Ministro
rejeita ideia de que derrubada do aumento do IOF antecipou eleição de 2026
O
ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que não quer crer que a eleição de
2026 foi antecipada, quando questionado sobre a possibilidade de que o
Congresso tenha aprovado o decreto legislativo que derrubou as regras
estabelecidas pelo governo em relação ao aumento do Imposto sobre Operações
Financeiros (IOF) para este fim.
“Eu não
quero crer. Uma economia que está com a menor taxa de desemprego da história e
está com inflação em queda, dólar em queda e mostrando resiliência, gerando
emprego – a quem interessa estragar esse cenário? Só por razões eleitorais?”,
comentou, em entrevista à GloboNews, enfatizando que isso seria estragar a
relação que foi construída com o Congresso.
Ele
afirmou que as medidas que o Ministério da Fazenda manda quase nunca voltam do
Congresso como foram encaminhadas, mas que isso é parte da democracia. “Mas o
Congresso fez a agenda andar a ponto de nós cumprirmos meta de superávit, de
resultado primário, lei de diretrizes orçamentárias, reforma tributária”,
acrescentando, enfatizando que “evidentemente, sem o Congresso nada disso seria
possível”.
O
titular da Fazenda acrescentou que não foi informado por participantes da
reunião com Congresso sobre a razão da mudança de comportamento. “Eu disse,
disse e repito: não fui informado. Nada.”
Haddad,
afirmou ainda que dentro do Partido dos Trabalhadores (PT) “há vozes
dissonantes, e é normal que seja assim”.
Reafirmou
que é ministro do presidente Lula e cumpre com as diretrizes estabelecidas por
ele. “Com responsabilidade, eu sempre insisto em dizer, estamos fixando metas
restritivas. Nós estamos nos autoimpondo metas restritivas e estamos
alcançando”, disse.
O
titular da Fazenda também reafirmou que o descontrole de gastos foi contratado
pelo governo anterior, em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro.
• Juristas: Congresso feriu Constituição
ao derrubar decreto do governo sobre IOF
A
derrubada do decreto do governo federal que reonerava as alíquotas do IOF,
aprovada em votação surpresa na Câmara dos Deputados na quarta-feira (25), tem
tudo para se transformar em uma nova disputa no Supremo Tribunal Federal (STF).
O governo Lula avalia judicializar o caso com base no entendimento de que o
Congresso extrapolou suas atribuições constitucionais ao sustar um ato de
natureza técnica do Executivo.
Juristas
ouvidos pelo ICL Notícias foram unânimes ao apontar que o Projeto de Decreto
Legislativo (PDL), usado pela Câmara para anular o decreto presidencial, é
inconstitucional. Para eles, houve usurpação de competência, com consequências
graves para o princípio da separação entre os Poderes.
O
constitucionalista Pedro Serrano explica que o PDL é um instrumento que só pode
ser acionado quando o Executivo invade a competência do Legislativo ao criar
normas que inovem a ordem jurídica de forma primária. Não foi o caso do decreto
sobre o IOF:
“O
decreto apenas modulou deveres instrumentais previstos em lei, que já
estabelecia a alíquota máxima. O Legislativo não pode usar o PDL como forma
genérica de controle de constitucionalidade. Isso cabe ao Judiciário. O PDL é
um mecanismo de autodefesa do Parlamento diante de invasões, o que claramente
não ocorreu aqui”, afirmou Serrano.
O
criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também apontou
inconstitucionalidade na decisão da Câmara, mas ponderou sobre os riscos de
levar o caso ao STF neste momento:
“O
Supremo está sob forte pressão política, especialmente após os julgamentos do 8
de janeiro. Não há dúvida sobre a inconstitucionalidade, mas é preciso avaliar
se é o momento político de tensionar isso no Judiciário. Talvez seja a hora de
fazer política, não judicialização.”
Para o
jurista Lenio Streck, o episódio revela um avanço indevido do Legislativo sobre
o Executivo, que compromete a integridade do modelo presidencialista:
“O
Parlamento está fagocitando o Executivo. Hugo Motta age como se fosse
primeiro-ministro. Há uma clara usurpação de competência. Nos EUA, esse tipo de
interferência legislativa seria imediatamente barrado pela Suprema Corte.”
Na
mesma linha, o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo
Prerrogativas, afirmou que o PDL aprovado é um ataque direto à Constituição:
“Houve
uma usurpação clara de uma competência constitucional do Executivo. Isso é
muito grave. É um tapa na cara não apenas do governo, mas da população
brasileira. Os Poderes precisam se respeitar em suas atribuições, é o que
sustenta uma democracia.”
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Votação do IOF criou precedente
A
votação foi conduzida de forma inesperada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta
(Republicanos-PB), sem acordo com a base do governo. A medida teve apoio de
partidos com ministérios na Esplanada, como PSD, PP, Republicanos e União
Brasil. No Planalto, a avaliação é que a decisão criou um precedente perigoso,
com impacto sobre a governabilidade e o respeito à ordem constitucional.
Na
esteira da discussão, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sugeriu
publicamente a possibilidade de judicialização. A proposta encontrou
resistência interna, e o clima entre os dois lados da Praça dos Três Poderes é
de escalada. Deputados aliados relataram ao ICL que há expectativa de que o
presidente Lula, ao lado de figuras como Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e o
próprio Haddad, entre de vez na disputa política. “Não vai ter recuo”, afirmou
um parlamentar governista. A avaliação é que o governo dobrará a aposta e
passará a pautar o confronto como uma disputa entre “os interesses dos pobres
contra os ricos”.
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AGU vê inconstitucionalidade, mas cálculo político trava judicialização do IOF
Após um
dia marcado por especulações sobre um suposto aval definitivo do presidente
Lula para judicializar a decisão do Congresso que derrubou o decreto que
reajustou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o governo passou a
adotar um tom mais cauteloso e evitar ruídos com o Legislativo.
Diferente
do que tem sido veiculado, de que Lula já teria dado o sinal verde para que a
Advocacia-Geral da União (AGU) acione o Supremo Tribunal Federal (STF), a
decisão esbarra em um cálculo político sensível, que gera receio inclusive
dentro da própria AGU.
Fontes
da instituição ouvidas pelo ICL Notícias afirmam que a tese de
inconstitucionalidade da decisão do Congresso é sólida, mas ponderam que é
preciso analisar se ela se encaixa no caso concreto. “Uma coisa é a tese; outra
é verificar se ela se aplica ao caso concreto”, disse uma fonte.
Segundo
essas mesmas fontes, a questão central não é jurídica, mas política. A
judicialização, embora tecnicamente viável, poderia escalar a tensão com o
Congresso e prejudicar outras negociações em curso.
Por
isso, integrantes do governo defendem que qualquer decisão definitiva seja
tomada apenas após uma conversa do presidente Lula com os presidentes da
Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre. Essa conversa está prevista
para os próximos dias e deverá ocorrer por telefone. Interlocutores do
presidente afirmam que esse contato servirá como termômetro para definir qual
rumo o governo adotará na condução da crise.
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Apesar da derrubada do decreto do IOF, AGU busca diálogo
Procurado
pelo ICL Notícias, o ministro da AGU, Jorge Messias, afirmou que mantém a
postura que expressou publicamente em audiência recente no STF, destacando a
“importância de trabalharmos em prol da harmonia entre os poderes”.
“Ao
priorizarem o diálogo e a compreensão mútua, as instituições não apenas
consolidam a democracia, mas também demonstram seu compromisso com a justiça
social e o desenvolvimento nacional. É o momento de deixar de lado os conflitos
e, juntos, construirmos um futuro de paz, cooperação e prosperidade para o
Brasil”, comentou Messias.
A
declaração foi interpretada por integrantes do governo como um recado de que
não há definição sobre acionar o STF e que a análise segue em curso.
Internamente, fontes que acompanham os estudos confirmaram ao ICL Notícias que
a tese de inconstitucionalidade da derrubada do decreto é considerada sólida,
mas que há resistência quanto ao custo político de entrar em embate com o
Congresso.
A
expectativa é de que a AGU conclua sua análise nos próximos dias, mas não há
prazo estabelecido nem indicação oficial de que haverá ação. Por ora, a ordem é
evitar agravamento da crise e sinalizar abertura para o diálogo institucional.
• A queda do IOF e o espectro do
presidencialismo de coalizão. Por Ricardo Queiroz Pinheiro
O
governo tentou aumentar o IOF. Foi atropelado. Não por erro técnico, nem por
cálculo precipitado ou por ingenuidade. Foi atropelado porque o Congresso quis
novamente marcar território — o território do orçamento, da chantagem, da
campanha permanente. A cena revela mais do que uma derrota. Expõe um governo
que age como se ainda houvesse pacto de coalizão, mas o que há, de fato, é
outra coisa: um campo ocupado por interesses que não se submetem mais à
mediação política clássica.
Ainda
se fala em base de apoio, governabilidade, diálogo com o centro. Mas o
presidencialismo de coalizão, aquele que sustentou governos desde a
redemocratização, não opera mais como mecanismo real. O modelo sobrevive no
discurso, nos ritos, nos bastidores — mas sua eficácia se perdeu. O que resta é
um espectro. Sim, espectro é o termo exato: uma forma institucional esvaziada,
encenada por inércia, mantida como fachada de normalidade enquanto as decisões
se deslocam para outros polos de poder.
Esse
modelo teve origem em um contexto específico. A Constituição de 1988 desenhou
um presidencialismo forte, mas com um Legislativo fragmentado e um sistema
partidário pulverizado. Para governar, os presidentes passaram a formar
coalizões amplas, costurando maiorias com base em cargos e emendas. Em plena
era FHC, o cientista político Sérgio Abranches chamou isso de presidencialismo
de coalizão — uma solução informal para um problema estrutural: como produzir
estabilidade sem coerência programática.
Durante um tempo, funcionou. Mas à medida que os partidos perderam
identidade e os interesses se autonomizaram, o que era mediação virou
encenação. A coalizão deixou de sustentar projeto para apenas sustentar
mandatos. A partir daí, virou espectro.
O
espectro, aqui, não é metáfora vazia. É o que já não funciona, mas ainda
estrutura o gesto. Presidentes seguem distribuindo ministérios, partidos seguem
cobrando fatias do orçamento, mas o jogo já mudou. O que substitui o
presidencialismo de coalizão não é um novo regime coeso, mas uma composição
disforme: um amontoado de práticas autoritárias, fisiológicas e corporativas
que, juntas, formam o que podemos chamar de compósito político.
Compósito
porque não há centro, nem direção. Apenas partes que operam simultaneamente: um
Congresso que legisla e executa, blocos de interesse que controlam territórios,
orçamentos fragmentados, igrejas que funcionam como partidos, plataformas
digitais que organizam o senso comum. É um regime que governa pela dispersão.
Não é caos — é uma forma de dominação sem mediação pública, ajustada aos
interesses das elites que já não precisam da política como linguagem comum.
O
caminho até aqui tem marcos. O Brasil ensaiou formas distintas de
presidencialismo: o dos coronéis na Primeira República, o centralismo de
Vargas, o autoritarismo da ditadura, o modelo de coalizão da Nova República.
Cada um lidou à sua maneira com o impasse histórico: como manter o poder
concentrado em poucos, com aparência de participação de muitos. O
presidencialismo de coalizão foi, por três décadas, o modo de sustentar esse
equilíbrio tenso.
Esse
equilíbrio ruiu em 2013, e a ruptura se acelerou em 2016. As manifestações de
junho abriram rachaduras. O impeachment de Dilma formalizou a quebra. Desde
então, o Congresso passou a operar como bloco autônomo. Partidos perderam
densidade. Bancadas temáticas tomaram o lugar das articulações programáticas. E
o Executivo, para continuar existindo, passou a ceder tudo: cargos, verbas,
controle do planejamento. Um governo sob pressão constante, onde o mínimo custa
caro.
Foi no
governo Bolsonaro que esse processo se desenhou com nitidez. Ele começou
rejeitando a lógica da coalizão, prometendo governar sem o Congresso e atacando
o sistema partidário. Acabou capitulando ao centrão, entregando o orçamento e
normalizando o loteamento direto de verbas via emendas de relator. Não havia
mais mediação partidária nem projeto de governo — só um acordo bruto entre
Executivo enfraquecido e Legislativo predador. A coalizão virou só repartição e
o espectro se delineou.
Hoje, o
presidente governa cercado. A base formal não garante maioria. O orçamento não
está em suas mãos. O próprio conceito de governabilidade foi deformado: já não
se trata de apoio para executar um projeto, mas de negociação permanente para
não ser derrubado. A fidelidade parlamentar é orçamentária, não política. E o
poder real circula por fora: nas bancadas do agro, nas corporações armadas, nas
alianças com o sistema financeiro e nos acordos que não passam pela urna.
O caso
do IOF escancara isso. O governo ensaiou um movimento dentro das regras do
velho jogo. O Congresso respondeu dentro da lógica nova: cortando, retaliando,
impondo sua vontade. A disputa não foi sobre imposto, foi sobre quem tem a
chave do cofre e o comando do discurso público. E mais uma vez ficou claro que
o Executivo opera sob o espectro de um modelo morto, enquanto quem governa de
fato o faz por outras vias.
Esse
arranjo não é transição para um novo regime democrático. Ele é funcional às
elites que já não querem dividir poder, nem redistribuir nada. É um sistema que
sustenta desigualdade e bloqueia conflito. As instituições seguem de pé, mas
suas funções foram desviadas. O Judiciário atua como ator político direto. O
Legislativo executa. O Executivo administra o impasse. E a democracia vira
performance esvaziada, onde o povo vota, mas o poder já foi decidido antes.
A luta
de classes não desapareceu — foi reorganizada. O capital financeiro, o
agronegócio, setores do varejo e das igrejas ocupam posições estratégicas. São
eles que definem o que pode e o que não pode. Do outro lado, as maiorias
populares estão fora da equação. Desmobilizadas, invisibilizadas ou tratadas
como problema de segurança pública. Só entram no debate quando é preciso justificar
cortes ou endurecer a repressão. Fora isso, não contam.
Não há
como reconstruir o antigo modelo. E o compósito já governa com força. Ou
mudamos o rumo e fazemos outras escolhas — de projeto, de povo, de base social
— ou o caminho continuará sendo o óbvio: mais concentração, mais chantagem,
mais exclusão. Não se trata de esperar, mas de organizar. A história segue. E,
como sempre, vai depender de quem está disposto a enfrentá-la em movimento.
Lula
governa hoje entre o espectro e o compósito. Carrega, por experiência e por
escolha, os gestos do presidencialismo de coalizão — mas se move dentro de um
sistema que já foi capturado por outras lógicas. Negocia como se ainda houvesse
pacto, mas entrega como quem sabe que está sob cerco. Pode ser a última
tentativa de recompor, pelo alto, uma forma de governo baseada em mediação,
política institucional e algum projeto nacional. Ou pode ser o último capítulo
de uma era em que a política ainda buscava combinar governabilidade com
representação. Se essa tentativa fracassar, o que virá depois talvez já não se
preocupe nem com a aparência.
Fonte:
IstoÉ/ICL Notícias/ Brasil 247

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