Pirataria
e revolução: como a falsificação de livros ajudou na Queda da Bastilha
A Queda
da Bastilha, ocorrida em 4 de julho de 1789, é o marco da Revolução Francesa,
que, para Hannah Arendt, famosa teórica do totalitarismo, foi a parteira da
Revolução de Outubro de 1917. Os marcos principais da revolução que colocou a
burguesia como classe dominante na França são bem conhecidos, assim como seus
desdobramentos, as lutas internas travadas pelos jacobinos, e seu fim trágico a
partir do golpe napoleônico. O que pouco se fala é sobre quais e como as ideias
influenciaram esse acontecimento. O velho Marx dizia que “cada passo do
movimento real é mais importante do que uma dezena de programas”, e o movimento
real na França absolutista já estava dado. Porém, Marx nunca deixou de
considerar as ideias como fatores determinantes no movimento, como demonstra em
seu clássico A Ideologia Alemã. Em muitos aspectos, as ideias podem ser a
fagulha que faz andar o real que ainda não está em movimento. Se, para Mano
Brown, “sua palavra vale um tiro”, então é certo que as ideias ocupam papel
central na práxis da vida e do movimento político. É nesse sentido que podemos
entender como o iluminismo – ainda que não fosse homogêneo –, enquanto
filosofia, teve um caráter fundamental para os acontecimentos que pariram a
Revolução Francesa. O que torna essa questão ainda mais interessante é o papel
que a pirataria de livros cumpriu nesse momento histórico.
Numa
França dominada por Luís XVI e seu poder quase onipresente, ideias como
liberdade, progresso, razão e anticlericalismo eram uma blasfêmia contra Luís,
o Último – nome pelo qual os revolucionários o chamavam após guilhotinarem o
então último rei da França. A censura de livros e materiais iluministas era
pesada, e os revolucionários e burgueses em geral precisavam que essas ideias
se espalhassem pelo reino. Autores como Jean-Jacques Rousseau e Voltaire, ambos
franceses, eram silenciados pelas restrições que a legislação vigente impunha
às publicações no interior do reino. A chamada Guilda de Paris, uma espécie de
associação de editores, era o órgão responsável por censurar obras que
questionassem o absolutismo, tendo certo monopólio das produções e da circulação
de obras, o que atrapalhava outros livreiros – tanto no aspecto econômico,
pelos preços praticados pela Guilda, mas, também num plano político. Esse foi o
estopim para que círculos burgueses, pequeno-burgueses e artesãos se
articularem, junto desses livreiros, para iniciar um processo de falsificação
em massa de livros iluministas. Numa rede que interligava tipografias,
livrarias e falsificadores de diversas partes do reino, esse processo de
pirataria em escala se tornou um grande negócio. Pelo baixo custo de produção,
devido ao material utilizado, e claro, sem o pagamento dos direitos autorais –
noção que nem existia na época –, a proliferação desses livros gerou grandes
lucros, alcançou milhares de pessoas, e espalhou os ideais políticos que, junto
das armas e da organização de burgueses, artesãos e das massas francesas, deram
fim ao Ancien Régime.
Essa
grande história é contada pelo historiador Robert Darnton, que, juntando farto
material da época, conseguiu mapear toda essa rede de produção e as causas do
seu surgimento. Retratando o dia-a-dia no reino, a censura, e os trabalhos de
pirataria, como o da Société Typographique de Neuchâtel (Sociedade Tipográfica
de Neuchâtel), Darnton faz um trabalho magistral, destacando a atuação desses
piratas e como eles foram determinantes para que a revolução triunfasse.
A
partir da obra de Robert, é possível repensar a questão da pirataria e dos
direitos autorais nos dias atuais. Com a criação de mais e mais sites de
streaming – que impactam, por exemplo, no acesso aos esportes e aos filmes –,
uma resposta tem sido dada por perfis na internet especializados em
disponibilizar obras de forma gratuita, além da famosa IPTV, que ocupa cada vez
mais os lares brasileiros, ou mesmo a Hydra, plataforma conhecida como a “Steam
Verde”, que disponibiliza uma infinidade de jogos famosos de forma gratuita.
Se, pelo lado do direito, o acesso à cultura por meio da pirataria é crime,
devemos olhar de forma mais profunda sobre como a era da internet e do
streaming, aliadas às condições econômicas e sociais, têm afetado as emissoras
e os telespectadores – termo genérico para falar sobre pessoas e suas
necessidades –, diminuindo o acesso gratuito ao jornalismo, à televisão, ao
rádio, à música, e outras formas de cultura. Com o preço do livro no Brasil
chegando à R$ 55,00, o que representa quase 4% do salário mínimo – além da
falta de apoio à população acessar e consumir livros –, é fácil entender como
sites diversos são uma grande fonte de acesso aos livros lançados pela imensa
maioria das editoras do país, mesmo as independentes, que, por não conseguirem
competir com conglomerados como a Amazon, praticam preços ainda mais altos, o
que só deixa restar, para a maioria da população, o acesso de forma ilegal e
digital às obras.
Pensando
na revolução brasileira e nas ideias que vão nortea-la, o livro de Robert
Darnton é um ótimo ponto de partida para entender como os livros e a pirataria
podem mover o real.
Pirataria
e publicação – o comércio de livros na era do Iluminismo
Lançamento:
2021
Autor:
Robert Darnton
Editora:
Unesp
Páginas:
540
Fonte:
Por Marco Aurélio, em Opera Mundi

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