sexta-feira, 4 de julho de 2025

Argentina entra em espiral de endividamento e protestos contra Milei ganham força

Enquanto o presidente Javier Milei e funcionários do governo continuam divulgando índices, cifras e dados falsos sobre a grave situação social, econômica e política da Argentina — rebatidos por pesquisas documentadas de distintos organismos reconhecidos argentinos —, a cada dia as marchas e protestos aumentam em Buenos Aires e nas províncias, assim como as demandas à Justiça de diversos setores afetados. Ao mesmo tempo, a ex-mandatária Cristina Fernández de Kirchner, em prisão domiciliar e condenada sem provas por delitos não cometidos, continua recebendo solidariedade em amplos setores locais e em países da América Latina e da Europa, onde se formaram movimentos que reclamam sua liberdade.

Kirchner, a líder política mais importante do país, também proscrita perpetuamente para exercer cargos públicos, advertiu: “Em 45 dias, 4 bilhões de dólares viraram fumaça”, ou seja, quase um terço do empréstimo que o Fundo Monetário Internacional concedeu à Argentina como parte do novo endividamento. Como resultado do levantamento do controle cambial, “em abril levaram a bonita soma de quase 2,2 bilhões de dólares” e “em maio, nos dizem que 1,7 bilhão, mais ou menos”, explicou, ao se referir às ações da equipe econômica liderada pelo ministro Luis ‘Toto’ Caputo, aprofundando ainda mais a brecha da desigualdade na Argentina.

Durante a 52ª reunião da Associação Bancária, a ex-presidenta afirmou que o “modelo econômico está caindo aos pedaços” e que há “sinais mais que contundentes sobre o quão insustentável” é esta política econômica e financeira. Ressaltou também que a agência classificadora de risco Moody’s questionou o governo de Milei sobre o tipo de câmbio. “Toto Caputo não conseguiu a qualificação financeira para continuar endividando o país”, portanto, “bem-vindo seja o fato de que não possam seguir agravando a situação de endividamento estrutural em que primeiro Macri (Mauricio, ex-presidente), e agora Milei, nos colocaram”.

“Vocês sabem que se a macroeconomia vai mal, a micro é uma tragédia social”, disse a ex-presidenta, recordando os últimos relatórios que destacam que “mais de 50% das famílias argentinas não chegam ao fim do mês” e “estão se endividando para comer”, o que está causando outra tragédia (…), e essa micro fecha ainda muito menos, muitíssimo menos, e de forma muito mais trágica”.

Kirchner se referiu ao poder econômico e seu viés “depredador, de afugentar dólares e de trabalhar para a especulação e a evasão”, o que gera a tragédia social que se vive, diante da qual “o modelo econômico vigente desmorona”. E destaca: essa é a razão de sua prisão, já que era necessário tirá-la do cenário político. Da mesma forma, afirmou que o governo de Milei “continua destruindo tudo o que resta”, enquanto os alertas sobre a situação social e econômica vêm até dos próprios setores jornalísticos da mídia pró-governo.

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Enquanto isso, deputados e senadores da União pela Pátria (Partido Justicialista) questionaram a restrição judicial que os impede de visitar a ex-presidenta e informaram que denunciarão o fato à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e à União Interparlamentar.

Por outro lado, a Justiça trabalhista acatou a medida cautelar da Confederação Geral do Trabalho (CGT), suspendendo o decreto do governo que limitava o direito à greve e uma série de outras atividades que passaram a ser consideradas essenciais e transcendentes.

Nesse contexto, nesta segunda-feira (30), o governo de Milei enfrentou uma verdadeira rebelião de governadores provinciais, que exigiram o pagamento da coparticipação que, no caso da província de Buenos Aires, já soma bilhões de pesos, em meio a uma situação social crítica cada vez mais aguda, que leva o governo a seguir se endividando, fechando um círculo insustentável.

Por sua vez, Milei lançou seu partido, A Liberdade Avança, em La Plata, capital da província de Buenos Aires, onde insultou de forma degradante o governador da União pela Pátria, Axel Kicillof, provocando repulsa em grande parte da população, que vai cada vez mais às ruas.

Na sexta-feira (27), uma grande manifestação com tochas de estudantes e professores universitários de todo o país — em greve de dois dias — se uniu a outros milhares de manifestantes que lutam para salvar os hospitais públicos. Outras mobilizações foram anunciadas para a próxima semana, apesar das ameaças de repressão.

¨      “Movimento audacioso”: aliança Colômbia-Brics é divisor de águas para o Sul Global

“Celebro a notícia que transcende o financeiro e amplia nosso horizonte. A Colômbia se une oficialmente ao banco do Brics (…) após a solicitação feita pelo presidente Gustavo Petro em Xangai no último mês de maio. Seguimos abrindo caminho para novas oportunidades para o país”, afirmou a chanceler Laura Sarabia no X.

A razão foi o ingresso formal da Colômbia no Novo Banco de Desenvolvimento (NBD), a instituição multilateral do Brics, formados por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul.

A adesão foi confirmada pela presidenta da instituição bancária, Dilma Rousseff, durante uma reunião com o mandatário russo, Vladimir Putin, no âmbito da realização do Fórum Econômico Internacional de São Petersburgo (SPIEF).

Trata-se de um dos movimentos mais audaciosos da política externa colombiana em décadas e foi interpretado por especialistas como uma guinada rumo a um modelo de integração com o Sul Global, em busca de autonomia estratégica frente aos centros tradicionais de poder financeiro.

“A pertença ao Brics, ainda que parcial ou limitada, implica um questionamento dessa matriz dependente”, assegura o analista político Jaime Corena Parra em entrevista à Sputnik.

Para o também docente universitário, esta decisão marca uma “inflexão substancial no marco da política externa do país”, e deve ser interpretada não como uma simples estratégia financeira, mas como uma ação profundamente política que responde a uma necessidade urgente: a de recuperar a autonomia estratégica e a soberania nacional.

<><> Uma guinada estratégica

A Colômbia, historicamente alinhada com os interesses dos Estados Unidos, foi, nas palavras de Corena, “uma peça subordinada no xadrez geopolítico de Washington, articulada à sua estratégia hemisférica de controle, tanto econômico quanto militar”.

Sob essa perspectiva, o ingresso no NBD representa uma reorientação rumo ao sul global, não como um alinhamento automático com outras potências, mas como “uma aposta na construção de um mundo multipolar, onde os países do sul possam exercer seu direito de definir seu próprio destino sem a tutela do capital financeiro global”.

A chegada da Colômbia a essa instituição bancária — criada por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul para financiar projetos de desenvolvimento sustentável e infraestrutura — ocorre em um contexto de múltiplas tensões entre Bogotá e Washington.

O presidente da nação sul-americana tem sido claro em seu propósito de diversificar as relações internacionais do país e abrir novos canais de cooperação com a Ásia, África e América Latina. Nessa linha, a recente adesão da Colômbia à Iniciativa do Cinturão e Rota também foi vista como um sinal inequívoco de mudança.

Continua após o anúncio

Para Corena, a participação da Colômbia no NBD pode se tornar uma alavanca poderosa para a integração regional.

“A presidência pro tempore da Celac que a Colômbia exerce neste momento é uma oportunidade histórica para reativar as aspirações de unidade de Nossa América”, explica.

O especialista acrescenta que o presidente colombiano tem proposto uma visão que atualiza o ideário de Bolívar e Martí sob a ótica da transição ecológica, justiça social e integração produtiva.

“Petro poderia propor uma linha específica de crédito dentro do banco para iniciativas de integração latino-americana, o que significaria recuperar uma visão que foi traída pelas instituições financeiras tradicionais, como o BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), hoje transformadas em mecanismos de dominação ideológica do neoliberalismo”, afirma.

Nesse contexto, Corena sugere inclusive a possibilidade de criar uma mesa técnica CELAC–Brics, que articule projetos regionais com financiamento multilateral não condicionado, complementando-se com outras iniciativas como o SUCRE, o Banco do ALBA ou a proposta de moeda comum regional.

Em comparação com organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) ou o BID, o Novo Banco de Desenvolvimento oferece, segundo o analista, vantagens claras.

“As instituições tradicionais atuaram historicamente como instrumentos de subordinação. Seus empréstimos vêm atrelados a pacotes de reformas estruturais — privatização, flexibilização trabalhista, austeridade fiscal — que destruíram nossas economias e enfraqueceram o tecido social”.

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Por outro lado, o NBD se apresenta como um instrumento financeiro que respeita a soberania dos países membros.

“Não impõe condicionalidades macroeconômicas regressivas, e seu foco está em financiar projetos que contribuam para o desenvolvimento sustentável, a transição energética e a inclusão social”, afirma Corena. Neste ponto, o analista introduz um matiz importante: “Nenhuma relação financeira está isenta de contradições. A China, como principal ator do banco, também tem interesses estratégicos e econômicos”.

A chave, adverte, está em que a Colômbia ingresse nessa instância com uma estratégia nacional clara. “Não se trata de trocar de amo, mas de deixar de ter amos”, pondera.

<><> Olhar para o Sul Global

O ingresso no NBD também deve ser analisado no contexto da “autonomia estratégica” promovida por Petro.

“A unipolaridade está se esgotando, e Brics encarna o projeto de uma ordem mundial mais equilibrada”, afirma Corena.

No entanto, reconhece que a Colômbia mantém profundos laços econômicos, militares e culturais com os Estados Unidos e a Europa, razão pela qual “não se trata de rompê-los de maneira abrupta, mas de construir uma política externa soberana que não sacrifique os interesses nacionais aos ditames de nenhuma potência“.

“A Colômbia deverá sustentar uma posição de não alinhamento ativo. Ou seja, não se subordinar nem ao capital ocidental, nem ao asiático, mas promover uma agenda internacional centrada na defesa da vida, do planeta e dos povos”, afirma o acadêmico, que ressalta: “a neutralidade não deve ser passividade, mas exercício firme de soberania”.

Mais do que o acesso ao crédito, o NBD poderia se tornar uma ferramenta para implementar os pilares da política externa petrista: a transição energética justa, a paz total e a luta contra a mudança climática.

“A transição energética justa requer investimentos colossais, e a Colômbia não pode assumi-los sozinha nem depender do capital especulativo”, aponta. Nesse sentido, Corena vê com otimismo o papel que o banco pode desempenhar em projetos como usinas solares em La Guajira, redes elétricas inteligentes, transporte público eletrificado e reconversão de indústrias poluentes.

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A paz total também requer recursos sustentáveis e não condicionados, especialmente para as regiões mais excluídas.

“Não apenas para desmobilizar os atores armados, mas para construir economias alternativas, infraestrutura rural, serviços sociais e justiça territorial”, explica. O NBD, nesse sentido, pode ser um parceiro-chave para implementar os acordos de paz em zonas como o Pacífico e o sul amazônico.

Em relação à luta climática, Corena propõe ir além. “Por que não propor um fundo regional para o bioma amazônico, financiado pelo NBD com participação dos países da região e com cooperação sul-sul?”, reflete. O mesmo vale para os grandes projetos de conectividade bioceânica: trens elétricos, corredores ecológicos, passagens fronteiriças integradas.

Em suma, conclui o analista, “tudo isso faz parte da visão de uma Colômbia que não seja mais quintal, mas coluna vertebral da nova ordem solidária e multipolar”.

¨      Prometeu justiça, entregou repressão: senadora do Chile denuncia criminalização de protestos sob Boric

No início de junho, no Chile, distintas organizações de direitos humanos romperam relações com o Governo de Gabriel Boric devido ao nulo avanço em matéria de justiça, reparação e garantias de não repetição em relação às vítimas de violência estatal durante a Explosão Social de 2019.

Sobre a decisão das entidades, e também sobre o golpe que o governo de Boric deu nas vítimas da violência estatal, conversou com o Resumen Latinoamericano a senadora independente Fabiola Campillai. Na entrevista, Campillai fala da gênese dos acordos hoje ignorados pelo mandatário, os quais foram pactuados não apenas durante a candidatura do presidente, mas também posteriormente à sua chegada ao poder.

Após a última prestação de contas pública de Boric, novamente os acordos relativos às vítimas de agentes do Estado durante a Explosão ficaram de fora. Desde janeiro, as distintas organizações de direitos humanos que, junto ao Executivo, formaram uma mesa de trabalho sobre o tema, esperavam o apoio do mandatário ao Projeto de Reparação Integral, mas este não chegou.

É neste contexto que anúncios como o de Punta Peuco (decisão de transformar um presídio especial para militares em um centro de detenção comum) resultam em um mero aceno simbólico, sobretudo considerando que será a próxima administração presidencial a responsável por colocar em marcha a iniciativa de Boric na questão — iniciativa esta que surge no último período de seu governo.

“Em plena campanha do segundo turno, o então candidato Gabriel Boric solicitou se reunir conosco e pediu nosso apoio como sobreviventes. Nesse encontro, comprometeu-se com a justiça, com uma Comissão da Verdade e com uma lei de reparação para as vítimas. Já no governo, foi criada uma Mesa de Reparação Integral que presidi junto à ex-subsecretária de Direitos Humanos, Haydee Oberreuter. Durante um ano percorremos o país para recolher testemunhos e elaborar um informe detalhado que foi entregue ao presidente. Até hoje, esse informe segue lá”

A senadora e vítima da brutalidade policial exercida durante a Explosão acrescentou:

“Diante da falta de avanços, em outubro do ano passado constituímos a Mesa de Direitos Humanos por uma Vida Digna, junto a agrupações de direitos humanos históricas e atuais. Elaboramos o projeto de lei de reparação integral, o qual – lamentavelmente – requer o patrocínio do Executivo. O presidente Boric recebeu o documento e comprometeu-se publicamente a entregar uma resposta em janeiro, mas quando chegou a data, não obtivemos resposta”

A mesa de trabalho composta pela Rede Nacional de Sobreviventes da Explosão Social, a Mesa de Direitos Humanos por uma Vida Digna e a equipe de trabalho da senadora Campillai anunciou o rompimento com o Governo, apontando: “Deve existir um compromisso real com as vítimas e com as famílias daqueles que foram assassinados pela ação de agentes policiais e militares no contexto da Revolta Popular, e este governo já não o fez”.

<><> Poucos direitos, muita repressão

Além das críticas à falta de cumprimento dos acordos assumidos por Boric em matéria de direitos humanos e da Explosão Social, a senadora se referiu ao outro lado da moeda: a repressão, e como esta se fortaleceu com a administração do representante da Frente Ampla.

Aspectos como a Lei Antitomas, a Lei Naín-Retamal ou Gatilho Fácil e a permanência da polícia militarizada em território mapuche fazem parte dos indícios que o Governo entregou em relação ao aprofundamento das políticas repressivas. Sobre essa matéria, Campillai foi categórica:

“Eu disse desde o início: este governo girou para uma agenda que criminaliza o protesto social, impulsionando projetos como a Lei Naín-Retamal ou, por exemplo, o que ocorreu há algumas semanas com as Regras do Uso da Força. Nessa votação, o Executivo não defendeu nem articulou seus senadores para resguardar elementos fundamentais, como a proibição de apontar ou disparar na cabeça. Não quero dizer que as RUF sejam ruins, ao contrário: precisamos que o uso da força esteja regulamentado por lei e não por regulamentos que podem ser modificados segundo quem esteja no poder”Fabiola Campillai

Campillai, que votou constantemente contra a extensão do estado de exceção no Wallmapu, mostrou-se decepcionada com Gabriel Boric e seu governo, que chegou ao poder justamente apoiado em promessas de justiça e reparação para as centenas de vítimas da violência estatal sistemática exercida durante a Explosão.

Sobre o compromisso anunciado em janeiro pelo Governo, quanto ao apoio ao Projeto de Reparação Integral, Fabiola Campillai conclui: “Enviaram a equipe da Subsecretaria de Direitos Humanos para pedir mais uma semana de prazo para refletir. Estamos às portas de junho, e a resposta ainda não chegou”.

 

Fonte: Diólogo do Sul

 

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