sexta-feira, 11 de julho de 2025

Agro de estados governados por Tarcísio, Caiado e Zema terá prejuízo com tarifaço de Trump

Enquanto o tarifaço de Donald Trump contra o Brasil tenta ajudar Jair Bolsonaro a escapar da condenação por tentativa de golpe, o agro de estados governados por aliados e apoiadores do ex-presidente vai sair no prejuízo se a taxação entrar em vigor. 

É o caso de São Paulo de Tarcísio de Freitas, do Republicanos, Minas Gerais de Romeu Zema, do Novo, e Goiás de Ronaldo Caiado, do União Brasil. Esses estados estão entre os principais produtores de café, carne bovina, açúcar, etanol e suco de laranja, que são vendidos regularmente aos EUA – e, portanto, pagarão uma taxa extra de 50%.

O café é um dos que mais deve sofrer com o tarifaço. Os EUA são o principal destino das exportações brasileiras – responderam por 16% das vendas em 2024 e 17% nos primeiros cinco meses de 2025, de acordo com dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil, o Cecafé. 

No Brasil, isso significa um impacto direto ao agro de Minas Gerais, governado por Zema. O estado é o maior produtor do país, com previsão de 26 milhões de toneladas em 2025, segundo a Companhia Nacional de Abastecimento, a Conab – o equivalente a 46,9% do total nacional.

Já a sanção à carne bovina afeta o agro de Goiás, comandado por Caiado. O estado foi o segundo maior produtor de carne do Brasil em 2024, com 1,26 milhões de toneladas, só atrás de Mato Grosso (2,24 milhões) e São Paulo (1,19 milhões). Além disso, conta com o quarto maior rebanho do país, conforme o IBGE: 17,93 milhões de cabeças de gado.

Os EUA foram o segundo maior destino da carne bovina brasileira em 2024, de acordo com dados da Associação Brasileira das Indústrias Exportadoras de Carne, a Abiec. O país governado por Trump representou 7,94% do volume comprado e 10,5% do faturamento em vendas externas do Brasil neste mercado.

O tarifaço do presidente estadunidense também impactará os setores de açúcar e etanol, nos quais São Paulo, governado por Tarcísio, é o maior expoente nacional. O estado é o maior produtor de cana-de-açúcar do país, e a previsão é colher 332,9 mil toneladas em 2025, projeta a Conab – o equivalente a 50,2% da produção nacional.

Neste mercado, os EUA representam pouco na exportação de açúcar: apenas 2,9% das vendas brasileiras, segundo a União da Indústria de Cana-de-Açúcar e Bioenergia, a Unica. Mas vale destacar que São Paulo foi responsável por 63,2% dos negócios de açúcar do país com o exterior.

No caso do etanol, o país norte-americano foi o segundo maior comprador do Brasil em 2024: importou 309,7 mil metros cúbicos – 16,41% do total vendido. Isso afeta diretamente o agro paulista, uma vez que SP foi responsável pela exportação de 83,8% do etanol nacional.

Outro efeito para o agro de São Paulo se dará na produção de suco de laranja. O estado governado por Tarcísio responde por 78% da produção de laranja no Brasil, de acordo com o IBGE, e tem os Estados Unidos como o segundo principal mercado, só atrás da União Europeia.

Segundo dados da Associação Nacional dos Exportadores de Sucos Cítricos, a Citrus BR, os EUA representaram 41,7% das exportações brasileiras de suco de laranja na safra 2024/25, que terminou em 30 de junho. Os negócios somaram US$ 1,31 bilhão.

De maneira geral, os Estados Unidos são o segundo principal parceiro comercial do Brasil tanto em importações quanto exportações, perdendo apenas para a China, de acordo com o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, o MDIC. 

Dados deste ano mostram que os Estados Unidos têm sido, em faturamento, o principal parceiro comercial nas exportações de São Paulo e o segundo maior de Minas Gerais e Goiás. 

Apesar dos impactos no agro e de Trump citar expressamente Bolsonaro como uma das razões do tarifaço, os três governadores resolveram culpar Lula pela taxação. Nas redes sociais, Tarcísio disse que o governo do petista agrediu os EUA e colocou sua “ideologia acima da economia”.

Caiado também afirmou que Lula atacou Trump e disse que o presidente “não representa o sentimento patriótico” do povo. Zema, por sua vez, afirmou que o tarifaço deve ficar na “conta do Lula, da Janja e do STF”.

<><> Aliada de Bolsonaro, Bancada Ruralista pede socorro a Lula

O anúncio da tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos aos produtos brasileiros, feito pelo presidente Donald Trump em carta enviada a Lula, causou mobilização e pedidos de socorro dos ruralistas ao governo brasileiro. 

Prevista para entrar em vigor a partir do dia 1º de agosto, a medida teve como uma das justificativas o julgamento de Bolsonaro pelo Supremo Tribunal Federal, o STF, que Trump classificou como “vergonha internacional”. O presidente dos EUA ainda creditou a nova alíquota a supostos “ataques insidiosos do Brasil contra eleições livres e à violação fundamental da liberdade de expressão dos americanos”. 

Eduardo Bolsonaro, deputado federal pelo PL de SP e “embaixador do bolsonarismo” nos EUA, saiu em defesa da medida de Trump, e apresentou como solução a “anistia” para os golpistas. “A carta do presidente dos Estados Unidos apenas confirma o sucesso na transmissão daquilo que viemos apresentando com seriedade e responsabilidade”, disse, em nota.

Logo depois do anúncio, porém, a Bancada Ruralista no Congresso, cujo nome oficial é Frente Parlamentar Agropecuária, a FPA, divulgou uma nota implorando o “equilíbrio das relações comerciais e políticas entre os dois países” e pedindo ao governo Lula uma resposta “firme e estratégica” à imposição da tarifa. Os parlamentares querem a diplomacia como caminho para abrir novas negociações entre os países. 

Vale lembrar, no entanto, que o próprio agronegócio está envolvido na tentativa de golpe que tornou Bolsonaro e seus aliados réus no STF. Em depoimento à Procuradoria-Geral da República, a PGR, o coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, afirmou ter recebido pelo menos R$ 100 mil em espécie do “pessoal do agro” para financiamento do plano, incluindo bancar dois meses de monitoramento de atividades de autoridades que eram alvo dos golpistas – com a participação de seis agentes especiais da ativa do Exército.

Oficialmente, a Bancada Ruralista é formada por 340 deputados e senadores no Congresso. A frente parlamentar é aliada de Bolsonaro desde pelo menos 2018, quando aderiram formalmente à candidatura do ex-presidente. 

A atual vice-presidente da FPA no Senado, a senadora Tereza Cristina, do PP do Mato Grosso do Sul, foi ministra da Agricultura e Pecuária no governo Bolsonaro. O plano de golpe de estado, inclusive, previa sua volta ao cargo. Outro integrante da FPA é citado no inquérito da Polícia Federal, a PF, que investigou a tentativa de golpe: o deputado Zé Trovão, do PL de Santa Catarina, indiciado no fim do ano passado.

A FPA é financiada pelo Instituto Pensar Agro, o IPA, que, segundo reportagem do De Olho nos Ruralistas, conta com investimento de multinacionais como Bayer, Basf, BRF, JBS, Bunge, Syngenta e Cargill. Os integrantes da Bancada Ruralista foram responsáveis por 49,6% dos votos que levaram ao impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, em 2016.

Além de ter muitos membros endossando ataques contra a democracia brasileira, a FPA tem vários integrantes entusiastas do trumpismo. O atual presidente da FPA, o deputado federal Pedro Lupion, do PP do Paraná, chegou a publicar um post no X, em novembro de 2024, celebrando a vitória e retorno de Trump à presidência nos Estados Unidos. Ele também afirmou na época, em sua conta no Instagram, que a eleição de Trump era “um marco na renovação dos valores e princípios que fundam a democracia americana”. 

Lupion é conhecido por defender a anistia de Jair Bolsonaro. Em 2022, a maioria dos doadores individuais da campanha de reeleição do ex-presidente de extrema direita tinham vínculos com o agronegócio, como mostrou reportagem da Reuters

Confederações do agro e da indústria criticam decisão de Trump

Quem também se posicionou a respeito da tarifa imposta por Trump foi a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, a CNA, entidade presidida pelo pecuarista João Martins, que defendeu a reeleição de Bolsonaro em 2022.

Para a CNA, que também pediu diálogo e diplomacia, “a economia e o comércio não podem ser injustamente afetados por questões de natureza política”. A Confederação Nacional da Indústria, a CNI, adotou o mesmo tom e afirmou em nota estar preocupada e surpresa com a decisão de Trump. 

“Os impactos dessas tarifas podem ser graves para a nossa indústria, que é muito interligada ao sistema produtivo americano”, afirmou Ricardo Alban, presidente da CNI, em texto divulgado pela entidade. A CNI estimou que cerca de 10 mil empresas da indústria brasileiras serão afetadas pela nova alíquota.

¨      A reação do agronegócio, amigo de Bolsonaro, às tarifas de Trump

O Brasil deve ter uma "resposta firme e estratégica" à decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor taxa de 50% sobre as exportações brasileiras, na avaliação da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA).

"É momento de cautela, diplomacia afiada e presença ativa do Brasil na mesa de negociações", diz a nota da bancada ruralista. "A diplomacia é o caminho mais estratégico para a retomada das tratativas."

Presidida pelo deputado Pedro Lupion (PP-PR), a FPA disse que a medida de Trump "representa um alerta ao equilíbrio das relações comerciais e políticas entre os dois países" e que "produz reflexos diretos e atingem o agronegócio nacional, com impactos no câmbio, no consequente aumento do custo de insumos importados e na competitividade das exportações brasileiras".

Lupion, que tem no currículo ter defendido a anistia do ex-presidente Jair Bolsonaro, repostou em suas redes sociais uma mensagem do governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), publicada na noite de quarta-feira (9/7).

"Não adianta se esconder atrás do Bolsonaro. A responsabilidade é de quem governa. Narrativas não resolverão o problema", diz a mensagem de Tarcísio publicada pelo líder da bancada ruralista.

A Confederação Nacional da Agricultura (CNA) disse que a "medida unilateral não se justifica pelo histórico das relações comerciais entre os dois países, que sempre se desenvolveram em clima de cooperação e de equilíbrio, em estrita conformidade com os melhores princípios do livre comércio internacional".

<><> 'Natureza política'

Em nota divulgada nesta quinta-feira (10/7), a CNA destacou ainda que "medidas desta natureza prejudicam as economias dos dois países, causando danos a empresas e consumidores" e disse que "economia e o comércio não podem ser injustamente afetados por questões de natureza política".

"Qualquer análise das relações entre os Estados Unidos e o Brasil, seja no campo no comércio ou dos investimentos, terá sempre que concluir que essas relações sempre serviram aos interesses dos dois países, não havendo nelas qualquer desequilíbrio injusto ou indesejável."

Diz, ainda, que os produtores rurais brasileiros consideram que "essas questões só podem ser resolvidas em benefício comum por meio do diálogo incessante e sem condições entre os governos e seus setores privados".

"Nossa esperança é que os canais diplomáticos sejam intensamente acionados para que a razão e o pragmatismo se imponham para benefício de todos, pois este é o único caminho que serve ao entendimento e à prosperidade."

A CNA é presidida por João Martins, que defendeu a reeleição de Jair Bolsonaro em 2022. Em outubro daquele ano, num evento que contava com a presença de Bolsonaro e do candidato a vice, Walter Braga Neto, Martins disse a uma plateia de ruralistas que não havia espaço no Brasil para "o retorno de um candidato que foi processado e preso como ladrão".

<><> O anúncio de Trump

Foi por meio de uma carta que Trump anunciou que as exportações brasileiras sofrerão uma taxação adicional de 50% a partir do dia 1º de agosto.

Em tom duro, a carta diz que a decisão é uma resposta à perseguição que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) estaria sofrendo no Brasil, devido ao processo criminal que enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de liderar uma tentativa de golpe de Estado.

Além disso, Trump também justifica o aumento de tarifa argumentando que o Brasil adota barreiras comerciais (tarifárias e não tarifárias) elevadas contra os EUA, o que estaria desequilibrando o comércio entre os dois países.

O governo brasileiro refuta essa argumentação, já que a balança comercial tem sido favorável aos Estados Unidos. O lado americano acumulou saldo positivo de US$ 43 bilhões nos últimos dez anos, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços.

Os EUA são o segundo maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China.

De acordo com dados da Câmara Americana de Comércio para o Brasil (Amcham), os produtos brasileiros que tiveram maior aumento nas exportações aos EUA em 2025 foram carne bovina (alta de 196%), sucos de frutas (96,2%) e café (42,1%).

Entre os produtos mais exportados aos EUA de maneira geral, segundo a Agência Brasil, estão o açúcar, o café, o suco de laranja e a carne.

Na carta, Trump ameaça elevar ainda mais a tarifa sobre produtos brasileiros, se o país responder como uma tributação maior sobre importações americanas.

"Se por qualquer motivo você decidir aumentar suas tarifas, então qualquer que seja o número que você escolher para aumentá-las, ele será adicionado aos 50% que cobramos", diz a carta a Lula.

No início da noite de quarta, o presidente brasileiro se manifestou dizendo que o Brasil é um país soberano com instituições independentes e "que não aceitará ser tutelado por ninguém".

"O processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições nacionais", disse Lula nas redes sociais.

Lula afirmou ainda que qualquer medida de elevação de tarifas de forma unilateral será respondida de acordo com a Lei de Reciprocidade Econômica, lei em vigor desde abril que autoriza o governo a retaliar países ou blocos que imponham barreiras comerciais a produtos brasileiros.

Nesta reportagem, a BBC News Brasil mostra como a decisão de Trump de taxar Brasil em apoio a Bolsonaro pode beneficiar Lula.

Especialistas em política internacional e brasileira lembram que interferências externas em assuntos domésticos costumam fortalecer sentimentos nacionalistas.

Por outro lado, alguns ponderam que a forte polarização política do país pode limitar esse efeito junto a apoiadores mais fiéis ao bolsonarismo.

•        Balança comercial: o que o Brasil vende e compra dos EUA?

Para o Brasil, os Estados Unidos  são o segundo maior parceiro comercial, segundo o Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços (MDIC). Já para os Estados Unidos, o Brasil é apenas o 15º na lista de parceiros comerciais, conforme o órgão de estatísticas americano, o US Census Bureau.

Os Estados Unidos são tanto o segundo país de quem o Brasil mais compra como o segundo para quem mais vende. Só a China é um parceiro comercial mais importante.

Já a importância do Brasil para os EUA é assimétrica: o Brasil é muito mais importante como mercado para vender produtos (nono maior comprador de bens americanos) do que como origem de bens (18º lugar entre os que vendem para os EUA), segundo os dados de 2024 do US Census Bureau.

Assim, os Estados Unidos costumam ter superávit na sua relação comercial com o Brasil, e isso já há vários anos. As informações disponíveis no site do MDIC mostram quem, de 1997 até 2025 (período para o qual há dados disponíveis), os Estados Unidos venderam mais do que compraram num total de quase 50 bilhões de dólares.

Desde 2009, a balança comercial é favorável aos Estados Unidos. De lá para cá, o superávit americano é de 90,3 bilhões de dólares.

<><> O que se negocia entre EUA e Brasil

Segundo o Ministério do Desenvolvimento, em 2024, o Brasil vendeu para os Estados Unidos principalmente petróleo bruto, ferro ou aço semimanufaturado, café em grão, pastas químicas de madeira (usadas na indústria, por exemplo para fabricar papel) e aviões e outros veículos aéreos. Carnes bovinas e suco de laranja também estão entre os produtos brasileiros vendidos aos EUA. O Brasil é o maior exportador de suco de laranja do mundo.

Já os principais itens que os Estados Unidos venderam para o Brasil, segundo a lista do MDIC de 2024, são componentes para a fabricação de aviões (partes de turborreatores ou de turbopropulsores, bem como turborreatores de empuxo superior a 25 kN), gás natural liquefeito e petróleo bruto. Óleo diesel, naftas para petroquímica (líquido derivado do petróleo usado nessa indústria) e carvão betuminoso também se destacam na lista.

<><> Produtos de alta concentração

Em maio, uma análise da consultoria Nexus Pesquisa e Inteligência de Dados mostrou que, dos dez produtos mais importados pelo Brasil, cinco vêm dos Estados Unidos, com destaque para os turborreatores usados em aeronaves.

É dos Estados Unidos que vieram 85% dos turborreatores de empuxo superior a 25 Kn e 66% de partes das turborreatores ou de turbopropulsores usados na construção de aeronaves. O país também foi fonte de 54,5% das naftas para petroquímica, de acordo com o levantamento.

Essa situação de alta concentração em poucos fornecedores sugere que a imposição de tarifas de importação pelo Brasil, como ameaçado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva em retaliação a um novo tarifaço anunciado pelo presidente Donald Trump, teria um significativo impacto na balança comercial entre os dois países, concluiu a Nexus.

 

Fonte: The Intercept/BBC News Brasil/DW Brasil

 

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