O
nó górdio do Sistema Internacional
O mundo
observa apreensivo à escalada entre Israel,
EUA e Irã no Oriente Médio, região que
equaciona múltiplas variáveis do complexo e perigoso jogo
estratégico internacional.
“[…]
ainda toda a Frígia, onde na cidade de Górdio viu a carruagem da qual tanto se
fala, ligada por um laço em casca de sorveira; e a esse respeito contaram-lhe
uma história segundo a qual os habitantes do país consideravam verdadeira
profecia que aquele que pudesse desatar esse laço era predestinado a ser um dia
rei de toda a terra. Assim diz o vulgo que Alexandre, não podendo desfazer esse
laço, porque dele não se viam as extremidades em virtude de estarem estas
envolvidas por várias voltas e entremeios que se interpenetravam, desembainhou
a espada e cortou o nó pela metade, de sorte que se viram então as várias
extremidades do laço.” – Plutarco.
Os ataques de Israel e EUA ao Irã
desencadearam uma escalada perigosa não só para o Oriente Médio, mas para o
mundo. A
operação contra o programa nuclear iraniano tem por objetivo estratégico mais
aparente eliminar as aspirações do Irã à soberania como potência regional, ao
buscar neutralizar seu programa nuclear. Mas há outras razões na
mesa.
O uso
do programa nuclear iraniano, por Israel e EUA, como ameaça para justificar uma
intervenção tem sido uma carta recorrente, há anos, e, após o escândalo da
falsificação de provas no Iraque, em 2003, é necessário cuidado com essas
alegações. Signatário do Tratado de Não proliferação Nuclear (TNP), o Irã tem
sido, por muito tempo, inspecionado pela Agência Internacional de Energia
Atômica (AIEA), e vinha cumprindo o acordo nuclear assinado em 2015, mediado
com ajuda de Brasil e Turquia – diferente de Israel, que jamais admitiu, mas
possui um número estimado de ogivas nucleares entre 90-400, segundo o consenso
dos especialistas. Após o rompimento unilateral do acordo por Trump, em 2018,
do ponto de vista da segurança do Irã, a confiança no Ocidente se deteriorou,
incentivando a busca da última instância das garantias de soberania no sistema
internacional contemporâneo, sobretudo em vista do histórico recente de países
como Iraque Síria e Líbia. O país tem imensa importância estratégica no
tabuleiro geopolítico contemporâneo, encontra-se no meio de um “nó górdio”
estratégico, nos termos da famosa anedota de Plutarco sobre Alexandre, que se
passa também na Pérsia.
Este
texto não visa esmiuçar todas as tramas desse “nó”, mas analisar seus “fios”
principais, de modo a apresentar um diagnóstico holístico das fricções em curso
no sistema internacional enquanto sintomas de uma “doença” sistêmica, uma crise
no equilíbrio de poder pós-Guerra Fria, cujos nexos se encontram na guerra
contra a nação persa.
<><>
Crise
Após
vinte anos de estabilidade entre as grandes potências e o fim da Guerra Fria,
fricções entre a superpotência hegemônica e potências regionais em ascensão
iniciaram um processo de desgaste daquela ordem internacional. Não é simples
estabelecer o “marco zero” desse processo. A fenomenologia em questão, um
movimento sistêmico internacional, é constituída por muitas variáveis, e o
Oriente Médio, cenário da mais recente escalada, amarra todas as pontas em um
complexo nó.
Fundamentalmente,
antigos problemas geopolíticos estão reemergindo e a fratura histórica
Norte/Sul (centro e periferia), após as utopias não cumpridas da globalização,
vai se tornando cada vez mais exposta. Esses movimentos “tectônicos” causam
crescente transtorno ao sistema internacional, que vive uma crise traduzida nas
fricções que escalam regionalmente. Dentre elas, um conflito na Ucrânia, que
segue há três anos sem solução, opondo atores nucleares cada vez mais distantes
de um consenso; outro em estado embrionário na Ásia Pacífico, entre China e
EUA, e; no Oriente Médio, o cenário mais complexo, permeado por múltiplos
atores e interesses, com a destruição sistemática de nações pela política
externa ocidental, o avanço do colonialismo sionista e, agora, o conflito
direto entre Israel e Irã. Completam o quadro novas tensões na geopolítica da
América Latina, que se tornou área de interesse para chineses e russos, levando
ao recrudescimento da ingerência dos EUA sobre os países da região. Tantas
fricções regionais são sintomáticas de uma doença crônica que compromete o
equilíbrio de poder entre as potências, única real garantia de estabilidade na
ordem internacional.
As
origens dessa inflexão em curso no sistema internacional remontam à política
externa dos EUA e seus aliados no Oriente Médio. A destruição de países
inteiros visando a derrubada de regimes hostis aos interesses ocidentais, sob a
“defesa da democracia”, gestou problemas como o Estado Islâmico e tragédias
humanitárias que extrapolam a capacidade das instituições internacionais, e a
disposição das nações ocidentais, para cooperar com a garantia dos valores
ratificados na Carta da ONU.
Ato
contínuo, o protagonismo do Ocidente, marca da modernidade, vem cedendo espaço
ao bloco eurasiano composto por Rússia e China, que aos poucos equipara e
ultrapassa os EUA em diversos setores da economia e tecnologia, e investe em
suas forças armadas para ombrear com a superpotência também no campo militar.
Regionalmente, já é possível aos chineses avançar, pressionando a Ásia Pacífico
a uma corrida armamentista. E a Rússia também retorna à grande estratégia após
o retraimento nos anos 1990 sob tutela ocidental, e reage aos avanços da OTAN
sobre suas fronteiras. Uma Guerra Fria 2.0 parece se ensaiar em contexto
multipolar, mais complexo, que certamente forçará mais as comportas da
dissuasão nuclear. Em síntese, esses casos são pontas do nosso “nó”, que se
articula no Irã, que, mesmo após anos de sanções, segue com seu programa
nuclear no contexto de uma aliança com russos e chineses, assumindo importância
central no jogo internacional.
Temos,
portanto, um antagonismo irredutível entre potências nucleares, na forma de
fricções regionais que articulam, como variável comum, a desidratação de poder
dos EUA, cuja presença ostensiva em todos os ecossistemas estratégicos sofre
progressiva pressão de atores regionais, levando a uma crise aparentemente
terminal do equilíbrio de poder pós-Guerra Fria, baseado na hegemonia
estadunidense sobre sistemas de segurança regionais conformados ao “xerifado”
da superpotência.
·
O retorno da Geopolítica
Enquanto
o Ocidente vivia o “fim da História”, com suas promessas de paz perpétua,
líderes russos e chineses adotavam políticas na contramão da teleologia
liberal. Putin reestatizou setores estratégicos da economia russa, como energia
e telecomunicações, enquanto a China perseguiu o desenvolvimento via
industrialização, assimilando know how e know why da
experiência com as Zonas Econômicas Especiais, e projetou-se como potência
regional. Em 2013, o governo Xi Jinping apresentou uma nova concepção do
desenvolvimento comercial de longo prazo, o Belt and Road Initiative (BRI),
a “Nova Rota da Seda”, que busca a integração econômica e de infraestrutura com
diversos parceiros através de uma estratégica e vasta rede de comunicações
constituída por duas dimensões: a Maritine Silk Road, rota marítima
entre os portos chineses na costa africana e a Europa através do Índico e do
Canal de Suez, até o Mediterrâneo; e a Silk Economic Road, que visa
integrar Rússia, China e Irã por meio de uma ousada triangulação entre o Cáucaso,
a Europa Oriental e o Oriente Médio.
Esses
planos remontam a conhecidos axiomas geopolíticos. Foram Alfred Mahan e Halford
Mackinder, pensando os poderes marítimo e terrestre, respectivamente, que
definiram os parâmetros geopolíticos vigentes até hoje. Mahan defendia uma
marinha capaz de assegurar os interesses comerciais nacionais, com o apoio
indispensável de bases posicionadas ao longo de regiões costeiras estratégicas,
afastando a pressão naval de outras potências. A ideia está presente no BRI em
sua dimensão marítima, e vai de encontro à questão de Taiwan, que pode
interferir diretamente nas rotas marítimas chinesas. Quanto ao âmbito
terrestre, a partir de Mackinder, o controle do Heartland1 proporcionaria
a capacidade de projetar poder sobre o mundo, devido à característica estratégica
do território eurasiano, bem como à sua capacidade intrínseca de proporcionar
acesso a todas as direções do globo pelo mar, como uma gigantesca e
inexpugnável ilha mundial, podendo ser integrado por grandes ferrovias, além de
possuir vastos recursos naturais. Seguindo essas velhas (porém nada obsoletas)
ideias, a China busca triangular o litoral europeu com o chinês, projetando
influência por regiões caras às potências ocidentais, elevando sua estatura
econômica e aumentando a capilarização de sua moeda, desbancando gradativamente
o poder do dólar em regiões estratégicas da “ilha mundial”.
No caso
da Rússia, o coração do Heartland da teoria de Mackinder, após uma década de
crise política e econômica, o governo de Vladimir Putin busca retomar seus
espaços de influência. Ao desenvolver sua economia voltada principalmente para
a extração e exportação de recursos energéticos abundantes em seu território,
como petróleo e gás natural, a Rússia reascendeu explorando a infraestrutura
herdada da era soviética, que interliga as ex-repúblicas e permite escoar sua
produção pelo continente, condição que faz dela a grande exportadora de energia
para a Europa. Esse quadro vem sendo enfrentado pelos EUA como um desafio
estratégico, à medida que a dependência europeia da energia russa contribui
para minar o eixo entre Europa e EUA, baseado no antagonismo russo, e
significa, portanto, um obstáculo crítico aos interesses de Washington.
Foram
esses interesses que mobilizaram o avanço da OTAN no Leste europeu, traindo as
garantias dadas por Reagan a Gorbatchev em 1989 e ameaçando a segurança da
Rússia. Esse processo culminou com a guerra da Ucrânia, cuja maior parcela de
responsabilidade, segundo Mearsheimer (2014, p. 2), é dos Estados Unidos e seus
aliados europeus, na medida em que a “raiz principal do problema é o
alargamento da OTAN, o elemento central de uma estratégia mais ampla para tirar
a Ucrânia da órbita da Rússia e integrá-la ao Ocidente. […] Desde meados da
década de 1990, os líderes russos opuseram-se veementemente ao alargamento da
OTAN e, nos últimos anos, deixaram claro que não aceitariam enquanto seu
vizinho estrategicamente importante se transformava em um bastião ocidental.
Para Putin, a derrubada ilegal do presidente eleito da Ucrânia e pró-Rússia –
que ele justamente rotulou de ‘golpe’ – foi a gota d’água. Ele respondeu
tomando a Crimeia, uma península que temia que acolhesse uma base naval da
OTAN, e trabalhando para desestabilizar a Ucrânia até abandonar os seus
esforços para se juntar ao Ocidente”. Em face desse quadro, ainda segundo o
autor, “as ações de Putin deveriam ser fáceis de entender. Uma enorme extensão
de terra que a França napoleônica, a Alemanha imperial e a Alemanha nazista
todas cruzaram para atacar a própria Rússia, a Ucrânia serve como um Estado
amortecedor de enorme importância estratégica para a Rússia. Nenhum líder russo
poderá tolerar uma aliança militar, que era inimiga mortal de Moscou até recentemente,
se mudar para a Ucrânia”.
Em
perspectiva estratégica, EUA e Rússia se encontram em uma espiral crescente de
fricções. Sem saída diplomática à vista, o destino da Ucrânia parece selado,
após a desaceleração do apoio internacional à causa ucraniana, vista como
perdida. Ao mesmo tempo, permitir que um autocrata como Putin saia vitorioso de
um movimento expansionista deixa uma janela aberta para aventuras semelhantes
no futuro, algo que a história do equilíbrio de poder ensina ser
desaconselhável. Para os EUA, que dobraram sucessivamente as apostas nesse
jogo, a hipótese de a Rússia sair vitoriosa compromete ainda mais sua
credibilidade internacional, o que pode acelerar a queda de sua hegemonia.
Afinal, como escreveu Maquiavel, o poder é, sobretudo, aparentar. Para
intimidar ou dissuadir, é necessário que a capacidade de aplicar a força seja
inquestionável. Talvez isso explique o porquê de os EUA estarem agindo de forma
agressiva, queimando etapas diplomáticas, como no caso dos acordos de Minsk, ou
do suporte às ações criminosas de Israel, em prol de apostas arriscadas para a
estabilidade internacional.
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O “nó górdio”
O
conceito de Heartland parece mais atual do que nunca, com a triangulação entre
Rússia, Irã e China compondo um poderoso eixo geopolítico. Após cinco séculos
de domínio ocidental, via muita violência colonial, o pêndulo da política
internacional parece apontar agora para a Ásia e o Sul Global. É nesse contexto
que devemos interpretar o ataque contra o Irã. No Heartland russo-chinês, o
papel do Irã é crucial como passagem que permite aos chineses sua projeção
articulada com os russos em direção aos mares estratégicos do Sul e seus
estreitos, à Europa e até mesmo ao Ártico, onde a China já projeta sua marinha
na corrida pelos recursos naturais cada vez mais acessíveis pelo degelo. 8 mil
quilômetros de trilhos chineses passam por território iraniano, além de ser
este país a maior fonte de petróleo dos chineses.
No que
concerne à Rússia, a cooperação militar com Teerã tem sido crucial para o
esforço de guerra na Ucrânia. É no Irã que são produzidos os drones largamente
empregados pelos russos naquela guerra, além de o Irã ser um importante mercado
para a indústria bélica russa, via crédito chinês, uma cooperação triangular
que favorece aos três: aos chineses, com a expansão do seu crédito e influência
econômica; aos russos, pela venda de material de alto valor agregado,
viabilizando a Putin pular o muro das sanções ocidentais; e ao Irã, garantindo
a modernização de suas forças armadas, preservando sua condição de potência
regional também sob a pressão das sanções ocidentais. Além disso, diversos
investimentos russos em Teerã tornaram a Rússia credora daquele país, de modo
que há ativos significativos para a economia de Putin dentro das fronteiras
iranianas. Portanto, o Irã é peça-chave para russos e chineses em seus
movimentos no xadrez geopolítico, o que faz dele o alvo preferencial de
uma proxy war a serviço de interesses
estadunidenses, articulados com os interesses do governo sionista.
Neste
ponto, é consenso nos estudos internacionais a existência de correlação entre
fatores domésticos e o comportamento dos Estados na arena internacional. O caso
de Israel não é diferente. Pressionado internamente por acusações de corrupção
e arroubos autoritários, além do indiciamento em curso no Tribunal Penal
Internacional por crimes de guerra e crimes contra a Humanidade, o governo
Netanyahu acelera seu projeto expansionista, baseado na eliminação do Irã – o
maior antagonista de Israel desde a queda de Saddam Hussein – e na ocupação
final da Palestina e territórios adjacentes, visando a concretização do que os
sionistas chamam de “grande Israel”. E, ademais, desviam um pouco o foco
mundial das chacinas diárias cometidas por suas forças em Gaza e dos avanços
violentos dos assentamentos na Cisjordânia, eventos que podemos resumir no
quadro de um colonialismo genocidário da Palestina.
O
expansionismo israelense, ironicamente, obedece à categoria geopolítica alemã
do “espaço vital”, que orientou as campanhas de Hitler contra a Europa Oriental
e implica na conquista de um território considerado fundamental para a
segurança do Estado. Consciente da inflexão em curso no sistema internacional,
que impacta gradativamente a capacidade do EUA em face das capacidades russas e
chinesas, o governo israelense corre contra o tempo para atingir objetivos
estratégicos inerentes ao projeto sionista e preservar-se no poder pelo recurso
a dispositivos excepcionais para governar, somente possíveis em tempos de
guerra.
Portanto,
há três dimensões centrais da guerra entre Israel e Irã a serem exploradas –
para além de diversos outros interesses locais que ajudam a engrossar o “nó”
geopolítico: duas delas ligadas à política israelense: uma estratégica,
expansionista, de longo prazo; outra, de curto/médio prazo, isto é, viabilizar
a sobrevivência do governo Netanyahu. E uma dimensão estrutural condicionada
pelo tabuleiro das grandes potências: de um lado, China e Rússia, que precisam
preservar o regime iraniano, sob pena de verem seus principais projetos serem
criticamente enfraquecidos, ou mesmo inviabilizados; de outro, os EUA e seus
aliados, que enxergam na fragmentação do Irã, à semelhança do que já fizeram na
Líbia e na Síria, uma oportunidade para dar um golpe poderoso no bloco
eurasiano que contesta sua hegemonia.
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A estratégia deve ser racional
E o que
podemos prospectar acerca dos próximos movimentos nesse tão complexo quanto
perigoso tabuleiro? À medida que as opções diplomáticas vão se esgotando, nos
aproximamos de outra famosa anedota da Antiguidade, aquela sobre César diante
do Rubicão. Chegaremos ao ponto de cruzar o rio, isto é, passaremos do ponto
sem retorno?
Objetivamente,
o ataque israelense, com o apoio de Trump, “forçou a mão” dos EUA ao criar um
fato consumado – especialidade da doutrina sionista. A posição institucional do
governo Trump, marcado por muitas ambiguidades, também produz muita
instabilidade. O movimento MAGA – Make America Great Again –
tem profundas divisões sobre essa guerra, assim como o restante da comunidade
estadunidense. Israel tem sido um aliado difícil de controlar, e Trump, um
presidente. O discurso isolacionista pré-campanha, ao que tudo indica, era uma
cortina de fumaça para escalar a reação à perda de influência dos EUA, aliado à
radicalização do expansionismo sionista, o que não é necessariamente uma
descontinuidade com os governos anteriores em Washington. Pelo contrário.
Uma
escalada mais crítica, agora, depende do que os parceiros estratégicos do Irã,
duas potências nucleares em queda de braço com os EUA, irão fazer. O cálculo
não é simples: Rússia e China precisam projetar força suficiente para segurar
“a porta” que Trump e Netanyahu tentam arrombar, mantendo, ao mesmo tempo, a
distância necessária para não escalar diretamente contra os EUA. Se os
agressores seguirem o curso de uma guerra total contra o Irã, como sinaliza o
discurso sobre “mudança de regime” em Teerã, essa conta pode ficar difícil de
fechar.
O que
está em curso é um antagonismo irredutível. O momento é mais perigoso que
outros, como a famosa “crise dos mísseis” em 1962, porque, naquela ocasião, a
saída diplomática sempre esteve à vista – a retirada dos mísseis russos de
Cuba, algo com o que Moscou poderia acatar e viver. Além disso, o episódio foi
conduzido por dois homens de Estado, que tiveram prudência para negociar. Agora
é bem diferente e a destruição do Irã seria uma derrota estratégica para Rússia
e China em seu espaço vital, dando aos EUA e Israel uma porta aberta para
imperar sobre o Oriente Médio e além.
A
dissuasão nuclear, que debelou as crises da Guerra Fria, segue como aposta
razoável para conter uma escalada terminal. Afinal, o único uso racional para
os arsenais nucleares é dissuasório. Mas a razão não é uma força demiúrgica. É
um dever ser. Quando Clausewitz afirma que a guerra é a continuação da política
por outros meios e sugere que ela é, portanto, racional, ele não está dizendo
que ela é racional aprioristicamente, mas que a razão deve ser perseguida pela
política, dentro ou fora da guerra, de modo a atingir objetivos coerentes com
os interesses nacionais. E foi o mesmo Clausewitz que introduziu na análise da
guerra fatores imponderáveis, como a psicologia humana, sujeita à
genialidade, mas também à paixão. Em seu modelo teórico, a paixão
está mais associada ao povo, mas nada impede que ela alcance o nível político e
estratégico. Embora esta não seja a orientação normativa do seu modelo, é
sempre uma possibilidade histórica. Afinal, pessoas estão sujeitas a atitudes
passionais, irracionais, sejam soldados ou chefes de Estado. Por isso, talvez
seja o caso de revermos o clássico de Stanley Kubrick, “Dr. Strangelove”,
com máxima atenção.
Fonte:
Por João Rafael Morais, no Le Monde

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