quinta-feira, 1 de agosto de 2024

As críticas à Justiça da Venezuela, citada por Lula como capaz de 'resolver' impasse entre Maduro e oposição

"Tem uma briga. Como é que vai resolver essa briga? Apresenta a ata. Se a ata tiver dúvida entre oposição e a situação, a oposição entra com recursos e vai esperar na Justiça o processo”, disse o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em entrevista a uma emissora afiliada da TV Globo na terça-feira (30/7), em sua primeira declaração sobre os resultados das eleições na Venezuela, que apontaram a reeleição de Nicolás Maduro.

Lula se referia às atas de votação, espécie de boletim de urna, como forma de resolver o impasse entre a oposição e o governo de Maduro. Para ele, a disputa não apresenta "nada de grave, nada de assustador".

No entanto, a proposta de Lula de resolver o conflito através da Justiça venezuelana gera questionamentos.

Organizações internacionais, especialistas e diversos países, assim como a oposição, dizem que o sistema judiciário da Venezuela é tendencioso e sujeito a interferências políticas devido às reformas realizadas por Maduro. Já o governo venezuelano refuta essas críticas.

Em seu último relatório, de 2023, a Missão Internacional Independente de Investigação sobre a República Bolivariana da Venezuela, criada pelo Conselho de Direitos Humanos da ONU, afirma que o Judiciário do país carece de "independência e imparcialidade".

O relatório destaca que o sistema de justiça criminal da Venezuela tem sido usado para "criminalizar críticos e opositores reais ou percebidos do governo, incluindo jornalistas, sindicalistas, defensores dos direitos humanos e ativistas políticos".

A missão afirma que o Estado venezuelano "utiliza o sistema judiciário para silenciar e punir a crítica e a oposição ao governo, muitas vezes através de acusações arbitrárias e julgamentos prolongados marcados por violações do devido processo".

Em fevereiro deste ano, o governo de Maduro anunciou a suspensão das operações do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH) na Venezuela, dando um prazo para que seus funcionários deixassem o país em até 72 horas.

A medida ocorreu depois de o órgão da ONU afirmar que acompanhava com "profunda preocupação" a detenção da advogada e ativista de direitos humanos Rocío San Miguel.

A Human Rights Watch, organização que defende direitos humanos, afirma que o Judiciário da Venezuela "deixou de funcionar como um ramo independente do governo desde que o ex-presidente Hugo Chávez e seus apoiadores na Assembleia Nacional tomaram o controle do Supremo Tribunal em 2004".

Segundo a ONG, "os juízes do Supremo Tribunal rejeitaram a separação de poderes e frequentemente apoiaram políticas e práticas abusivas".

O World Justice Project, uma organização internacional que promove o estado de direito globalmente, colocou a Venezuela no último lugar no Índice de Estado de Direito em 2023 nas áreas de aplicação regulatória, justiça civil e justiça criminal.

A Due Process of Law Foundation (DPLF), uma ONG que promove o estado de direito na América Latina, afirma que, durante as últimas duas décadas do regime chavista, "o Poder Judiciário foi gradualmente subordinado ao Poder Executivo" na Venezuela.

Para o Departamento de Estado dos Estados Unidos, país com quem o governo chavista tem uma antiga desavença, a Constituição venezuelana garante a independência do Judiciário, mas, na prática, "o sistema judicial carece de independência e geralmente agia em favor do regime de Maduro em todos os níveis".

O órgão do governo americano acrescenta haver "alegações credíveis de corrupção e influência política em todo o Judiciário".

·        Enfraquecimento do Judiciário

Críticos dizem que o processo de enfraquecimento da Justiça na Venezuela teve início com um decreto durante o governo do ex-presidente Hugo Chávez (1954-2013) que reorganizou o sistema judiciário e criou uma Comissão de Emergência Judicial, à qual o Supremo Tribunal de Justiça passou a estar subordinado, resultando na remoção de juízes entre 1999 e 2003.

Em maio de 2004, uma lei aumentou o número de juízes do Supremo de 20 para 32.

Além dos juízes nomeados para as 12 novas cadeiras, cinco juízes foram designados para preencher vagas que haviam surgido nos últimos meses, e 32 outros foram nomeados como juízes suplentes do tribunal.

Esses magistrados foram escolhidos por uma maioria simples da coalizão governista controlada pelo partido de Hugo Chávez.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) diz que esses juízes provisórios e temporários têm as mesmas autoridades que juízes permanentes, mas devido à natureza de seu status de emprego, eles estariam sujeitos "a pressões políticas para tomar decisões favoráveis ao regime".

"O sistema judicial, então, se tornou altamente partidário: metade dos juízes eram ou haviam sido membros do partido governante, e 25 dos 32 juízes do Supremo não atendiam aos requisitos mínimos para o cargo", diz a DPLF em um relatório.

Para os críticos, isso transformou o Judiciário em uma ferramenta para promover os interesses do governo e enfraquecer a Assembleia Nacional (Congresso venezuelano), controlada pela oposição a partir de 2016, por meio de declarações de inconstitucionalidade e invalidação de atos legislativos.

·        Mudança?

Em janeiro de 2022, o governo de Maduro reduziu o número de juízes do Supremo Tribunal de 32 para 20, como parte de uma lei que também alterou o processo de seleção e permitiu a reeleição de magistrados.

Em abril daquele ano, a Assembleia Nacional selecionou os novos juízes, dos quais 12 foram reindicados ao tribunal.

No entanto, apenas dois deles estavam alinhados com grupos de oposição, segundo a ONG Justice Access, com sede em Caracas.

Dois anos antes, Maduro havia prometido reformas para abordar as preocupações internacionais sobre a falta de independência do sistema judicial.

A reforma do tribunal foi um dos principais pontos tratados nas negociações entre a oposição e o governo em 2021, realizadas no México e interrompidas em outubro daquele ano.

Na época, o líder opositor Juan Guaidó, apoiado pelos Estados Unidos, declarou que "este é o mais recente sinal da ausência de democracia em nosso país", classificando o processo prometido de reformas como uma "miragem."

¨      Brasil irá pressionar por transparência nas eleições venezuelanas, mas descarta condenação em reunião da OEA

O Brasil pretende exigir a divulgação de atas de votação e reforçar a cobrança por transparência nas eleições da Venezuela durante a reunião extraordinária da OEA (Organização dos Estados Americanos), marcada para esta quarta-feira (31). No entanto, segundo a coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S. Paulo, o país não apoiará iniciativas para condenar Nicolás Maduro no órgão.

Embora as eleições venezuelanas sejam questionadas, diplomatas brasileiros acreditam que é essencial manter diálogo aberto para resolver conflitos, inclusive com países que não têm contato com o governo do presidente Nicolás Maduro. Nesta semana o Brasil ajudou a evitar a invasão da Embaixada da Argentina em Caracas por manifestantes chavistas.

Ainda conforme a reportagem, o embaixador Benoni Belli, representante do Brasil na OEA, deverá  ressaltar na reunião a importância de divulgar os dados eleitorais para dissipar dúvidas sobre o resultado do pleito. Diplomatas brasileiros avaliam que a influência da OEA sobre a Venezuela é limitada e que uma condenação coletiva não ajudaria.

O descrédito da OEA é atribuído à atuação de seu secretário-geral, Luis Almagro, que reconheceu Juan Guaidó como presidente autoproclamado e defendeu sanções e uma intervenção armada na Venezuela. Segundo um diplomata, Almagro se alinhou a uma oposição nem sempre democrática, perdendo poder de mediação. No Itamaraty, a cautela é vista como fundamental para manter abertas as oportunidades de diálogo e insistir na divulgação das atas sinaliza que o governo de Maduro não tem carta-branca, apesar das declarações de Lula minimizando a tensão.

Embora o Brasil possa apoiar um texto da OEA com críticas moderadas à Venezuela, um consenso na reunião desta quarta-feira é considerado  improvável. Argentina, Peru e Equador defendem uma reprimenda mais dura, enquanto Honduras, Bolívia e São Vicente e Granadinas parabenizaram Maduro. O presidente do México, Andrés Manuel López Obrador, recusou-se a participar da reunião extraordinária da OEA sobre a Venezuela, alegando parcialidade do órgão. 

Em um comunicado, o gabinete de Almagro afirmou que a Venezuela sofreu sua "mais aberrante manipulação". O Carter Center, principal observador eleitoral independente nas eleições venezuelanas, declarou que o processo não pode ser considerado democrático. A organização destacou a falta de resultados desagregados por mesa de votação e a violação dos princípios eleitorais.

Nicolás Maduro foi declarado eleito pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral), que atribuiu 51,2% dos votos a ele e 44,2% ao opositor Edmundo González Urrutia. 

¨      Gustavo Petro pede que Maduro permita contagem dos votos e acesso às atas eleitorais

O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, se pronunciou nesta quarta-feira (31) sobre as eleições presidenciais venezuelanas deste domingo (28).

Em um post no X, Petro pediu que o governo venezuelano permita um "escrutínio transparente" das forças políticas venezuelanas e dos órgãos de monitoramento internacionais. 

<<<< Leia abaixo a íntegra de seu posicionamento: 

As sérias dúvidas que se estabelecem em torno do processo eleitoral venezuelano podem levar o seu povo a uma profunda polarização violenta com graves consequências de divisão permanente de uma nação que soube unir-se muitas vezes na sua história.

Convido o governo venezuelano a permitir que as eleições terminem pacificamente, permitindo um escrutínio transparente com contagem de votos, atas e supervisão por todas as forças políticas do seu país e supervisão internacional profissional.

Enquanto este processo é realizado, a tranquilidade pode chegar às forças cidadãs opostas e deter a violência que leva à morte até que a contagem termine e as eleições terminem oficialmente. Propomos respeitosamente chegar a um acordo entre o governo e a oposição que permita o máximo respeito pela força que perdeu as eleições. Tal acordo pode ser entregue como uma Declaração de Estado Unilateral ao Conselho de Segurança das Nações Unidas.

Peço ao governo dos EUA que suspenda bloqueios e decisões contra cidadãos venezuelanos. O bloqueio é uma medida anti-humana que só traz mais fome e mais violência do que já existe e promove o êxodo em massa de pessoas. A emigração da América Latina para os EUA diminuirá substancialmente se os bloqueios forem levantados. Pessoas livres sabem como tomar suas decisões.

A situação atual do mundo, onde o direito internacional é violado, assassinando crianças com total impunidade e onde povos irmãos enfrentam com armas os desígnios de potências obscuras que gravitam em torno da ganância e não pensam na vida da humanidade, pode fazer do Caribe, um foco de violência e instabilidade enfrentados por potências estrangeiras estranhas à nossa história e ao nosso território.

O povo colombiano conhece na sua própria história a gravidade da polarização violenta construída pelo sectarismo político. Tivemos 75 anos de violência quase permanente, com mais de 700 mil mortes desde então, com uma sociedade e um Estado que passaram por períodos de profunda degradação.

Isso não pode acontecer no nosso país irmão e deve acabar definitivamente na Colômbia. Qualquer coisa que aconteça na Venezuela afetará a Colômbia e vice-versa. Tal como o governo venezuelano ajudou a paz na Colômbia, agora este governo que represento quer ajudar a paz na Venezuela.

A América Latina deve ser uma região de Democracia, Liberdade e Paz. Esse foi o slogan final do Libertador Bolívar. Essa bandeira deve continuar a ser hasteada pelo nosso próprio povo.

O presidente Maduro tem hoje uma grande responsabilidade de lembrar o espírito de Chávez e permitir que o povo venezuelano volte à tranquilidade enquanto as eleições terminam com calma e o resultado transparente é aceito, seja ele qual for.

O escrutínio é o fim de qualquer processo eleitoral, deve ser transparente e garantir a paz e a democracia.

Meus votos de paz e democracia na Venezuela.

<><> Maduro diz estar pronto para apresentar contagens de votos e pede a Tribunal que todos os partidos o façam

O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, disse nesta quarta-feira que seu partido socialista está pronto para apresentar todas as contagens de votos da eleição de domingo, e afirmou ter pedido ao Tribunal Superior do país para garantir que todos os partidos façam o mesmo.

A divulgação das atas e contagem dos votos é um apelo feito por países como o Brasil, Colômbia, EUA e a União Européia.

Em um post no X, o presidente da Colômbia, Gustavo Petro, pediu nesta quarta-feira que o governo venezuelano permita um "escrutínio transparente" das forças políticas venezuelanas e dos órgãos de monitoramento internacionais.

Maduro, disse que o país vai criar uma comissão especial com ajuda de assessorias russa e chinesa para avaliar o sistema de cibersegurança do país. As autoridades venezuelanas afirmam que um ataque hacker desestabilizou o sistema de comunicação do Conselho Nacional Eleitoral (CNE) no dia da eleição, atrasando o trabalho do órgão.

Ainda segundo o mandatário venezuelano, por trás desse ataque estaria o multibilionário Elon Musk, dono da plataforma X, antigo Twitter, e de diversas indústrias, desde carros elétricos até satélites. 

 

Fonte: BBC News Brasil/Brasil 247

 

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