Grupo
de grilagem fraudava número de processo no Incra, diz PF
Ao
longo da investigação da Polícia Federal (PF) sobre um grupo de grileiros que
fraudava processos no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
(Incra) para registrar terras ilícitas, um detalhe “burocrático” chamou a
atenção dos agentes: o número de série do processo fraudado.
Em
representação encaminhada à Justiça, a corporação detalha as seis etapas do
esquema de grilagem operado no Pará, que levou a um lucro bilionário dos
envolvidos ao longo dos anos, conforme mostrou a coluna. A PF aponta como líder
do grupo o empresário Debs Rosa (foto em destaque), preso preventivamente.
O
primeiro passo, segundo a apuração, era a criação de processos administrativos
fictícios no Incra. Os documentos eram produzidos com numerações inexistentes e
aleatórias.
Esse
era apenas o início do esquema, que tinha por objetivo “criar uma aura de
legalidade em torno de terras públicas usurpadas, preparando o terreno para as
etapas seguintes do esquema”.
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No
entanto, o número do Incra usado pelo grupo, para além de inexistente, era fora
dos padrões do órgão.
Isso
porque, assim como todos os órgãos federais, o número de um processo do Incra é
constituído por quatro partes: unidade protocolizadora (que se refere à unidade
do órgão), número do processo (sequencial, e que é reiniciado a cada ano), ano
(referente ao ano em que o processo foi formalizado) e dígito verificador
(incorporado para evitar erros de digitação).
Acontece
que, no caso investigado, foram identificados 16 processos utilizando unidades
protocolizadoras que, segundo a PF, “simplesmente não existem dentro do sistema
do Incra”.
Além
disso, chamou a atenção dos investigadores um caso específico de um processo
cujo número seria “52528/96417/87”, que teria dado origem a uma das matrículas
sob suspeita da corporação.
Levando
em conta a composição de cada número processual, esse supostamente indicaria a
movimentação de 96.417 processos em um só ano (1987), sob a unidade
protocolizadora 52528 (inexistente). “Uma quantidade absurdamente alta e
logicamente impraticável, evidenciando a falsificação”, diz a PF.
Outro
detalhe flagrado pelos investigadores é a inconsistência em carimbos e
assinaturas de servidores do Incra.
Um caso
citado na representação é de um título de propriedade falso assinado com a
portaria de nº 426/01, quando na verdade a portaria correta seria a de nº
426/91. Isso, segundo a PF, “reforça a falsificação documental, afinal, não
seria possível um documento emitido no ano de 1993 constar no carimbo referente
ao ano de 2001”.
Além
das inconsistências, a investigação aponta para o uso, pelo grupo, de “laranjas
inconscientes”, pessoas que tiveram informações pessoais utilizadas pelo grupo,
mas sem seu consentimento ou conhecimento.
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Fases do esquema
Como
mostrou a coluna, o esquema de grilagem teria pelo menos seis fases. Além da
falsificação de processos no Incra, havia a etapa de inserção de dados falsos
no Cadastro do Imóvel Rural, lavratura de escritura pública de compra e venda
com posterior registro em cartório, transferência da matrícula e contratação de
financiamento rural ou venda do imóvel grilado.
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Operação Imperium Fictum
A
investigação teve início em 2023 pela Polícia Federal, em Altamira (PA).
Segundo a corporação, o grupo atuava em uma rede criminosa organizada e com um
modo de atuação “meticuloso”. Foram reveladas, por exemplo, “fraudes
estruturadas” em cartórios de registro de imóveis.
Foram
identificados o uso de documentos falsificados, registros baseados em títulos
forjados e a atuação de agentes públicos e privados no esquema, que atuariam na
“confecção de escrituras públicas falsas, a inserção de dados fraudulentos em
sistemas cadastrais oficiais e a posterior comercialização de imóveis
grilados”.
O
esquema incluía ainda falsificação de processos no Incra, simulação de
transações imobiliárias, registros indevidos em cartórios e obtenção de
financiamentos rurais com garantias baseadas em propriedades griladas.
A
partir das apurações, foi deflagrada em 21 de maio a primeira fase da Imperium
Fictum, que mobilizou centenas de agentes e resultou no cumprimento de 39
mandados de busca e apreensão e 9 mandados de prisão preventiva, expedidos pela
4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do Estado do Pará.
Os
mandados foram cumpridos no Pará e em outros oito estados. Como mostrou a
coluna, além das prisões e buscas, a Justiça determinou o sequestro e bloqueio
de R$ 608 milhões dos investigados.
• Grileiros usavam “laranjas
inconscientes” em esquema no Pará, diz PF
O grupo
de grileiros no Pará investigado pela Polícia Federal (PF) teria usado
“laranjas inconscientes” para fraudar processos do Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra) com o objetivo de regularizar
propriedades rurais.
Segundo
a investigação, o esquema se dividia em seis etapas principais que permitiam
que os integrantes da organização lucrassem com as terras griladas, por meio da
venda de terrenos ou até a obtenção de créditos rurais.
A
primeira dessas etapas se resumia em fraudar processos administrativos no
Incra. Os documentos eram produzidos com numerações inexistentes e aleatórias,
e eram inclusive inconsistentes com os padrões do órgão.
O
objetivo, de acordo com a PF, era “criar uma aura de legalidade em torno de
terras públicas usurpadas, preparando o terreno para as etapas seguintes do
esquema”.
Era
nessa fase que os investigadores descobriram que os investigados teriam usado
os supostos “laranjas”, por meio do uso de informações pessoais de terceiros,
como seus nomes, sem que estes sequer soubessem ou tivessem dado consentimento
para isso.
Com
isso, o grupo fazia com que os laranjas figurassem como supostos proprietários
originários dos títulos de propriedade, despistando indícios de envolvimento
dos grileiros.
“Além
das irregularidades nos números dos processos, foi verificada a utilização
indevida dos dados de pessoas reais, que figuraram como ‘laranjas
inconscientes’, sem o seu consentimento ou conhecimento”, afirma a PF em
representação à qual a coluna teve acesso.
Com a
descoberta, a PF entrou em contato com os supostos laranjas para aprofundar a
investigação sobre o uso indevido de seus dados e identificar se eles tinham ou
não conhecimento sobre o fato.
Nesses
contato, afirma a corporação, foi identificado que esses indivíduos não tinham
ciência acerca do uso de seus dados, nem eram proprietários de terras que
constavam nos processo do Incra sob suspeita – por isso o termo “laranjas
inconscientes” utilizado na investigação.
Após
entrar em contato, narra a PF, ficou “comprovado que essas pessoas, de fato,
não tinham conhecimento de que seus nomes haviam sido usados no esquema
criminoso”.
Segundo
documentos da investigação, foram identificadas pelo menos 17 pessoas que
tiveram seus nomes usados indevidamente nas fraudes. Grande parte desses
laranjas eram pessoas idosas, com mais de 60 anos, e alguns chegavam a idade
superior a 80 anos.
No
contato realizado pela PF, no momento em que o agente questiona sobre a
propriedade em questão, os que responderam negam ser donos de qualquer terra e
chegam a questionar se o investigador entrou em contato com a pessoa correta.
“Esse
início do esquema não só estabelece as fundações para as fraudes subsequentes,
mas também destaca a audácia e a complexidade da operação. Manipulando
elementos do sistema de registro e documentação do Incra, os grileiros
conseguem criar uma aura de legalidade em torno de terras públicas usurpadas,
preparando o terreno para as etapas seguintes do esquema”, afirma a PF.
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Laranjas
A
coluna também tentou contatar essas pessoas. Delas, apenas três responderam,
mas nenhuma quis se identificar. A maioria, no entanto, não respondeu ou sequer
possuía um número de telefone para contato.
As
vítimas que falaram com a coluna, sob condição de anonimato, disseram não
possuir qualquer terra, algumas sem saber sequer o que era o Incra, nem tinham
conhecimento sobre a investigação da Polícia Federal. Dois dos entrevistados
também afirmaram viver em Santarém (PB), localidade a mais de 500Km do local
das propriedades, em tese, legalizadas em seus nomes.
Um
deles, um homem de 43 anos, quando questionado se possuía alguma terra em seu
nome, disse à coluna que não tinha dinheiro nem para comprar uma rede, quem
dirá adquirir uma propriedade.
“Não
tenho nem rede [para deitar], como é que vou ter terra? Você tá mexendo com o
cara errado”, afirmou, rindo.
Segundo
informações obtidas pela PF, o homem consta como proprietário originário de uma
terra de 300 hectares na Gleba Belo Monte. À coluna, ele disse que não sabe
onde fica o local.
Ele
também negou nem conhecer outros investigados na operação da PF, inclusive Debs
Antonio Rosa, apontado como líder da organização.
Em
outro caso, a coluna conseguiu contato com o irmão de um dos supostos laranjas,
um homem de 85 anos que, segundo seu irmão, seria aposentado do Instituto
Nacional de Seguro Social (INSS), ganhando cerca de R$ 2 mil por mês.
“Meu
irmão não trabalha, é aposentado do INSS. Não sabe nem o que é propriedade
rural […] Isso não tem nada a ver conosco. Não tem a mínima possibilidade.
Zero”, afirmou.
De
acordo com a relação de matrícula obtida pela PF, o idoso seria o proprietário
original de um terreno de 84 hectares, denominado de Sítio Campo Novo, em Gleba
Belo Monte, no município de Senador José Porfírio.
Contudo,
quando a localidade da propriedade foi citada, o irmão do suposto laranja
afirmou que vive em Santarém, cidade a quase 600 km de Senador José Porfírio.
Ele também nega conhecer outros investigados.
A
coluna também foi atendida pelo filho de uma mulher que teria sido usada como
laranja no esquema. Segundo a PF, ela seria a proprietária original de uma
terra de cerca de 100 hectares, também em Gleba Belo Monte, em Senador José
Porfírio.
Ele
também afirmou que mora em Santarém, ao lado da mãe. “Eu sou CLT, minha mãe é
aposentada, nunca nem saiu daqui […] Sei nem onde diabos fica isso [a cidade do
Senador José Porfírio]”, disse.
Da
mesma forma que os outros contratados, ele nega que a mãe seja dona da terra,
nem conhece outros investigados no caso. “Minha mãe tem uma casinha aqui que
meu pai deixou de herança”, afirmou. Questionado sobre a suposta venda da
propriedade, ele riu.
• PF bloqueia R$ 600 milhões de suspeitos
de grilagem em terras da União
A
Polícia Federal (PF) bloqueou cerca de R$ 608 milhões em bens de investigados
por grilagem de terras públicas da União no Pará, durante a Operação Imperium
Fictum, deflagrada na última quarta-feira (21/5).
O
montante, diz a PF, corresponde aos crimes praticados por uma organização
criminosa especializada em fraudes fundiárias, lavagem de dinheiro e
falsificação de documentos.
A
apuração teve início em 2023 pela Polícia Federal em Altamira (PA). Segundo a
corporação, o grupo atuava em uma rede criminosa organizada e com um modo de
atuação “meticuloso”. Foram reveladas, por exemplo, “fraudes estruturadas” em
cartórios de registro de imóveis.
O
grupo, segundo a PF, atuava com especial concentração na área da Gleba Belo
Monte, no sudoeste paraense.
Foram
identificados o uso de documentos falsificados, registros baseados em títulos
forjados e a atuação de agentes públicos e privados no esquema, que atuariam na
“confecção de escrituras públicas falsas, a inserção de dados fraudulentos em
sistemas cadastrais oficiais e a posterior comercialização de imóveis
grilados”.
O
esquema incluía ainda falsificação de processos no Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (Incra), simulação de transações imobiliárias,
registros indevidos em cartórios e obtenção de financiamentos rurais com
garantias baseadas em propriedades griladas.
A ação
da PF, na semana passada, mobilizou centenas de agentes e resultou no
cumprimento de 39 mandados de busca e apreensão e 9 mandados de prisão
preventiva, expedidos pela 4ª Vara Federal Criminal da Seção Judiciária do
Estado do Pará. Os mandados foram cumpridos nos Estados do Pará, Tocantins,
Goiás, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Ceará, São Paulo e Rio Grande do Sul,
além do Distrito Federal.
Além
das prisões e buscas, a Justiça determinou o sequestro e bloqueio de bens
móveis e imóveis, veículos, aeronaves e valores em contas bancárias dos
investigados. O objetivo é desarticular a estrutura financeira e garantir a
recuperação do patrimônio público.
O nome
da operação, Imperium Fictum, faz referência ao suposto império fictício
construído pelos investigados, com acúmulo de patrimônio, com base em práticas
criminosas que “violam o patrimônio público e a ordem fundiária”, segundo a PF.
Os
suspeitos poderão responder por organização criminosa, corrupção ativa e
passiva, falsidade ideológica, uso de documento falso, grilagem de terras
públicas, lavagem de dinheiro e fraude contra o sistema financeiro nacional.
Fonte:
Metrópoles

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