segunda-feira, 30 de junho de 2025

Ministro rejeita ideia de que derrubada do aumento do IOF antecipou eleição de 2026

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, disse que não quer crer que a eleição de 2026 foi antecipada, quando questionado sobre a possibilidade de que o Congresso tenha aprovado o decreto legislativo que derrubou as regras estabelecidas pelo governo em relação ao aumento do Imposto sobre Operações Financeiros (IOF) para este fim.

“Eu não quero crer. Uma economia que está com a menor taxa de desemprego da história e está com inflação em queda, dólar em queda e mostrando resiliência, gerando emprego – a quem interessa estragar esse cenário? Só por razões eleitorais?”, comentou, em entrevista à GloboNews, enfatizando que isso seria estragar a relação que foi construída com o Congresso.

Ele afirmou que as medidas que o Ministério da Fazenda manda quase nunca voltam do Congresso como foram encaminhadas, mas que isso é parte da democracia. “Mas o Congresso fez a agenda andar a ponto de nós cumprirmos meta de superávit, de resultado primário, lei de diretrizes orçamentárias, reforma tributária”, acrescentando, enfatizando que “evidentemente, sem o Congresso nada disso seria possível”.

O titular da Fazenda acrescentou que não foi informado por participantes da reunião com Congresso sobre a razão da mudança de comportamento. “Eu disse, disse e repito: não fui informado. Nada.”

Haddad, afirmou ainda que dentro do Partido dos Trabalhadores (PT) “há vozes dissonantes, e é normal que seja assim”.

Reafirmou que é ministro do presidente Lula e cumpre com as diretrizes estabelecidas por ele. “Com responsabilidade, eu sempre insisto em dizer, estamos fixando metas restritivas. Nós estamos nos autoimpondo metas restritivas e estamos alcançando”, disse.

O titular da Fazenda também reafirmou que o descontrole de gastos foi contratado pelo governo anterior, em referência ao ex-presidente Jair Bolsonaro.

•        Juristas: Congresso feriu Constituição ao derrubar decreto do governo sobre IOF

A derrubada do decreto do governo federal que reonerava as alíquotas do IOF, aprovada em votação surpresa na Câmara dos Deputados na quarta-feira (25), tem tudo para se transformar em uma nova disputa no Supremo Tribunal Federal (STF). O governo Lula avalia judicializar o caso com base no entendimento de que o Congresso extrapolou suas atribuições constitucionais ao sustar um ato de natureza técnica do Executivo.

Juristas ouvidos pelo ICL Notícias foram unânimes ao apontar que o Projeto de Decreto Legislativo (PDL), usado pela Câmara para anular o decreto presidencial, é inconstitucional. Para eles, houve usurpação de competência, com consequências graves para o princípio da separação entre os Poderes.

O constitucionalista Pedro Serrano explica que o PDL é um instrumento que só pode ser acionado quando o Executivo invade a competência do Legislativo ao criar normas que inovem a ordem jurídica de forma primária. Não foi o caso do decreto sobre o IOF:

“O decreto apenas modulou deveres instrumentais previstos em lei, que já estabelecia a alíquota máxima. O Legislativo não pode usar o PDL como forma genérica de controle de constitucionalidade. Isso cabe ao Judiciário. O PDL é um mecanismo de autodefesa do Parlamento diante de invasões, o que claramente não ocorreu aqui”, afirmou Serrano.

O criminalista Antônio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, também apontou inconstitucionalidade na decisão da Câmara, mas ponderou sobre os riscos de levar o caso ao STF neste momento:

“O Supremo está sob forte pressão política, especialmente após os julgamentos do 8 de janeiro. Não há dúvida sobre a inconstitucionalidade, mas é preciso avaliar se é o momento político de tensionar isso no Judiciário. Talvez seja a hora de fazer política, não judicialização.”

Para o jurista Lenio Streck, o episódio revela um avanço indevido do Legislativo sobre o Executivo, que compromete a integridade do modelo presidencialista:

“O Parlamento está fagocitando o Executivo. Hugo Motta age como se fosse primeiro-ministro. Há uma clara usurpação de competência. Nos EUA, esse tipo de interferência legislativa seria imediatamente barrado pela Suprema Corte.”

Na mesma linha, o advogado Marco Aurélio de Carvalho, coordenador do grupo Prerrogativas, afirmou que o PDL aprovado é um ataque direto à Constituição:

“Houve uma usurpação clara de uma competência constitucional do Executivo. Isso é muito grave. É um tapa na cara não apenas do governo, mas da população brasileira. Os Poderes precisam se respeitar em suas atribuições, é o que sustenta uma democracia.”

<><> Votação do IOF criou precedente

A votação foi conduzida de forma inesperada pelo presidente da Câmara, Hugo Motta (Republicanos-PB), sem acordo com a base do governo. A medida teve apoio de partidos com ministérios na Esplanada, como PSD, PP, Republicanos e União Brasil. No Planalto, a avaliação é que a decisão criou um precedente perigoso, com impacto sobre a governabilidade e o respeito à ordem constitucional.

Na esteira da discussão, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, sugeriu publicamente a possibilidade de judicialização. A proposta encontrou resistência interna, e o clima entre os dois lados da Praça dos Três Poderes é de escalada. Deputados aliados relataram ao ICL que há expectativa de que o presidente Lula, ao lado de figuras como Gleisi Hoffmann, Lindbergh Farias e o próprio Haddad, entre de vez na disputa política. “Não vai ter recuo”, afirmou um parlamentar governista. A avaliação é que o governo dobrará a aposta e passará a pautar o confronto como uma disputa entre “os interesses dos pobres contra os ricos”.

<><> AGU vê inconstitucionalidade, mas cálculo político trava judicialização do IOF

Após um dia marcado por especulações sobre um suposto aval definitivo do presidente Lula para judicializar a decisão do Congresso que derrubou o decreto que reajustou o Imposto sobre Operações Financeiras (IOF), o governo passou a adotar um tom mais cauteloso e evitar ruídos com o Legislativo.

Diferente do que tem sido veiculado, de que Lula já teria dado o sinal verde para que a Advocacia-Geral da União (AGU) acione o Supremo Tribunal Federal (STF), a decisão esbarra em um cálculo político sensível, que gera receio inclusive dentro da própria AGU.

Fontes da instituição ouvidas pelo ICL Notícias afirmam que a tese de inconstitucionalidade da decisão do Congresso é sólida, mas ponderam que é preciso analisar se ela se encaixa no caso concreto. “Uma coisa é a tese; outra é verificar se ela se aplica ao caso concreto”, disse uma fonte.

Segundo essas mesmas fontes, a questão central não é jurídica, mas política. A judicialização, embora tecnicamente viável, poderia escalar a tensão com o Congresso e prejudicar outras negociações em curso.

Por isso, integrantes do governo defendem que qualquer decisão definitiva seja tomada apenas após uma conversa do presidente Lula com os presidentes da Câmara, Hugo Motta, e do Senado, Davi Alcolumbre. Essa conversa está prevista para os próximos dias e deverá ocorrer por telefone. Interlocutores do presidente afirmam que esse contato servirá como termômetro para definir qual rumo o governo adotará na condução da crise.

<><> Apesar da derrubada do decreto do IOF, AGU busca diálogo

Procurado pelo ICL Notícias, o ministro da AGU, Jorge Messias, afirmou que mantém a postura que expressou publicamente em audiência recente no STF, destacando a “importância de trabalharmos em prol da harmonia entre os poderes”.

“Ao priorizarem o diálogo e a compreensão mútua, as instituições não apenas consolidam a democracia, mas também demonstram seu compromisso com a justiça social e o desenvolvimento nacional. É o momento de deixar de lado os conflitos e, juntos, construirmos um futuro de paz, cooperação e prosperidade para o Brasil”, comentou Messias.

A declaração foi interpretada por integrantes do governo como um recado de que não há definição sobre acionar o STF e que a análise segue em curso. Internamente, fontes que acompanham os estudos confirmaram ao ICL Notícias que a tese de inconstitucionalidade da derrubada do decreto é considerada sólida, mas que há resistência quanto ao custo político de entrar em embate com o Congresso.

A expectativa é de que a AGU conclua sua análise nos próximos dias, mas não há prazo estabelecido nem indicação oficial de que haverá ação. Por ora, a ordem é evitar agravamento da crise e sinalizar abertura para o diálogo institucional.

•        A queda do IOF e o espectro do presidencialismo de coalizão. Por Ricardo Queiroz Pinheiro

O governo tentou aumentar o IOF. Foi atropelado. Não por erro técnico, nem por cálculo precipitado ou por ingenuidade. Foi atropelado porque o Congresso quis novamente marcar território — o território do orçamento, da chantagem, da campanha permanente. A cena revela mais do que uma derrota. Expõe um governo que age como se ainda houvesse pacto de coalizão, mas o que há, de fato, é outra coisa: um campo ocupado por interesses que não se submetem mais à mediação política clássica.

Ainda se fala em base de apoio, governabilidade, diálogo com o centro. Mas o presidencialismo de coalizão, aquele que sustentou governos desde a redemocratização, não opera mais como mecanismo real. O modelo sobrevive no discurso, nos ritos, nos bastidores — mas sua eficácia se perdeu. O que resta é um espectro. Sim, espectro é o termo exato: uma forma institucional esvaziada, encenada por inércia, mantida como fachada de normalidade enquanto as decisões se deslocam para outros polos de poder.

Esse modelo teve origem em um contexto específico. A Constituição de 1988 desenhou um presidencialismo forte, mas com um Legislativo fragmentado e um sistema partidário pulverizado. Para governar, os presidentes passaram a formar coalizões amplas, costurando maiorias com base em cargos e emendas. Em plena era FHC, o cientista político Sérgio Abranches chamou isso de presidencialismo de coalizão — uma solução informal para um problema estrutural: como produzir estabilidade sem coerência programática.  Durante um tempo, funcionou. Mas à medida que os partidos perderam identidade e os interesses se autonomizaram, o que era mediação virou encenação. A coalizão deixou de sustentar projeto para apenas sustentar mandatos. A partir daí, virou espectro.

O espectro, aqui, não é metáfora vazia. É o que já não funciona, mas ainda estrutura o gesto. Presidentes seguem distribuindo ministérios, partidos seguem cobrando fatias do orçamento, mas o jogo já mudou. O que substitui o presidencialismo de coalizão não é um novo regime coeso, mas uma composição disforme: um amontoado de práticas autoritárias, fisiológicas e corporativas que, juntas, formam o que podemos chamar de compósito político.

Compósito porque não há centro, nem direção. Apenas partes que operam simultaneamente: um Congresso que legisla e executa, blocos de interesse que controlam territórios, orçamentos fragmentados, igrejas que funcionam como partidos, plataformas digitais que organizam o senso comum. É um regime que governa pela dispersão. Não é caos — é uma forma de dominação sem mediação pública, ajustada aos interesses das elites que já não precisam da política como linguagem comum.

O caminho até aqui tem marcos. O Brasil ensaiou formas distintas de presidencialismo: o dos coronéis na Primeira República, o centralismo de Vargas, o autoritarismo da ditadura, o modelo de coalizão da Nova República. Cada um lidou à sua maneira com o impasse histórico: como manter o poder concentrado em poucos, com aparência de participação de muitos. O presidencialismo de coalizão foi, por três décadas, o modo de sustentar esse equilíbrio tenso.

Esse equilíbrio ruiu em 2013, e a ruptura se acelerou em 2016. As manifestações de junho abriram rachaduras. O impeachment de Dilma formalizou a quebra. Desde então, o Congresso passou a operar como bloco autônomo. Partidos perderam densidade. Bancadas temáticas tomaram o lugar das articulações programáticas. E o Executivo, para continuar existindo, passou a ceder tudo: cargos, verbas, controle do planejamento. Um governo sob pressão constante, onde o mínimo custa caro.

Foi no governo Bolsonaro que esse processo se desenhou com nitidez. Ele começou rejeitando a lógica da coalizão, prometendo governar sem o Congresso e atacando o sistema partidário. Acabou capitulando ao centrão, entregando o orçamento e normalizando o loteamento direto de verbas via emendas de relator. Não havia mais mediação partidária nem projeto de governo — só um acordo bruto entre Executivo enfraquecido e Legislativo predador. A coalizão virou só repartição e o espectro se delineou.

Hoje, o presidente governa cercado. A base formal não garante maioria. O orçamento não está em suas mãos. O próprio conceito de governabilidade foi deformado: já não se trata de apoio para executar um projeto, mas de negociação permanente para não ser derrubado. A fidelidade parlamentar é orçamentária, não política. E o poder real circula por fora: nas bancadas do agro, nas corporações armadas, nas alianças com o sistema financeiro e nos acordos que não passam pela urna.

O caso do IOF escancara isso. O governo ensaiou um movimento dentro das regras do velho jogo. O Congresso respondeu dentro da lógica nova: cortando, retaliando, impondo sua vontade. A disputa não foi sobre imposto, foi sobre quem tem a chave do cofre e o comando do discurso público. E mais uma vez ficou claro que o Executivo opera sob o espectro de um modelo morto, enquanto quem governa de fato o faz por outras vias.

Esse arranjo não é transição para um novo regime democrático. Ele é funcional às elites que já não querem dividir poder, nem redistribuir nada. É um sistema que sustenta desigualdade e bloqueia conflito. As instituições seguem de pé, mas suas funções foram desviadas. O Judiciário atua como ator político direto. O Legislativo executa. O Executivo administra o impasse. E a democracia vira performance esvaziada, onde o povo vota, mas o poder já foi decidido antes.

A luta de classes não desapareceu — foi reorganizada. O capital financeiro, o agronegócio, setores do varejo e das igrejas ocupam posições estratégicas. São eles que definem o que pode e o que não pode. Do outro lado, as maiorias populares estão fora da equação. Desmobilizadas, invisibilizadas ou tratadas como problema de segurança pública. Só entram no debate quando é preciso justificar cortes ou endurecer a repressão. Fora isso, não contam.

Não há como reconstruir o antigo modelo. E o compósito já governa com força. Ou mudamos o rumo e fazemos outras escolhas — de projeto, de povo, de base social — ou o caminho continuará sendo o óbvio: mais concentração, mais chantagem, mais exclusão. Não se trata de esperar, mas de organizar. A história segue. E, como sempre, vai depender de quem está disposto a enfrentá-la em movimento.

Lula governa hoje entre o espectro e o compósito. Carrega, por experiência e por escolha, os gestos do presidencialismo de coalizão — mas se move dentro de um sistema que já foi capturado por outras lógicas. Negocia como se ainda houvesse pacto, mas entrega como quem sabe que está sob cerco. Pode ser a última tentativa de recompor, pelo alto, uma forma de governo baseada em mediação, política institucional e algum projeto nacional. Ou pode ser o último capítulo de uma era em que a política ainda buscava combinar governabilidade com representação. Se essa tentativa fracassar, o que virá depois talvez já não se preocupe nem com a aparência.

 

Fonte: IstoÉ/ICL Notícias/ Brasil 247

 

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