sábado, 28 de junho de 2025

Pedidos de asilo de brasileiros disparam no Reino Unido

A diarista Vieira*, de 38 anos, queria ficar três anos no Reino Unido, tempo estimado por ela para mobiliar uma casa no Brasil e juntar dinheiro para cuidar da mãe e dos três filhos. Vieira comprou uma passagem após vencer uma moto e chegou a Londres em fevereiro de 2024. Contudo, menos de um ano e meio depois, precisará abandonar o plano.

Vieira foi vítima de uma denúncia, que acredita ter vindo de conhecidos de uma igreja frequentada por ela. Há cerca de um mês agentes do Home Office, o órgão responsável pelas questões migratórias no Reino Unido, baterem na porta da casa onde ela morava. É uma situação que tem sido cada vez mais comum com brasileiros no país, assim como a opção que Vieira considerou para tentar evitar um regresso forçado: um pedido de asilo em terras britânicas.

O número de brasileiros que pediram asilo no Reino Unido explodiu nos últimos dois anos. Entre março de 2024 e o mesmo mês deste ano, segundo o Home Office, foram 2,6 mil requisições.

Desde 2023, a média de brasileiros que recorrem aos pedidos de asilo é de 2,4 mil por ano. Há uma década, em 2014, apenas 21 brasileiros haviam feito essa requisição. Entre 2010 e 2020, a média era de 74 pedidos de asilo apresentados por brasileiros por ano.

Somente em 2025, 691 brasileiros pediram asilo no Reino Unido. Destes, 52 pedidos envolveram crianças e adolescentes. Desses 691, 304 foram recusados por serem considerados "claramente infundados”, de acordo com o Home Office. Até o fim de março, 2.179 brasileiros estavam na fila de espera, sendo 1,1 mil aguardando há mais de seis meses.

<><> Fenômeno paralelo ao endurecimento das políticas migratórias

O aumento de pedidos de asilo por brasileiros ocorre em paralelo ao endurecimento das políticas de migração no Reino Unido, que tem criado cada vez mais barreiras para os imigrantes com e sem visto permanecerem na Inglaterra, Escócia, País de Gales e Irlanda do Norte.

O Partido Trabalhista, que comanda o governo desde julho de 2024, publicou um documento prometendo "restaurar o controle" sobre a política migratória.

"Este governo retornará a política migratória ao bom senso", diz o texto. Na prática, isso tem significado medidas para reduzir novos ingressps e dificultar a permanência de imigrantes que já vivem no país. "O governo trabalhista, ao assumir o poder, deu bastante ênfase aos planos de aumentar o número de pessoas devolvidas. Houve mais retornos no ano passado do que em qualquer ano desde 2016", afirma Mihnea Cuibus, pesquisador do Observatório da Migração da Universidade de Oxford.

Os pedidos de visto caíram 40% desde julho de 2024. O governo também realocou mil funcionários para fiscalizar as fronteiras e promete aumentar em 15% os espaços de detenção.

As ações têm atingido em cheio os brasileiros. No último ano, houve um aumento de 30% na quantidade de brasileiros deportados do Reino Unido.

De acordo com Mihnea Cuibus, o pedido de asilo é uma das poucas formas que alguém sem direitos legais de permanecer no Reino Unido pode recorrer para tentar mudar seu status migratório estando no país. A outra é viver mais de 20 anos em território britânico ou recorrer a um pedido baseado na Convenção Europeia dos Direitos Humanos, para casos que envolvam filhos de estrangeiros nascidos no país, após o sétimo ano de vida da criança.

"Se o seu pedido de asilo for processado, enquanto estiver pendente, você pode ficar aqui. Dizem que algumas pessoas solicitam asilo como um último recurso para permanecer no Reino Unido", afirma Cuibus.

O governo do Reino Unido não divulga dados sobre a quantidade de pessoas que vivem no país sem permissão legal, bem como o perfil delas. "Há cada vez mais contestações judiciais. Antes, a maioria das detenções levavam a um retorno forçado, agora em menos da metade dos casos a pessoa é realmente deportada", acrescenta Cuibus.

Prestes a completar 20 anos vivendo na Inglaterra, o advogado Guilherme Barbosa, da consultoria de imigração Sense, afirma que o Reino Unido passa pelo seu momento mais restritivo relacionado às políticas migratórias desde que ele chegou ao país.

De acordo com Barbosa, até meados do início dos anos 2010 um visto de estudante podia ser renovado e, depois de cinco anos, abrir a porta para um pedido de residência permanente. "Essa era uma das principais portas para brasileiros, mas depois proibiram. Foi quando muita gente começou a ver a questão da nacionalidade europeia, o que agora também mudou com o Brexit", diz.

Para ele, os pedidos de asilo se tornaram uma brecha para quem deseja permanecer no Reino Unido. "Toda vez que o governo vai fechando as portas, vão se abrindo brechas, não só para os brasileiros, mas para a população não europeia e não britânica também, se reinventar na forma de vir", diz.

Barbosa diz que toda semana é procurado por pessoas em busca de informação sobre asilo, embora não trabalhe com esses casos. "Esse aumento nos últimos dois anos dos brasileiros pedindo asilo não é porque vai ser concedido o asilo, é porque na maioria desses casos a pessoa foi pega", afirma.

<><> Pedidos de asilo são vendidos como solução, mas podem ser armadilha

A diarista brasileira M. Vieira não estava em casa quando os agentes do Home Office chegaram e conseguiu se esconder na residência de uma amiga. Ela considerou solicitar asilo porque essa alternativa tem sido cada vez mais vendida como uma promessa de permanência em grupos de Facebook da comunidade brasileira no Reino Unido.

Entretanto, na prática a maioria dos pedidos de asilo de brasileiros resulta em negativas. Desde 2001, apenas 40 brasileiros asseguraram um pedido bem-sucedido no Reino Unido. Entre março de 2024 e março de 2025, 18 brasileiros receberam um resultado positivo, outros 1.492 tiveram o pedido negado.

O Brasil é o segundo país em número de pessoas que tiveram que deixar o Reino Unido depois de pedirem asilo no ano passado: 299 pessoas foram retornadas de maneira forçada nessa condição. Sendo que, além dessas, pelo menos 14 pessoas que já haviam pedido asilo foram barradas ao tentar entrar novamente.

Uma análise do Observatório da Migração da Universidade de Oxford mostra que 51% dos brasileiros que pediram asilo entre 2021 e 2023 e tiveram o pedido negado foram mandados de volta ao Brasil.

Para ser elegível a um asilo no Reino Unido, o requerente tem que compravar que não pode retornar ao seu país de origem por medo de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, opinião política ou questões culturais ou de gênero ou orientação sexual. É preciso demonstrar também que o seu próprio país falhou em garantir proteção.

É feita uma triagem e, enquanto a decisão é aguardada, a pessoa recebe um documento, o Cartão de registro de Solicitação (ARC, na sigla em inglês), que comprova o pedido feito. O que tem acontecido, no entanto, é que muitos brasileiros têm sido levados a acreditar que a existência desse cartão já garante a permanência, segundo advogados consultados pela DW.

"Essa carteira não quer dizer que o pedido de asilo foi acatado", alerta Barbosa. "Nem todos têm direito ao asilo. Muita gente acredita que pagando para advogado vai conseguir, mas na verdade vai ficar três ou quatro meses solto e depois terá que voltar ao Brasil", diz, por sua vez, Francine Mendonça, especialista em imigração da assessoria LondonHelp4u.

Segundo Mendonça, um processo de pedido de asilo acompanhado por profissionais habilitados pode custar até 4 mil libras, mas há pessoas oferecendo o serviço por até 500 libras. "Tem muita gente sem licença de advogado que está pegando pessoas desesperadas e cobrando um processo de visto que não existe. Eles só tiram do centro de detenção, mas a pessoa não está segura", acrescenta.

A diarista Vieira chegou a pagar uma consulta com um advogado, mas foi orientada a não requisitar o asilo. "Ele me falou que não adiantava pedir o asilo, pois eu já tinha uma denúncia contra mim e não iria conseguir", afirma.

<><> Quando asilos são recusados, maioria adere a retorno voluntário

Sem esperanças de permanecer no Reino Unido, Vieira decidiu aderir ao programa de retorno voluntário oferecido pelo governo britânico. Entre os brasileiros que foram detidos, entraram com pedido de asilo e depois receberam resposta negativa no último ano, 907 optaram por aderir ao retorno voluntário.

O serviço de retorno voluntário é um programa para quem ultrapassou o prazo de permanência permitido ou entrou sem visto, e para quem pediu asilo. Foi criado em 1999, e passou a incluir um apoio financeiro - atualmente de até 3 mil libras (cerca de R$ 22 mil) - em 2002. Antes, era feito em parceria com ONGs, mas desde 2016 é totalmente operado pelo Home Office.

"É muito mais barato ter alguém retornando voluntariamente. O governo do Reino Unido está, na verdade, economizando bastante dinheiro", aponta Cuibus, da Universidade de Oxford. "Essas políticas têm um lado simbólico perante a opinião pública, mostrar como o governo está trabalhando ativamente para reduzir o número de migrantes", complementa Sonia Parella Rubio, coordenadora do CER-Migrations da Universidade Autônoma de Barcelona.

Segundo Rubio, programas de retorno voluntário acabam se tornando atrativos em contextos de políticas migratórias restritivas. "Para muitas pessoas, ficar também é um grande risco e uma ameaça direta", diz.

O Brasil é o segundo país em adesão ao retorno voluntário. Entre 2024 e 2025, houve um aumento de 64% na quantidade de pessoas que voltaram de maneira voluntária para o Brasil. Entre agosto do ano passado e janeiro deste ano, o Reino Unido chegou a fretar quatro voos só com brasileiros que aderiram ao programa.

A realização desses voos foi acordada com o governo brasileiro. O Brasil se comprometeu a não publicizar esses voos, a disponibilizar um representante do consulado nos embarques, mas também se reservou ao direiro de reavaliar seu consentimento se fossem identificados retornos involuntários.

Nos quatro voos, havia 862 pessoas. Para Mendonça, muita gente acaba aderindo não porque quer, mas porque precisa. "Há multas para empresas que contratam pessoas sem visto e multas para proprietários que alugam casas para pessoas sem o direito de residir. Muita gente não tem mais como trabalhar, não consegue mais pagar um aluguel", diz Mendonça.

Foi o que aconteceu com a psicóloga Helena*, de 27 anos, e o marido. O casal foi para o Reino Unido almejando passar quatro anos, mas só ficou um ano até regressar em abril. "Começou a ficar muito difícil se manter de forma ilegal, a imigração ficou muito forte, tiveram várias denúncias, muitas blitzes. A gente ficou sem liberdade para trabalhar, para morar. Não estávamos conseguindo casa nem trabalho", conta.

O casal chegou a cogitar o retorno voluntário, mas decidiu voltar por conta própria para evitar a regra que proíbe o acesso ao Reino Unido por até cinco anos após a adesão ao programa. "O asilo a gente sabe que é difícil. No retorno, tem vários advogados que ficam à disposição para auxiliar", acrescenta.

A diarista Vieira também passou a ter dificuldades para arrumar emprego e encontrar uma nova casa para morar após ser denunciada, pois ninguém queria se vincular a ela. Foram dois meses vivendo no sofá de uma amiga. Nenhuma das duas conseguiu juntar o dinheiro que queria.

A especialista Rubio afirma que os países de origem precisam criar políticas de reintegração para quem volta depois de tentativas frustradas de imigração. "É preciso saber em que condições a pessoa volta para seu país, onde vai se inserir, quanto tempo esteve fora, que situações de vulnerabilidade apresenta."

Em nota, o Itamaraty afirmou que autorizou, em janeiro do ano passado, o Consulado-Geral em Londres a entabular as negociações com o Home Office para a realização dos voos de retorno, em coordenação com a Embaixada do Brasil em Londres.

O órgão afirmou que o Brasil, em circunstâncias específicas, também financia o retorno de nacionais e possui parceria com a Organização Internacional para Migrações (OIM) neste mesmo sentido. Em relação aos pedidos de asilo, o órgão não se pronunciou.

"Eu não queria voltar, mas não tenho condição física, psicológica nem financeira mais para fugir. Do dia para a noite, comecei a ser tratada como criminosa e eu não sou", conta Vieira, que está levando de volta para o Brasil pares de tênis para os filhos, os livros para continuar estudando inglês e o sonho de um dia voltar à Europa.

•        Brasileira passa 16 dias presa nos EUA: 'Discriminam quem não fala inglês'

"Os últimos 15 dias foram os mais difíceis da minha vida. Eu estava com medo e me sentia sozinha", disse Caroline Dias Gonçalves, brasileira de 19 anos que foi detida em 5 de junho pelo Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla em inglês).

Caroline falou pela primeira vez sobre sua prisão, por meio de uma nota pública divulgada pelo TheDream.US, organização sem fins lucrativos dedicada a oferecer bolsas de estudos para jovens imigrantes, através da qual a brasileira estuda enfermagem como bolsista na Universidade de Utah.

Ela foi solta sob fiança na sexta-feira (20/6), mais de 36 horas após a Justiça americana decidir pela soltura, em audiência realizada na quarta-feira anterior.

A estudante vive nos Estados Unidos desde os 7 anos. A família dela entrou no país com um visto turístico de seis meses, mas ficou além deste prazo.

Há três anos, a família entrou com um pedido de asilo e ainda aguarda uma decisão — não estão claros os motivos alegados para o pedido.

Em sua primeira declaração pública, Caroline se queixou da qualidade da comida no centro de detenção privado do ICE em Aurora, no Colorado, onde esteve detida por mais de duas semanas.

"Na detenção, nos davam comida encharcada – até o pão vinha molhado", disse a brasileira.

A jovem também relatou uma diferença de tratamento entre os imigrantes presos que falam inglês e aqueles que não falam.

"No momento em que perceberam que eu falava inglês, notei uma mudança. De repente, fui tratada melhor do que outras pessoas que não falavam inglês", disse Caroline.

"Isso partiu meu coração. Porque ninguém merece ser tratado assim. Não em um país que chamo de lar desde os 7 anos de idade e que é tudo o que eu conheço."

A BBC News Brasil procurou o ICE para responder às críticas feitas por Caroline.

Por email, a secretária adjunta de Assuntos Públicos do Departamento de Segurança Interna dos Estados Unidos (DHS, na sigla em inglês), Tricia McLaughlin, desqualificou as declarações da brasileira. O ICE é subordinado ao DHS.

"Qualquer alegação de que indivíduos são tratados de forma diferente pelas autoridades por causa do idioma que falam é categoricamente FALSA. Esse tipo de ataque tem como objetivo demonizar e vilanizar nossos corajosos agentes do ICE. Esse tipo de lixo resultou em um aumento de mais de 500% nos ataques contra agentes da lei", declarou McLaughlin.

"Os fatos são: Caroline Dias Gonçalves, uma imigrante ilegal do Brasil, foi presa pelo ICE em 5 de junho de 2025. Seu visto expirou há mais de uma década. O presidente Trump e a secretária [Kristi] Noem [do DHS] estão comprometidos em restaurar a integridade do programa de vistos e garantir que ele não seja abusado como um passe-livre para estrangeiros permanecerem nos EUA."

A secretária adjunta disse ainda que o ICE é regularmente auditado e inspecionado por agências externas para garantir que todas as suas instalações estejam em conformidade com os padrões nacionais de detenção.

A BBC News Brasil encaminhou a resposta de McLaughlin ao advogado de Caroline, Jonathan M. Hyman, para comentário.

"A linguagem usada pela secretária adjunta é puramente política e retórica vazia", disse Hyman, também por email.

"Ninguém apoia agressões contra agentes da lei. Embora as alegações sobre o aumento desses ataques devam ser verificadas, encorajo a secretária adjunta e seu departamento a serem honestos e transparentes."

"Estou ciente do aumento do uso de câmeras corporais por policiais estaduais. Talvez os agentes do ICE devessem usar mais câmeras no corpo e menos máscaras", completou o advogado — os agentes do ICE vêm sendo criticados nos EUA por trabalharem mascarados ao realizar operações para detenção de imigrantes.

<><> 'Espero que mais ninguém tenha que passar pelo que passei'

Em sua nota pública, a estudante brasileira agradeceu a seus amigos e familiares pela mobilização em favor de sua libertação. E disse desculpar o agente do ICE que a prendeu.

"Ele pediu desculpas e dizia que queria me soltar, mas que suas 'mãos estavam atadas'. Não havia nada que ele pudesse fazer, mesmo sabendo que aquilo era errado", disse Caroline.

"Quero que você saiba — eu te perdoo. Porque acredito que as pessoas podem fazer escolhas melhores quando têm essa opção."

Caroline também disse esperar que outros não passem pelo que ela passou.

"Espero que mais ninguém tenha que passar pelo que eu passei. Mas sei que, neste momento, mais de 1.300 pessoas ainda vivem o mesmo pesadelo naquela unidade de detenção em Aurora. Elas são como eu — incluindo outras pessoas que cresceram aqui, que amam este país e que querem apenas uma chance de pertencer", disse a brasileira.

"Imigrantes como eu — não estamos pedindo nada de especial. Apenas uma chance justa de ajustar nosso status [imigratório], de nos sentirmos seguros e de continuar construindo as vidas pelas quais tanto lutamos neste país que chamamos de lar."

A prisão de Caroline ocorreu em meio ao endurecimento da política de imigração nos Estados Unidos que tem marcado o segundo mandato de Donald Trump.

Cerca de 51 mil imigrantes sem documentação estavam detidos pelo ICE no início de junho — maior número já registrado desde setembro de 2019.

Inicialmente, as autoridades americanas insistiam que as operações do ICE eram direcionadas a criminosos e potenciais ameaças à segurança pública.

Mas um número significativo de imigrantes detidos pelo governo Trump não tem antecedentes criminais, como é o caso de Caroline.

Após a prisão da brasileira, os amigos da estudante realizaram uma coleta de doações para ajudar a família a arcar com os custos da defesa dela.

Com a libertação da jovem, a campanha de financiamento continua, agora com objetivo de coletar recursos para a defesa contra uma possível deportação.

 

Fonte: DW Brasil/BBC News Brasil

 

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