Como
os EUA ajudaram a criar o programa nuclear do Irã há mais de meio século
Tem
sido uma preocupação central na agenda geopolítica global nas últimas duas
décadas.
O programa nuclear do Irã tem sido uma
das questões que mais exigem esforços diplomáticos desde que a Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA) descobriu, em 2003, que Teerã vinha
desenvolvendo um programa secreto há 18 anos, incluindo a existência de
diversas usinas nucleares de grande porte e sofisticadas. Essa revelação, que
implicava uma violação das obrigações do Irã como signatário do Tratado de Não
Proliferação de Armas Nucleares, imediatamente acionou a máquina diplomática
global, que rapidamente emitiu condenações, sanções e outras medidas de pressão
envolvendo não apenas potências ocidentais, mas também Rússia e China,
parceiros tradicionais de Teerã. Embora o governo do então presidente Mohamed
Khatami alegasse que as atividades nucleares tinham fins pacíficos, os Estados
Unidos interpretaram essas descobertas como a confirmação de suas suspeitas de
que Teerã buscava adquirir armas nucleares.
O
programa nuclear iraniano tem sido uma questão central durante os mandatos de
George W. Bush, Barack Obama, Donald Trump e Joe Biden. Com abordagens muito
distintas, todos esses ex-presidentes buscaram deter o programa por medo de que
o Irã desenvolvesse armas nucleares, uma possibilidade que alteraria o
equilíbrio de poder no Oriente Médio e, segundo muitos especialistas, poderia
incentivar a proliferação na região. Bush incluiu o Irã em seu famoso discurso
sobre o chamado "eixo do mal" em 2002 e, posteriormente, pressionou
pela adoção de um regime abrangente de sanções internacionais contra o Irã. Obama
passou dois anos de sua presidência negociando com Teerã — juntamente com os
governos do Reino Unido, França, Rússia, China e Alemanha — o Plano de Ação
Integral Conjunto (JCPOA, nas siglas em inglês), assinado em 2015, que permitiu
limites e supervisão internacional do programa nuclear iraniano em troca do
levantamento das sanções contra Teerã.
Durante
seu primeiro governo, Donald Trump retirou os EUA deste acordo e impôs novas
sanções unilaterais. Em resposta, Teerã passou a ignorar as limitações impostas
pelo JCPOA, acelerando sua taxa de enriquecimento de urânio para 60%, bem
abaixo dos 4,5% normalmente necessários para gerar eletricidade e muito mais
próximo dos 90% necessários para fabricar uma bomba. Após o presidente
democrata Joe Biden tentar, sem sucesso, reativar o JCPOA, Trump, agora em seu
segundo mandato, adotou uma postura mais drástica.
Na
semana passada, os EUA se juntaram à campanha militar de Israel contra o
programa nuclear iraniano e bombardearam usinas nucleares iranianas, com o
objetivo de torná-las inoperantes. No momento da redação deste texto, não está
claro se esse objetivo foi alcançado, visto que avaliações independentes dos
danos causados pelos ataques não
estão disponíveis. Paradoxalmente,
todas essas dores de cabeça tiveram suas origens em Washington, já que o
programa nuclear iraniano foi lançado graças a uma iniciativa americana na
década de 1950.
Tudo
começou com um discurso do presidente Dwight Eisenhower.
·
"Átomos para a Paz"
Em 8 de
dezembro de 1953, perante a Assembleia Geral da ONU, Eisenhower falou sobre a
ameaça representada pela tecnologia nuclear usada para fins militares, que
havia deixado de ser monopólio dos EUA por vários anos, e os riscos de
proliferação à medida que mais países aprendessem a produzir bombas atômicas. O
presidente afirmou que era necessário ir além da busca pela redução dessa
ameaça e sugeriu colocar essa tecnologia a serviço da humanidade. "Não
basta tirar essa arma dos soldados. Devemos colocá-la nas mãos daqueles que
sabem como despojá-la de seu revestimento militar e adaptá-la às artes da
paz", disse ele.
Em
seguida, propôs a criação de uma agência de energia atômica, sob a égide da
ONU, encarregada de projetar maneiras para que o material nuclear "serve
aos propósitos pacíficos da humanidade" e para que a energia atômica fosse
aplicada a diversas necessidades em áreas como medicina e agricultura. "Um
objetivo especial seria fornecer eletricidade abundante às regiões do mundo com
escassez de energia", observou. A ideia era que potências capazes de
produzir material nuclear o forneceriam à agência da ONU, que o manteria seguro
e o colocaria nas mãos de pesquisadores que investigariam os usos pacíficos
dessa energia.
O
discurso de Eisenhower lançou as sementes para a criação da Agência
Internacional de Energia Atômica (AIEA), mas também daria origem a uma
iniciativa conhecida como Átomos para a Paz. Por meio dela, os Estados Unidos
forneceriam educação e tecnologia aos países em desenvolvimento para
auxiliá-los no uso pacífico da energia atômica.
·
Tirando o gênio nuclear da lâmpada
Menos
de um ano após o discurso da ONU, os Estados Unidos alteraram a Lei de Energia
Atômica para permitir a exportação de tecnologia e materiais nucleares para
outros países, desde que eles concordassem em não usar para o desenvolvimento
de armas.
Em
março de 1955, o governo Eisenhower deu um passo adiante e autorizou a Comissão
de Energia Atômica dos EUA a fornecer aos estados do "mundo livre"
quantidades limitadas de material físsil, bem como assistência na construção de
reatores nucleares. "Essas exportações visavam manter a liderança global
dos EUA, reduzir a influência soviética e garantir o acesso a suprimentos
estrangeiros de urânio e tório", escreveu Peter R. Lavoy, ex-diretor de
Política de Contraproliferação do Pentágono, em um artigo publicado pela
Associação de Controle de Armas. A Índia foi o primeiro país a receber
assistência nuclear de Washington. Outros beneficiários incluíram África do
Sul, Israel, Turquia, Paquistão, Portugal, Grécia, Espanha, Argentina, Brasil e
Irã.
·
Um reator para Teerã
Em 5 de
março de 1957, os Estados Unidos assinaram um acordo de cooperação com o Irã,
então governado pelo Xá Mohamed Reza Pahlavi, para o uso civil da energia
atômica. Esse acordo, sob a égide da iniciativa Átomos pela Paz, lançou as
bases para o lançamento do programa nuclear iraniano.
Para
Washington, o Irã representava um atrativo adicional no contexto da Guerra
Fria. "De acordo com documentos arquivados [da época], um Irã não alinhado
era visto como a pedra angular de uma estratégia de dissuasão contra a União
Soviética, e os Átomos pela Paz serviriam para solidificar a lealdade do Irã ao
Ocidente", observou Jonah Glick-Unterman em uma análise de 2018 publicada
pelo Wilson Center, um think tank sediado em Washington.
Em
1967, os Estados Unidos forneceram a Teerã um reator de pesquisa nuclear de 5
megawatts, bem como uma certa quantidade de urânio altamente enriquecido para
operá-lo.
Três
anos depois, o Irã ratificou o Tratado de Não Proliferação Nuclear, que se
comprometia a não buscar possuir ou desenvolver armas nucleares.
Esse
objetivo, no entanto, não havia sido completamente abandonado pelo Xá.
"Na
época, o Xá tinha a ideia de que, se o Irã fosse forte o suficiente e pudesse
defender nossos interesses na região, não queria armas atômicas. Mas ele me
disse que, se isso mudasse, 'teríamos que nos tornar nucleares'. Ele tinha isso
em mente", relatou Akbar Etemad, considerado o pai do programa nuclear
iraniano, em uma entrevista de 2013 à BBC.
Etemad
foi presidente da Organização de Energia Atômica do Irã, criada em 1974, e
liderou o desenvolvimento inicial do programa nuclear de seu país.
Naquele
ano, Reza Pahlavi anunciou planos para construir 23 usinas atômicas com
capacidade para gerar cerca de 23.000 megawatts nas duas décadas seguintes. Ele
também queria desenvolver o ciclo completo de produção de combustível nuclear.
Mas
havia um grande obstáculo: o Irã não tinha os especialistas qualificados
necessários para avançar nesse caminho. "Como o Irã carecia de um grande
número de profissionais treinados em engenharia nuclear e física, o reator de
Teerã permaneceu improdutivo por quase uma década, devido à falta de mão de
obra adequada para operá-lo", observou Ariana Rowberry em um artigo
publicado pela Brookings Institution, um think tank sediado em Washington.
A
assistência dos EUA também seria fundamental para superar esse obstáculo.
Em
julho de 1974, as autoridades iranianas propuseram ao prestigiado Instituto de
Tecnologia de Massachusetts (MIT) a criação de um programa de mestrado para
alunos selecionados pela Organização de Energia Atômica do Irã, que treinaria
as primeiras gerações de engenheiros nucleares iranianos.
Esse
programa educacional, cujos dois primeiros anos foram financiados pelo Irã com
aproximadamente 1,3 milhão de dólares (8,5 milhões hoje), gerou protestos de
professores e alunos do MIT, que acusaram o Xá de violações de direitos humanos
e temiam que isso contribuísse para a proliferação nuclear.
De
qualquer forma, esse acordo educacional e a colaboração nuclear entre
Washington e Teerã desapareceram logo depois, com o triunfo da Revolução
Iraniana em 1979. Suas consequências, no entanto, perdurariam. "Ninguém no
MIT imaginava que os programas que estavam elaborando para o Xá logo cairiam
nas mãos de revolucionários islâmicos. Ninguém acreditaria quantos estudantes e
professores iranianos que eles estavam treinando apoiariam a revolução",
escreveram os historiadores da tecnologia Stuart W. Leslie e Robert Kargon em
um artigo.
A
Universidade de Tecnologia de Aryamehr (AMUT), que havia sido modelada no MIT,
acabou se tornando um importante centro de atividade revolucionária estudantil.
Inicialmente,
o novo regime liderado pelo aiatolá Ruhollah Khomeini rejeitou os projetos
nucleares do Xá e, de fato, muitos dos professores formados nessa área fugiram
do país.
Mohammed
Homayounvash, professor de Relações Internacionais na Universidade
Internacional da Flórida, explica que, após a revolução de 1979, os iranianos
adotaram uma postura extremamente antinuclear.
"Eles
achavam que esse projeto era um elefante branco para o Xá. Na verdade,
suspenderam o programa nuclear e o desmantelaram quase completamente",
conta ele à BBC Mundo. "Houve um hiato de cerca de cinco a seis anos,
durante o qual os iranianos desprezaram completamente a energia nuclear. Eles
achavam que era um desperdício de seus próprios recursos, já que era boa apenas
para gerar eletricidade e o Irã possuía abundantes recursos petrolíferos",
acrescenta.
No
entanto, a revolução iraniana mais tarde perceberia o valor da tecnologia
nuclear e não apenas começaria a tentar trazer de volta muitos dos
especialistas que haviam partido, mas também lançaria seu próprio programa
atômico secreto.
·
Consequências inesperadas
Mas
quanta influência o Atoms for Peace realmente teve no desenvolvimento de armas
nucleares em outros países e no atual programa nuclear do Irã?
De
acordo com Homayounvash, por trás dessa iniciativa estava a preocupação de
Eisenhower com as implicações do uso da tecnologia nuclear no campo bélico. "Portanto,
para evitar que mais países seguissem esse caminho, se acreditava na época que,
caso tivessem acesso a um certo nível de tecnologia nuclear para fins civis,
isso poderia ser mantido sob controle até certo ponto, com o estabelecimento de
salvaguardas apropriadas", observa.
Ele
ressalta, por exemplo, que os Estados Unidos não vendiam, mas alugavam o urânio
fornecido aos países como combustível para reatores, e apenas em quantidades de
laboratório.
Foi
assim que os Estados Unidos ajudaram a facilitar o estudo e a pesquisa sobre
energia nuclear em cerca de trinta países ao redor do mundo.
Em
retrospecto, no entanto, não há consenso entre os especialistas sobre até que
ponto essa iniciativa contribuiu para a proliferação nuclear.
Homayounvash
acredita que se pode argumentar que o programa Átomos pela Paz criou um
ambiente no qual a transferência de tecnologia para energia nuclear para fins
pacíficos se tornou possível e que, uma vez que os países aprenderam a usar
essa tecnologia, puderam tomar medidas para avançar por diferentes caminhos.
No
entanto, ele acredita que não é tão fácil argumentar que, se não fosse o
programa Átomos para a Paz, alguns países não teriam chegado onde estão hoje em
termos de desenvolvimento nuclear. "A cadeia lógica [para chegar a essa
conclusão] é um pouco mais complicada do que traçar uma linha reta, então eu
não faria isso", observa.
Outros
especialistas, no entanto, acreditam que está claro que a iniciativa de
Eisenhower, em última análise, favoreceu a proliferação.
"Há
muita literatura nova destacando o quão perigoso isso era e como a iniciativa
Átomos para a Paz estimulou e facilitou totalmente o desenvolvimento de um
programa de armas nucleares", disse John Krige, professor do Instituto de
Tecnologia da Geórgia, à BBC Mundo. "Pensar que uma linha clara poderia
ser traçada entre Átomos para a Paz e Átomos para a Guerra não era apenas
ingênuo, mas também se provou historicamente falso. "Compartilhar
tecnologia nuclear civil tem implicações importantes do ponto de vista das
armas nucleares. Não há dúvida sobre isso", acrescenta Krige, especialista
no estudo da relação entre ciência e tecnologia e a política externa dos EUA.
Aqueles
que compartilham essa visão frequentemente apontam para casos como o da Índia e
do Paquistão, países que desenvolveram a bomba atômica e cujos primeiros
cientistas nucleares foram treinados no âmbito da Iniciativa Átomos para a Paz.
Mas
essa avaliação também deve incluir todos aqueles que, em algum momento,
quiseram — mas, graças às salvaguardas estabelecidas — não foram autorizados a
avançar para o desenvolvimento de armas nucleares. "Há muitos outros casos
em que o desvio de materiais nucleares científicos ou industriais para uso
militar foi detectado e frustrado pelos instrumentos e conceitos que começaram
com a Iniciativa Átomos para a Paz. Argentina, Brasil, Taiwan e Coreia do Sul
são exemplos disso", escreveu Peter R. Lavoy.
No caso
do Irã, após os bombardeios israelenses e americanos, não está claro quanto de
seu programa nuclear permanece, nem qual será seu futuro.
¨
É de se esperar que Trump ataque outros inimigos depois
do bombardeio americano ao Irã?
Será
que o presidente dos EUA, Donald Trump, encontrou uma nova
doutrina de segurança com grandes ataques aéreos substituindo guerras
convencionais? Outros países deveriam esperar mais do mesmo das Forças Armadas
americanas? Embora ainda não tenhamos todas as informações, o presidente Trump
sofreu muito pouco impacto e recebeu muitos elogios por suas ações no último fim de semana. Após os ataques, o
vice-presidente dos EUA, J.D. Vance, recorreu às redes sociais para dizer que
"estamos vendo o desenvolvimento de uma doutrina de política externa que
mudará o país (e o mundo) para melhor", acrescentando que os EUA usarão "força
esmagadora" se necessário no futuro.
O Irã mal respondeu e o público
americano não foi às ruas para protestar, apesar de as pesquisas mostrarem que
os americanos estão fartos dos envolvimentos militares no Oriente Médio. Portanto,
vale a pena questionar se essa missão levará o presidente Trump a se afastar da
diplomacia e adotar mais esse tipo de ação militar no futuro. Ou será que o
golpe contra o programa nuclear do Irã foi realmente apenas um caso isolado,
uma exceção às suas tendências isolacionistas?
Recentemente,
fiz essa pergunta a Richard Haass, um veterano diplomata americano que
aconselhou quatro presidentes. Haass foi presidente do Conselho de Relações
Exteriores por 20 anos e é autor de mais de uma dúzia de livros. Atualmente,
ele escreve o boletim semanal Home & Away.
<<<<
Abaixo, os principais trechos da nossa conversa.
Katty
Kay: Richard, eu queria contextualizar esta conversa com o que este ataque ao
Irã significa para Trump e seu apetite, potencialmente, por ataques militares
como este no futuro. Você acha que ele corre o risco de pagar um preço aqui ou
no exterior por ataques aéreos dessa natureza?
Richard
Haass: Não
tenho certeza de quão replicável isso seria em outras circunstâncias. A única
área em que ele pode ter se prejudicado um pouco é talvez exagerar o que eles
realizaram, usando palavras como "obliteração". Mesmo que tenhamos
destruído muito, não sabemos quanto material, urânio enriquecido e centrífugas,
os iranianos podem ter estacionado em outros lugares. Então, acho que ele
precisa ter um pouco de cuidado para não exagerar a ideia de que isso é uma
missão cumprida e um problema resolvido. Mas, tirando isso,
acho que ele está tranquilo porque, primeiro, foi limitado. Segundo, muitas
pessoas diriam que o Irã merecia, no sentido de que havia enganado os
inspetores da IAEA [Agência Nacional de Energia Atômica, nas siglas em inglês]
por muito tempo. Ninguém neste mundo pensava que o que os iranianos estavam
fazendo era enriquecer urânio para gerar eletricidade. Então, acho que as
pessoas simplesmente se cansaram do jogo de gato e rato com os iranianos.
Mas,
novamente, não tenho certeza se essa abordagem é replicável em termos de outros
países potencialmente se tornando nucleares, se for o caso, ou em outras
situações. Não se aplica à Ucrânia. Não se aplica a Taiwan ou à Coreia do
Norte. Não tenho certeza se isso é um modelo ou uma forma para a política
externa americana daqui para frente.
·
Se você estava analisando isso e tinha alguma preocupação
com essa abordagem e que isso poderia encorajar o presidente Trump a pensar:
"Certo, encontrei uma nova maneira de conduzir a política de segurança
nacional americana", você parece estar sugerindo que, na verdade, isso
pode não encorajá-lo a pensar: "Vou usar ataques como este novamente em
outros lugares".
Haass: Eu realmente
não vejo isso, por alguns motivos. Um deles é a base MAGA dele. O entusiasmo
deles por isso é limitado. Acho que, de certa forma, ele superou essa. Eles não
gostam de desafiá-lo, mas também foi limitado em termos de escala e tempo. Estou
um pouco pressionado quando olho para o conjunto de coisas que os Estados
Unidos enfrentam. Quantas situações são análogas a esta? Não vejo muitas. A
Coreia do Norte já passou desse ponto em termos de seus programas nucleares e
de mísseis, além de possuir uma força convencional massiva. Portanto, o uso da
força contra a Coreia do Norte poderia muito bem levar a uma segunda Guerra da
Coreia. Isso não está na cartilha de Trump. Ele não quer um confronto direto
com a China ou a Rússia se pudesse evitá-lo. Ele falou sobre certas coisas
neste hemisfério, mas não vai atacar o Canadá. Ele não vai atacar o México.
Duvido que ele faça algo com o Panamá ou a Groenlândia. Eu simplesmente não
vejo isso.
·
Katty Kay: Na sua experiência de trabalho em
governos presidenciais, ter algum tipo de sucesso militar tende a dar aos
presidentes a sensação de que vale a pena tentar algo diferente, sejam esses
ataques aéreos massivos ou não? Digamos que ele realmente quisesse tomar a
Groenlândia. O que aconteceu no Irã nos últimos cinco dias o encoraja a
pressionar a Dinamarca para nos dar a Groenlândia? E outros países agora podem
olhar para o presidente Trump e dizer: "Uau, esse cara realmente fala
sério e não tem medo de usar a força".
Haass: Minha resposta curta
é: espero que não. O que era único no Irã é que eles eram uma espécie de
párias, e havia um conjunto de alvos específicos muito limitado, com o qual
muitas pessoas simpatizavam bastante com o nosso ataque. Não vejo nada parecido
com isso na Groenlândia. Também não se pode atacar o Canal do Panamá para obter
o controle dele.Vou citar um outro presidente: George Herbert Walker Bush, o
41º presidente. Ele usou a força com bastante sucesso na Guerra do Golfo. No
entanto, ele hesitou bastante posteriormente em usar a força nos Bálcãs.
Portanto, obviamente depende do presidente. E este presidente tende a se guiar
mais por seus instintos do que por análises interinstitucionais cuidadosas. É
realmente uma administração de cima para baixo, muito mais do que de baixo para
cima. Isso não é uma crítica. É apenas uma observação. Mas eu ficaria nervoso
se muitas pessoas ao seu redor, muito mais do que ele mesmo, pensassem que essa
era uma fórmula que poderia ser facilmente aplicada em outros lugares. Seja
pensando em tarifas, nesses ataques, na saída de um acordo internacional ou em
qualquer outra coisa, esta não é uma presidência isolacionista. Quanto mais
olho para o Trump 2.0, mais o vejo como unilateralista, tendo uma noção muito
limitada do que é a "América primeiro" e depois aplicando essa
teoria. A palavra à qual sempre me refiro é "sentimental". Se você é
um amigo, não deve necessariamente presumir que isso lhe traz alguma coisa. E
se você é um inimigo, pode ser tratado de forma muito aberta. É uma política
externa surpreendentemente imparcial, algo que eu nunca tinha visto antes.
·
Você ainda acha que Trump é isolacionista? Você estava
falando da base do MAGA, mas pelo que ele fez até agora, você o chamaria de
isolacionista?
Haass: Provavelmente não. Eu
diria mais unilateral do que isolacionista. Ele tem uma espécie de alergia a
intervenções militares grandes e abertas. Ele tem uma visão mais limitada dos
interesses dos EUA. Mas usou a força várias vezes. Ele certamente não é isolacionista
no sentido diplomático, seja usando ferramentas como tarifas ou sanções, seja
lançando esta ou aquela proposta. Então, não, eu não acho que isolacionismo
defina sua política externa.
·
Você mencionou que vê este governo como um governo muito
de cima para baixo. O que me impressiona nos últimos dias, Richard, é o grau em
que vimos pessoas ao redor do presidente se esforçando para fazer bajulações.
Quais são os riscos dessa abordagem?
Haass: A desvantagem
disso é exatamente o que você pensaria: eu me pergunto quantas pessoas dizem ao
presidente o que ele não quer ouvir. Quantas pessoas dizem a verdade aos
poderosos, dizendo: "Chefe, se você fizer algo assim, pode acabar criando
problemas para si mesmo no futuro?". Não vejo muita gente fazendo isso. A
leitura que recebo é que muitas pessoas estão preocupadas em perder acesso ou
empregos. É lamentável, porque o presidente não se beneficiará disso. Para
qualquer CEO, seja o presidente dos Estados Unidos ou o presidente de uma
empresa, é importante ouvir o que precisa ouvir, em vez do que quer ouvir. Às
vezes, você precisa ser salvo de si mesmo. Você não quer ser surpreendido
quando é presidente. Essa é a minha conclusão. Você não quer ser surpreendido
pelo que algo desencadeia em outra coisa, ou que custa. E me preocupo com o
fato deste presidente não receber esse tipo de conselho, certamente de sua
equipe. Acho que os líderes estrangeiros estão preocupados de que, se o
antagonizarem – todos viram o que aconteceu com o presidente Zelensky –, acho
que eles estão preocupados de que, se pressionarem demais, o relacionamento
bilateral ou pessoal deles será prejudicado. Sempre pensei que a característica
de um bom relacionamento não é a frequência com que você concorda, mas sim a
sua capacidade de discordar. Preocupo-me que, se isso acabar, em muitos casos,
o presidente simplesmente não terá o benefício de ouvir o que precisa ouvir.
Fonte:
BBC News

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