sexta-feira, 27 de junho de 2025

Na Alemanha, nazismo deixou de ser tabu para a juventude?

Suásticas pichadas, palavras de ordem nazistas, Hitler: nas ruas de Dessau, no Leste alemão, há sinais do racismo e xenofobia que já resultaram em mortes – e o prefeito é da AfD. Mas a esperança de mudança resiste.

Extremismo de direita e racismo têm se alastrado fortemente na cidade de Dessau, no estado de Saxônia-Anhalt, no Leste da Alemanha. "Nos últimos cinco a dez anos, tivemos mais casos de aconselhamento do que nunca nas escolas", relata Steffen Andresch, integrante do Projekt GegenPart, uma equipe móvel encarregada da temática.

Especialistas observam essa tendência em diversas cidades e regiões do país, sobretudo nas do Leste, antes pertencentes à República Democrática Alemã (RDA, 1949-1990), de regime comunista.

Numa entrevista em maio de 2025, o diretor do Departamento Federal de Investigações (BKA), Holger Münch, advertia: "Há cerca de um ano vemos como cada vez mais gente muito jovem, de mentalidade de ultradireita, se radicaliza ainda mais e se reúne em estruturas parcialmente bem organizadas para cometer delitos graves."

Em Dessau, essa radicalização é visível também nas ruas: por todo canto veem-se pichações de cruzes suásticas, caricaturas de Adolf Hitler, palavras de ordem nazistas. "Em certas regiões rurais do Leste alemão, 'nazista' se tornou simplesmente pop", comenta Lukas Jocher, que também trabalha para o GegenPart. "E é cool escrever nas paredes do estacionamento essa canção Heil Hitler, do rapper americano Kanye West."

<><> Alemanha comunista, reunificação – e depois

Vários jovens com que a DW falou na cidadezinha alemã confirmaram: ser de ultradireita é, de algum modo, cool. Entre eles, está Jeremy (nome modificado), de 17 anos, alto e bem-educado, de roupas esportivas, acompanhado por duas meninas. À primeira vista, todos parecem adolescentes alemães medianos, perfeitamente normais.

Como é o extremismo de direita na escola que frequentam? "Hitler é adorado, e como!", dizem, rindo. A saudação nazista faz parte do dia a dia escolar; nas festas cantam "Ausländer raus!" (Fora com os estrangeiros): "A gente simplesmente canta junto, não importa que música esteja tocando", ri Jeremy.

A explicação de como se chegou a esse ponto de radicalização juvenil, vai longe. Com 75 mil habitantes, Dessau – ou, mais corretamente, Dessau-Rosslau, seu nome oficial desde a fusão com o município vizinho – é o que se chama na Alemanha um oberzentrum (supercentro): uma cidade que, com seu comércio, hospitais e museus abastece toda uma região.

reunificação da RDA com a República Federal da Alemanha (RFA), em 1990, trouxe liberdades consideráveis aos moradores do Leste, mas também o colapso econômico, resultando em desemprego e êxodo em massa da população jovem, de boa formação – tendência que se mantém.

Contudo o Estado não ficou passivo, mas investiu enormes somas na região. Somente em Dessau, numa tradicional área de mineração de carvão, injetaram-se, desde a reunificação, 1 bilhão de euros para sustentar e ampliar a economia, infraestrutura e instituições culturais.

Hoje, ela é um orgulho da Saxônia-Anhalt, inclusive declarada Patrimônio Cultural Mundial da Unesco por seu o berço do Bauhaus, o inovador movimento que definiu arquitetura e design no século 20. Quase mil estudantes de todo o mundo procuram a universidade local como centro de saber e cultura.

<><> "Tradição" letal de xenofobia

Mas, apesar de todos esses investimentos, pontos altos históricos, intercâmbios e encontros culturais, nas últimas décadas Dessau tem ocupado as manchetes sobretudo devido ao ódio e violência.

No ano 2000, três jovens neonazistas do bairro Rosslau assassinaram o moçambicano Alberto Adriano, de 39 anos. Sem qualquer motivo, só pelo fato de ele ser negro, o espancaram até a morte. Em seguida ao crime, o então chefe de governo alemão, Gerhard Schröder, conclamou a população a demonstrar coragem civil contra o extremismo de direita.

Cinco anos mais tarde, o solicitante de asilo Oury Jalloh, da Guiné, igualmente negro, morreu numa cela da delegacia de Dessau – queimado vivo, atado a um colchão. Vários indícios apontaram para ação criminosa, mas o caso não foi nunca esclarecido.

Em maio de 2016, a chinesa Li Yangjie, prestes a concluir o mestrado na conceituada Escola Superior de Arquitetura da cidade, foi violentada e assassinada. Após uma hora de luta desesperada, seu assassino simplesmente a atirou pela janela, totalmente desfigurada.

Dois anos mais tarde, o filho de policial Sebastian F. foi condenado a prisão perpétua pelo assassinato. Em seguida ao crime, a embaixada chinesa em Berlim expediu uma advertência relativa a viagens para Dessau: "Lá os moradores são tradicionalmente hostis em relação a estrangeiros."

Racismo, violência, extremismo: este é o sound de Dessau – e de diversas outras cidades do Leste alemão.

<><> Um ex-neonazista como prefeito

Em julho de 2024, Laurens Nothdurft, da segunda sigla mais forte do país, a radical Alternativa para a Alemanha (AfD), foi eleito prefeito de Dessau-Rosslau, também com votos de outros partidos. Em sua função oficial, preside jubileus e se encontra com classes escolares nos dias comemorativos. Ele se sente conectado aos jovens.

Em 8 de maio de 2025, quando se celebraram os 80 anos desde a libertação da Alemanha da ditadura nacional-socialista, o ultradireitista fez um discurso para os colegiais. "O cerne do meu pronunciamento foi: dirigir o olhar para a frente", relatou, atendendo a uma consulta da DW. "Muito especificamente, em direção a um futuro positivo." Aos crimes de guerra nazistas, ao genocídio dos judeus europeus, Nothdurft não dedicou uma palavra.

A rigor, ele não poderia ser membro da AfD. No fim dos anos 1990, foi um dos líderes da associação Juventude Alemã Fiel à Pátria (HDJ) – proibida em 2009 devido a seu parentesco com o nazismo e a Juventude Hitlerista –, e oficialmente a AfD não aceita membros com passado neonazista. Interpelados, tanto o partido quanto Nothdurft recusaram-se a se manifestar sobre o assunto.

A própria AfD é classificada pelas autoridades de segurança da Saxônia-Anhalt como "seguramente extremista de direita". Isso não impede sua ascensão política no estado: nas eleições gerais de 2025, obteve 37% dos votos da região, e no pleito estadual de 2026 pretende assumir o governo, sozinha.

"O extremismo se aproxima cada vez mais do centro e se torna socialmente aceitável", resume Marcus Geiger, da associação Buntes Rosslau. Os ataques contra ele e a esposa, Mandy Mück, fazem parte do dia a dia.

"Já nos xingaram de 'carrapatos vermelhos' em plena rua. Também jogaram uma garrafa de cerveja pela nossa janela, ou pregos por cima do portão de entrada", relata a igualmente ativista Mück. Quanto aos vizinhos: "Ninguém ouve nada, vê nada, e ninguém acorre." O casal tem a impressão de que os agressores são agora mais jovens.

<><> Extremismo atinge mais jovens – mas há esperança

Entretanto em Dessau há muitos cidadãos e cidadãs engajados, que procuram se opor ao ódio: o Projekt GegenPart, a Buntes Rosslau, os escoteiros cristãos, docentes, pessoas privadas, a universidade, escolas, mesmo políticos mais conservadores. E, acima de tudo, também os jovens.

A DW se encontra com sete deles no Alternatives Zentrum (AZ). "Em certos dias você tem sempre medo, em Dessau", confessa Sophie. "Em certos feriados, quando se bebe muito." E Max conta: "Eu só corro pela área em que moro." Paul Nolte se engaja também no Conselho Municipal pelos interesses dos jovens alternativos: "Muitos de nós passamos por essas experiências, eu e meu amigo Timm fomos ameaçados a faca."

Eles confirmam que a ideologia de extrema direita está cada vez mais propagada entre os jovens: "Outro dia eu passei diante da minha antiga escola primária", recorda Sophie. "Aí eu ouço as crianças dizendo que devia haver uma classe só para alemães de sangue puro."

A situação da cidade os preocupa, assim como a da Alemanha, mas, ainda assim "também há um cenário positivo": "Aqui em Dessau, cada pessoa conta. Dá para fazer e conseguir alguma coisa." Os clubes e associações se conectaram em rede para defender-se em conjunto das agressões da ultradireita. Apesar de todas as hostilidades e desafios, nenhum dos sete jovens pretende se mudar: Dessau é a sua cidade.

¨      Alunos propõem slogans nazistas para formatura na Alemanha

A formatura do ensino médio, conhecida como Abitur, ou mais carinhosamente Abi, é um dos principais momentos na vida de um estudante na Alemanha, com direito a um lema ou ditado que acompanhará o grupo de formandos pelo resto de suas vidas.

Esse lema estará impresso nas camisetas e adesivos feitos especialmente para o momento, será a inspiração das festas de formatura e costuma ser o título do jornal escolar com o qual os jovens de 18 e 19 anos encerram formalmente seus anos escolares.

Para alguns estudantes da Escola Liebig de Giessen, no estado de Hessen, porém, o lema do Abitur é algo que já agora eles preferem esquecer. Ou, como disse a representante estudantil Nicole Kracke à revista Der Spiegel: "Agora nós somos aqueles com o selo de nazistas. Isso dói."

Isso porque "Abi macht frei" (em referência à inscrição "Arbeit macht frei", ou "O trabalho liberta", que ficava nos portões de entrada de campos de concentração nazistas), "Abi-Akbar – De forma explosiva pelo Abitur" (em referência a ataques terroristas islamistas) e "NSDABI – Queimem o Duden" (em referência ao partido nazista NSDAP e à queima de livros e ao assassinato de judeus pelos nazistas – Duden é um dicionário muito popular na Alemanha, e Juden significa judeus em alemão) foram algumas das sugestões numa votação anônima num fórum online para o lema de 2026 dos concluintes do ensino médio na escola.

Alguns alunos que participavam do fórum reagiram rapidamente e relataram o ocorrido à administração da escola. O acesso ao portal foi bloqueado, toda a turma foi convocada pela escola e a direção divulgou um comunicado, no qual afirma que "racismo, antissemitismo e discriminação não têm lugar em nossa comunidade escolar". A polícia está investigando o caso por suspeita de incitação ao ódio.

<><> Aceitação cada vez maior de ideias extremistas

Seria o episódio uma provocação estúpida de alguns alunos imaturos do ensino médio ou a prova de como atitudes e ideias de extrema direitaestão cada vez mais fortes entre os jovens na Alemanha?

Seja como for, a sugestão de uso de slogans nazistas como lema de uma turma de ensino médio que está de saída da escola causou escândalo e preocupação na Alemanha, e até a ministra da Educação, Karin Prien, se manifestou. Ela defendeu que as visitas aos memoriais dos campos de concentração nazistas se tornem obrigatórias para todas as escolas da Alemanha.

Mas seria o incidente em Giessen apenas a ponta do iceberg? Diante do campo de extermínio de Auschwitz, onde os nazistas assassinaram mais de 1 milhão de pessoas, alunos do nono ano de Görlitz, na Saxônia, fizeram uma saudação neonazista. Em Oelsnitz, também na Saxônia, uma professora do ensino médio foi transferida porque foi ameaçada por extremistas de direita. E em Wiesbaden, em Hesse, estudantes aplaudiram um filme educativo sobre o assassinato de milhões de judeus. Os três episódios ocorreram neste ano.

Por tudo isso, a especialista Tina Dürr não se mostra especialmente surpresa sobre o caso de Giessen. Ela é vice-diretora do Centro de Democracia de Hessen, que apoia e aconselha escolas, municípios e associações na luta contra o extremismo de direita.

"Provocações e declarações extremistas de direita, como esse lema escolar, têm sido mais frequentes em escolas, e estamos ouvindo cada vez mais relatos sobre isso", disse ela. "Há suásticas e grafites de extremistas de direita, saudações a Hitler, músicas racistas ou extremistas cantadas em excursões escolares", diz.

<><> Espelho da sociedade

Os estados alemães não registram os crimes de extrema direita nas escolas de forma uniforme. Porém, uma pesquisa conduzida pelo jornal Die Zeit entre as secretarias estaduais do Interior revelou um quadro preocupante: em 2024, os incidentes de extrema direita aumentaram em pelo menos 30% na comparação com o ano anterior.

Muitos dizem que as escolas são um reflexo da sociedade alemã, na qual posicionamentos e provocações de extrema direita são cada vez mais aceitáveis, o que se reflete na popularidade do partido político Alternativa para a Alemanha (AfD), que as autoridades de vigilância alemãs consideram ter setores de extrema direita.

Nas suas redes sociais, a AfD divulga conteúdo de masculinidade tóxica ou misógino. "A desvalorização das mulheres e o retorno aos papéis familiares tradicionais, ambos elementos do extremismo de direita, estão de novo em alta. Mulheres autoconfiantes estão sendo desacreditadas, pessoas queer estão sendo desacreditadas, chegando até mesmo à violência e ao feminicídio", diz Dürr.

Isso representa um enorme desafio, especialmente para os educadores. Dois anos atrás, o caso de dois professores em Brandemburgo causou furor na Alemanha. Eles denunciaram incidentes extremistas de direita na sua escola, sofreram amplas hostilidades e acabaram deixando a escola.

Porém, mais do que nunca é necessário que os professores reajam porque, do contrário, provocações racistas e de teor extremista de direita vão se tornar cada vez mais comuns, diz Dürr, do Centro de Democracia de Hessen. "Se o professor não intervém e deixa os perpetradores impunes, você sugere aos alunos, até certo ponto, que isso é normal. Precisamos apoiar aqueles que ousam defender os valores democráticos e identificam o extremismo como um problema."

<><> Memória da era nazista se apaga

Quem conhece isso muito bem é o presidente da Associação de Professores Alemães, Stefan Düll, que também é diretor de uma escola secundária em Neusäss, na Baviera. Ele defende tratar casos de comportamento extremista de direita por parte de estudantes com a máxima severidade: chamar a polícia e registrar queixa, o que obriga os investigadores a agirem.

"Não podemos varrer esses crimes para debaixo do tapete dizendo que vamos resolver o problema com uma pequena abordagem pessoal e pronto. Mesmo que o infrator tenha apenas 13 anos, temos que denunciar à polícia. E se a polícia for até o infrator e o abordar, isso tem um impacto diferente de meras medidas disciplinares escolares, que devem ser adicionalmente impostas", afirma.

Düll apoia a ideia da ministra da Educação de tornar obrigatórias as visitas aos memoriais dos campos de concentração. Ele lembra que 90% das escolas alemãs já fazem isso, mas diz que, mesmo assim, manter viva a memória do Holocausto está se tornando cada vez mais difícil para as instituições educacionais.

Num levantamento feito pela organização Jewish Claims Conference, cerca de 40% dos alemães de 18 a 29 anos entrevistados não sabiam que cerca de 6 milhões de judeus foram assassinados durante a era nazista.

Testemunhas contemporâneas que visitam as escolas, como a recentemente falecida Margot Friedländer, em breve não estarão mais lá. E o Holocausto se torna um evento cada vez mais distante no tempo, com os estudantes vivendo o aqui e agora, diz Düll.

"Os incidentes de teor extremista de direita nas escolas estão aumentando porque a conexão direta dentro da própria família não existe mais. De um lado, temos alunos cujos pais e avós não tiveram nada a ver com a era nazista porque não viviam na Alemanha. E temos aqueles cujos pais e avós nasceram após o fim da Segunda Guerra Mundial", comenta Düll.

 

Fonte: DW Brasil

 

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