Marcelo
Nogueira: A verdadeira ameaça de Trump - retaliações ao Brasil e o avanço
irreversível do BRICS
A
recente decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor
tarifas de até 50% sobre produtos brasileiros — especialmente aço e alumínio —
reacendeu tensões nas relações bilaterais entre Brasil e EUA. A medida,
publicamente justificada como reação à suposta “perseguição judicial” ao
ex-presidente Jair Bolsonaro, atualmente réu por tentativa de golpe de Estado,
vai muito além de disputas comerciais ou preocupações jurídicas. Trata-se de um
gesto com implicações geopolíticas profundas, que visa conter o fortalecimento
do BRICS, a reorganização da ordem mundial e a ameaça concreta de um sistema
multipolar em que os Estados Unidos deixariam de ocupar o papel de hegemonia
incontestada.
O que
está em jogo não é apenas a balança comercial ou a afinidade ideológica com um
ex-mandatário latino-americano de extrema direita. O que de fato incomoda Trump
— e setores ultraconservadores dos EUA — é o crescente protagonismo do Brasil
como ator geopolítico autônomo, especialmente no contexto da presidência
brasileira do BRICS, que tem sido marcada por avanços significativos em direção
à desdolarização e à construção de uma nova arquitetura internacional. A
retaliação econômica contra setores estratégicos da economia brasileira,
travestida de medida corretiva, revela-se uma tentativa de coerção política
disfarçada de defesa da “justiça global”.
A
alegação de Trump de que as novas tarifas visam proteger a indústria
norte-americana frente a um suposto “déficit comercial insustentável” causado
pelo Brasil colide frontalmente com os dados oficiais. Há dezesseis anos
consecutivos, os Estados Unidos mantêm superávit na balança comercial com o
Brasil, acumulando desde 2009 um saldo superior a US$ 90 bilhões favorável aos
norte-americanos. Em 2024, por exemplo, o Brasil exportou US$ 2,3 bilhões em
aço aos EUA, enquanto importou US$ 1,4 bilhão em carvão e US$ 3,9 bilhões em
maquinário e bens industriais norte-americanos. Ou seja, longe de causar
prejuízo, o Brasil tem contribuído para a vitalidade da economia dos Estados
Unidos. Importante destacar que o setor siderúrgico brasileiro já estava
submetido a tarifas de até 50%. Com as novas imposições, os encargos se tornam
praticamente proibitivos, podendo alcançar até 100%, com estimativa de queda
imediata de até 40% nas exportações de aço e alumínio. Tal medida, além de
danosa à indústria nacional, favorece concorrentes como a China, cuja produção
é fortemente subsidiada.
A
suposta preocupação de Trump com a “segurança econômica” revela-se infundada
sob escrutínio técnico. Trata-se, portanto, de uma ação desprovida de
fundamento comercial concreto, mas de clara motivação política — e, sobretudo,
geopolítica.
A
justificativa mais alarmante para as tarifas foi a alegada “perseguição
judicial” ao mandatário anterior ao presidente Lula, atualmente réu perante o
Supremo Tribunal Federal por tentativa de subversão das instituições
democráticas brasileiras. As denúncias contam com provas robustas, incluindo
imagens, áudios e documentos obtidos pelo Ministério Público Federal.
Trump,
por conveniência, tem qualificado esse processo como uma “vergonha
internacional”, um “julgamento político” e parte de uma suposta “caça às
bruxas”. Tal narrativa se insere na lógica discursiva da extrema direita global
e ecoa manifestações de outras figuras influentes, como Elon Musk, que chegaram
a desacatar decisões judiciais brasileiras sob a justificativa de censura.
O
objetivo, aqui, é deslegitimar a atuação soberana do Judiciário brasileiro e
transformá-la em peça de um enredo conspiratório global. A retórica de Trump
representa uma grave violação aos princípios da autodeterminação dos povos e do
respeito às instituições democráticas. Atualiza, com nova linguagem, uma antiga
prática: a doutrina da intervenção norte-americana nos assuntos internos da
América Latina.
A
história regional é marcada por episódios dessa natureza: da derrubada de
Salvador Allende no Chile (1973) ao golpe civil-militar de 1964 no Brasil; do
impeachment de Dilma Rousseff em 2016 à prisão de Lula em 2018 — ambos
processos amplamente questionados por juristas e organismos internacionais — a
ingerência norte-americana sempre se disfarçou de “preocupações democráticas”.
Hoje, assume a forma da “justiça comercial”.
Por
trás das tarifas e da retórica judicial, o que realmente incomoda Washington é
o avanço do BRICS. Sob a presidência brasileira em 2025, o bloco deu um salto
estratégico e ampliou sua composição. Com a entrada de Egito, Etiópia, Irã,
Arábia Saudita e Emirados Árabes Unidos, o BRICS passa a contar com 10 membros,
representando mais de 40% da população mundial e cerca de 37% do PIB global (em
paridade de poder de compra).
O Novo
Banco de Desenvolvimento (NBD), atualmente presidido por Dilma Rousseff, lidera
esforços para transações em moedas locais entre os países do bloco, reduzindo
gradualmente a dependência do dólar. Essa agenda de desdolarização tem gerado
profunda inquietação nos círculos estratégicos norte-americanos. Analistas
geopolíticos indicam que Trump estaria “furioso” com os avanços do BRICS, com
receios, nos círculos estratégicos norte-americanos, de que a perda da
hegemonia do dólar represente uma ameaça equivalente a uma derrota em guerra.
A
retaliação ao Brasil, nesse contexto, atua como um alerta. Trump chegou a
ameaçar estender tarifas de 10% a todos os países do BRICS, sob o pretexto de
“atividades antiamericanas”. A linguagem adotada revela que, para os EUA, o
BRICS deixou de ser um agrupamento econômico emergente e passou a ser tratado
como um inimigo estratégico da ordem unipolar vigente desde a Segunda Guerra
Mundial.
A
resposta brasileira à escalada tarifária precisa combinar firmeza diplomática,
articulação internacional e visão estratégica. O Itamaraty já anunciou a
intenção de acionar a Organização Mundial do Comércio (OMC), com base na Lei da
Reciprocidade Econômica, autorizando contramedidas proporcionais a práticas
comerciais unilaterais e arbitrárias.
Na
Cúpula do BRICS realizada no Rio de Janeiro, o grupo reafirmou o compromisso
com práticas comerciais justas e condenou o uso de tarifas como instrumento de
coerção política. Paralelamente, o governo brasileiro tem acelerado a
diversificação de mercados, com foco na Ásia, na África e nos próprios países
do bloco. Parcerias tecnológicas com a China, em áreas como inteligência
artificial e energias renováveis, já estão em curso, sinalizando uma
reorientação estrutural do comércio exterior.
A
diplomacia brasileira tem conseguido equilibrar pragmatismo e autonomia. O
governo não rompeu relações com os Estados Unidos, mas deixou claro que a
soberania institucional do país — sobretudo a independência do Poder Judiciário
— é inegociável. A atuação do Brasil no BRICS, longe de configurar provocação,
expressa uma aposta em uma ordem mundial mais plural e menos submissa a
interesses hegemônicos.
As
tarifas impostas por Trump representam mais do que um entrave econômico:
configuram uma tentativa de humilhação política e um atentado à soberania
brasileira. A medida unilateral e punitiva confirma um padrão histórico de
subordinação imposta e revela, de forma explícita, o desprezo por mecanismos
multilaterais de regulação e pela autodeterminação dos povos. Ao transformar o
julgamento do presidente anterior em pretexto para retaliação econômica, Trump
inverte os princípios da legalidade: criminaliza a justiça e exalta o réu.
O
Brasil se depara, neste momento, com um dilema decisivo. Ceder à chantagem
significaria aceitar que decisões internas sejam pautadas por pressões
externas. Reagir implica assumir custos no curto prazo, mas também afirma a
dignidade institucional do país e fortalece sua posição no cenário
internacional.
A
declaração do presidente Lula — “O mundo mudou. Não queremos um imperador” —
não é apenas uma resposta política. É uma reafirmação da soberania nacional, da
legitimidade democrática e do desejo de construir um futuro em que o Brasil
fale por si. O incômodo de Washington não reside no julgamento de um
ex-presidente com intenções golpistas, mas no futuro de um Brasil que decidiu
caminhar com ideias próprias e aliado a outros parceiros potentes.
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Grande muralha renasce: Rota da Seda conecta o mundo. Por
Washington Araujo
A
Grande Muralha da China, com seus 21.259 quilômetros de pedra e tenacidade, não
é apenas um marco, mas um desafio à eternidade. Iniciada no século III a.C.,
sob a dinastia Qin, e ampliada até a dinastia Ming (1368–1644), ela serpenteia
montanhas, desertos e planícies, com torres de vigia que parecem roçar as
nuvens. Sem guindastes ou cimento moderno, seus construtores moveram 400
milhões de toneladas de material, segundo a UNESCO, como se cada pedra
respirasse obstinação.
Hoje,
turistas posam em seus parapeitos, mas a China ergue algo ainda mais vasto: o
Cinturão e Rota da Seda (Belt and Road Initiative, BRI). Lançado em 2013 por Xi
Jinping, esse projeto é uma muralha moderna, tecida com trilhos, portos e
acordos comerciais, conectando continentes com a mesma ambição que moldou a
Muralha antiga.
Nos
últimos 20 anos, o poderio chinês se tornou um colosso. Em 2001, ao ingressar
na Organização Mundial do Comércio, o PIB da China era de US$ 1,3 trilhão. Em
2024, alcançou US$ 18,3 trilhões, segundo o Fundo Monetário Internacional,
consolidando-se como a segunda maior economia global. Reformas, investimentos
em infraestrutura e uma força de trabalho incansável pavimentaram esse caminho.
O
segredo está no planejamento de longo prazo. Planos quinquenais e políticas de
abertura controlada fizeram da China líder em cadeias globais de suprimento, de
eletrônicos a turbinas eólicas. A Muralha, com seus dois mil anos, já ensinava:
a paciência constrói impérios.
O
Cinturão e Rota da Seda é a nova face dessa visão. O “Cinturão” conecta a China
à Europa, à Ásia Central e ao Oriente Médio por terra. A “Rota” traça caminhos
marítimos pelo Oceano Índico, África Oriental e Mediterrâneo. Com US$ 1 trilhão
em investimentos, o BRI abrange 140 países, segundo o Banco Mundial,
construindo portos, ferrovias e rodovias para impulsionar o comércio.
Na
América do Sul, o BRI ganha contornos estratégicos. Países como Brasil, Peru e
Chile participam com projetos de infraestrutura, como a Ferrovia Bioceânica,
que pretende ligar o Atlântico ao Pacífico, reduzindo custos logísticos. A
China já investiu US$ 70 bilhões na região, segundo a Comissão Econômica para a
América Latina e o Caribe (CEPAL), focando em portos — como o de Chancay, no
Peru — e em energia renovável. O objetivo é ampliar o acesso a matérias-primas,
como soja e minério, e fortalecer laços comerciais, embora preocupações com
dívidas e impacto ambiental persistam.
Os
objetivos globais do BRI são claros: expandir mercados, reduzir barreiras
logísticas e promover desenvolvimento. Projetos como a ferrovia China-Paquistão
e o porto de Gwadar ainda enfrentam desafios, como atrasos e dívidas. A escala
é monumental: o BRI conecta 60% da população global e 35% do PIB mundial,
conforme a agência Xinhua.
Financeiramente,
o projeto mobiliza bancos estatais chineses e fundos multilaterais, como o
Banco Asiático de Investimento em Infraestrutura. Ambientalmente, há tensões:
usinas a carvão financiadas em alguns países contrastam com as metas chinesas
de neutralidade de carbono até 2060. Ainda assim, projetos solares e eólicos
florescem na África e na Ásia.
A
Muralha antiga, com suas escadarias íngremes, nunca deteve todos os invasores,
mas moldou a identidade chinesa. O BRI é uma muralha de conexão, não de defesa,
tecendo uma teia de aço e asfalto que une continentes.
Essa
nova muralha não separa, mas abraça o mundo, porto por porto, trilho por
trilho. Como a Muralha antiga, que resistiu a dinastias e tempestades, o BRI
constrói um futuro em que a China não apenas sobrevive, mas redesenha o globo.
A grandeza, afinal, não se mede em décadas, mas em eras.
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A emergência da luta anti-imperialista e pela paz. Por
José Reinaldo Carvalho
Por
iniciativa do Instituto Simón Bolívar pela Paz e a Solidariedade entre os
Povos, da Rede de Intelectuais e Artistas em Defesa da Humanidade e da
Internacional Antifascista, realizam-se em Caracas, capital da República
Bolivariana da Venezuela, nos dias 23, 24 e 25 de julho, jornadas em defesa da
paz mundial e contra o belicismo do imperialismo estadunidense, dos seus
cúmplices sionistas israelenses e dos países membros da Organização do Tratado
do Atlântico Norte (Otan). Entre as atividades, serão realizadas celebrações
pelo transcurso em 24 de julho, do natalício do Libertador Simón Bolívar.
Os
eventos em Caracas representam um chamado à resistência internacionalista, à
solidariedade entre os povos e à necessidade urgente de reorganizar o sistema
mundial com base no multilateralismo e na justiça. Não por acaso, o centro das
discussões será a luta contra as guerras de dominação promovidas pelas
potências imperialistas do Norte global — guerras essas que assumem formas
variadas: invasões, bombardeios, sanções, bloqueios econômicos, guerras por
procuração, manipulações jurídicas e campanhas de desestabilização política.
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Simón
Bolívar, além de militar e estadista, foi um pensador estratégico da paz com
justiça. A realização do Congresso Anfictiônico, em 1826, por sua proposição e
sob sua liderança, prefigurava uma arquitetura latino-americana de soberania,
segurança coletiva e convivência solidária. Ao declarar que “a união nos
salvará”, ele propôs um projeto histórico de libertação que rejeitava qualquer
submissão ao poder imperial — seja da metrópole colonial europeia de sua época,
seja dos Estados Unidos, que já davam sinais de sua vocação expansionista.
Hoje, a
paz verdadeira só pode ser concebida nos marcos da tradição bolivariana de
resistência. E ela está sob ataque direto. O imperialismo norte-americano, sob
o comando do presidente Donald Trump, intensifica sua agressividade em escala
planetária. Promove sanções ilegais contra dezenas de países. No campo militar,
estimula a guerra por procuração na Ucrânia contra a Federação Russa, sustenta
o genocídio sionista na Palestina e mantém ameaças constantes à soberania da
China, do Irã, da Coreia Popular, da Venezuela, Nicarágua e Cuba. Os Estados
Unidos e seus aliados da Otan tentam transformar o mundo em campo de batalha
permanente, para garantir a sobrevivência de sua hegemonia em ruínas.
Agora,
esse mesmo imperialismo se volta também contra o Brasil, com sanções e ameaças,
imiscuindo-se nos assuntos internos do País e semeando instabilidade
política.
Mas os
tempos são de resistência, acumulação de forças, luta, não de renúncia ou
capitulação. Diante da escalada belicista, os povos e as forças de vanguarda
não se intimidam, por isso surgem iniciativas promissoras. O fortalecimento do
BRICS+, a ampliação da voz do Sul Global, as novas perspectivas da CELAC, os
avanços da Organização para a Cooperação de Xangai (OCX), as propostas da China
para uma Iniciativa Global de Paz e Desenvolvimento, Iniciativa de Segurança
Global e Iniciativa de Civilização Global desenham uma nova correlação
internacional de forças. Soma-se a isso o aprofundamento da Revolução
Bolivariana na Venezuela, cujo Governo, liderado por Nicolás Maduro, combate
com êxito a extrema direita e dá uma inestimável contribuição à luta por uma democracia
genuína e avançada no mundo.
O
genocídio contra o povo palestino, o bloqueio imposto a Cuba, as sanções contra
a Venezuela, as provocações e os ataques constantes à China, o bombardeio dos
EUA e Israel contra o Irã não podem ser analisados de forma isolada. São
expressões de uma mesma lógica imperialista: controlar territórios, recursos e
consciências a serviço do capitalismo monopolista-financeiro e de políticas
neoliberais e neocolonialistas.
Por
isso, os eventos de Caracas assumem valor estratégico. Eles recolocam a luta
pela paz como uma tarefa militante, coletiva e prioritária. Reunindo
intelectuais, artistas, ativistas e representantes de movimentos populares de
diversos países, essas jornadas representam um espaço de articulação global
para os que se recusam a aceitar o mundo como está — dividido entre poucos
senhores da guerra e bilhões de vítimas da miséria, da opressão e da violência
imperial.
É
preciso dizer com todas as letras: a paz verdadeira não virá da Casa Branca,
nem do Departamento de Estado, nem dos generais da Otan. Ela será obra dos
povos. É no terreno fértil da resistência e luta que despertam e florescem a
esperança e a convicção de alcançar um mundo sem guerras, sem dominação
imperialista e injustiças.
Neste
momento em que a humanidade atravessa perigos imensos, é urgente resgatar a
herança de Bolívar como farol de luta e horizonte de futuro. Que sua voz ecoe
nos debates em Caracas e em cada trincheira de combate pela paz mundial.
A
verdadeira segurança internacional começa com o fim das guerras de pilhagem e
com o respeito à autodeterminação dos povos. É essa bandeira que tremula em
Caracas neste mês de julho — e que deve tremular em cada canto onde a dignidade
se ergue contra o império.
Fonte:
Brasil 247

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