Diplomacia brasileira está entrando em beco
sem saída sobre Venezuela
A diplomacia
brasileira encontra-se em uma situação delicada em relação às recentes eleições
na Venezuela, segundo análise de Américo Martins, correspondente sênior
da CNN. Para ele, o Brasil está entrando em um “beco sem saída”
diplomático ao não reconhecer a reeleição de Nicolás Maduro sem ter acesso às
atas eleitorais.
De acordo com Américo
Martins, o Brasil afirma que não reconhecerá a suposta vitória de Maduro até
que todas as atas eleitorais sejam publicadas e disponibilizadas para
verificação pública.
Esta posição coloca o
país em uma situação complicada, pois o Conselho Nacional Eleitoral da
Venezuela, controlado pelo regime de Maduro, declarou sua vitória com 51% dos
votos, mas não divulgou os números que comprovam esse resultado.
·
Justiça venezuelana e
falta de transparência
O analista ressalta
que a oposição venezuelana recorreu à Justiça, conforme sugerido pelo
presidente Lula. No entanto, Martins enfatiza que o sistema judiciário
venezuelano não é independente, sendo controlado pelo regime.
A presidente do
Supremo Tribunal de Justiça da Venezuela, por exemplo, declara-se abertamente
“chavista” e “madurista”.
A situação se agravou
quando o tribunal venezuelano não apenas validou a vitória de Maduro, mas
também impôs sigilo sobre as atas de votação.
Esse cenário coloca o
Brasil em uma posição difícil, pois o país não deseja romper relações com a
Venezuela ou impor sanções, buscando manter linhas de diálogo.
·
Dilema diplomático
brasileiro
Américo Martins
explica que o Itamaraty acredita que manter o diálogo é uma forma de
potencialmente influenciar a política interna venezuelana. Contudo, essa
estratégia entra em conflito com a posição de não reconhecer o resultado
eleitoral sem as atas, que provavelmente não serão divulgadas.
O analista menciona
que o Brasil e a Colômbia, dois países importantes para a Venezuela, estão
prestes a emitir um comunicado conjunto sobre a situação.
Embora o esperado
fosse uma posição crítica em relação às fraudes eleitorais, Martins sugere que,
devido ao desejo de manter o diálogo com Caracas, é provável que adotem uma
abordagem mais branda.
Esta situação
contrasta com a posição de outros países como Estados Unidos, Argentina,
Uruguai e Chile, que criticaram duramente as fraudes e o governo Maduro.
Martins conclui que o
Brasil se encontra em uma posição complicada, tentando equilibrar a manutenção
do diálogo com a necessidade de pressionar o regime venezuelano a admitir as
irregularidades no processo eleitoral.
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Lula conversa com Petro e segue não reconhecendo resultado eleitoral na
Venezuela
O presidente Luiz
Inácio Lula da Silva divulgou uma nota em que explica por que ainda não
reconhece o resultado das eleições presidenciais na Venezuela. De acordo com a
justiça eleitoral venezuelana, o vencedor foi Nicolás Maduro, mas a oposição,
liderada por Maria Corina Machado, contesta o resultado. Confira abaixo a
posição de Brasil e Colômbia:
DECLARAÇÃO
CONJUNTA DE BRASIL E COLÔMBIA
Os presidentes Luiz
Inácio Lula da Silva e Gustavo Petro mantiveram ontem e hoje (23 e 24/8)
conversas telefônicas sobre a questão das eleições presidenciais na
Venezuela.
Ambos os presidentes
permanecem convencidos d que a credibilidade do processo eleitoral somente
poderá ser restabelecida mediante a publicação transparente dos dados
desagregados por seção eleitoral e verificáveis.
A normalização
política da Venezuela requer o reconhecimento de que não existe uma alternativa
duradoura ao diálogo pacífico e à convivência democrática na diversidade.
Os dois presidentes
conclamam todos os envolvidos a evitar recorrer a atos de violência e à
repressão.
Como países vizinhos
diretamente interessados na estabilidade da Venezuela e da região, e
testemunhas dos Acordos de Barbados, Brasil e Colômbia mantêm abertos seus
canais de comunicação com as partes e reiteram sua disposição de facilitar o
entendimento entre elas.
Brasil e Colômbia
tomam nota da decisão do Tribunal Supremo de Justiça (TSJ) da Venezuela sobre o
processo eleitoral. Reiteram que continuam a aguardar a divulgação, pelo CNE,
das atas desagregadas por seção de votação. E relembram os compromissos assumidos
pelo governo e pela oposição mediante a assinatura dos Acordos de Barbados,
cujo espírito de transparência deve ser respeitado.
Manifestam também sua
total oposição à continuada aplicação de sanções unilaterais como instrumento
de pressão. Compartilham o entendimento de que sanções unilaterais são
contrárias ao direito internacional e prejudicam a população dos países
sancionados, em especial as camadas mais vulneráveis.
¨ O Brasil não pode cair nas artimanhas dos alinhamentos. Por
Marcelo Zero
A mídia brasileira age
com inacreditável má-fé, quando se trata de Lula e da diplomacia brasileira.
No que tange à
Venezuela, por exemplo, só faltam culpar Lula, Celso Amorim e o Brasil pelas
atitudes e decisões de Maduro e das instituições venezuelanas.
Ora, desde o início do
terceiro governo Lula, que o Brasil tem se empenhado em corrigir um erro crasso
cometido pelo governo Bolsonaro: romper relações com a Venezuela e se afastar
de um vizinho que é estratégico para os interesses nacionais.
A aposta ridícula no
governo fictício de Juan Guaidó e em sanções contra a economia e o povo
venezuelanos só pioraram a situação da Venezuela e diminuíram consideravelmente
a influência do Brasil naquele país. A crise político-econômica venezuelana se
agravou consideravelmente, para satisfação da direita brasileira, que sempre
demonizou a revolução chavista e deu apoio a todas as tentativas de
desestabilizar seus governos.
É preciso levar em
consideração, nesse quadro, as terríveis sanções impostas pelos EUA, e também
pela União Europeia, nunca mencionadas pela extrema-direita hidrófoba
brasileira, as quais produzem grande sofrimento na Venezuela.
Em 2021, a Relatora
Especial da ONU sobre as ilegais sanções impostas à Venezuela, Alena Douhan,
apresentou seu relatório, no qual se afirmava, entre muitas outras coisas, o
seguinte:
As receitas públicas
foram reduzidas em 99%. O país vivia com 1% da receita pré-sanções.
Os ativos venezuelanos
congelados em bancos nos Estados Unidos, no Reino Unido e em Portugal ascendiam
a 6 bilhões de dólares.
A compra de bens e
pagamentos por parte de empresas públicas foram bloqueados ou congelados.
O setor privado, as
organizações não-governamentais, as universidades, os clubes desportivos e os
cidadãos denunciavam a recusa ou relutância dos bancos estrangeiros em abrir ou
manter as suas contas bancárias.
As linhas de energia
funcionavam com menos de 20% de sua capacidade. A distribuição de água era
feita em turnos e a maioria das famílias só tinha acesso a ela uma ou duas
vezes por semana, durante poucas horas. Devido a impedimentos comerciais, o uso
de agentes químicos para purificar a água foi reduzido em 30%.
A migração
venezuelana, desde 2015 até 2021, variou entre 1 e 5 milhões de pessoas, devido
a essas sanções.
A maioria dos serviços
públicos viu o seu pessoal reduzido entre 30% e 50%, incluindo os quadros mais
qualificados. Isto causou desorganização interna, aumento da carga de trabalho
do restante do pessoal, redução dos serviços e diminuição da sua qualidade.
Os impedimentos às
importações de alimentos colocaram 2,5 milhões de pessoas numa situação de
grave insegurança alimentar. Para fazer face a esta situação, a população
reduziu o número de refeições diárias; reduziu a quantidade e a qualidade dos
alimentos; descapitalizou-se ou vendeu bens domésticos para comprar alimentos;
reduziu despesas com saúde, vestuário e educação etc. Tal situação tem
correlação com crises familiares; violência e separações; trabalho infantil;
economia subterrânea; atividades criminosas; trabalho forçado e migração.
O programa alimentar
público CLAP reduziu a variedade dos seus produtos.
As sanções também
tiveram impacto nos cuidados de saúde, conduzindo à falta ou à grave
insuficiência de medicamentos e vacinas; ao aumento dos preços; à escassez de
energia elétrica para abastecer os equipamentos; à escassez de água e problemas
de saneamento que afetam a higiene; à deterioração das infraestruturas por
falta de manutenção, à falta de peças sobressalentes, à indisponibilidade de
novos equipamentos por falta de recursos ou recusa de venda ou entrega; à
degradação das condições de trabalho e à falta de equipamentos de
proteção contra doenças infecciosas; à perda de pessoal em todas as áreas
médicas devido aos baixos salários; e à falta conclusão da construção de
hospitais e centros de atenção primária.
Os cargos de pessoal
médico em hospitais públicos estavam de 50% a 70% vagos. Apenas 20% dos
equipamentos médicos estavam operacionais. Só o Hospital Cardiológico Infantil
de Caracas enfrentou uma diminuição de 5 vezes no número de cirurgias (de uma
média de 1.000 intervenções anuais, no período 2010-2014, para 162, em 2020).
O país enfrentou uma
grave escassez de vacinas contra o sarampo, a febre amarela e a malária, em
2017 e 2018. A falta de testes e tratamento para o HIV, em 2017 e 2018 levou
supostamente a um sério aumento na taxa de mortalidade.
O ensino escolar e
universitário tem enfrentado um sério declínio no apoio governamental desde
2016, incluindo o fim ou a redução do fornecimento de uniformes escolares,
sapatos, mochilas e artigos de papelaria; e a redução do número de refeições
diárias na escola (de 2 para 1), a redução da quantidade e diversidade de
alimentos ou o seu cancelamento total.
Nessas condições, e
apesar da relativa mitigação das sanções a partir de 2022, o Brasil, no início
do terceiro governo de Lula, tinha basicamente duas opções: continuar com o
desastre da política bolsonarista ou normalizar suas relações com a Venezuela.
Essa última opção
implicava intentar reintroduzir a Venezuela nos processos de integração
regional e reverter a tragédia das sanções e do isolamento relativo daquele
vizinho.
O esforço do Brasil de
Lula em reverter essa tragédia não foi isolado. O famoso Acordo de Barbados,
firmado entre o governo de Maduro e parte da oposição venezuelana, mediado pela
“bolivariana” Noruega, foi apoiado também por Estados Unidos, México, Países
Baixos, Rússia e Colômbia, entre outros.
Não foi uma invenção
do Brasil.
Assim, acusar o Brasil
de ter sido “ludibriado” pelo governo de Maduro significa dizer que todo esses
outros países também o foram.
O Brasil de Lula
simplesmente apostou, como a maioria desses outros países, em negociações, na
solução pacífica das controvérsias e no desenvolvimento de um entorno próspero
e integrado, como é tradição, aliás, da nossa diplomacia.
Na condição de um dos
fiadores do Acordo de Barbados, o Brasil não podia simplesmente fazer acusações
imediatas contra Maduro e provocar um rompimento com aquele governo, como é o
desejo da direita brasileira.
É vital que os canais
de diálogo continuem abertos, até mesmo pelo interesse da oposição venezuelana,
que reconhece o Brasil como um facilitador e mediador muito relevante. A
posição do Brasil não pode ser a mesma que a dos governos conservadores da
região, que se alinham automaticamente com as posições dos EUA.
Por outro lado, nessa
mesma condição, o Brasil de Lula não pode também avalizar os resultados de uma
eleição que, ao contrário de muitas outras realizadas na Venezuela durante o
chavismo, não mostrou ter uma apuração realmente transparente. A decisão da suprema
corte venezuelana, opaca, não resolveu esse problema básico e crucial.
O Brasil de Lula
reconhece a soberania da Venezuela. Contudo, a diplomacia brasileira não pode
reconhecer algo que ela não tem condições objetivas de avaliar e avalizar.
Por isso, a diplomacia
brasileira, que já sofria críticas à direita, agora sofre também crítica de
setores da esquerda, que exige alinhamento em sentido oposto.
Para piorar a
situação, o governo Maduro está se tornando hostil ao Brasil, inclusive com
críticas mentirosas ao seu sistema eleitoral e provocações nominais e baixas a
membros de seu governo, como Celso Amorim, que são prontamente exploradas pela
mídia conservadora e pela oposição de extrema-direita. O governo Maduro sabe
disso, mas insiste nessas atitudes grosseiras.
Isso gera um grande e
desnecessário desgaste.
Não obstante, a
diplomacia brasileira não pode simplesmente abandonar a questão venezuelana e
“lavar as mãos”. A Venezuela é um importante e estratégico vizinho, e sua
situação atual nos afeta negativamente, assim como afeta também a integração
regional soberana. O desgaste da inação e da omissão seria bem maior.
Portanto, o Brasil tem
de insistir em seus esforços para que a situação venezuelana não se agrave e
não se internacionalize de forma irreversível. É o interesse nacional que dita
essa posição responsável e pragmática.
Nosso país não pode
cair no que fez o governo Bolsonaro: nas artimanhas ideológicas dos
alinhamentos automáticos. Isso vale tanto para os EUA quanto para o governo de
Maduro.
Teremos de ser,
sempre, amigos da Venezuela. Mas não podemos repetir a história como farsa.
Fonte: CNN
Brasil/Brasil 247
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