Por
que você deveria conhecer Raul Seixas
Numa
manhã qualquer de 1976, Tânia Menna Barreto acordou com o barulho da campainha.
Naquela época, ela e o namorado, o cantor e compositor Raul Seixas, ainda não
dividiam o mesmo teto: ela morava no Flamengo e ele em São Conrado, no Rio de
Janeiro. "Tive um sonho maluco", explicou o roqueiro, no apartamento
da Rua Senador Eusébio. "Sonhei que o mundo inteiro tinha parado."
Dias
depois, em companhia do amigo Cláudio Roberto, parceiro de incontáveis sucessos
como Maluco Beleza (1977), Aluga-se (1980) e Cowboy Fora da Lei (1987), Raul
transformou o sonho em música: O Dia em que a Terra Parou (1977). Na letra, ele
canta, entre outros versos, que o empregado, o guarda e o médico não saíram
para trabalhar pois sabiam que o patrão, o ladrão e o paciente não estavam lá.
No dia
11 de março de 2020, Tânia se lembrou de Raul – e da profética O Dia em que a
Terra Parou – quando a Organização Mundial de Saúde (OMS) decretou pandemia por
causa da covid-19. "Era um gênio que, como ele mesmo gostava de dizer,
veio a este planeta para deixar sua digital", afirma Tânia, coautora do
livro Pagando Brabo (2024), ao lado de Tiago Bittencourt, e terceira mulher do
cantor. "Tudo que ele escreveu é atemporal. Suas canções ecoam até
hoje."
Entre
namoro, separação e encontros ocasionais, Raul e Tânia conviveram oito anos: de
1976 a 1984. Ao todo, o pai do rock brasileiro teve cinco mulheres: Edith
Wisner, Glória Vaquer, Tânia Menna Barreto, Ângela Costa (conhecida como Kika)
e Lena Coutinho. Do casamento com Ângela, nasceu Vivian, a Vivi Seixas. Ela é a
caçula de três filhas – suas meias-irmãs são Simone, de 55 anos, do
relacionamento com Edith, e Scarlet, de 49, com Glória. As duas vivem hoje nos
EUA.
"Meu
pai era amoroso e divertido", lembra Vivi, hoje com 44 anos. "Quando
brincávamos de Capitão Garfo, o primo do Capitão Gancho, ele pegava as minhas
bonecas e as escondia no congelador", diverte-se.
DJ e
produtora musical, Vivi vai participar do show-tributo O Baú do Raul – Especial
80 Anos, no próximo sábado (28/06) no Circo Voador, no Rio, ao lado de outros
artistas, como Roberto Frejat, Paulinho Moska e Ana Cañas. "Mesmo quem
nunca assistiu a um show dele ao vivo, sente algo diferente quando escuta uma
de suas músicas", afirma Vivi. "Raul Seixas era um artista
verdadeiro, ousado e provocador. Falava de coisas profundas com leveza, e
tocava em temas que continuam atuais. As gerações mudam, mas Raul Seixas
permanece."
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O legado de Raul
Além de
participar do show-tributo no Circo Voador, Vivi e a mãe, Kika, doaram parte do
acervo do cantor para a exposição Baú do Raul, em cartaz a partir de 11 de
julho no Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. Quem também cedeu peças
para a exposição foi Sylvio Passos, o fundador do primeiro e único fã-clube
oficial de Raul Seixas, Raul Rock Club, fundado em 1981. "Meu ídolo não
morreu. Está mais vivo do que muito artista vivo. Quem morreu de alcoolismo, no
dia 21 de agosto de 1989, foi meu amigo. Até hoje, sinto muito a falta
dele", emociona-se Passos.
Na
opinião de Passos, se vivo estivesse, Raul Seixas não teria se aposentado. Pelo
contrário, continuaria sendo a mosca na sopa de muita gente, brinca numa alusão
à música homônima de 1973. "A música do Raul é essencialmente jovem porque
trata de temas existenciais e filosóficos que não são tratados por outros
artistas. Ele gostava de mexer em alguns vespeiros, sabe? Em vez de sugerir
respostas, fazia questionamentos", afirma Passos, que é vocalista da Putos
Brothers Band.
Das
centenas de itens doados por Vivi, Kika e Passos para a exposição Baú do Raul,
o que mais chamou a atenção de seu curador, André Sturm, foi a letra manuscrita
de um dos maiores clássicos do roqueiro, Gita (1974). Inspirada em um texto
religioso hindu, o Bhagavad Gita, a música nasceu durante uma viagem do cantor
a Dias d'Ávila, na Bahia. Segundo Carlos Minuano, autor de Por Trás das
Canções, a música ficou pronta, mais ou menos, em dez minutos!
Gita é
uma das parcerias de Raul com o escritor Paulo Coelho. Juntos, compuseram,
entre outros hits, Al Capone (1973), Sociedade Alternativa e Como Vovó Já Dizia
(1974), Tente Outra Vez (1975) e Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás (1976).
"Era um artista genial que misturava humor debochado com crítica
social", avalia o diretor do MIS. Além de manuscritos, a exposição conta
com roupas, violões, prêmios, discos e fotografias.
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O início, o fim e o meio
Além do
show no Rio e da exposição em São Paulo, os 80 anos de Raul Seixas serão
celebrados com o lançamento de Eu Sou, Eu Fui, Eu Vou: Uma Biografia de Raul
Seixas, escrito pelo jornalista Rogério Medeiros, e da estreia de Eu Sou, série
do Globoplay dirigida pelo cineasta Paulo Morelli.
No
livro, Medeiros revisita histórias bizarras, como a vez em que seu biografado
foi confundido com um impostor durante um show em Caieiras (SP) e levado para a
delegacia, e revela bastidores curiosos, como o dia em que ele e Paulo Coelho
compuseram, à luz de velas e debaixo de chuva, Eu Nasci Há 10 Mil Anos Atrás.
"Cada livro novo sobre o Raul completa os que vieram antes", afirma
Medeiros. "No meu caso, o que mais chamou a atenção é a quantidade de
música que ele compôs e nunca gravou."
Segundo
o ECAD, Raul Seixas compôs, sozinho ou em parceria, 324 canções. A mais
executada é Cowboy Fora da Lei (1987), com Cláudio Roberto, e a mais regravada,
Medo da Chuva (1974), com Paulo Coelho.
Na
série que estreia nesta quinta-feira (26/06), Morelli conta a história de Raul
Santos Seixas, desde o dia em que nasceu, em 28 de junho de 1945, em Salvador
(BA), até o dia de sua morte, em 21 de agosto de 1989, em São Paulo (SP). Raul
é interpretado por Ravel Andrade e Paulo Coelho por João Pedro Zappa. Quem
interpretou o parceiro de Raul no filme Não Pare na Pista (2014), de Daniel
Augusto, foi Júlio Andrade, irmão de Ravel.
"Estava
à frente do seu tempo. Era quase um líder espiritual", define Morelli, o
criador e diretor geral da série. "Se Raul tivesse sobrevivido a si mesmo,
estaria em plena atividade. Uma fonte permanente de criatividade."
Apesar
de suas parcerias com Cláudio Roberto, a mais longeva, e com Paulo Coelho, a
mais famosa, Raul Seixas também compôs sozinho. Caso de Sessão das Dez (1971),
Mosca na Sopa, Metamorfose Ambulante e Ouro de Tolo (1973) e O Trem das 7
(1974), entre outras.
"Para
quem faz rock no Brasil, Raul Seixas é fundamental. Raul, Rita e a dupla
Roberto e Erasmo, aliás, são o tripé do rock brasileiro", analisa Roberto
Frejat que já cantou Tente Outra Vez (1975), Só Pra Variar (1980) e Carpinteiro
do Universo (1989) em disco ou show, e participa do tributo no Circo Voador.
"É uma figura importante na minha formação."
Entre
Elvis Presley e Luiz Gonzaga
Em 21
anos de carreira, Raul Seixas gravou 22 álbuns – o primeiro foi Raulzito e Os
Panteras (1968) e o último, A Panela do Diabo (1989), com Marcelo Nova. Entre
um e outro, teve até trilha de novela, O Rebu (1974), e álbum ao vivo, Raul
Seixas ao Vivo – Único e Exclusivo (1984), gravado em São Paulo, no dia 26 de
fevereiro de 1983.
"Raul
Seixas tinha uma visão futurista. Se não tivesse morrido tão precocemente,
continuaria a ser o contestador que sempre foi", afirma Marco Mazzola que
produziu cinco álbuns do cantor: Krig-Ha, Bandolo! (1973), Gita e O Rebu
(1974), Novo Aeon (1975) e O Dia em que a Terra Parou (1977). "Muitas das
suas músicas viraram hinos."
Contestador
para Marco Mazzola, criativo para Toninho Buda. Coautor de Coisas do Coração –
Minha História com Raul (2020), autobiografia escrita por Kika, Buda explica
que, versátil, Raul Seixas compôs em 30 ritmos diferentes, como blues, bolero,
country, jazz, reggae, samba, tango e valsa, entre outros. Um exemplo é Let Me
Sing, Let Me Sing (1972), que mistura, na mesma música, rock e baião.
"Os
inimigos da liberdade, identificados em Cowboy Fora da Lei como o Estado, a
polícia e a religião, jogam cada vez mais sujo para escravizar os fracos. Na
contramão, Raul Seixas pregava a autonomia para fazer o que quiser de sua vida.
Isso atrai quem busca liberdade", afirma Toninho Buda.
Fonte:
DW Brasil

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