Os
músicos e influencers que fazem sucesso promovendo a imagem do agro
A
agricultura brasileira está prosperando, e as redes sociais estão repletas de
conteúdo que celebra o orgulho rural. Mas por que alguns críticos veem isso
como uma campanha calculada de relações públicas?
Ao se
apresentar em um celeiro pouco iluminado, cercado por fardos de feno e rodas de
carroça de madeira, a dupla musical Us Agroboy causa uma primeira impressão
marcante.
Gabriel
está de macacão jeans, com nada além de um crucifixo no peito. Jotinha se
inspira no hip hop, optando por uma camisa esportiva adornada com um colar
grosso e brilhante.
Ambos
usam chapéu de caubói e bota de couro — escolhas adequadas, já que animam o
público com uma música sobre um fazendeiro que alcançou o sucesso apesar de ser
ridicularizado pela chamada "playboyzada".
"Hoje
quem ri sou eu de quem desacreditou", eles cantam.
"A
roça venceu, o agro estourou. E os nossos produtos vão até pro exterior"
Este
videoclipe tem mais de oito milhões de visualizações no YouTube, e os
comentários abaixo sugerem que a paixão da dupla pelo setor agrícola é
compartilhada por muitos.
"Vocês
são o real Brasil", escreveu um usuário, enquanto outro acrescentou:
"Que Deus ilumine cada pessoa que ama a sua terra, seu agro!"
"O
mundo critica o agro, mas nós vivemos do que é produzido no campo."
O Us
Agroboy se tornou um dos principais nomes do "agronejo", um gênero
que combina o sertanejo tradicional com influências mais modernas, como a
música pop e o funk.
O
"agronejo" existe há menos de uma década, mas as músicas que
enaltecem os fazendeiros e o setor agrícola provaram ser um sucesso nas redes
sociais e nas plataformas de streaming, onde foram reproduzidas milhões de
vezes.
Esta
ascensão meteórica foi notada por empresas do setor agrícola, que patrocinam
feiras em que as estrelas do "agronejo" se apresentam e videoclipes
que elas exibem no YouTube.
"O
agro está profundamente ligado à cultura brasileira", diz a Associação
Brasileira do Agronegócio (Abag) à BBC. "Apoiar manifestações culturais
vinculadas a esse universo é uma forma legítima de reconhecer e fortalecer essa
identidade."
No
passado, o Us Agroboy fez parcerias com empresas de maquinário agrícola, e
afirma que o retrato positivo do setor em suas músicas é "fiel à
realidade".
"O
que move o país é o agro, né? É o trabalhador rural que levanta cedo, e planta
soja e colhe o café", diz Gabriel Vittor, integrante da dupla Us Agroboy.
"E,
sem dúvida, é uma das maiores potências do Produto Interno Bruto aqui do Brasil
também."
Mas os
críticos dizem que as músicas do "agronejo" não conseguem capturar a
imagem completa da agricultura brasileira — e, em vez disso, oferecem uma
"visão altamente idealizada, com curadoria ideológica e unilateral"
do setor.
"Esta
visão minimiza as consequências ambientais e sociais do setor, ao mesmo tempo
em que o protege como a espinha dorsal da identidade e da força econômica
brasileira", observa Debora Salles, do NetLab, laboratório de pesquisa em
internet e redes sociais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).
Enquanto
o Brasil se prepara para sediar a conferência climática COP30 em novembro,
pesquisadores como Salles dizem que é mais importante do que nunca entender
como produções culturais como o "agronejo" "moldam a percepção
pública em prol de interesses econômicos poderosos".
O
Brasil é um dos maiores exportadores agrícolas do mundo, com a soja e o café
entre seus produtos mais comercializados. De acordo com o Banco Mundial, cerca
de 22% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro pode ser vinculado à
agricultura, à produção de alimentos e aos serviços relacionados.
A
importância econômica deste setor também é evidente na política: a chamada
"bancada ruralista", que declara entre seus objetivos a "defesa
dos interesses do setor", continua sendo uma das forças mais influentes no
Congresso.
Embora
as músicas do "agronejo" se refiram com frequência à agricultura como
"o que move" a economia brasileira, a BBC não encontrou nenhuma faixa
que faça referência ao impacto que a produção agrícola está tendo sobre o meio
ambiente.
A
associação comercial Abag diz que "nenhuma narrativa isolada consegue, por
si só, refletir toda a complexidade do setor", e que é "natural"
que as músicas apresentem "visões mais inspiradoras ou simbólicas",
já que têm o objetivo de se conectar com o público em geral.
• Levando a batalha para as redes sociais
Aqueles
que seguem Camila Telles sabem que a fazendeira que se tornou influenciadora
não é de medir as palavras.
"A
'lacrosfera' ataca novamente", diz ela em um vídeo do TikTok, assistido
mais de 470 mil vezes, respondendo a postagens de rede social que denunciavam o
"agronejo" como um retrato "cruel" do Brasil. "Agora a
culpa é do sertanejo, né? Que diz que idolatra o agro..."
Com
formação em relações públicas, Telles ficou conhecida nas redes sociais como
uma defensora ferrenha do setor de agronegócios — que, segundo ela, "é a
potência do Brasil".
Ela é
uma fazendeira de terceira geração, mas, diferentemente de outros
influenciadores agrícolas, cujos perfis são dominados por fotos de suas vidas
rurais, Telles publica regularmente vídeos abordando o que ela descreve como
"desinformação" sobre o setor.
"Quando
eu falo de informação, é muito achismo, não é uma questão que as pessoas
realmente conheçam", diz ela à BBC.
"Quando
alguém que nunca plantou um pezinho de soja, de feijão, de qualquer coisa, quer
dar opinião sobre o nosso setor, é algo muito complexo."
Em um
vídeo do TikTok, ela protesta contra os "discursos vazios e
desesperados" daqueles que criticam o impacto ambiental da produção de
soja no Brasil. Em seguida, sugere que as pessoas que retratam a soja como
"inimiga do Brasil" estão, na verdade, se opondo ao desenvolvimento
do país.
A soja
continua sendo uma das principais exportações do Brasil, responsável pela
geração de milhões de empregos, segundo algumas estimativas. Mas as evidências
também mostram que, em algumas partes do Brasil, centenas de milhares de
hectares de áreas florestais foram desmatadas para dar lugar a plantações de
soja.
Em um
relatório de 2022, o NetLab citou esta e outras postagens de rede social para
justificar a inclusão de Camila Telles na lista dos principais influenciadores
brasileiros que espalham desinformação sobre questões ambientais.
"Ela
se tornou um caso emblemático de uso eficaz da mídia social para apoiar o
agronegócio", diz Salles, que contribuiu para o relatório.
Mas
Telles nega espalhar qualquer tipo de desinformação.
"Eu
não distorço os fatos", diz ela à BBC.
"Se
as pessoas analisarem meus vídeos, eu dificilmente coloco o agro como algo
perfeito ou que não tenha erros."
Além de
administrar seu negócio agrícola, Telles fez carreira como palestrante,
aparecendo com frequência em eventos do setor. Em seu site, ela lista
produtores brasileiros de carne entre seus clientes recentes.
Seus
críticos dizem que isso põe em dúvida a autenticidade de suas opiniões, mas
Telles insiste que nunca foi patrocinada para promover qualquer ponto de vista
específico em seu conteúdo.
"Eu
abracei esta causa para mim, mas sempre pensando na minha origem, na minha
família", ela afirma.
Em
protesto contra a reunião de líderes mundiais na COP30 no fim deste ano, um
grupo de produtores rurais anunciou em novembro que iria organizar em paralelo,
a "COP do Agro", destinada a "defender quem produz".
Assim
como Telles, eles também falam de um setor que foi erroneamente
"culpado" pelas mudanças climáticas — pergunto, então, se ela
participaria do evento.
"Eu
acho que não precisa ter a COP do agro", diz ela.
"Nós
temos que estar lá [na COP30] como protagonistas."
E com a
mesma intensidade que demonstra em suas postagens nas redes sociais, ela
acrescenta: "Eu espero uma COP com mais escuta e menos julgamento,
né?"
• O custo climático da agricultura
O
Brasil é atualmente o sexto maior emissor mundial de gases de efeito estufa —
como dióxido de carbono e metano — que causam mudanças climáticas.
Os
dados mostram que cerca de dois terços destas emissões podem estar vinculadas à
agricultura e às mudanças na forma como a terra é usada — principalmente por
meio do desmatamento.
Os
cientistas do projeto MapBiomas estimam que, entre 1985 e 2000, a conversão de
terras para pastagens e plantações foi o principal fator por trás da perda de
áreas florestais no Brasil.
Quando
as florestas são destruídas, elas liberam todo o dióxido de carbono que
absorveram ao longo do tempo de volta à atmosfera, contribuindo ainda mais para
o aquecimento do planeta.
"Globalmente,
a maior parte das emissões vem da queima de combustíveis fósseis", diz
David Lapola, pesquisador da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
"No Brasil, a maior parte das emissões vem da mudança no uso da terra e da
agricultura."
"De
uma perspectiva global, a agricultura não é a vilã, mas de uma perspectiva
nacional, no Brasil, há muitas emissões a serem reduzidas."
No
entanto, alguns agricultores brasileiros dizem que seu setor foi injustamente
responsabilizado pelas mudanças climáticas — e estão usando as redes sociais
para reagir contra o que consideram ser os críticos do setor.
"Acho
que a mídia social é uma arena central para essa batalha ideológica", diz
Salles, do NetLab.
E o
setor agrícola parece estar percebendo isso.
Uma
pesquisa com 4.215 residentes urbanos, realizada pelo movimento Todos a Uma só
Voz — que visa melhorar a percepção pública do setor — sugeriu que três em cada
dez brasileiros não têm uma visão positiva do agronegócio, sendo que cerca de
metade deles são jovens.
"Os
jovens são os que são o público dos influenciadores", diz Ricardo
Nicodemos, que preside a Associação Brasileira de Marketing Rural e
Agronegócio. "Influenciadores são importantes? Redes sociais são
importantes? Sim, são muito importantes."
Fonte:
BBC Trending

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