segunda-feira, 30 de junho de 2025

Quando a descontração pode afetar a imagem

O gole de uísque do presidente da Câmara dos Deputados, Hugo Motta (Republicanos-PB), no gargalo, em uma festa junina na Paraíba, viralizou em questão de horas. O gesto, registrado em vídeo e disseminado nas redes sociais, provocou uma avalanche de críticas, reacendendo o debate sobre os limites entre o lazer pessoal e a liturgia dos cargos públicos. Mesmo sendo uma tradição das festas de junho no Nordeste — desafia-se alguém a tomar um longo gole de uma bebida forte —, a cena durou segundos, mas o impacto político promete reverberar por mais tempo.

O caso de Motta não é isolado. Em fevereiro de 2024, o então presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), desfilou pela Beija-Flor — cujo patrono é o banqueiro de bicho Aniz Abraão David, o Anísio — na Marquês de Sapucaí, no carnaval carioca, em um enredo patrocinado por Maceió, sua cidade natal.

Os episódios envolvendo políticos em situações informais descontraídas evidenciam que, em tempos de comunicação digital, a linha entre o público e o privado tornou-se tênue. A busca por proximidade com o eleitor, quando mal calculada, pode, rapidamente, transformar-se em fator de desgaste. Embora a participação em eventos populares faça parte da vida social de qualquer figura pública, especialistas reforçam que é indispensável que os ocupantes de cargos eletivos compreendam o peso de suas ações. A liturgia dos cargos não se limita ao plenário ou aos gabinetes — acompanha o parlamentar em todos os espaços, inclusive nas redes sociais e em momentos de lazer.

O marqueteiro pernambucano Jurandir Miranda, especialista em campanhas eleitorais no Nordeste, destaca que a exposição nas redes amplia os efeitos de cada ação. "O que pode parecer um momento de descontração para Hugo Motta, se transforma, rapidamente, em um símbolo de descompromisso com as responsabilidades que seu cargo exige", adverte.

Miranda ressalta que, em um cenário de crescente desconfiança pública, atitudes aparentemente banais podem piorar a imagem já ruim da representação política. "O risco de banalizar situações que deveriam ser tratadas com seriedade se torna evidente, especialmente em um cenário em que a confiança do público em seus líderes já está abalada", lembra, chamando a atenção para o despojamento tornar-se um aspecto negativo.

"O que pode parecer um momento de descontração para Hugo Motta, se transforma, rapidamente, em um símbolo de descompromisso com as responsabilidades que seu cargo exige", afirma.

Para Natalia Valle, especialista em media training e gestão de imagem e reputação, a era digital tem redefinido a maneira como os políticos se relacionam com o público, com impacto na liturgia dos cargo. "Casos como o do presidente da Câmara dos Deputados beber uísque no gargalo da garrafa são reflexos de uma era em que a busca não é mais só pela atenção. As pessoas querem alcançar a intimidade do outro, compartilhar do senso de pertencimento em comunidade", afirma.

A especialista observa que essa exposição não é um simples deslize. Pode ser parte de uma estratégia calculada para criar identificação com públicos mais jovens ou distantes da política tradicional. Natália, no entanto, faz um alerta: "A estratégia pode até funcionar em um primeiro momento, mas é preciso ter muita atenção para não extrapolar os limites de um agente público", alerta.

¨      Gesto arriscado

Ela acrescenta que a viralização de vídeos em festas pode até ser usada como uma tentativa de aproximação com eleitores desinteressados pela política tradicional, mas adverte para os riscos. "Talvez, ao viralizar vídeos com esse tipo de comportamento, eles tenham percebido que podem ter uma aproximação da população que nunca teriam se seguissem à risca a formalidade que seus cargos exigem. A estratégia pode até funcionar em um primeiro momento, mas é preciso ter muita atenção para não extrapolar os limites éticos de um agente público", alerta.

O cientista político Fábio Vasconcelos, professor da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio), avalia que a exposição de políticos em festas e eventos, como o caso de Hugo Motta, reflete um fenômeno mais amplo de transformação na comunicação política. Mas a busca por engajamento rápido traz efeitos colaterais.

"Muitos políticos acreditam que a viralização é sempre boa, mas a verdade é que estão sujeitos ao escrutínio permanente e a críticas em larga escala", destaca e reforça que, no atual ambiente de comunicação digital, a exposição gera o dilema "ganho de visibilidade x risco de rejeição".

Adriano Canuto, também especialista em marketing político, ressalta que há potenciais ganhos de imagem quando o político aparece como alguém acessível e "do povo". "Participar de festas e eventos tradicionais mostra alinhamento com a cultura popular e pode humanizar a figura pública. O problema começa quando isso parece oportunismo ou falta de responsabilidade", explica. Para ele, a chave está no equilíbrio entre autenticidade e sobriedade. "Ações espontâneas pagam o preço. Há uma linha tênue entre mostrar o lado humano e comprometer a reputação profissional", observa.

¨      Em semana marcada por derrotas no Congresso, governo libera R$ 1,5 bilhão em emendas parlamentares

A última semana do mês de junho ficou marcada por derrotas políticas do governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Ainda assim, o Congresso teve uma boa notícia ao ver R$ 1,5 bilhão em emendas parlamentares sendo empenhadas.

Segundo dados do Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento (Siop), somente na terça-feira (24) o Executivo reservou mais de R$ 831 milhões para o pagamento das indicações de senadores e deputados ao Orçamento. Este foi o maior salto no montante reservado para emendas parlamentares ao longo de 2025.

💰Até o momento, ainda de acordo com o Siop, o governo já empenhou mais de R$ 2,328 bilhões para o pagamento de emendas. O montante efetivamente pago é, no entanto, menor: cerca de R$ 465 milhões.

💸A maior parte dos valores reservados pelo governo é de emendas individuais — impositivas e indicadas por um único parlamentar —. Porém, nenhuma emenda de comissões, que desde o ano passado vem sendo alvo de críticas e reclamações por parte do Supremo Tribunal Federal (STF), foram empenhadas.

  • 🔎 Emendas empenhadas: são aquelas que o governo reserva para poderem ser executadas. Nem sempre o valor liberado refere-se ao total solicitado na emenda.
  • 🔎 Emendas liquidadas: aquelas que já foram autorizadas a serem executadas.
  • 🔎 Emendas pagas: tudo o que foi pago na execução do pretendido pela emenda.

Ao todo, os parlamentares registraram 8.854 emendas. Desse total, 1.353 foram empenhadas, 555 liquidadas e 343 pagas. Do total pago, apenas três eram emendas de bancadas, totalizando R$ 2,2 milhões. O restante pago, R$ 463 milhões foram emendas individuais.

No fim da noite de terça (24), o presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), anunciou que a Casa votaria no dia seguinte uma proposta para derrubar decretos do governo Lula que elevaram as alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF).

A decisão, que pegou o Planalto de surpresa, desencadeou uma série de reuniões e articulações do governo para tentar barrar a análise do projeto. Nada surtiu efeito.

E, ao longo desta quarta, o presidente do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), também decidiu incluir a proposta na agenda de votações da Casa.

<><> Derrota histórica escancara insatisfação

O resultado foi uma derrota histórica para o governo Lula no Congresso. Em um intervalo pequeno, as duas Casas aprovaram a derrubada de três decretos editados para aumentar o IOF.

Na Câmara, a derrota foi consolidada com 383 votos a favor da derrubada dos decretos e apenas 98 contrários. Do total de votos, 242 vieram de partidos com ministérios no governo. Do lado do Senado, a articulação política do Planalto evitou o registro nominal de votos e a derrubada dos decretos foi aprovada de forma simbólica.

Parlamentares têm reclamado que há um atraso do governo na liberação de emendas em 2025. A insatisfação, que abrange tanto senadores quanto deputados, foi um dos fatores apontados pelos congressistas para a noite de derrotas do Planalto.

Para este ano, o Congresso aprovou mais de R$ 50 bilhões em emendas parlamentares – recursos direcionados por deputados e senadores para suas bases eleitorais. A maior parte é de emendas individuais (R$ 24,7 bilhões).

Diante das críticas, o governo tem justificado que houve mudanças no rito de liberação e pagamento de emendas, atendendo a decisões do Supremo Tribunal Federal (STF).

A Secretaria de Relações Institucionais (SRI) argumenta que o atraso na aprovação do Orçamento de 2025, apenas no fim de março, também contribuiu para a demora.

¨      Emendas fazem parte da democracia representativa, diz advogada do Senado

A advogada-geral do Senado, Gabrielle Tatith, afirmou, em audiência pública sobre emenda impositiva no Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (27/6), que as emendas obrigatórias “garantem governabilidade, promovem desenvolvimento econômico e social e constituem um elemento importante da democracia representativa".

A advogada destacou que assim como o Legislativo é alvo de críticas por supostamente utilizar o recurso das emendas de transferência obrigatória para fins eleitorais, a mesma crítica pode caber ao Executivo. “As eleições afetam as decisões do Orçamento como um todo e não especificamente às emendas parlamentares”, comentou.

Em sua exposição, a advogada fez questão de destacar o fim ao que se destinam as emendas impositivas. Para Tatith, “as emendas parlamentares, ainda que em processo constante de aprimoramento, têm contribuído para a entrega de bens e serviços relevantes aos municípios brasileiros".

Além disso, a advogada entende que as emendas obrigatórias evitam favorecimentos políticos aos apadrinhados pelo governo de situação. Ao mencionar estudos desenvolvidos por cientistas políticos, Tatith frisou que a execução orçamentária anterior à criação das emendas parlamentares seguia critérios político-partidários para distribuição do recurso público aos deputados e senadores. No entendimento da jurista, as emendas vieram para romper com essa relação.

Para ela, “é preciso considerar também que houve, desde a promulgação da Constituição de 1988, inúmeras reformas constitucionais e legais que alteraram o equilíbrio e a relação entre os Poderes”, disse, fazendo referência aos argumentos daqueles que são críticos das emendas de transferência obrigatória do Executivo ao Legislativo, como o PSol, por exemplo, que indica haver um desequilíbrio de poderes em ação ajuizada no Supremo.

"A busca frequente de prefeitos, vereadores, governadores, deputados estaduais e mesmo cidadãos por recursos federais intermediados por parlamentares eleitos, sempre fez parte da política brasileira, e há que se considerar que há uma centralização de recursos na União", destacou a advogada.

¨      TCU destaca atuação em defesa da boa gestão de emendas

O vice-presidente do Tribunal de Contas da União (TCU), ministro Jorge Oliveira, compareceu ao Supremo Tribunal Federal (STF) nesta sexta-feira (27/6) para participar da audiência pública sobre as emendas impositivas, aquelas que são de transferência obrigatória do Executivo ao Legislativo.

A corte de contas tem atuado na elaboração de notas técnicas com informações e eventual análise, “de modo a subsidiar a atuação do Supremo no exame da constitucionalidade de dispositivos recentemente alterados por emendas constitucionais de grande relevância”, comentou o ministro Oliveira.

Somado à atuação fiscalizadora, o TCU tem realizado diálogos públicos, com o objetivo de fornecer informações e orientações a gestores públicos para que possam aplicar os recursos com "eficiência e obediência aos princípios da administração pública", relatou o magistrado, destacando o papel pedagógico do Tribunal.

No TCU, tramitam duas ações sobre as emendas parlamentares. Na primeira, a Corte atua na realização de uma auditoria que envolve os 32 tribunais de contas do país: os 26 estaduais, o do Distrito Federal, os dos municípios do Rio de Janeiro e de São Paulo, além dos tribunais dos municípios dos estados da Bahia, do Goiás e do Pará.

"Essa auditoria vai proporcionar um diagnóstico sobre o estado de cumprimento das normas, contribuindo para o aprimoramento dos procedimentos e do arcabouço legal e normativo relacionado às transferências especiais", comentou Oliveira.

Em paralelo, outra auditoria é conduzida pela TCU, esta com caráter operacional com o objetivo de identificar boas práticas na aplicação das emendas. "A partir de uma amostra selecionada de municípios distribuídos por todas as regiões do Brasil, essa auditoria tem por objetivo propor recomendações que possam ser implementadas de forma eficiente, considerando as peculiaridades de cada região", explicou o ministro.

 

Fonte: Correio Braziliense/g1

 

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