Eugênio
Bucci: Como se formam os golpistas?
Pela
primeira vez na história do Brasil, militares de alta patente, acompanhados de
um ex-presidente da República, tomam assento no banco dos réus. Eles são
acusados de organização criminosa armada e tentativa de abolição violenta do
Estado democrático de direito, entre outros crimes. A notícia é tão inusitada
que parece boa, mas, na verdade, é apenas um começo.
Por
certo, o processo que corre no Supremo Tribunal Federal reluz pelo ineditismo.
Diferentemente do que se via no passado, o Brasil não deixa mais por isso
mesmo. Agora, há um esforço para responsabilizar os que atentaram contra a
normalidade democrática. As coisas avançam semana a semana. Os integrantes do
“núcleo crucial” da trama, conforme o nomeou a Procuradoria Geral da República,
tiveram de comparecer aos interrogatórios. Agora, houve uma acareação momentosa
entre o tenente-coronel Mauro Cid e o general Walter Braga Netto.
O
andamento, contudo, é difícil. Para atrapalhar os ritos, surgiram lances de
clamoroso cinismo. O réu Jair Bolsonaro, enquanto era interrogado, deu de
convidar o ministro Alexandre de Moraes, que conduzia a sessão, para figurar
como vice em sua chapa para a Presidência da República em 2026. O tom foi
jocoso: piada à queima-roupa. O magistrado apenas sorriu, num clima de quase
descontração judicial, e, no seu linguajar característico, declinou. Pilhéria
indeferida.
O que
nos aguarda? O processo vai transcorrer em risadas? Vai transitar em julgado
amaciado? Vai dar cadeia? Virá uma anistia? Uma pizza? Não há como saber. O
enredo que nos trouxe até aqui, misturando degradação institucional, escárnio
escrachado e realismo fantástico, tem se mostrado imprevisível.
Primeiro,
tentou-se derrubar a República numa tramoia que incluiu acampamentos à frente
de quartéis, fake news torrenciais sobre as urnas eletrônicas, depredação dos
palácios dos três poderes e um plano para assassinar o chefe de Estado, seu
vice e um ministro do Supremo. Depois, no julgamento, veio o espetáculo
acintoso. Os acusados não se envergonham do que é vergonhoso. Desdenham da
autoridade judiciária. Agem como se estivessem acima das leis dos comuns.
O
historiador Carlos Fico estuda há décadas “o desprezo dos militares pela
política, seu autoentendimento como superiores aos civis”. O retrato que ele
nos entrega dessa história, no livro Utopia autoritária brasileira: Como os
militares ameaçam a democracia brasileira desde o nascimento da República até
hoje (Editora Planeta do Brasil), é desalentador. A virada de mesa tem sido uma
constante das Forças Armadas. Trata-se de um vício que se reproduz impunemente.
“Todas
as crises políticas brasileiras caracterizadas por ruptura da legalidade
constitucional (vou denominá-las ‘crises institucionais’) foram causadas por
militares”, afirma Carlos Fico. “As Forças Armadas violaram todas as
constituições da República. (…) Indisciplina e subversão marcam a trajetória
dos militares no Brasil. Eles foram responsáveis por todas as crises
institucionais do país desde a Proclamação da República e jamais foram
efetivamente punidos”.
O livro
demonstra que, neste país, o golpe compensa – mesmo quando fracassa. Com a
palavra, o historiador: “Quando afirmo que nunca houve, no Brasil, a efetiva
punição de militares golpistas, me refiro às anistias que foram aprovadas pelo
Congresso Nacional beneficiando os oficiais envolvidos nas tentativas
fracassadas de 1904, 1922, 1924, 1956, 1959 e 1961. É claro que não cabe falar
em punição no caso dos golpes bem-sucedidos (1889, 1930, 1937, 1945, 1954, 1955
e 1964)”.
Por que
“não cabe falar em punição no caso dos golpes bem-sucedidos”? Muito simples:
quando o golpe dá certo, o ordenamento jurídico que poderia puni-lo não fica de
pé para aplicar a lei. Passa a valer o inverso. Por exemplo: com a tomada do
poder pelas tropas em 1964, quem fixou residência na prisão não foram os
golpistas, mas os que se opunham à quartelada. Eis por que a legislação atual,
com acerto, estabelece como crime a tentativa de golpe, não o golpe consumado.
A tentativa basta para configurar o tipo penal.
Fora o
acerto da lei, o que vemos hoje na corte não é bom. Algo na voz dos réus, na
sua maneira de olhar ou de desviar o olhar, deixa ver que, para eles, o
golpismo é um ato de bravura. A fixação maníaca na ideia de assalto ao poder
constitui um traço cultural que se mantém intacto no ideário das tropas. O que
explica essa permanência? De onde vem isso?
A
resposta lógica aponta para as escolas em que se formam os oficiais. Se a
formação fosse outra, a mentalidade da farda já seria diferente. Será razoável
que o currículo das academias das Forças Armadas e das Polícias Militares fique
inteiramente a cargo da caserna? Ou será que isso deveria ser da competência da
sociedade e do Estado Democrático de Direito?
De
forma respeitosa, dialogada e serena, é preciso enfrentar a questão. Ou o
Brasil encara essa agenda espinhosa ou talvez não tenhamos como sair dessa
espiral em que o populismo de coturnos, quando vai ao banco dos réus, vai em
trajes de galhofa.
• Golpe de estado em marcha: Rui Costa
Pimenta denuncia ofensiva contra o presidente Lula
O
presidente do Partido da Causa Operária (PCO), Rui Costa Pimenta, advertiu que
o Brasil vive “um novo golpe de Estado” contra o presidente Lula. A avaliação
foi feita em entrevista à TV 247. Logo no início da conversa, Pimenta sustentou
que “nós estamos de novo enfrentando um golpe de Estado”, apontando a atuação
do deputado Hugo Mota (Republicanos-PB), presidente da Câmara, e de setores do
Congresso Nacional como núcleo da escalada para inviabilizar a reeleição de
Lula em 2026.
O
dirigente vê na ofensiva parlamentar uma repetição, “tão grave quanto a que
derrubou Dilma Rousseff”, mas agora combinada, segundo ele, a decisões do
Supremo Tribunal Federal (STF) que “blindam” o Legislativo e restringem a ação
do Executivo.
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Congresso, STF e orçamento
Para o
líder do PCO, as emendas impositivas se transformaram em “privatização do
orçamento federal”. Ele criticou a submissão do governo a esse mecanismo: “O
orçamento federal deveria ir para saúde, para educação”, declarou, qualificando
o atual arranjo como “clientelismo que sustenta uma oligarquia”. Pimenta
reprovou ainda a tentativa do Palácio do Planalto de recorrer ao STF contra o
avanço do Legislativo: “Chamar a população a apoiar o STF contra o Congresso é
uma loucura”, afirmou, defendendo que a resposta passe pela mobilização popular
nas ruas, não pelo Judiciário.
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Classe média sob pressão
Questionado
sobre a taxação do IOF sobre gastos no exterior, Pimenta alertou para o risco
de alienar camadas médias: “A classe média tem de ser levada em consideração… a
luta do trabalhador não pode ser contra todo mundo que tenha um fogão em casa”.
Ele propõe diminuir o peso tributário sobre pequenos negócios e ampliar o
crédito produtivo como forma de evitar que esses segmentos sejam capturados
pela extrema-direita.
Ao
diagnosticar a “falência do sistema político”, o dirigente do PCO qualificou o
atual ordenamento como “uma aberração” que permite a eleição do presidente sem
maioria no Congresso. Para ele, a chamada Nova República “já acabou”, e o
impasse será resolvido pela correlação de forças nas ruas. “Esse regime
político é uma aberração”, resumiu.
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Geopolítica e Irã
No
plano internacional, Pimenta analisou o recente confronto entre Irã e Israel:
“O Irã mostrou que isso aí acabou”, disse, referindo-se à suposta supremacia
militar israelense no Oriente Médio. Ele avaliou que a derrota do “sionismo”
altera o tabuleiro geopolítico e fortalece a agenda multipolar impulsionada por
Rússia e China.
A
entrevista também abordou o caso do médico Rick Jones, defensor do parto
humanizado, preso sob acusação de negligência. Pimenta classificou o processo
como “perseguição política” movida por “lobby poderoso da indústria da
cesariana” e anunciou uma campanha em defesa do profissional, destacando que
“barbaridades de injustiça flagrante” ainda são usadas como instrumentos de
lawfare no país.
Por
fim, o presidente do PCO convocou ato em São Paulo em solidariedade ao Irã —
iniciativa que, segundo ele, reforça a necessidade de “manter o povo
mobilizado” diante de ameaças externas e internas. Sem essa pressão, advertiu,
“o rolo compressor contra o governo do PT” tende a avançar.
• País perde credibilidade nesse embate
entre poderes. Por José Carvalho
Uma das
principais perdas para o Brasil nesse contexto está na credibilidade do País.
Houve uma enorme deterioração, a partir do “impeachment” Dilma, das
Instituições de Estado. Abriu-se uma temporada de guerras e enfrentamentos, que
quase ruiu com todo o arcabouço constitucional. As relações entre os poderes
passou a ser verdadeira queda de braços. Foi nesse quadro que o Congresso
passou a aumentar seu espaço, desconfigurando o equilíbrio de forças em relação
aos demais poderes. O Congresso Nacional assumiu a condição de supra-poder.
Está criando um regime de exceção, sem nenhuma legitimidade. Não é a questão de
fazer ou não fazer, se trata daquilo que pode e não pode fazer. É o cabível e o
incabível. É estar dentro da Constituição ou infringindo a Constituição. Existe
uma atribuição a cada poder, a cada uma das instituições em cada um dos
poderes, existem atribuições para toda a sociedade. Não dá pra viver num lugar
onde não é reconhecido o direito, onde tudo é questionável e judicializado
porque ninguém aceita as normas. Eu mudo o que quero para servir ao que quero,
na hora que quero. O Brasil tem que se aceitar como Nação. Se submeter às
próprias regras , e sem dar cavalo de pau.
Fonte:
A Terra é Redonda/Brasil 247/Jornal GGN

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