Na
Alemanha, nazismo deixou de ser tabu para a juventude?
Suásticas
pichadas, palavras de ordem nazistas, Hitler: nas ruas de Dessau, no Leste
alemão, há sinais do racismo e xenofobia que já resultaram em mortes – e o
prefeito é da AfD. Mas a esperança de mudança resiste.
Extremismo
de direita e racismo têm se alastrado fortemente na cidade de Dessau, no estado
de Saxônia-Anhalt, no Leste da
Alemanha. "Nos últimos cinco a dez anos, tivemos mais casos de
aconselhamento do que nunca nas escolas", relata Steffen Andresch,
integrante do Projekt GegenPart, uma equipe móvel encarregada da temática.
Especialistas
observam essa tendência em diversas cidades e regiões do país, sobretudo nas do
Leste, antes pertencentes à República Democrática Alemã (RDA,
1949-1990), de regime comunista.
Numa
entrevista em maio de 2025, o diretor do Departamento Federal de Investigações
(BKA), Holger Münch, advertia: "Há cerca de um ano vemos como cada vez
mais gente muito jovem, de mentalidade de ultradireita, se radicaliza ainda
mais e se reúne em estruturas parcialmente bem organizadas para cometer delitos
graves."
Em
Dessau, essa radicalização é visível também nas ruas: por todo canto veem-se
pichações de cruzes suásticas, caricaturas de Adolf Hitler, palavras de ordem nazistas. "Em certas
regiões rurais do Leste alemão, 'nazista' se tornou simplesmente pop",
comenta Lukas Jocher, que também trabalha para o GegenPart. "E é cool escrever
nas paredes do estacionamento essa canção Heil Hitler, do rapper americano
Kanye West."
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Alemanha comunista, reunificação – e depois
Vários
jovens com que a DW falou na cidadezinha alemã confirmaram: ser de ultradireita
é, de algum modo, cool. Entre eles, está Jeremy (nome modificado),
de 17 anos, alto e bem-educado, de roupas esportivas, acompanhado por duas
meninas. À primeira vista, todos parecem adolescentes alemães medianos,
perfeitamente normais.
Como é
o extremismo de direita na escola que frequentam? "Hitler é adorado, e
como!", dizem, rindo. A saudação nazista faz parte do dia a dia escolar;
nas festas cantam "Ausländer raus!" (Fora com os
estrangeiros): "A gente simplesmente canta junto, não importa que música
esteja tocando", ri Jeremy.
A
explicação de como se chegou a esse ponto de radicalização juvenil, vai longe.
Com 75 mil habitantes, Dessau – ou, mais corretamente, Dessau-Rosslau, seu
nome oficial desde a fusão com o município vizinho – é o que se chama na
Alemanha um oberzentrum (supercentro): uma cidade que, com seu
comércio, hospitais e museus abastece toda uma região.
A reunificação da RDA com a
República Federal da Alemanha (RFA), em 1990, trouxe liberdades consideráveis
aos moradores do Leste, mas também o colapso econômico, resultando em
desemprego e êxodo em massa da população jovem, de boa formação – tendência que
se mantém.
Contudo
o Estado não ficou passivo, mas investiu enormes somas na região. Somente em
Dessau, numa tradicional área de mineração de carvão, injetaram-se, desde a
reunificação, 1 bilhão de euros para sustentar e ampliar a economia,
infraestrutura e instituições culturais.
Hoje,
ela é um orgulho da Saxônia-Anhalt, inclusive declarada Patrimônio Cultural
Mundial da Unesco por seu o berço do Bauhaus, o inovador movimento que definiu
arquitetura e design no século 20. Quase mil estudantes de todo o mundo
procuram a universidade local como centro de saber e cultura.
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"Tradição" letal de xenofobia
Mas,
apesar de todos esses investimentos, pontos altos históricos, intercâmbios e
encontros culturais, nas últimas décadas Dessau tem ocupado as manchetes
sobretudo devido ao ódio e violência.
No ano
2000, três jovens neonazistas do bairro Rosslau assassinaram o
moçambicano Alberto Adriano, de 39 anos. Sem
qualquer motivo, só pelo fato de ele ser negro, o espancaram até a morte. Em
seguida ao crime, o então chefe de governo alemão, Gerhard Schröder, conclamou
a população a demonstrar coragem civil contra o extremismo de direita.
Cinco
anos mais tarde, o solicitante de asilo Oury Jalloh, da Guiné,
igualmente negro, morreu numa cela da delegacia de Dessau –
queimado vivo, atado a um colchão. Vários indícios apontaram para ação
criminosa, mas o caso não foi nunca esclarecido.
Em maio
de 2016, a chinesa Li Yangjie, prestes a concluir o mestrado na conceituada
Escola Superior de Arquitetura da cidade, foi violentada e assassinada. Após
uma hora de luta desesperada, seu assassino simplesmente a atirou pela janela,
totalmente desfigurada.
Dois
anos mais tarde, o filho de policial Sebastian F. foi condenado a prisão
perpétua pelo assassinato. Em seguida ao crime, a embaixada chinesa em Berlim
expediu uma advertência relativa a viagens para Dessau: "Lá os moradores
são tradicionalmente hostis em relação a estrangeiros."
Racismo,
violência, extremismo: este é o sound de Dessau – e de
diversas outras cidades do Leste alemão.
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Um ex-neonazista como prefeito
Em
julho de 2024, Laurens Nothdurft, da segunda sigla mais forte do país, a
radical Alternativa para a Alemanha (AfD), foi
eleito prefeito de Dessau-Rosslau, também com votos de outros partidos. Em sua
função oficial, preside jubileus e se encontra com classes escolares nos dias
comemorativos. Ele se sente conectado aos jovens.
Em 8 de
maio de 2025, quando se celebraram os 80 anos desde a libertação da Alemanha
da ditadura nacional-socialista, o ultradireitista
fez um discurso para os colegiais. "O cerne do meu pronunciamento foi:
dirigir o olhar para a frente", relatou, atendendo a uma consulta da DW.
"Muito especificamente, em direção a um futuro positivo." Aos crimes
de guerra nazistas, ao genocídio dos judeus europeus, Nothdurft não dedicou uma
palavra.
A
rigor, ele não poderia ser membro da AfD. No fim dos anos 1990, foi um dos
líderes da associação Juventude Alemã Fiel à Pátria (HDJ) – proibida em 2009
devido a seu parentesco com o nazismo e a Juventude Hitlerista –, e
oficialmente a AfD não aceita membros com passado neonazista. Interpelados,
tanto o partido quanto Nothdurft recusaram-se a se manifestar sobre o assunto.
A
própria AfD é classificada pelas autoridades de segurança da Saxônia-Anhalt
como "seguramente extremista de direita". Isso não impede sua
ascensão política no estado: nas eleições gerais de 2025, obteve 37% dos votos
da região, e no pleito estadual de 2026 pretende assumir o governo, sozinha.
"O
extremismo se aproxima cada vez mais do centro e se torna socialmente
aceitável", resume Marcus Geiger, da associação Buntes Rosslau. Os ataques
contra ele e a esposa, Mandy Mück, fazem parte do dia a dia.
"Já
nos xingaram de 'carrapatos vermelhos' em plena rua. Também jogaram uma garrafa
de cerveja pela nossa janela, ou pregos por cima do portão de entrada",
relata a igualmente ativista Mück. Quanto aos vizinhos: "Ninguém ouve
nada, vê nada, e ninguém acorre." O casal tem a impressão de que os
agressores são agora mais jovens.
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Extremismo atinge mais jovens – mas há esperança
Entretanto
em Dessau há muitos cidadãos e cidadãs engajados, que procuram se opor ao ódio:
o Projekt GegenPart, a Buntes Rosslau, os escoteiros cristãos, docentes,
pessoas privadas, a universidade, escolas, mesmo políticos mais conservadores.
E, acima de tudo, também os jovens.
A DW se
encontra com sete deles no Alternatives Zentrum (AZ). "Em certos dias você
tem sempre medo, em Dessau", confessa Sophie. "Em certos feriados,
quando se bebe muito." E Max conta: "Eu só corro pela área em que
moro." Paul Nolte se engaja também no Conselho Municipal pelos interesses
dos jovens alternativos: "Muitos de nós passamos por essas experiências,
eu e meu amigo Timm fomos ameaçados a faca."
Eles
confirmam que a ideologia de extrema direita está cada vez mais propagada entre
os jovens: "Outro dia eu passei diante da minha antiga escola
primária", recorda Sophie. "Aí eu ouço as crianças dizendo que devia
haver uma classe só para alemães de sangue puro."
A
situação da cidade os preocupa, assim como a da Alemanha, mas, ainda assim
"também há um cenário positivo": "Aqui em Dessau, cada pessoa
conta. Dá para fazer e conseguir alguma coisa." Os clubes e associações se
conectaram em rede para defender-se em conjunto das agressões da ultradireita.
Apesar de todas as hostilidades e desafios, nenhum dos sete jovens pretende se
mudar: Dessau é a sua cidade.
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Alunos propõem slogans nazistas para formatura na
Alemanha
A
formatura do ensino médio, conhecida como Abitur, ou mais carinhosamente Abi, é
um dos principais momentos na vida de um estudante na Alemanha,
com direito a um lema ou ditado que acompanhará o grupo de formandos pelo
resto de suas vidas.
Esse
lema estará impresso nas camisetas e adesivos feitos especialmente para o
momento, será a inspiração das festas de formatura e costuma ser o título do
jornal escolar com o qual os jovens de 18 e 19 anos encerram formalmente seus
anos escolares.
Para
alguns estudantes da Escola Liebig de Giessen, no estado de Hessen, porém, o lema do
Abitur é algo que já agora eles preferem esquecer. Ou, como disse a
representante estudantil Nicole Kracke à revista Der Spiegel: "Agora nós
somos aqueles com o selo de nazistas. Isso dói."
Isso
porque "Abi macht frei" (em referência à inscrição "Arbeit macht
frei", ou "O trabalho liberta", que ficava nos portões de
entrada de campos de concentração nazistas), "Abi-Akbar – De
forma explosiva pelo Abitur" (em referência a ataques terroristas
islamistas) e "NSDABI – Queimem o Duden" (em referência
ao partido nazista NSDAP e à queima de livros e ao assassinato de judeus pelos nazistas – Duden é
um dicionário muito popular na Alemanha, e Juden significa
judeus em alemão) foram algumas das sugestões numa votação anônima num fórum
online para o lema de 2026 dos concluintes do ensino médio na escola.
Alguns
alunos que participavam do fórum reagiram rapidamente e relataram o ocorrido à
administração da escola. O acesso ao portal foi bloqueado, toda a turma foi
convocada pela escola e a direção divulgou um comunicado, no qual afirma que
"racismo, antissemitismo e discriminação não têm lugar em nossa comunidade
escolar". A polícia está investigando o caso por suspeita de incitação ao
ódio.
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Aceitação cada vez maior de ideias extremistas
Seria o
episódio uma provocação estúpida de alguns alunos imaturos do ensino médio
ou a prova de como atitudes e ideias de extrema direitaestão cada vez mais fortes entre os jovens
na Alemanha?
Seja
como for, a sugestão de uso de slogans nazistas como lema de uma turma de
ensino médio que está de saída da escola causou escândalo e preocupação na
Alemanha, e até a ministra da Educação, Karin Prien, se manifestou. Ela
defendeu que as visitas aos memoriais dos campos de concentração nazistas se
tornem obrigatórias para todas as escolas da Alemanha.
Mas
seria o incidente em Giessen apenas a ponta do iceberg? Diante do campo de
extermínio de Auschwitz, onde os nazistas assassinaram mais de 1 milhão de
pessoas, alunos do nono ano de Görlitz, na Saxônia, fizeram uma saudação
neonazista. Em Oelsnitz, também na Saxônia, uma professora do ensino médio foi
transferida porque foi ameaçada por extremistas de direita. E em Wiesbaden, em
Hesse, estudantes aplaudiram um filme educativo sobre o assassinato de milhões
de judeus. Os três episódios ocorreram neste ano.
Por
tudo isso, a especialista Tina Dürr não se mostra especialmente surpresa sobre
o caso de Giessen. Ela é vice-diretora do Centro de Democracia de Hessen, que
apoia e aconselha escolas, municípios e associações na luta contra o extremismo
de direita.
"Provocações
e declarações extremistas de direita, como esse lema escolar, têm sido mais
frequentes em escolas, e estamos ouvindo cada vez mais relatos sobre
isso", disse ela. "Há suásticas e grafites de extremistas de direita,
saudações a Hitler, músicas racistas ou extremistas cantadas em excursões
escolares", diz.
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Espelho da sociedade
Os
estados alemães não registram os crimes de extrema direita nas escolas de forma
uniforme. Porém, uma pesquisa conduzida pelo jornal Die Zeit entre as
secretarias estaduais do Interior revelou um quadro preocupante: em 2024, os
incidentes de extrema direita aumentaram em pelo menos 30% na comparação com o
ano anterior.
Muitos
dizem que as escolas são um reflexo da sociedade alemã, na qual posicionamentos
e provocações de extrema direita são cada vez mais aceitáveis, o que se reflete
na popularidade do partido político Alternativa para a Alemanha (AfD), que as autoridades
de vigilância alemãs consideram ter setores de extrema direita.
Nas
suas redes sociais, a AfD divulga conteúdo de masculinidade tóxica ou misógino. "A
desvalorização das mulheres e o retorno aos papéis familiares tradicionais,
ambos elementos do extremismo de direita, estão de novo em alta. Mulheres
autoconfiantes estão sendo desacreditadas, pessoas queer estão sendo
desacreditadas, chegando até mesmo à violência e ao feminicídio", diz
Dürr.
Isso
representa um enorme desafio, especialmente para os educadores. Dois anos
atrás, o caso de dois professores em Brandemburgo
causou furor na Alemanha. Eles denunciaram incidentes extremistas de direita na
sua escola, sofreram amplas hostilidades e acabaram deixando a escola.
Porém,
mais do que nunca é necessário que os professores reajam porque, do contrário,
provocações racistas e de teor extremista de direita vão se tornar cada vez
mais comuns, diz Dürr, do Centro de Democracia de Hessen. "Se o professor
não intervém e deixa os perpetradores impunes, você sugere aos alunos, até
certo ponto, que isso é normal. Precisamos apoiar aqueles que ousam defender os
valores democráticos e identificam o extremismo como um problema."
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Memória da era nazista se apaga
Quem
conhece isso muito bem é o presidente da Associação de Professores Alemães,
Stefan Düll, que também é diretor de uma escola secundária em Neusäss, na
Baviera. Ele defende tratar casos de comportamento extremista de direita por
parte de estudantes com a máxima severidade: chamar a polícia e registrar
queixa, o que obriga os investigadores a agirem.
"Não
podemos varrer esses crimes para debaixo do tapete dizendo que vamos resolver o
problema com uma pequena abordagem pessoal e pronto. Mesmo que o infrator tenha
apenas 13 anos, temos que denunciar à polícia. E se a polícia for até o
infrator e o abordar, isso tem um impacto diferente de meras medidas
disciplinares escolares, que devem ser adicionalmente impostas", afirma.
Düll
apoia a ideia da ministra da Educação de tornar obrigatórias as visitas aos
memoriais dos campos de concentração. Ele lembra que 90% das escolas alemãs já
fazem isso, mas diz que, mesmo assim, manter viva a memória do Holocausto está
se tornando cada vez mais difícil para as
instituições educacionais.
Num
levantamento feito pela organização Jewish Claims Conference, cerca de 40% dos
alemães de 18 a 29 anos entrevistados não sabiam que cerca de 6
milhões de judeus foram assassinados durante a era nazista.
Testemunhas
contemporâneas que visitam as escolas, como a recentemente falecida Margot Friedländer, em breve não
estarão mais lá. E o Holocausto se torna um evento cada vez mais distante no
tempo, com os estudantes vivendo o aqui e agora, diz Düll.
"Os
incidentes de teor extremista de direita nas escolas estão aumentando porque a
conexão direta dentro da própria família não existe mais. De um lado, temos
alunos cujos pais e avós não tiveram nada a ver com a era nazista porque não
viviam na Alemanha. E temos aqueles cujos pais e avós nasceram após o fim da
Segunda Guerra Mundial", comenta Düll.
Fonte:
DW Brasil

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