segunda-feira, 2 de junho de 2025

Como o Ocidente está ajudando a Rússia a financiar guerra contra a Ucrânia

Rússia continua recebendo bilhões de dólares com a exportação de combustíveis fósseis para o Ocidente, que ajudam a financiar a invasão em larga escala da Ucrânia.

Desde o início da invasão, em fevereiro de 2022, a Rússia recebeu, com a exportação de combustíveis fósseis, mais de três vezes o valor recebido pela Ucrânia como auxílio dos seus aliados.

Dados analisados pela BBC demonstram que os próprios aliados da Ucrânia no Ocidente pagaram à Rússia mais pelos seus combustíveis do que os valores fornecidos em auxílio para a Ucrânia.

Ativistas defendem que os governos da Europa e da América do Norte precisam fazer mais para impedir que o petróleo e o gás da Rússia continuem alimentando a guerra.

<><> Quanto a Rússia ainda recebe?

A receita da venda de petróleo e gás é fundamental para manter a máquina de guerra da Rússia em funcionamento.

O petróleo e o gás representam quase um terço da receita estatal russa e mais de 60% das suas exportações.

Após a invasão de fevereiro de 2022, os aliados da Ucrânia impuseram sanções sobre os combustíveis russos.

Os EUA e o Reino Unido proibiram a compra de petróleo e gás da Rússia e a União Europeia proibiu a importação de petróleo bruto russo por via marítima. Mas as compras de gás permaneceram.

Até o dia 29 de maio deste ano, a Rússia havia recebido mais de 883 bilhões de euros (US$ 973 bilhões, cerca de R$ 5,69 trilhões) com a exportação de combustíveis fósseis, desde o início da invasão da Ucrânia.

Este valor inclui 228 bilhões de euros (cerca de R$ 1,47 trilhão) dos países que impuseram sanções à Rússia, segundo o Centro de Pesquisas sobre Energia e Ar Limpo (CREA, na sigla em inglês).

Quase a totalidade deste montante (209 bilhões de euros, cerca de R$ 1,35 trilhão) veio de Estados-membros da União Europeia, que continuaram importando gás canalizado diretamente da Rússia, até que a Ucrânia suspendeu o trânsito em janeiro de 2025.

O gás russo ainda é enviado para a Europa por oleodutos em quantidades cada vez maiores, através da Turquia. Os dados do CREA demonstram que este volume aumentou em 26,77% em janeiro e fevereiro de 2025, em comparação com o mesmo período do ano anterior.

Já o petróleo russo continua sendo bombeado para a Hungria e a Eslováquia, que também seguem recebendo gás canalizado da Rússia através da Turquia.

Apesar dos esforços do Ocidente, a receita russa com a venda de combustíveis fósseis em 2024 caiu apenas 5%, em comparação com o ano anterior. Este índice acompanha a queda similar de 6% do volume de exportação, segundo o CREA.

No ano passado, houve também um aumento de 6% da receita russa com a exportação de petróleo bruto, além de um crescimento de 9% da receita com a venda de gás canalizado, em relação ao ano anterior.

As estimativas russas afirmam que as exportações para a Europa aumentaram em até 20% em 2024.

A venda de gás natural liquefeito (GNL) atingiu níveis recordes. E, atualmente, a metade das exportações de GNL russo vai para a União Europeia, segundo o CREA.

A chefe de política externa da UE, Kaja Kallas, afirma que a aliança não impôs "as sanções mais fortes" sobre o gás e petróleo russo porque alguns Estados-membros receiam que haja uma escalada no conflito. E comprar o combustível da Rússia é "mais barato no curto prazo".

O 17º pacote de sanções europeias contra a Rússia – o mais recente aprovado pela UE – não incluiu as importações de GNL. Mas as medidas definiram um caminho a ser seguido rumo ao término de todas as importações de gás russo, até o final de 2027.

Os dados demonstram que o dinheiro obtido pela Rússia com a venda de combustíveis fósseis ultrapassa sistematicamente a quantidade de auxílio recebido pela Ucrânia dos seus aliados. Por isso, a sede pelo combustível pode prejudicar os esforços do Ocidente para limitar a capacidade russa de financiar esta guerra.

Para a ativista Mai Rosner, do grupo de pressão Global Witness, muitos legisladores ocidentais receiam que o corte das importações de combustíveis russos irá gerar aumento dos preços da energia.

"Não existe o desejo real em muitos governos de, verdadeiramente, limitar a capacidade da Rússia de produzir e vender petróleo", declarou ela à BBC.

"Existe muito receio sobre o que isso significaria para os mercados globais de energia. Existe uma linha definida, abaixo da qual os mercados de energia ficariam muito prejudicados ou desequilibrados."

<><> 'Brecha do refino'

Além das vendas diretas, parte do petróleo exportado pela Rússia chega ao Ocidente depois de ser processado em produtos combustíveis em outros países. Este processo é conhecido como "brecha do refino".

Às vezes, o petróleo russo também é diluído com produto de outras origens.

O CREA afirma ter identificado três "refinarias de lavagem" na Turquia e três na Índia. Elas processam petróleo bruto e vendem o combustível final para países que mantêm sanções contra a Rússia.

A entidade declarou que estas refinarias usaram 6,1 bilhões de euros (cerca de R$ 39,3 bilhões) em petróleo bruto da Rússia para gerar produtos para países que impuseram sanções contra Moscou.

O ministro do Petróleo da Índia criticou o relatório do CREA. Para ele, trata-se de "um esforço enganoso para manchar a imagem da Índia".

"[Estas nações] sabem que os países que impuseram sanções estão dispostos a aceitar esta situação", afirma o analista do CREA Vaibhav Raghunandan.

"É uma brecha. É totalmente legal. Todo mundo sabe disso, mas ninguém faz muita coisa para realmente combater a questão de forma mais ampla."

Os ativistas e especialistas concordam que os governos ocidentais detêm os meios e instrumentos necessários para impedir o fluxo da receita de exportação de petróleo e gás para os cofres do Kremlin.

O ex-vice-ministro da Energia da Rússia, Vladimir Milov (hoje, um obstinado oponente do presidente russo Vladimir Putin), afirma que as sanções impostas ao comércio de combustíveis fósseis do país deveriam ser executadas com mais eficiência.

Milov se refere especificamente ao limite dos preços do petróleo adotado pelos países do G7, que, segundo ele, "não está funcionando".

O ex-ministro receia que as mudanças realizadas pelo presidente americano Donald Trump possam dificultar o trabalho de agências como o Tesouro americano e o Escritório de Controle de Ativos Estrangeiros (OFAC, na sigla em inglês). Elas são fundamentais para execução das sanções.

Outro caminho é a manutenção da pressão sobre a "frota-fantasma" da Rússia, composta por petroleiros dedicados a se esquivar das sanções.

"Esta é uma operação cirúrgica complexa", segundo Milov. "Você precisa publicar periodicamente grupos de novos navios sancionados, empresas de fachada, negociantes, seguradoras etc., em intervalos de algumas semanas."

Para ele, esta é uma área em que os governos ocidentais têm sido muito mais eficientes, particularmente com a introdução de novas sanções pelo governo do ex-presidente americano Joe Biden, em janeiro de 2025.

Para Mai, proibir as exportações de GNL russo para a Europa e fechar a brecha do refino nas jurisdições ocidentais seriam "medidas importantes para concluir a dissociação do Ocidente em relação aos combustíveis fósseis russos".

Raghunandan afirma que seria relativamente fácil para a UE abandonar as importações de GNL da Rússia.

"Cinquenta por cento das exportações russas de GNL são dirigidas à União Europeia e apenas 5% do total de gás [GNL] consumido pela UE em 2024 vieram da Rússia", informou ele à BBC.

"Por isso, se a UE decidir eliminar totalmente o gás russo, irá prejudicar muito mais a Rússia do que os consumidores da União Europeia."

<><> O plano de Trump sobre o preço do petróleo para pôr fim à guerra

Os especialistas entrevistados pela BBC descartaram a ideia de Donald Trump de que a guerra contra a Ucrânia irá terminar se a Opep (Organização dos Países Produtores de Petróleo) reduzir os preços do petróleo bruto.

"As pessoas em Moscou estão rindo desta ideia", declarou Milov. "A parte que irá sofrer mais... é a indústria americana de óleo de xisto, que é a indústria petrolífera menos competitiva do mundo."

Raghunandan afirma que o custo de produção do petróleo russo também é inferior ao de alguns países da Opep, como a Arábia Saudita. Por isso, eles seriam prejudicados pela redução dos preços do petróleo antes que a própria Rússia sentisse seus efeitos.

"A Arábia Saudita não concordará com isso de forma nenhuma", segundo ele. "Isso já foi tentado antes. Isso gerou conflitos entre a Arábia Saudita e os Estados Unidos."

Para Rosner, existem questões morais e práticas envolvidas na compra de combustíveis fósseis da Rússia pelo Ocidente, enquanto apoia simultaneamente a Ucrânia.

"Temos agora uma situação na qual estamos financiando o agressor, em uma guerra que estamos condenando, e também financiamos a resistência à mesma guerra", explica ela.

"Esta dependência dos combustíveis fósseis significa que estamos realmente à mercê dos mercados de energia, dos produtores globais de energia e de ditadores hostis."

A nova e aterrorizante arma que está mudando rumo da guerra na Ucrânia

¨      A nova e aterrorizante arma que está mudando rumo da guerra na Ucrânia

Um odor acre cobre a cidade de Rodynske, na região ucraniana de Donetsk. E, poucos minutos depois de entrarmos na cidade, podemos observar de onde ela vem.

Uma bomba planadora de 250 kg atingiu o principal edifício administrativo da cidade e destruiu três blocos residenciais. Nossa visita ocorre um dia após a explosão, mas ainda se vê fumaça saindo de parte dos destroços.

Dos limites da cidade, ouvimos o som da artilharia e tiros. São soldados ucranianos derrubando drones russos.

Rodynske fica a cerca de 15 km ao norte da conturbada cidade de Pokrovsk. A Rússia vem tentando capturá-la a partir do lado sul desde o ano passado, mas, até agora, as forças ucranianas conseguiram impedir a marcha dos soldados russos.

Por isso, a Rússia mudou de tática, passando a sitiar a cidade, interrompendo suas vias de abastecimento.

Os frenéticos esforços diplomáticos das últimas duas semanas para estabelecer um cessar-fogo na Ucrânia fracassaram. A Rússia intensificou seus ataques e, desde então, realizou seus avanços mais significativos desde o mês de janeiro.

A prova está na cidade de Rodynske. Minutos depois da nossa chegada, ouvimos um drone russo sobre as nossas cabeças. Nossa equipe corre para a cobertura mais próxima disponível: uma árvore.

Nós nos comprimimos junto à árvore para que o drone não nos veja. Segue-se o som alto de uma explosão – um segundo drone, que atinge as proximidades.

O primeiro drone ainda paira acima de nós. Por mais alguns minutos, ouvimos o som sibilante e assustador daquela que se tornou a arma mais mortal desta guerra.

Quando não conseguimos mais ouvi-lo, aproveitamos a oportunidade para correr em busca de uma cobertura mais sólida, em uma construção abandonada a cerca de 30 metros de distância.

Do abrigo, ouvimos novamente o drone. Ele pode ter retornado depois de observar a nossa movimentação.

A invasão de Rodynske por drones russos é uma evidência de que os ataques vêm de locais muito mais próximos do que as posições russas conhecidas, ao sul de Pokrovsk.

Muito provavelmente, eles vêm de territórios recém-capturados, como uma estrada importante que leva do leste de Pokrovsk até a cidade ucraniana de Kostyantynivka.

Depois de meia hora esperando no abrigo, não conseguimos mais ouvir o drone. Nós, então, nos movimentamos rapidamente até o nosso carro, estacionado embaixo da árvore. Saímos de Rodynske a toda velocidade.

Ao lado da estrada, observamos a fumaça subindo e algo queimando. Provavelmente, um drone que foi derrubado.

<><> Maior tempo de deslocamento

Seguimos para Bilytske, que fica mais distante da linha de frente.

Observamos uma fileira de casas destruídas por um ataque noturno com mísseis. Em uma delas, morava Svitlana, de 61 anos.

"Está ficando cada vez pior", ela conta.

"No início, podíamos ouvir explosões distantes, eles estavam longe. Mas, agora, nossa cidade está sendo atacada – estamos vivenciando por nós mesmos."

Svitlana recolhe alguns pertences entre os destroços da sua casa. Felizmente, ela não estava ali quando ocorreu o ataque.

"Vá até o centro da cidade e você verá o quanto foi destruído ali", ela conta. "A padaria e o zoológico também foram destruídos."

Encontramos soldados da unidade de artilharia da 5ª Brigada de Assalto ucraniana, em um abrigo fora do alcance dos drones.

"Você pode sentir o aumento da intensidade dos ataques russos", conta Serhii.

"Foguetes, morteiros, drones... eles estão usando tudo o que têm para interromper as vias de abastecimento que levam à cidade."

Sua unidade aguarda há três dias para voltar para se movimentar.

Eles esperam pela cobertura das nuvens ou por ventos de alta velocidade, de forma a se proteger dos drones.

Neste conflito em constante evolução, os soldados precisaram se adaptar rapidamente às novas ameaças representadas pelas mudanças tecnológicas.

Os drones de fibra óptica são a mudança mais recente.

Uma bobina com dezenas de quilômetros de cabo óptico é fixada à parte de baixo do drone e a fibra física é conectada ao controlador que fica com o piloto.

"O sinal de vídeo e controle é transmitido de e para o drone através do cabo, não por frequências de rádio. Isso faz com que ele não sofra interferências por interceptores eletrônicos", explica um soldado com o codinome Moderador, engenheiro de drones da 68ª Brigada Jaeger.

Quando os drones começaram a ser empregados em larga escala na guerra na Ucrânia, os dois exércitos equiparam seus veículos com sistemas eletrônicos que conseguiam neutralizar os drones. Mas esta proteção evaporou com a chegada dos drones de fibra óptica.

No momento, a Rússia está na frente no desenvolvimento destes aparelhos, enquanto a Ucrânia tenta alavancar a sua produção.

"A Rússia começou a usar drones de fibra óptica muito antes de nós, quando ainda estávamos em fase de testes", afirma Venia, responsável pela pilotagem de drones da 68ª Brigada Jaeger.

"Estes drones podem ser usados em locais onde precisamos ir mais baixo do que os drones habituais. Podemos até entrar em casas e procurar alvos no seu interior."

"Começamos a brincar que, talvez, devêssemos carregar tesouras para cortar os cabos", conta Serhii.

Os drones de fibras ópticas também apresentam desvantagens. Eles são mais lentos, e o cabo pode ficar preso nas árvores.

Mas, no momento, seu uso generalizado pela Rússia faz com que o transporte de soldados de e para suas posições, muitas vezes, passe a ser mais mortal do que o próprio campo de batalha.

"Quando você entra em posição, você não sabe se foi identificado ou não. E, se tiver sido identificado, você pode já estar vivendo suas últimas horas de vida", explica o sargento-chefe Oles, da unidade de reconhecimento da 5ª Brigada de Assalto.

Esta ameaça faz com que os soldados passem cada vez mais tempo nas suas posições.

Oles e seus subordinados são da infantaria. Eles servem nas trincheiras da linha de frente da defesa ucraniana.

Atualmente, é raro que jornalistas falem com soldados da infantaria, pois ficou muito perigoso chegar a estas trincheiras.

Encontramos Oles e Maksym em uma propriedade rural transformada em base improvisada. Aqui, os soldados vêm descansar quando não estão na linha de frente.

"O máximo de tempo que passei em posição foram 31 dias, mas conheço gente que passou 90 e até 120 dias ali", conta Maksym. "Antes da chegada dos drones, as rotações poderiam ser de três ou sete dias em posição."

"A guerra é sangue, morte, lama e um calafrio que vai da cabeça até o dedão do pé. É assim que você passa todos os dias."

"Eu me lembro de uma vez em que não dormimos por três dias, ficamos em alerta a cada minuto. Os russos continuavam vindo contra nós, uma onda após a outra. O menor lapso teria significado a nossa morte", relembra Maksym.

Oles afirma que a infantaria russa mudou de tática.

"No início, eles atacavam em grupos", ele conta. "Agora, eles mandam apenas uma ou duas pessoas de cada vez. Eles também usam motocicletas e, em alguns casos, quadriciclos. Às vezes, eles chegam sem serem percebidos."

Isso significa que algumas partes da linha de frente não são mais linhas convencionais, com os ucranianos de um lado e os russos, do outro. Elas se parecem mais com tabuleiros de xadrez, onde as posições das peças podem ser intercaladas.

Tal configuração dificulta a observação dos avanços de cada um dos lados.

Apesar dos recentes ganhos da Rússia, não será fácil nem rápido tomar toda a região de Donetsk, onde fica a cidade de Pokrovsk.

A Ucrânia reagiu duramente, mas precisa do abastecimento constante de armas e munição para sustentar a luta. E, à medida que a guerra entra no seu quarto verão (do hemisfério norte), fica também evidente a falta de soldados ucranianos frente ao exército russo, que é muito maior que o da Ucrânia.

A maioria dos soldados que encontramos entrou no exército depois do início da guerra. Eles tiveram alguns meses de treinamento, mas precisaram aprender muito no front, em meio ao calor da guerra.

Maksym trabalhou em uma empresa de bebidas antes de entrar no exército. Perguntei como sua família encara seu trabalho.

"É difícil, é muito difícil", responde ele.

"Minha família realmente me apoia. Mas tenho um filho com dois anos de idade e não consigo vê-lo muito."

"Mas faço chamadas de vídeo para ele, de forma que tudo está bem, dentro do possível, nestas circunstâncias", diz ele, enquanto seus olhos se enchem de lágrimas.

Maksym é um soldado lutando pelo seu país. Mas também é um pai com saudade do seu filho de dois anos.

 

Fonte: BBC News

 

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