Censo
2022: região Norte agora exporta gente
Por
décadas, a região Norte foi sinônimo de fronteira, de destino, de abrigo para
quem buscava novas terras e oportunidades. Era o ponto de chegada de muitos, um
polo de atração que historicamente recebia mais gente do que enviava para
outras localidades. Mas o Censo 2022 traz uma novidade: pela primeira vez desde
1991, a Amazônia registra um saldo migratório negativo em relação ao fluxo
nacional.
Aproximadamente
432 mil pessoas da região Norte fizeram as malas e partiram para outras partes
do Brasil entre 2017 e 2022. Já o fluxo de chegada, dos que decidiram partir
rumo à região amazônica, foi menor: cerca de 231 mil imigrantes. O “déficit” de
201 mil pessoas é uma reversão no padrão regional. A Amazônia, agora, mais
envia do que recebe gente.
Se
antes gaúchos, paranaenses e catarinenses partiam rumo ao Centro-Oeste e
continuavam subindo até o Norte, fazendo avançar a fronteira agrícola, a
diáspora nortista passa a chamar a atenção. O Censo 2022 detectou que cerca de
129 mil pessoas vindas do Norte escolheram a região Sul para recomeçar suas
vidas. No último levantamento censitário, esse número não passava de 22 mil
indivíduos. Estados como Acre e Amapá já exibem taxas negativas nessa balança
migratória – apenas o Tocantins se preserva como terra de chegada na região
amazônica.
A
desaceleração econômica, com atividade econômicas atrativas para as migrações
perdendo fôlego (como a mineração, o agronegócio em algumas áreas ou a própria
Zona Franca de Manaus), a busca por qualidade de vida em outras paragens, e até
mudanças climáticas (que têm se tornado mais recorrentes e impactantes nos
últimos anos) podem estar por trás dessa reversão da migração.
Em
2022, 14,3% da população brasileira vivia em um Estado (Unidade da Federação)
diferente daquele de onde nasceu. Mas há uma nova dinâmica em curso. Essa
movimentação migratória do Norte segue um padrão já iniciado em grandes centros
como São Paulo e Rio de Janeiro. Os dois maiores Estados brasileiros também
constataram um inédito escoamento de parte de sua população. Já Minas Gerais e
Paraná se tornaram atrativos para quem está de mudança.
Uma
distinção nesse mosaico de fluxos populacionais da região Norte é a migração
intrarregional. Ela sempre foi forte, com paraenses partindo para o Amapá
(78,3% de seus migrantes vêm do Pará) ou amazonenses e rondonienses indo para o
Acre, por exemplo. Mas agora a interconectividade ganha novos vetores:
A
região Norte é a maior do Brasil em área e a menos populosa – portanto, com a
menor densidade demográfica. A presença de grandes rios, como o Amazonas e seus
afluentes, molda as rotas de transporte, de comunicação e de migração, já que a
mobilidade entre Estados vizinhos é possível.
No
geral, houve uma redução de migrantes nascidos em outras regiões
(principalmente de nordestinos e sudestinos) entre 2010 e 2022, o que fez com
que a população natural da região amazônica aumentasse de 85,1% para 87%.
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Porta de entrada
A
história migratória do Norte ganha ainda um novo capítulo que vem de fora. Um
olhar mais detido nos dados de migração internacional dos últimos Censos (de
2000 a 2022) revela a região como a principal porta de entrada para povos
vizinhos, especialmente os venezuelanos. Em 2000, apenas Roraima constatava
migrações vindas da Venezuela dentre todas as migrações internacionais para o
Brasil. Dez anos depois, no Censo 2010, a Guiana ainda superava a Venezuela em
Roraima, mas o país vizinho já estava em ascensão migratória.
A
grande transformação, já detectada pela população local e agora apontada pelo
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), se deu no Censo 2022. A
Venezuela surge como o país de origem mais frequente para imigrantes em
Rondônia, Amazonas, Roraima e Pará. No Acre e no Amapá, a Venezuela aparece
como a segunda origem mais comum.
O salto
da migração venezuelana é vertiginoso: de 2.869 residentes em 2010, o número
disparou para 271.514 em 2022 – um aumento de quase 94 vezes em 12 anos. A
comunidade portuguesa, que fez parte da origem do Brasil, encolheu 24% no mesmo
período, caindo de 137.972 para 104.345 pessoas. Uma mudança que encerra a
hegemonia dos portugueses no ranking de imigrantes no território brasileiro.
Os
números totais de estrangeiros na região Norte impressionam: o Amazonas passou
de pouco mais de 2 mil imigrantes em 2000 para mais de 35 mil em 2022; em
Roraima, de 1.226 para 60.225 no mesmo período. Esse fluxo migratório, já
coberto pela agência Amazônia Real desde sua fundação, tem moldado o perfil
demográfico de Roraima, do Amazonas e de Estados vizinhos.
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Fecundidade jovem
Em
contraste com a dinâmica migratória, que revela uma “exportação” de sua
população, a região Norte segue uma trilha particular quanto o assunto é
fertilidade. Se no Brasil, a regra é as mulheres terem filhos mais tarde (o
chamado “envelhecimento da curva da fecundidade”), com o pico nacional
deslocando-se dos 20 a 24 anos para os 25 a 29 anos, a Amazônia se mantém fiel
a um perfil mais jovem.
O Norte
é a única grande região do País onde o pico da fecundidade ainda se concentra
no grupo etário de 20 a 24 anos. No Sudeste e no Sul, as gestações agora se
concentram entre os 25 e 34 anos. Esses números indicam uma transição
demográfica mais gradual, que preserva uma base populacional com maior
proporção de crianças e adolescentes.
A idade
média da fecundidade no Norte, em 2022, foi de 27 anos. Entre 2000 e 2022, a
região teve o menor aumento na idade média da fecundidade do País (1,2 anos).
Rayane
Lacerda, de 31 anos, é mãe de três filhos, artista e moradora do bairro
Compensa, na periferia de Manaus, no Amazonas. Teve seu primeiro filho aos 21,
o segundo aos 24 e a caçula aos 28 —
idades que espelham a concentração da fecundidade no Norte nas últimas
décadas. Entre a criação dos filhos e a
rotina de trabalho como comissária de serviço em um restaurante, ela também
mantém o Slam Poesia AM, projeto independente voltado para o fortalecimento da
cultura hip-hop e da poesia na cidade.
Seu
percurso foi marcado pela maternidade ainda jovem, interrupção dos estudos
universitários e divisão do tempo entre trabalho, arte e cuidado das crianças.
Ela reflete com precisão o perfil das mães da Região Norte apontado pelo Censo
Demográfico 2022.
A jovem
artista chegou a ingressar na Universidade Federal do Amazonas (Ufam), no curso
de Ciências Sociais, mas precisou interromper a graduação após as gestações.
Uma decisão que, segundo ela, foi atravessada pela sobrevivência. “Chegou um
momento da minha vida em que eu tive que escolher entre colocar comida na mesa
ou estudar. Eu decidi trabalhar”, conta.
Hoje,
sua rotina envolve deslocamentos e tarefas divididas com a rede de apoio que
formou com familiares, para cuidar das crianças enquanto trabalha fora. Apesar
disso, Rayane afirma que o tempo é escasso, especialmente para a filha mais
nova, com quem só consegue passar tempo em um único dia da semana, na sua folga
do trabalho.
“A
questão que mais me marca em relação à maternidade sendo uma jovem periférica é
a ausência. Me marca ter que abdicar do tempo com as crianças para poder não
deixar faltar nada para eles”, diz.
Mesmo
diante da sobrecarga, Rayane insiste em não abrir mão da sua existência para
além da maternidade. “A gente se alterna entre ser mãe, ser mulher, ser poeta.
A gente se vira nos 30 para não deixar faltar nada para eles [filhos], mas
também para a gente ter o nosso tempo como pessoa, ser artista, trabalhar. Ser
melhor no que a gente faz.”
Fonte:
Amazônia Real

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