
Oberreuter. Durante um ano percorremos o país para recolher testemunhos e
elaborar um informe detalhado que foi entregue ao presidente. Até hoje, esse
informe segue lá”
A
senadora e vítima da brutalidade policial exercida durante a Explosão
acrescentou:
“Diante
da falta de avanços, em outubro do ano passado constituímos a Mesa de Direitos
Humanos por uma Vida Digna, junto a agrupações de direitos humanos históricas e
atuais. Elaboramos o projeto de lei de reparação integral, o qual –
lamentavelmente – requer o patrocínio do Executivo. O presidente Boric recebeu
o documento e comprometeu-se publicamente a entregar uma resposta em janeiro,
mas quando chegou a data, não obtivemos resposta”
A mesa
de trabalho composta pela Rede Nacional de Sobreviventes da Explosão Social, a
Mesa de Direitos Humanos por uma Vida Digna e a equipe de trabalho da senadora
Campillai anunciou o rompimento com o Governo, apontando: “Deve existir um
compromisso real com as vítimas e com as famílias daqueles que foram
assassinados pela ação de agentes policiais e militares no contexto da Revolta
Popular, e este governo já não o fez”.
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Poucos direitos, muita repressão
Além
das críticas à falta de cumprimento dos acordos assumidos por Boric em matéria
de direitos humanos e da Explosão Social, a senadora se referiu ao outro lado
da moeda: a repressão, e como esta se fortaleceu com a administração do
representante da Frente Ampla.
Aspectos
como a Lei Antitomas, a Lei Naín-Retamal ou Gatilho Fácil e a permanência da
polícia militarizada em território mapuche fazem parte dos indícios que o
Governo entregou em relação ao aprofundamento das políticas repressivas. Sobre
essa matéria, Campillai foi categórica:
“Eu
disse desde o início: este governo girou para uma agenda que criminaliza o
protesto social, impulsionando projetos como a Lei Naín-Retamal ou, por
exemplo, o que ocorreu há algumas semanas com as Regras do Uso da Força. Nessa
votação, o Executivo não defendeu nem articulou seus senadores para resguardar
elementos fundamentais, como a proibição de apontar ou disparar na cabeça. Não
quero dizer que as RUF sejam ruins, ao contrário: precisamos que o uso da força
esteja regulamentado por lei e não por regulamentos que podem ser modificados
segundo quem esteja no poder”Fabiola Campillai
Campillai,
que votou constantemente contra a extensão do estado de exceção no
Wallmapu,
mostrou-se decepcionada com Gabriel Boric e seu governo, que chegou ao
poder justamente apoiado em promessas de justiça e reparação para as centenas
de vítimas da violência estatal sistemática exercida durante a Explosão.
Sobre o
compromisso anunciado em janeiro pelo Governo, quanto ao apoio ao Projeto de
Reparação Integral, Fabiola Campillai conclui: “Enviaram a equipe da
Subsecretaria de Direitos Humanos para pedir mais uma semana de prazo para
refletir. Estamos às portas de junho, e a resposta ainda não chegou”.
Fonte:
Diólogo do Sul

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