É
um mito dizer que adolescentes são saudáveis. Policrise afeta saúde mental das
juventudes
O termo
“policrise” remete a uma condição em que crises de diversas naturezas se
manifestam simultaneamente e, mais do que isso, se retroalimentam, gerando
efeitos complexos e de difícil resolução. Assim tem sido descrita, por exemplo,
a crise de saúde mental que afeta as juventudes no mundo todo, associada, por
especialistas de diferentes áreas do conhecimento, às crises econômica, social
e política, mas também ao acesso desmedido às telas, redes sociais, videogames
e ao isolamento.
No
pós-pandemia de Covid-19, aumentaram as pesquisas sobre a relação entre
policrise e juventude. Pesquisadores alertam para os efeitos que a
inter-relação de diversas crises está causando nos jovens. Katherine Smith,
professora de Política Social na Universidade de York, Reino Unido, pesquisa os
efeitos de quatro crises na saúde mental das juventudes: a crise da saúde, a
crise econômica, a crise relativa ao custo de vida e a crise da democracia. Ela
também realiza pesquisas qualitativas com jovens, abordando temas como família,
relacionamentos, apoio emocional e saúde mental. “Espero que uma maior
compreensão das experiências de apoio e saúde mental das gerações mais jovens
possa se traduzir em práticas e políticas públicas e, em última análise, ter um
impacto positivo na vida dos jovens”, afirma ao comentar os estudos sobre o
tema.
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Saúde mental das juventudes
Estudo
publicado em maio deste ano na revista The Lancet, com a participação de
pesquisadores do Murdoch Children’s Research Institute (MCRI), trata da relação
entre saúde e juventudes. Segundo dados do relatório, 24% da população mundial
é formada por jovens, mas eles recebem somente 2,4% dos recursos globais de
saúde. A previsão é de que até 2050, 70% dos jovens viverão em áreas urbanas, o
que desperta preocupações em relação à pobreza, ao isolamento e à moradia
precária. “Um mito comum é que os adolescentes são saudáveis e, portanto, não
precisam de serviços de saúde. No entanto, nossas descobertas mostram que, em
todos os países, os adolescentes precisam de acesso a serviços de saúde
responsivos que possam identificar e responder confidencialmente às suas
necessidades emergentes de saúde”, destaca Susan Sawyer, pesquisadora do MCRI.
Segundo ela, o relatório traz informações atuais sobre o estado de saúde dos
jovens e “as descobertas [do estudo] são alarmantes, exigem ação urgente e
responsabilidade, em colaboração com os adolescentes, para criar espaços mais
seguros e mudanças significativas”. O relatório foi lançado em 28 de maio deste
ano, na 78ª Assembleia Mundial da Saúde da Organização Mundial da Saúde, em
Genebra.
Na
Espanha, a associação Cyber Guardians publicou, também no mês passado, o
relatório “Vidas Digitais Mais Saudáveis”, no qual apresenta problemas de saúde
mental ocasionados ao uso precoce de smarthpones e acesso irrestrito à
internet. O que se observa, de acordo com o estudo, é um amento significativo
de doença mental entre os jovens associado a esses fatores. “A doença mental
entre jovens de até 20 anos na Espanha tem apresentado um aumento explosivo
desde 2012, especialmente entre as meninas. Esse aumento culminou nos meses
imediatamente posteriores ao início da pandemia de Covid-19, atingindo níveis
recordes, com um aumento de 300% em comparação com 1997”, afirma o relatório.
Para a
presidente da Associação de Saúde Pública de Madri (AMaSaP), Pilar Serrano, a
situação revela “um problema de saúde pública” que precisa ser enfrentado a
partir de uma “visão abrangente”. Segundo as orientações da AMaSaP, se as
questões relativas à saúde mental não forem abordadas de forma ampla, as
soluções serão “imperfeitas, devido aos determinantes sociais e estruturais,
como desigualdades que impedem as crianças de terem tempo de lazer saudável
longe das telas em seus bairros ou que seus pais possam exercer o controle
parental porque raramente estão por perto devido às suas longas jornadas de
trabalho”.
Segundo
Marta Beltrán, chefe da Área Científica da Agência Espanhola de Proteção de
Dados e pesquisadora da Universidade Rey Juan Carlos, entre as medidas a serem
enfrentadas está a de regulamentar o setor de tecnologia. “Há regulamentações
que eles devem cumprir, como o Regulamento de Proteção de Dados Pessoais, a Lei
Geral da Comunicação Audiovisual, o Regulamento de Serviços Digitais, o
Regulamento de Inteligência Artificial, e agora temos um projeto de lei
abrangente para a proteção de menores online. Existem ferramentas, mas o setor
precisa cumpri-las”, adverte.
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Saúde mental das juventudes no Brasil
No
Brasil, pesquisadores também estão investigando os fatores que incidem sobre a
saúde mental dos jovens. Hugo Monteiro Ferreira, pós-doutor em Estudos da
Criança pela Universidade do Minho, Portugal, e doutor em Educação pela
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), autor de A Geração do
Quarto: quando crianças e adolescentes nos ensinam a amar (Rio de Janeiro:
Record, 2022), realizou uma pesquisa com 3.115 meninos e meninas, entre 11 e 18
anos, de cinco capitais brasileiras, e identificou “sérios problemas de saúde
mental”.
Segundo
ele, os jovens que “passam mais de seis horas dentro de seus quartos, se
envolveram com bullying e/ou ciberbullying, apresentam comportamento
autodestrutivo – autolesão sem intenção suicida, ideação suicida, tentativa de
suicídio mais de uma vez –, apresentam quadro de sintomatologia psicopatológica
– transtornos obsessivos compulsivos, transtornos alimentares, transtornos de
ansiedade geral, síndrome do pânico, distúrbio do sono –, têm muita dificuldade
de inter-relação face a face com os membros da família e utilizam
excessivamente as redes sociais digitais”. Dos entrevistados, relata, “238 se
envolveram com violência sistemática, tentaram se matar mais de uma vez, cortam
a pele para aliviar a dor do psiquismo, não falam com mãe, com pai, mas usam as
redes sociais de forma intensa e densa. Abusam do álcool, fazem sexo sem
camisinha, adoram as redes e a internet, falam que não querem sair da casa dos
pais. Estão muito tristes e falam sobre a tristeza como um sentimento
desafiador”. A “geração do quarto”, contudo, pontua, não é restrita a esses
marcadores etários, mas estende-se a adultos que também enfrentam sofrimento
psíquico.
Na
avaliação do pesquisador, “a geração do quarto na América Latina é produto de
um profundo modelo social e econômico injusto, desumano, atrelado a modelos de
convivência social baseado menos na cooperação e mais na competição, menos no
respeito à alteridade e mais na tentativa de não compreender diferenças
identitárias”.
Fonte:
Por Patrin Fachin, em IHU

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