As críticas à Justiça da Venezuela, citada
por Lula como capaz de 'resolver' impasse entre Maduro e oposição
"Tem uma briga.
Como é que vai resolver essa briga? Apresenta a ata. Se a ata tiver dúvida
entre oposição e a situação, a oposição entra com recursos e vai esperar na
Justiça o processo”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em entrevista a uma emissora afiliada da TV Globo na
terça-feira (30/7), em sua primeira declaração sobre os resultados das eleições
na Venezuela, que apontaram a reeleição de Nicolás Maduro.
Lula se referia às
atas de votação, espécie de boletim de urna, como forma de resolver o impasse
entre a oposição e o governo de Maduro. Para ele, a disputa não apresenta
"nada de grave, nada de assustador".
No entanto, a proposta
de Lula de resolver o conflito através da Justiça venezuelana gera
questionamentos.
Organizações
internacionais, especialistas e diversos países, assim como a oposição, dizem
que o sistema judiciário da Venezuela é tendencioso e sujeito a interferências
políticas devido às reformas realizadas por Maduro. Já o governo venezuelano
refuta essas críticas.
Em seu último relatório, de 2023,
a Missão Internacional Independente de Investigação sobre a República
Bolivariana da Venezuela, criada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU,
afirma que o Judiciário do país carece de "independência e
imparcialidade".
O relatório destaca
que o sistema de justiça criminal da Venezuela tem sido usado para
"criminalizar críticos e opositores reais ou percebidos do governo,
incluindo jornalistas, sindicalistas, defensores dos direitos humanos e
ativistas políticos".
A missão afirma que o
Estado venezuelano "utiliza o sistema judiciário para silenciar e punir a
crítica e a oposição ao governo, muitas vezes através de acusações arbitrárias
e julgamentos prolongados marcados por violações do devido processo".
Em fevereiro deste
ano, o governo de Maduro anunciou a suspensão das operações do Alto
Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) na Venezuela,
dando um prazo para que seus funcionários deixassem o país em até 72 horas.
A medida ocorreu
depois de o órgão da ONU afirmar que acompanhava com "profunda
preocupação" a detenção da advogada e ativista de direitos humanos Rocío
San Miguel.
A Human Rights Watch,
organização que defende direitos humanos, afirma que o Judiciário da Venezuela
"deixou de funcionar como um ramo independente do governo desde que o
ex-presidente Hugo Chávez e seus apoiadores na Assembleia Nacional tomaram o controle
do Supremo Tribunal em 2004".
Segundo a ONG,
"os juízes do Supremo Tribunal rejeitaram a separação de poderes e
frequentemente apoiaram políticas e práticas abusivas".
O World Justice
Project, uma organização internacional que promove o estado de direito
globalmente, colocou a Venezuela no último lugar no Índice de Estado de Direito
em 2023 nas áreas de aplicação regulatória, justiça civil e justiça criminal.
A Due Process of Law
Foundation (DPLF), uma ONG que promove o estado de direito na América Latina,
afirma que, durante as últimas duas décadas do regime chavista, "o Poder
Judiciário foi gradualmente subordinado ao Poder Executivo" na Venezuela.
Para o Departamento de
Estado dos Estados Unidos, país com quem o governo chavista tem uma antiga
desavença, a Constituição venezuelana garante a independência do Judiciário,
mas, na prática, "o sistema judicial carece de independência e geralmente agia
em favor do regime de Maduro em todos os níveis".
O órgão do governo
americano acrescenta haver "alegações credíveis de corrupção e influência
política em todo o Judiciário".
·
Enfraquecimento do Judiciário
Críticos dizem que o
processo de enfraquecimento da Justiça na Venezuela teve início com um decreto
durante o governo do ex-presidente Hugo Chávez (1954-2013) que reorganizou o
sistema judiciário e criou uma Comissão de Emergência Judicial, à qual o Supremo
Tribunal de Justiça passou a estar subordinado, resultando na remoção de juízes
entre 1999 e 2003.
Em maio de 2004, uma
lei aumentou o número de juízes do Supremo de 20 para 32.
Além dos juízes
nomeados para as 12 novas cadeiras, cinco juízes foram designados para
preencher vagas que haviam surgido nos últimos meses, e 32 outros foram
nomeados como juízes suplentes do tribunal.
Esses magistrados
foram escolhidos por uma maioria simples da coalizão governista controlada pelo
partido de Hugo Chávez.
A Comissão
Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) diz que esses juízes provisórios e
temporários têm as mesmas autoridades que juízes permanentes, mas devido à
natureza de seu status de emprego, eles estariam sujeitos "a pressões
políticas para tomar decisões favoráveis ao regime".
"O sistema
judicial, então, se tornou altamente partidário: metade dos juízes eram ou
haviam sido membros do partido governante, e 25 dos 32 juízes do Supremo não
atendiam aos requisitos mínimos para o cargo", diz a DPLF em um relatório.
Para os críticos, isso
transformou o Judiciário em uma ferramenta para promover os interesses do
governo e enfraquecer a Assembleia Nacional (Congresso venezuelano), controlada
pela oposição a partir de 2016, por meio de declarações de inconstitucionalidade
e invalidação de atos legislativos.
·
Mudança?
Em janeiro de 2022, o
governo de Maduro reduziu o número de juízes do Supremo Tribunal de 32 para 20,
como parte de uma lei que também alterou o processo de seleção e permitiu a
reeleição de magistrados.
Em abril daquele ano,
a Assembleia Nacional selecionou os novos juízes, dos quais 12 foram
reindicados ao tribunal.
No entanto, apenas
dois deles estavam alinhados com grupos de oposição, segundo a ONG Justice
Access, com sede em Caracas.
Dois anos antes,
Maduro havia prometido reformas para abordar as preocupações internacionais
sobre a falta de independência do sistema judicial.
A reforma do tribunal
foi um dos principais pontos tratados nas negociações entre a oposição e o
governo em 2021, realizadas no México e interrompidas em outubro daquele ano.
Na época, o líder
opositor Juan Guaidó, apoiado pelos Estados Unidos, declarou que "este é o
mais recente sinal da ausência de democracia em nosso país", classificando
o processo prometido de reformas como uma "miragem."
¨ Brasil irá pressionar por transparência nas eleições
venezuelanas, mas descarta condenação em reunião da OEA
O Brasil pretende
exigir a divulgação de atas de votação e reforçar a cobrança por transparência
nas eleições da Venezuela durante a reunião extraordinária da OEA (Organização
dos Estados Americanos), marcada para esta quarta-feira (31). No entanto,
segundo a coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, o país não apoiará iniciativas para
condenar Nicolás Maduro no órgão.
Embora as eleições
venezuelanas sejam questionadas, diplomatas brasileiros acreditam que é
essencial manter diálogo aberto para resolver conflitos, inclusive com países
que não têm contato com o governo do presidente Nicolás Maduro. Nesta semana o
Brasil ajudou a evitar a invasão da Embaixada da Argentina em Caracas por
manifestantes chavistas.
Ainda conforme a
reportagem, o embaixador Benoni Belli, representante do Brasil na OEA, deverá
ressaltar na reunião a importância de divulgar os dados eleitorais para
dissipar dúvidas sobre o resultado do pleito. Diplomatas brasileiros avaliam
que a influência da OEA sobre a Venezuela é limitada e que uma condenação
coletiva não ajudaria.
O descrédito da OEA é
atribuído à atuação de seu secretário-geral, Luis Almagro, que reconheceu Juan
Guaidó como presidente autoproclamado e defendeu sanções e uma intervenção
armada na Venezuela. Segundo um diplomata, Almagro se alinhou a uma oposição nem
sempre democrática, perdendo poder de mediação. No Itamaraty, a cautela é vista
como fundamental para manter abertas as oportunidades de diálogo e insistir na
divulgação das atas sinaliza que o governo de Maduro não tem carta-branca,
apesar das declarações de Lula minimizando a tensão.
Embora o Brasil possa
apoiar um texto da OEA com críticas moderadas à Venezuela, um consenso na
reunião desta quarta-feira é considerado improvável. Argentina, Peru e
Equador defendem uma reprimenda mais dura, enquanto Honduras, Bolívia e São
Vicente e Granadinas parabenizaram Maduro. O presidente do México, Andrés
Manuel López Obrador, recusou-se a participar da reunião extraordinária da OEA
sobre a Venezuela, alegando parcialidade do órgão.
Em um comunicado, o
gabinete de Almagro afirmou que a Venezuela sofreu sua "mais aberrante
manipulação". O Carter Center, principal observador eleitoral independente
nas eleições venezuelanas, declarou que o processo não pode ser considerado democrático.
A organização destacou a falta de resultados desagregados por mesa de votação e
a violação dos princípios eleitorais.
Nicolás Maduro foi
declarado eleito pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral), que atribuiu 51,2% dos
votos a ele e 44,2% ao opositor Edmundo González Urrutia.
¨ Gustavo Petro pede que Maduro permita contagem dos votos e
acesso às atas eleitorais
O presidente da
Colômbia, Gustavo Petro, se pronunciou nesta quarta-feira (31) sobre as
eleições presidenciais venezuelanas deste domingo (28).
Em um post no X, Petro
pediu que o governo venezuelano permita um "escrutínio transparente"
das forças políticas venezuelanas e dos órgãos de monitoramento
internacionais.
<<<<
Leia abaixo a íntegra de seu posicionamento:
As sérias dúvidas que
se estabelecem em torno do processo eleitoral venezuelano podem levar o seu
povo a uma profunda polarização violenta com graves consequências de divisão
permanente de uma nação que soube unir-se muitas vezes na sua história.
Convido o governo
venezuelano a permitir que as eleições terminem pacificamente, permitindo um
escrutínio transparente com contagem de votos, atas e supervisão por todas as
forças políticas do seu país e supervisão internacional profissional.
Enquanto este processo
é realizado, a tranquilidade pode chegar às forças cidadãs opostas e deter a
violência que leva à morte até que a contagem termine e as eleições terminem
oficialmente. Propomos respeitosamente chegar a um acordo entre o governo e a
oposição que permita o máximo respeito pela força que perdeu as eleições. Tal
acordo pode ser entregue como uma Declaração de Estado Unilateral ao Conselho
de Segurança das Nações Unidas.
Peço ao governo dos
EUA que suspenda bloqueios e decisões contra cidadãos venezuelanos. O bloqueio
é uma medida anti-humana que só traz mais fome e mais violência do que já
existe e promove o êxodo em massa de pessoas. A emigração da América Latina
para os EUA diminuirá substancialmente se os bloqueios forem levantados.
Pessoas livres sabem como tomar suas decisões.
A situação atual do
mundo, onde o direito internacional é violado, assassinando crianças com total
impunidade e onde povos irmãos enfrentam com armas os desígnios de potências
obscuras que gravitam em torno da ganância e não pensam na vida da humanidade,
pode fazer do Caribe, um foco de violência e instabilidade enfrentados por
potências estrangeiras estranhas à nossa história e ao nosso território.
O povo colombiano
conhece na sua própria história a gravidade da polarização violenta construída
pelo sectarismo político. Tivemos 75 anos de violência quase permanente, com
mais de 700 mil mortes desde então, com uma sociedade e um Estado que passaram
por períodos de profunda degradação.
Isso não pode
acontecer no nosso país irmão e deve acabar definitivamente na Colômbia.
Qualquer coisa que aconteça na Venezuela afetará a Colômbia e vice-versa. Tal
como o governo venezuelano ajudou a paz na Colômbia, agora este governo que
represento quer ajudar a paz na Venezuela.
A América Latina deve
ser uma região de Democracia, Liberdade e Paz. Esse foi o slogan final do
Libertador Bolívar. Essa bandeira deve continuar a ser hasteada pelo nosso
próprio povo.
O presidente Maduro
tem hoje uma grande responsabilidade de lembrar o espírito de Chávez e permitir
que o povo venezuelano volte à tranquilidade enquanto as eleições terminam com
calma e o resultado transparente é aceito, seja ele qual for.
O escrutínio é o fim
de qualquer processo eleitoral, deve ser transparente e garantir a paz e a
democracia.
Meus votos de paz e
democracia na Venezuela.
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Maduro diz estar pronto para apresentar contagens de votos e pede a Tribunal
que todos os partidos o façam
O presidente da
Venezuela, Nicolás Maduro, disse nesta quarta-feira que seu partido socialista
está pronto para apresentar todas as contagens de votos da eleição de domingo,
e afirmou ter pedido ao Tribunal Superior do país para garantir que todos os
partidos façam o mesmo.
A divulgação das atas
e contagem dos votos é um apelo feito por países como o Brasil, Colômbia, EUA e
a União Européia.
Em um post no X, o
presidente da Colômbia, Gustavo Petro, pediu nesta quarta-feira que o governo venezuelano
permita um "escrutínio transparente" das forças políticas
venezuelanas e dos órgãos de monitoramento internacionais.
Maduro, disse que o
país vai criar uma comissão especial com ajuda de assessorias russa e chinesa
para avaliar o sistema de cibersegurança do país. As autoridades venezuelanas
afirmam que um ataque hacker desestabilizou o sistema de
comunicação do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) no dia da eleição, atrasando o
trabalho do órgão.
Ainda segundo o
mandatário venezuelano, por trás desse ataque estaria o multibilionário Elon
Musk, dono da plataforma X, antigo Twitter, e de diversas indústrias, desde
carros elétricos até satélites.
Fonte: BBC News
Brasil/Brasil 247
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