segunda-feira, 30 de junho de 2025


 

8 curiosidades que você provavelmente não sabe sobre Raul Seixas

Neste sábado (28/6), o cantor e compositor Raul Seixas (1945-1989) completaria 80 anos.

Autor de Ouro de Tolo, Metamorfose Ambulante e Mosca na Sopa, o baiano de Salvador, vítima do alcoolismo aos 44 anos, viveu pouco e intensamente.

Abaixo, oito curiosidades que provavelmente você não sabia sobre um dos maiores nomes do rock brasileiro — incluindo as alfinetadas que trocou com Belchior, um suposto encontro com John Lennon, as composições de música brega, o sonho da Cidade das Estrelas e um velório tumultuado.

>>> 1. O segurança faixa preta

Raul vivia tendo crises de paranoia, surtos que passaram a ser frequentes no fim dos anos 1970, fase em que o cantor mergulhou fundo no uso de cocaína.

Em visita ao apartamento do roqueiro, no bairro carioca de Copacabana, Caetano Veloso foi recebido por um Raul armado com dois revólveres calibre 38 na cintura, ao melhor estilo Cowboy Fora da Lei, pronto para um duelo imaginário.

Veloso já contou essa história em algumas ocasiões, inclusive em seu livro Verdade Tropical.

Neste mesmo apartamento de Raul moravam dois argentinos: Oscar Rasmussen e Hugo Amorrortu.

O primeiro virou parceiro de Raul no disco Por quem os sinos dobram, considerado o pior álbum da discografia do roqueiro — havia uma suspeita, jamais confirmada, de que Rasmussen fornecia cocaína em troca de parceria nas composições, o que poderia explicar a baixa qualidade do disco.

O segundo argentino, Hugo Amorrortu, faixa preta de caratê, virou segurança de Raul.

Em dezembro de 1979, de acordo com uma matéria do jornal O Globo, o próprio Amorrortu acabaria assassinado dentro do apartamento de Raul ao perceber que traficantes estariam lhe vendendo açúcar em vez de cocaína. Ao reagir, o argentino trocou tiros com os traficantes e acabou morto.

>>> 2. O falso encontro com John

Em 1989, em entrevista ao programa Jô Soares Onze e Meia, do SBT, Raul falou sobre os quatro dias em que ele e Paulo Coelho, amigo e escritor, tornaram-se hóspedes de ninguém menos do que o cantor e ex-Beatle John Lennon. Tudo mentira.

"Conversamos sobre as pessoas que fizeram a cabeça do planeta Terra, e aí ele me perguntou qual a grande figura do Brasil. Eu não tinha ninguém para citar, falei Café Filho [presidente do Brasil entre 1954 e 1955]. Ele perguntou: 'Quem?' Aí eu disse: 'Nada...'"

Segundo Raul, ele e John teriam trocado cartas por muito tempo — o que explicaria o convite para hospedá-lo em Nova York.

"A gente já se comunicava sobre a Sociedade Alternativa [filosofia propagada por Raul]. Ficamos amigos", disse o cantor em entrevista ao jornalista Pedro Bial em 1983.

Ele e Paulo Coelho estiveram sim no edifício Dakota, em Nova York, mas só conseguiram trocar meia dúzia de palavras com Yoko Ono, esposa de Lennon que os recebeu na portaria e os despachou sem cerimônia.

Isso foi em 1974.

Seis anos depois, exatamente no mesmo lugar, John Lennon foi assassinado por Mark Chapman, que estava longe de ser um maluco beleza.

>>> 3. Raul x Belchior

Mas é que se agora para fazer sucesso/ Para vender disco de protesto/ Todo mundo tem que reclamar/ Eu vou tirar meu pé da estrada/ E vou entrar também nessa jogada/ E vamos ver agora quem é que vai aguentar.

Numa de suas melhores e mais sarcásticas canções, Eu também vou reclamar, gravada no disco Há dez mil anos atrás, de 1976, Raul ironizava os compositores que insistiam em choramingar, falando dos mesmos temas de sempre.

Era uma indireta a Belchior, o compositor cearense que cantava as agruras do nordeste, seguindo, para Raul, a velha receita de fazer música de protesto para vender discos.

Raul não cita Belchior nominalmente na letra de Eu também vou reclamar, mas é fácil identificar as provocações.

O verso Não há galinha em meu quintal é uma alusão à canção de Belchior Galos, Noites e Quintais.

O trecho Agora sou apenas um latino-americano/ Que não tem cheiro nem sabor faz referência a um dos clássicos do compositor cearense, Apenas um rapaz latino-americano.

Belchior respondeu na mesma moeda. Em Alucinação, o recado é para Raul e seus romances astrais citados em Trem da Sete:

Eu não estou interessado em nenhuma teoria/ Nem nessas coisas do oriente, romances astrais/ A minha alucinação é suportar o dia a dia/ E meu delírio é a experiência com coisas reais

>>> 4. Fome e amor no Rio de Janeiro

Em Ouro de tolo, Raul canta: Eu devia estar alegre e satisfeito/ Por morar em Ipanema/ Depois de ter passado fome por dois anos/ Aqui na Cidade Maravilhosa.

Na sua temporada carioca, vivida no fim dos anos 1960, Raul não comeu o pão que o diabo amassou porque não havia nem pão.

O rock, depois do estouro da Jovem Guarda, havia perdido espaço para as canções de protesto, sintonizadas com o momento do país.

Raul, ex-vocalista dos Panteras, estava sem trabalho algum.

O jeito foi recorrer ao talento como compositor e abraçar um gênero que jamais saiu de moda: a música brega.

Durante um bom tempo, Raul encheu a barriga e pagou as contas compondo para intérpretes românticos, como Jerry Adriani (Doce, Doce Amor), Diana (Ainda Queima a Esperança) e Márcio Greyck (Foi Você).

Esta última seria gravada por Roberto Carlos, que na última hora desistiu. Raul teria garantido a janta por pelo menos uma década.

>>> 5. Caetano, o inimigo íntimo

Caetano e Raul pertenciam a turmas distintas.

Enquanto o autor de Coração Vagabundo tinha como ídolo João Gilberto, o roqueiro venerava Elvis Presley e Jerry Lee Lewis.

Na música Rock n Roll, Raul tira sarro do pessoal do Teatro Vila Velha, berço do tropicalismo em Salvador, de onde saíram Caetano, Gil, Gal e Tom Zé.

No Teatro Vila Velha, velho conceito de moral/ Bosta Nova pra universitário/ Gente fina, intelectual/ Oxalá, oxum dendê oxossi de não sei o quê/ de não sei o quê.

Caetano respondeu anos depois com Rock'n'Raul uma "homenagem" ao roqueiro, em que ele elogia o sarcasmo do compositor: Minha ironia/ É bem maior do que essa porcaria.

O baiano, entretanto, também cutuca a implicância do cantor com as coisas brasileiras e a veneração a tudo que é americano: Nada de axé, Dodô e Curuzu/ A verdadeira Bahia é o Rio Grande do Sul.

Provocações à parte, os dois se davam e se admiravam. Caetano visitou Raul no momento mais difícil da sua carreira, na fase de vacas magras em Copacabana, além de citar Ouro de Tolo como uma das dez melhores canções já feitas no Brasil.

Por sua vez, Raul cita versos de Tropicália, canção de Caetano, nos momentos finais de Eu sou Egoísta.

>>> 6. Parceiro das parceiras

Raul foi casado cinco vezes. Com exceção da primeira esposa, a americana Edith Wisner, compôs com todas as outras.

Um caso inédito na música brasileira — e curioso, levando-se em conta que nenhuma das quatro mulheres jamais havia feito uma música antes do casamento com Raul.

Ele pelo jeito as estimulava.

Com a também americana Glória Vaquer , compôs Love is Magick e Sunseed, ambas em inglês.

Já a terceira mulher, Tania Barreto, virou parceira em Mata Virgem e Pagando Brabo.

O casamento mais duradouro e também mais produtivo musicalmente foi com Kika Seixas. Foram cinco anos juntos e quatro canções: Geração da Luz, Coisas do Coração, Quero Mais e DDI.

Para Kika, Raul compôs Angela (seu nome de batismo), uma de suas mais belas canções de amor: Rouba do meu leite agora/ O gosto da minha vitória/ Do meu amor, do meu amor por mim.

>>> 7. A cidade que nunca existiu

Na teoria, tudo lindo e maravilhoso. Um lugar sem lei, sem regras, para tomar banho de chapéu e escutar Carlos Gardel.

Raul e Paulo Coelho sonhavam com uma sociedade alternativa, que funcionaria na Cidade das Estrelas, atraindo hippies e malucos de todos os tipos.

Vivia-se uma ditadura militar e qualquer lugar que reunisse uma dúzia de cabeludos já era considerado suspeito. Raul foi interrogado no Dops (órgão de repressão da ditadura); Paulo Coelho, preso e torturado.

Raul ainda teve que se explicar com os seus discípulos. Em 1973, ele havia assinado o manifesto de criação da Sociedade Alternativa: "Estamos começando um grande empreendimento e nossas portas estão abertas para qualquer ser humano que deseje unir-se a nós, não importando a sua nacionalidade, religião, raça, bandeira ou cargo. Para isso foi comprado um terreno pela Sociedade Alternativa em Paraíba do Sul, onde construiremos A Cidade das Estrelas, cuja lei será Faz o que tu queres".

O problema é que Raul não havia comprado terreno nenhum.

Em Paraíba do Sul, interior do Rio, não havia casa, não havia teto, não havia nada.

>>> 8. O Morto Vivo

O sepultamento de Raul Seixas, morto em 21 de agosto de 1989, parou Salvador.

Nem o enterro de Mãe Menininha do Gantois, falecida três anos antes, atraiu tanta gente ao Cemitério da Saudade, no bairro de Brotas.

Os fãs, em transe, invadiram a missa realizada antes do enterro ao gritos de "Viva! Viva! Viva a Sociedade Alternativa". O grupo entrou correndo e foi direto para cima do corpo de Raul.

A ideia dos fãs era tirá-lo do caixão e levá-lo para passear, beber e fumar. O ato de loucura só não foi adiante porque Marcelo Nova, amigo e parceiro de Raul, colocou-se em frente ao corpo e passou uma descompostura nos fãs.

Marcelo não evitou que o vidro do caixão fosse quebrado, mas impediu que Raul, mortinho da silva, saísse carregado até o bar mais próximo.

¨      Maluco Beleza, Raul Seixas atravessa gerações com temas da juventude

Pioneiro do rock brasileiro e “maluco beleza”, Raul Seixas deixou, com seu trabalho múltiplo, mensagens de contestação e liberdade, transmitidas nas músicas e em seu modo de viver, que influenciaram admiradores e atravessaram gerações. O cantor e compositor, nascido em Salvador, completaria 80 anos neste sábado (28).

Sylvio Passos, amigo e fundador do fã clube oficial reconhecido pelo próprio Raul, explica a renovação de gerações de admiradores de Raul Seixas pela identificação da juventude com sua mensagem.

“Raul fala para várias gerações. Por que isso? Porque a linguagem do Raul trata de temas não tão comuns de maneira mais acessível. Ele falava diretamente para os jovens, e os jovens estão se renovando, de geração em geração. Por isso, os temas do Raul ainda mexem muito com essa geração mais jovem. Os velhos morrem e os jovens estão sempre se renovando, se renovando e se renovando. Os temas que o Raul aborda nas suas músicas são de muito interesse dos jovens”.

“Para a música brasileira, o Raul é um artista único que tratava de temas não tão simples, temas complexos como metafísica, filosofia, enfim, tratava de amor de maneira diferenciada e de questões políticas. A obra do Raul é muito ampla, pluralidade total”, completou.

Foi quando era jovem, em 1981, que o caso de admiração de Sylvio Passos por seu ídolo se transformou em amizade. Naquele ano, Passos se aproximou de Raul Seixas porque queria fundar um fã clube em sua homenagem. Ele não apenas conseguiu como garantiu uma feliz coincidência: a inauguração ocorreu na data do 36º aniversário de Raul.

Um anúncio em jornal, no qual Sylvio buscava referências de Raul, teve resultado quando o presidente do Beatles Cavern Club, Luis Antônio, entregou para Sylvio o telefone e endereço do artista, no bairro do Brooklin, na capital paulista, e aproximou os dois.

“Descobri que o Raul estava vindo morar em São Paulo, tinha saído do Rio, e consegui o telefone da casa dele. Liguei para ele, dizendo que estava fundando um fã clube para homenageá-lo, e ele me convidou para um almoço. Esse almoço virou um jantar, que virou se tornou frequente por aproximadamente dez anos. Nunca mais a gente deixou de se falar. Raul me levava para todos os lugares”, disse Sylvio Passos à Agência Brasil, acrescentando que a amizade, no primeiro momento, era uma relação de fã e ídolo mas, em pouquíssimo tempo, passou a ser uma relação de amigos comuns.

“Duas pessoas que se conheciam, apesar da diferença de idade. Raul era 18 anos mais velho que eu, mas tínhamos gostos em comum, muitas coisas em comum. Não sei como traduzir muito bem isso, mas era legal”, relatou. “Eu tive o privilégio de compartilhar da amizade e da confiança dele, que eu classificava inclusive como meu segundo pai. Tive meu pai biológico e o Raul era meu pai intelectual”.

Na escola, Sylvio Passos já tinha criado, com amigos, fãs clubes e fanzines das bandas inglesas Led Zeppelin, Jethro Tull e King Crimson. Mas, na época, surgiu a vontade de prestar homenagem a um “cidadão do rock brasileiro” ─ e a imagem que veio foi a de Raul Seixas, contou ele.

“O próprio Raul tornou o fã clube oficial. O nome do fã clube era Raul Rock Club, e o Raul botou Raul Seixas Oficial Fã Clube, o primeiro e único fã clube oficial do Raul”, disse orgulhoso.

<><> Raul e a Sociedade Alternativa

Um outro marco da trajetória de Raul foi o lançamento da Sociedade Alternativa, fruto da parceria com Paulo Coelho que vai além da música de mesmo nome e aprofundou os estudos esotéricos da dupla. Segundo Sylvio Passos, para Raul, era momento de provocar mudanças no mundo. Nos shows, ele distribuiu um gibi/manifesto chamado A Fundação de Krig-ha, que tinha ilustração da mulher de Paulo na época, Adalgisa Rios.

A Sociedade Alternativa chegou a ter uma sede alugada e papel timbrado. Com o tempo, houve a compra de um terreno em Minas Gerais, para a construção da Cidade das Estrelas, uma comunidade onde a lei única era “Faze o que tu queres, há de ser tudo da lei”.

A iniciativa não foi bem recebida, e Raul foi preso e torturado pelo Departamento de Ordem Política e Social (Dops), sendo obrigado a deixar o país. Raul, Paulo, Edith e Adalgisa se mudaram para os Estados Unidos, onde fizeram contato com algumas personalidades, recordou Sylvio Passos, em texto publicado no site do Raul Seixas Oficial Fã Clube.

<><> Memória

Vivian Seixas, uma das três filhas de Raul, disse que preservar a memória do pai tem sido um ato de amor e de responsabilidade. “Eu faço isso com muita entrega, porque sei o quanto ele foi e ainda é importante. Cada projeto, cada homenagem é pensado com cuidado, com respeito à obra e à essência dele. Não é só sobre manter vivo o nome ‘Raul Seixas’, mas tudo o que meu pai representava: liberdade, questionamento, autenticidade”, revelou Vivi à Agência Brasil. Ela considera lindo ver a renovação de gerações no envolvimento com o trabalho do Raul.

“Muita gente que nem era nascida quando meu pai morreu hoje canta as músicas, se emociona com as letras, se identifica com as mensagens. Isso mostra que a obra dele é atemporal. Meu pai falava com o coração, com a mente aberta, e com coragem, isso atravessa o tempo. Ele não era só um cantor, era um pensador”, observou.

A DJ e produtora musical vê na coragem de ser o que se é, sem máscaras, o maior legado do pai. “Ele nunca se curvou ao sistema, nunca teve medo de mudar, de provocar. Meu pai abriu caminhos, artísticos, filosóficos e até espirituais pra muita gente. E isso se mantém vivo, principalmente entre quem sente que não se encaixa nas caixinhas da sociedade”, apontou.

Vivi era bem pequena quando o pai faleceu, mas guarda algumas lembranças marcantes. “Eu lembro da barba dele, da voz… e a voz eu posso ouvir sempre que quiser, né? Isso é muito forte, porque me mantém próxima, me mantém conectada a ele. A voz dele está ali, viva, cantando. E ele era muito divertido, cheio de brincadeiras comigo. Tenho também as cartinhas que ele me escrevia, coisas simples, mas carregadas de afeto. É assim que eu guardo meu pai em mim”, afirmou.

<><> Cowboy fora-da-lei

De acordo com o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad), responsável no Brasil pela arrecadação e distribuição dos direitos autorais das músicas aos seus autores, Raul deixou um legado de 324 obras musicais e 409 gravações cadastradas no banco de dados da gestão coletiva da música no Brasil.

“As obras musicais são as suas composições, com letra e/ou melodia e em parceria ou não. Já as gravações são registros de obras musicais disponibilizadas em forma digital (como no streaming) ou em suporte físico (como um DVD). Com isso, uma mesma obra musical pode ter diferentes gravações, como, por exemplo, a original, uma versão acústica ou um show gravado para um DVD”, explicou.

O ranking das mais executadas no último ano é liderado pela música Cowboy fora-da-lei, composta em parceria com Cláudio Roberto. O maior destaque entre as regravações é Medo da chuva, que compôs com Paulo Coelho, que aparece com 72 fonogramas cadastrados.

Mais uma vez, uma das comemorações na data de nascimento será no show Baú do Raul, no Circo Voador, centro do Rio de Janeiro. Criado em 1992 por Kika Seixas, uma das ex-mulheres do pioneiro do rock brasileiro.

A lista de artistas que participarão do show do Circo Voador representa bem essa mescla de idades de admiradores e seguidores. Estão previstos se apresentar Frejat, Paulinho Moska, Rick Ferreira, Arnaldo Brandão, Baia, Ana Cañas, Clariana, André Prando, BNegão, Emílio Dantas e Vivi Seixas.

 

Fonte: BBC News Brasil/Agencia Brasil


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