Por que Brasil se absteve em resolução da
OEA sobre eleição na Venezuela
A Organização dos
Estados Americanos (OEA) rejeitou nesta quarta-feira (31/7) uma resolução sobre
os resultados das eleições na Venezuela, em que o presidente Nicolás Maduro foi
declarado reeleito mas enfrenta acusações de fraude eleitoral.
A decisão do Brasil de
se abster contribuiu para o resultado, já que faltou apenas um voto para
aprovação. A resolução teve 17 votos a favor, 0 contra, 11 abstenções e 5
ausências.
O países da região
estão divididos em três grupos: os que dizem abertamente que houve fraudes na
eleição (como Argentina e Chile), os que reconhecem a legitimidade da reeleição
de Maduro (como Bolívia e Nicarágua) e os que cobram a divulgação de dados desagregados
das mesas de votação para checagem do resultado (como Brasil e Colômbia).
Segundo apuração da
BBC News Brasil, a decisão do Brasil de se abster foi tomada por conta de
divergências em relação a um único ponto da proposta.
O trecho que impediu o
acordo instava o Conselho Nacional Eleitoral da Venezuela a atender a demanda
da oposição e realizar uma verificação abrangente dos resultados "na
presença de organizações de observação independentes para garantir a transparência,
credibilidade e legitimidade dos resultados eleitorais".
Na visão do Itamarary,
não caberia à OEA cobrar a supervisão por atores externos, já que, na visão do
órgão, essa deveria ser uma iniciativa voluntária dos países.
Uma fonte a par das
negociações ressaltou que países como Argentina e Uruguai não aceitam
acompanhamento externo de suas votações.
Para a diplomacia
brasileira, a resolução deveria apenas instar o CNE a publicar os dados
desagrados de votação de modo a garantir a legitimidade, a credibilidade e a
transparência do pleito.
Com isso, avalia o
Itamaraty, os próprios atores políticos venezuelanos fariam a checagem do
resultado.
Sediada em Washington,
a OEA mantém uma relação conflituosa com o chavismo na Venezuela há muitos anos
e tem seu papel contestado por vários líderes de esquerda latino-americanos,
que acusam a organização de servir a interesses "imperialistas" dos
Estados Unidos.
Após a eleição, o
secretário-geral da OEA, o ex-chanceler uruguaio Luis Almagro, divulgou um
comunicado acusando o governo venezuelano de fraudar a eleição e cobrando
Maduro a "aceitar sua derrota eleitoral".
Na quarta (31/7),
Almagro disse que pediria ao Tribunal Penal Internacional a prisão de Maduro
por conta da repressão aos protestos na Venezuela.
Maduro ainda não
comentou a fala de Almagro. No entanto, em fala também na quarta, o venezuelano
disse que convocaria a população para uma "nova revolução" se "o
imperialismo norte-americano e os criminosos fascistas" interferissem no
país.
A fonte ouvida pela
BBC News Brasil também ressaltou que o governo brasileiro precisa ser
pragmático na sua atuação para manter uma canal de diálogo com o governo
Maduro.
Essa postura, diz a
fonte, seria importante para defender os interesses brasileiros na Venezuela em
um momento bastante delicado.
• Brasil assume embaixada argentina
Além disso, a fonte
afirma que, após o rompimento das relações diplomáticas entre Argentina e
Venezuela, o Brasil assumiu o papel de encarregado dos interesses argentinos no
território venezuelano e está responsável pela embaixada argentina em Caracas.
No momento, há
inclusive atores da oposição que estão abrigados na embaixada da Argentina,
onde pediram asilo político. "Estamos protegendo os aliados da (Maria)
Corina (líder da oposição). Isso tem que ter aceitação do governo Maduro",
ressaltou.
Nesta quinta (1/8), o
presidente da Argentina, Javier Milei, agradeceu o Brasil por cuidar da missão.
"Aprecio muito a
disposição do Brasil de cuidar da custódia da embaixada da Argentina na
Venezuela. Também apreciamos a representação momentânea dos interesses da
República Argentina e de seus cidadãos lá", disse Milei
"Os laços de
amizade que unem a Argentina com o Brasil são muito fortes e históricos",
prosseguiu o argentino.
Milei presidente
afirmou que os diplomatas argentinos deixaram a Venezuela nesta quinta
"como uma retaliação do ditador Maduro pela condenação que fizemos da
fraude que perpetrou no domingo passado".
Além da Argentina,
outros seis países tiveram seus diplomatas expulsos da Venezuela por
contestarem o resultado eleitoral.
Segundo a fonte
entrevistada pela BBC, o Brasil também deve assumir em breve a mesma
responsabilidade em relação ao Peru - outro país que teve seus diplomatas
expulsos.
A fonte ouvida pela
BBC News Brasil disse ainda que o governo brasileiro estava de acordo com todos
os demais pontos da resolução proposta e votaria a favor se fosse alterado o
trecho que pedia a supervisão de atores internacionais.
A resolução pedia
ainda a publicação detalhada dos resultados eleitorais e dizia que "é uma
prioridade absoluta salvaguardar os direitos humanos fundamentais na Venezuela,
especialmente o direito dos cidadãos de se manifestarem pacificamente e sem represálias".
Além disso, solicitava
que fosse garantida "a segurança das instalações diplomáticas e do pessoal
residente em território venezuelano, incluindo as pessoas que solicitam asilo
nessas instalações, em acordo com o direito internacional".
• Resultados contestados
A comissão eleitoral
venezuelana anunciou no domingo (28/7) que o presidente venezuelano Nicolás
Maduro foi reeleito com 51% dos votos, mas não publicou os boletins de urna
para comprovar o resultado.
Opositores acusam o
governo de manipular os resultados. Na terça (30/7), a líder da oposição Maria
Corina Machado disse que, de acordo com as cópias dos boletins que possuía (84%
do total), o candidato oposicionista Edmundo González Urrutia venceu com 67%
dos votos.
González estava muito
à frente de Maduro em pesquisas de opinião feitas antes da votação.
Apesar da pressão
internacional e de protestos que tomaram as ruas da Venezuela, o governo Maduro
não divulgou os boletins de urna até esta quinta (1/8).
A organização
Observatório Venezuelano de Conflitos Sociais contabilizou mais de 300
manifestações em todo o país desde domingo. Destes, ao menos 115 foram
reprimidos violentamente em 20 dos 23 estados, segundo a organização.
Na quarta (31/7), o
número de mortes causadas pela repressão aos protestos chegou a 12, segundo as
ONGs Fórum Penal; Justiça, Encontro e Perdão e Laboratório de Paz.
Além das mortes, há
relatos de centenas de pessoas presas - entre elas o líder do partido Vontade
Popular, Freddy Superlano. O procurador-geral da Venezuela, Tarek William Saab,
indicou que 749 pessoas foram detidas.
Maria Corina Machado
disse que 115 destas prisões foram arbitrárias.
Posição do Brasil
A posição do Brasil é
considerada crucial para a Venezuela nos cinco meses que separam as eleições do
novo mandato presidencial.
"Esse período
longo vai exigir de todos os países em torno, mas especialmente do Brasil como
liderança regional, um cuidado muito grande na condução de uma mediação entre
as partes", disse à BBC News Brasil Carolina Silva Pedroso, professora de
Relações Internacionais da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).
Na terça (30/7), em
seu primeiro pronunciamento sobre o tema, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva cobrou as autoridades venezuelanas a publicar os boletins de urna.
"É normal que
tenha uma briga. Como resolve essa briga? Apresenta a ata", disse Lula em
entrevista a um canal de afiliada da TV Globo em Mato Grosso.
"Se a ata tiver
dúvida entre a oposição e a situação, a oposição entra com um recurso e vai
esperar na Justiça o processo. E vai ter uma decisão, que a gente tem que
acatar. Eu estou convencido que é um processo normal, tranquilo",
prosseguiu Lula.
"Na hora que
tiver apresentado as atas, e for consagrado que a ata é verdadeira, todos nós
temos a obrigação de reconhecer o resultado eleitoral da Venezuela", disse
o presidente.
Nas eleições
venezuelanas, as atas são boletins que registram os votos em cada urna. O
governo da Venezuela diz que houve um "ataque de hackers ao sistema",
o que impediu a divulgação dos dados.
A oposição
venezuelana, porém, não acredita que a questão poderá ser resolvida por um
processo normal na Justiça. Afinal, diz que o Poder Judiciário é dominado por
Maduro.
A oposição também
contesta a noção de que haja uma normalidade no processo político do país,
apontando que, ao longo dos anos, o chavismo passou a controlar órgãos como a
Suprema Corte e o Conselho Eleitoral.
Fonte: BBC News Brasil
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