Um
sistema econômico que precisa excluir os idosos é fracassado e imoral
Para os
aposentados, Auschwitz? Este era o título do artigo que publiquei em nosso
Jornal da USP em fevereiro de 2003. Considerações suscitadas por uma publicação
do Financial Times, cujo autor pondera que, com 90% dos custos de saúde para o
indivíduo médio nos países industrializados se dando nos últimos seis meses de
vida, o debate sobre a eutanásia adquire uma dimensão econômica crescente e
terrível.
Na
nossa sociedade, afirma ele, o suicídio poderá parecer um caminho lógico para
as pessoas protegerem seus dependentes (não gastando suas economias). Corro o
risco de ser repetitivo, pois os ataques à aposentadoria continuam – e
continuam com as mesmas alegações no decorrer de décadas. Recentemente, em
diário de grande circulação, dois empresários de “sucesso” expressaram seus
receios de um aumento real no salário mínimo com consequente aumento das
aposentadorias e pensões. Outra autoridade de brilhante passado em governo
liberal lançou ideia de, simplesmente, congelar as aposentadorias por alguns
anos. O afligimento dos economistas liberais com a Previdência oficial, com
propostas que beiram a insanidade, vem ecoado diariamente na imprensa também
liberal de forma direta ou embutido em temor em face da “alarmante escalada do
déficit da Previdência”.
Entre
as soluções generosamente propostas:
“1) uma
nova reforma da Previdência, para aumentar a idade de aposentadoria, eliminar a
diferença de idade entre mulheres e homens e entre os regimes rural e urbano;
2) desvincular o salário mínimo do cálculo de benefícios previdenciários e
assistenciais; […]” (“O Brasil está preparado para a crise que vem aí”, de
Maílson da Nóbrega e João Pedro Leme, em “O Estado de S. Paulo”, 13/05/2025).
Economistas
que concluam ou opinem do contrário perderam espaço na mídia liberal, cuja
“liberdade de expressão” é severamente limitada pelos interesses dos
anunciantes e de seus donos.
Há uma
verdadeira prestidigitação contábil para tirar da cartola as provas do déficit
da Previdência com seus malefícios para a economia. Paralelamente, se promove a
tal da “previdência” complementar (também denominada privada), aberta, mediante
a “capitalização”, um programa de contribuições acumuladas individualmente em
contas pessoais, investidas para gerar rendimentos.
A
“capitalização” possibilitaria “ao trabalhador acumular recursos financeiros
para receber uma renda extra na aposentadoria”. Essa renda, porém, não é uma
aposentadoria, como querem fazer parecer aos incautos, mas um misto de poupança
e aplicações, e envolve risco. Risco de aplicações que dão prejuízo, risco de
fraude, risco de falência da instituição e o risco inerente às incertezas do
“longo prazo”. “Planejamentos a longo prazo” – adverte-nos Max Gunther em seu
livro Os axiomas de Zurique – “geram a perigosa crença de que o futuro está sob
controle”, mas “[…] É importante jamais levar muito a sério os planos a longo
prazo, nem os de quem quer que seja”.
Apenas
o Estado pode-nos oferecer garantia. Além disso, enquanto a aposentadoria
oficial vai até a fim da vida, a “renda extra” da previdência privada é
limitada pela contribuição-poupança feita pelo trabalhador, que limita seu
consumo e bem-estar, para poder contribuir à “previdência” privada.
Grande
parte da previdência privada aberta é gerida por instituições de agiotagem
(agiota é o qualificativo que melhor descreve quem paga geralmente menos de 12%
ao ano pelo dinheiro aplicado e cobra em redor de 400% ao ano pelo emprestado),
mas existem instituições de previdência privada fechada, popularmente
conhecidas como fundos de pensão, que podem parecer uma opção melhor.
Esses
fundos são entidades sem fins lucrativos e se organizam sob a forma de fundação
ou sociedade civil constituídas exclusivamente para empregados de uma empresa
ou grupo de empresas, ou aos servidores públicos da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos municípios, e para associados ou membros de pessoas
jurídicas de caráter profissional, classista ou setorial.
Contudo,
servem de alerta os eventos envolvendo duas organizações poderosas desse tipo,
o fundo de pensão Postalis, dos funcionários dos Correios, e o Petros, dos
funcionários da Petrobras. Má gestão, eventuais interferências do governo,
possivelmente fraudes, causaram-lhes bilhões de prejuízos. Prejuízos que oneram
os segurados com o aumento da contribuição mensal ou diminuição do benefício
planejado.
Os dois
fundos não são os únicos a apresentar problemas. Exame do Tribunal de Contas da
União (TCU), envolvendo 31 entidades fechadas de previdência complementar,
revelou que metade delas apresenta extremos riscos de integridade decorrente da
“baixa maturidade” dessas instituições no que diz respeito aos mecanismos de
controle. A eventual materialização desses riscos pode resultar em “grande
impacto e repercussões negativas em todo o sistema de previdência
complementar”. Trata-se de ameaça inaceitável para o aposentado. É fácil
concluir, portanto, que a Previdência, a aposentadoria, são assuntos
importantes demais para serem deixados a cargo da cobiça privada ou
governamental, devendo se manter sob a responsabilidade do Estado.
A
“preocupação” dos que se batem por mais uma etapa no aniquilamento da
Previdência Social é a “sustentabilidade financeira”. Como a Previdência
oficial brasileira funciona no sistema de repartição, isto é, quem está
trabalhando paga a aposentadoria de quem é aposentado, com o envelhecimento da
população surge um déficit, pois aumenta o número de aposentados enquanto
diminui o número de contribuintes. Esse déficit tem que ser coberto pelo
governo, consequentemente sobraria menos verba para outras áreas como a
infraestrutura, o que contribui para a aflição do “mercado”. Entenda-se, não
para o mercado real de oferta e demanda de produtos e de serviços, mas para o
“mercado” financeiro, nome de salão do frenético cassino financeiro, que busca
ganhos a curto prazo se não instantâneos.
Evidentemente,
a argumentação é elaborada para disfarçar que nos interesses desse “mercado” a
“mão invisível que harmoniza tudo” cede lugar ao nervoso tamborilar num teclado
e o ”investidor” pode mudar de posição em questão de pouquíssimo tempo. O
adepto do capitalismo, liberalismo ou neoliberalismo – seja lá a designação que
preferirem –, odiador de intervenções do Estado, de repente se lembra de que o
dinheiro do Estado é útil para a construção da infraestrutura do País (para
posterior privatização, obviamente), para socorrer as instituições do tipo “too
big to fail”, para subvencionar áreas privilegiadas. E o “déficit” da
Previdência oficial atrapalha tudo isso.
Desde a
Constituição de 1988, a Previdência Social brasileira sofreu sete reformas.
Reformas que propõem, de um lado, a limitação dos benefícios e, de outro, uma
idade cada vez maior para o trabalhador poder usufruir da aposentadoria.
As
propostas simplistas que se concentram no “crescimento” – não do País, como
seus autores afirmam, mas dos lucros do capitalista – omitem-se em questões
sociais importantes que ameaçam não só a classe assalariada ativa ou
aposentada, mas o próprio capitalista ou liberal.
De um
lado, devemos considerar a dificuldade de um trabalhador conseguir um emprego a
partir dos seus, aproximadamente, cinquenta anos. Como estender a idade mínima
para a aposentadoria sem garantir o emprego até tal idade? Uma exigência que
não depende do segurado. Se, porém, o “idoso” conseguir emprego, um jovem terá
oportunidade a menos. Consequentemente, ao ver seu pai recebendo uma
aposentadoria miserável – nesta época de descrédito das ideologias, em que o
crime organizado adquire cada vez maior participação na política e alguns
grupos políticos vão cada vez mais se assemelhando a organizações criminosas –,
o jovem sucumbe mais facilmente ao crime, que lhe promete inseri-lo na
sociedade de consumo em questão de meses ou mesmo semanas.
Por
outro lado, não é preciso ser especialista ou ter pós-graduação em universidade
americana para entender que, perante suas perspectivas limitadas no tempo, o
aposentado tende a reciclar seus ganhos em consumo e em lazer, alimentando a
indústria de bens de consumo e o turismo. O aposentado contribui para a geração
de lucro, empregos e impostos. Se o número de beneficiários aumenta, aumenta
também a importância deles para a economia. Não pode ser diferente numa
sociedade de consumo, e economia em que se produz para o consumo. Dito de outra
maneira, a expressão “gastos previdenciários” – de presença tão insistente na
mídia que nos evoca Goebbels – pode ser substituída por “investimentos
previdenciários”, visto que o dinheiro do aposentado circula de imediato
gerando empregos, impostos e lucros.
Um
sistema econômico que substitui a análise crítica, as considerações morais e a
responsabilidade social pelo desejo de acumular lucros a qualquer custo e cuja
sobrevivência necessite o suicídio de aposentados, a exclusão de idosos, é um
sistema fracassado, insustentável, imoral.
Reflitamos
sobre tudo isso, pois só não se aposenta quem não envelhece, e só não envelhece
quem morre jovem.
• Haddad desabotoou o terno e defende às
claras o lado dos pobres. Por Denise Assis
Aqui,
abaixo do Equador, onde a escravidão perdurou muito mais do que em qualquer
outro lugar do mundo – fomos o último país a aboli-la -, nos acostumamos aos
mandos e desmandos dos senhores de engenho. A usar e abusar das negras e a
açoitar os negros até lanhar as suas costas como um bife na tábua de carne.
Fomos nos desenvolvendo com uma elite que despreza o povo e não renuncia aos
privilégios. Lugar comum? Sim. Porque é comum não olhar para baixo, a não ser
para gritar, dar ordens, subjugar. É esse o perfil dessa “gente fina” que rosna
contra qualquer possibilidade de consentir em pagar uma fatia mínima que seja,
de imposto, porque é apenas deles, é o reino dos privilégios, das compras de
grife e das viagens luxuosas.
É
chegada a hora do enfrentamento, do discurso correto, de dizer à população por
que e para quem vão os impostos. É chegada a hora de explicitar para a turma da
base da pirâmide, como funciona o sistema financeiro. É chegada a hora de abrir
essa discussão com a parcela miserável, que apenas compra como pode, gasta o
que não tem e dorme apenas para acordar no dia seguinte e agradecer por ter
emprego, ainda que o salário não dê para cobrir toda a despesa do mês.
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O que
estamos assistindo é a um presidente e um ministro da Fazenda esclarecendo com
todas as letras porque a distância entre o pico da pirâmide e a base espremida
em suas dificuldades é tão larga. Nunca, antes, na história desse país se
discutiu às claras com a população, os motivos pelos quais o leão do Imposto de
Renda morde com toda a vontade a classe média, enquanto os milionários deslizam
mar adentro com os seus iates, sem pagar um tostão de imposto por eles.
No
país, 49% da população não tem saneamento básico, mas há jatinhos isentos de IR
cruzando o céu de norte a sul a todo momento. E ai de quem avente a hipótese de
tirar dos seus lucros um tostão sequer. Eles não coram, não perdem o sono, não
perdem a fome e ignoram essa realidade, que se revelada a eles pode
provocar-lhes engulhos. Melhor não.
Estamos
sendo assaltados, hoje (25/06), no Congresso - onde o presidente da Câmara, por
pura pirraça e vingança, por não ter atendidos os seus pedidos de liberação de
nacos do orçamento que garantam o seu futuro político e aos de sua casta -,
coloca abaixo o projeto de diminuir ainda que seja de maneira ínfima, a
desigualdade, a distância entre ricos se pobres. Estão achando cantochão esse
texto? Vulgar? Pois que achem.
Estou
com o estômago doendo de indignação e não vou deixar de externar esse
sentimento ainda que seja dessa maneira alinhavada, sem requinte, sem citações
de grandes teóricos, porque o que está me importando nesse momento é dizer
dessa forma, em jorros, o que está me causando essa dor.
Chega
de ler sobre a desigualdade. A realidade que grita na minha frente, sob a forma
do penteado gomalinado do presidente da Câmara, Hugo Motta, é que não! Mil
vezes não! Eu não vou me importar em alinhar o meu texto, quando desalinhados
estão os meus sentimentos, vendo se desenrolar esse teatro do absurdo, onde
senhores de ternos bem cortados, dos vários segmentos dos endinheirados, descem
dos aviões em Brasília, para colocar o pé na porta do Congresso aos berros de:
daqui vocês não passam! Não pagaremos um tostão para sustentar pobres no Bolsa
Família! Não pagaremos a conta dos aposentados, com salários atrelados a
aumentos maiores que a inflação! Não sustentaremos os portadores de
comorbidades sob a forma de BPC! Não queremos que os pobres sobrevivam! Eles
estão nos custando caro demais!
São
banqueiros, em defesa dos seus títulos e rendimentos; são empresários do ramo
das fintechs, são barões da grande mídia! Todos com isenções gordas nas suas
contas mensais, que custam 800 bilhões aos cofres públicos! Quem perdoa dívida
de pobre??? Quem desce da cobertura para ver o que tem nas panelas do cômodo
onde se espreme o porteiro e a sua família?
O
ministro Fernando Haddad, vê-se em seu rosto, tomou um banho de realidade,
assistindo a guerra dos ricos nos bastidores dessa luta desigual. Seu discurso
mudou. Sua postura mudou. Para melhor. De cara para essa podridão, Haddad agora
desabotoou o terno e defende às claras o lado dos pobres.
O
presidente Lula o defende e enfrenta os esperneios, se dizendo cansado de ouvir
empresários reclamarem da carga tributária no país, mas não tratarem das
isenções que o governo concede aos setores. Segundo Lula, os empresários
reclamam do patamar dos impostos, mas ficam "olhando pro dinheiro da
educação para gente cortar". "Não é possível. Não vai dar
certo", lançou na cara de todos.
No
mesmo tom, o que tem usado nos últimos tempos, convencido de que é preciso
parar com o desatino, o ministro Haddad replica: “O decreto do IOF corrige uma
injustiça: combate a evasão de impostos dos mais ricos para equilibrar as
contas públicas e garantir os direitos sociais dos trabalhadores”.
Os
ricos, parecem dizer: “Eles que lutem”! Mas, caros senhores, até para lutar é
preciso ter o estômago cheio. Não transformem o nosso país, tão rico, em uma
zona de apartheid social. Somos fortes e há espaço para todos. O mínimo de
consciência não faria mal nenhum a vocês. Cínicos, transvertem o discurso,
apontando o dedo para Lula, a quem acusam de gastar demais! Revelem a real!!!
Expliquem aos miseráveis que eles não arcarão com um tostão a mais de impostos!
Que o que está sendo tirado é do bolso de vocês, recheados do lucro isento do
imposto que agora lhes será cobrado, sim!!!
Fiquem
tranquilos. Eles, os pobres, não invadirão os seus shoppings e suas lojas
reluzentes. A fartura da nossa gente é processada em alegria ao ar livre, nos
encontros regados a cerveja, música e abraços. Permitam. Rumem seus jatos para
os destinos luxuosos. Deixem aqui nossa gente fechar as contas do mês.
Fonte:
Por Tibor Rabóczkay, no Jornal da USP/Brasil 247

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