Como
decisão de Trump de taxar Brasil em apoio a Bolsonaro pode beneficiar Lula
A
decisão de Donald Trump de taxar em 50% produtos brasileiros em
apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) pode ter o efeito contrário de
favorecer politicamente o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), avaliam analistas
políticos.
Especialistas
em política internacional e brasileira lembram que interferências externas em
assuntos domésticos costumam fortalecer sentimentos nacionalistas.
Por
outro lado, alguns ponderam que a forte polarização política do país pode
limitar esse efeito junto a apoiadores mais fiéis ao bolsonarismo.
"Historicamente,
ingerências externas não pegam bem no Brasil (ou em qualquer outro país). Mesmo
críticos de Lula podem ver a atitude de Trump como um ataque à soberania
nacional e à independência do Judiciário", escreveu na rede social X Oliver
Stuenkel, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e pesquisador afiliado do
think-tank Carnegie Endowment for International Peace, em Washington.
"Politicamente,
a medida tende a reforçar o nacionalismo e alimentar sentimentos antiamericanos
no Brasil — especialmente se Lula conseguir enquadrar a retaliação como uma
ofensa à dignidade do país", continuou.
Diante
da decisão de Trump, Lula convocou uma reunião de emergência com sua equipe de
ministros.
Nas
redes sociais, o presidente reagiu à tentativa do presidente americano de
interferir no processo criminal que Bolsonaro enfrenta no STF, acusado de
liderar uma tentativa de golpe de Estado.
"O
processo judicial contra aqueles que planejaram o golpe de estado é de
competência apenas da Justiça Brasileira e, portanto, não está sujeito a nenhum
tipo de ingerência ou ameaça que fira a independência das instituições
nacionais".
No
texto, Lula também disse que "qualquer medida de elevação de tarifas de
forma unilateral será respondida à luz da Lei brasileira de Reciprocidade
Econômica", lei em vigor desde abril que autoriza o governo a retaliar
países ou blocos que imponham barreiras comerciais a produtos brasileiros.
Para
Rafael Cortez, cientista político da Tendências Consultoria, a justificativa de
apoio a Bolsonaro para elevar as tarifas comerciais mostra uma tentativa dos
EUA de influenciar no processo eleitoral brasileiro, "como já aconteceu em
outros países".
Na sua
leitura, Lula tende a se beneficiar, se conseguir equilibrar a questão
comercial e política. Ele ressalta que uma escalada na guerra tarifária entre
os dois países teria efeitos econômicos negativos no país.
"Certamente,
essa dimensão política é algo positivo para a administração Lula", afirma,
citando outros países em que a atuação do presidente americano beneficiou seus
antagonistas.
"Quem
é adversário do Trump no plano local ganha quando o Trump e os demais líderes
conservadores se manifestam acerca de temas domésticos. Isso aconteceu, em
alguma medida, no México, nas eleições do Canadá, nas eleições na
Austrália", afirma.
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Como o 'efeito Trump' tem impactado eleições no mundo
O
impacto reativo ao líder americano em eleições nacionais já está sendo chamado
de "efeito Trump" na análise política.
No
Canadá, o Partido Liberal levou a eleição de forma surpreendente em abril,
revertendo o favoritismo do Partido Conservador.
A
virada ocorreu após Trump voltar ao comando dos EUA com fortes ataques ao país
vizinho, incluindo provocações sobre fazer do Canadá o 51º estado americano. O
contraponto ao novo governo dos EUA se tornou mote central da campanha.
No mês
anterior, a oposição de centro-direita da Groenlândia também surpreendeu e
venceu as eleições gerais — uma votação dominada pela pauta da independência e
pela promessa trumpista de assumir o controle do território semiautônomo que
hoje pertence à Dinamarca.
O
partido Demokraatit (Democratas), que defende uma abordagem gradual para a
independência, foi o mais votado para o Parlamento e liderou o governo de
coalizão.
Já em
maio, o primeiro-ministro australiano, Anthony Albanese, do Partido
Trabalhista, conquistou a reeleição com ampla vantagem. O resultado foi uma
reviravolta em relação ao início do ano, quando as pesquisas apontaram a
popularidade de Albanese em níveis historicamente baixos.
Sua
vitória foi, em parte, atribuída ao efeito Trump, já que seu opositor, Peter
Dutton, foi criticado durante a campanha por ter ideologia semelhante à do
presidente dos Estados Unidos.
No
México, a eleição ocorreu antes da vitória de Trump nos EUA. No entanto, a
presidente Claudia Sheinbaum alcançou mais de 80% de aprovação após meses no
poder, popularidade impulsionada pelo fortalecimento do sentimento nacionalista
contra as ações do novo presidente americano, segundo analistas políticos.
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'Impacto no Brasil pode ser limitado, mas determinante'
Para
Rafael Cortez, efeito semelhante pode ocorrer no Brasil, mas com intensidade
menor, devido à forte polarização política entre os campos governista e
bolsonarista.
Ainda
assim, ressalta, o impacto pode ser determinante, numa eleição apertada, em que
um grupo de eleitores de centro está em disputa.
Bolsonaro
está inelegível após ser condenado no Tribunal Superior Eleitoral, mas a
expectativa é que o campo da direita terá um candidato competitivo com o apoio
dele, nota Cortez.
"A
polarização cria alguma resiliência nas intenções de voto ou na imagem que os
líderes políticos têm na sociedade. De tal sorte que vejo um efeito marginal
[da interferência de Trump no eleitor]".
"Ou
seja, não é uma revolução, mas é um efeito que pode ser o suficiente para
reverter [a baixa popularidade do presidente] e fazer o governo Lula se tornar
o favorito na eleição de 2026", avalia.
Para o
cientista político Creomar de Souza, diretor-executivo da consultoria de risco
político Dharma Politics, Lula recebeu uma "bola quicando" como a
decisão de Trump e a "pauta do nacionalismo está na sua mão".
"Mas
a questão é saber se o governo tem perna pra chutar a bola dentro do gol. Se o
governo vai conseguir ter uma resposta organizada, uníssona", analisa.
"Porque
o dilema desse governo é que, tirando na semana passada, quando rebateram
juntos o Congresso [após a derrubada da elevação do IOF], esse é um governo
sempre muito mais preocupado com questões paroquiais de cada ator específico do
que com uma agenda coletiva", continuou.
Souza
nota que, logo após a decisão de Trump, voltou a circular nas redes sociais
imagens de presidenciáveis do campo bolsonarista, como os governadores de São
Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), e de Minas Gerais, Romeu Zema
(Novo), com o boné vermelho símbolo da campanha de Trump, com os dizeres Make
America Great Again (Faça a América Grande de Novo).
"Por
mais que o núcleo bolsonarista não veja paradoxo entre ser 'Brasil acima de
tudo isso' e ser 'Make America Great Again', o grosso do eleitorado pode
enxergar", afirma.
Deputados
e senadores alinhados ao governo e à oposição repercutiram a decisão de Trump. Do lado dos
bolsonaristas, o tom geral foi o de culpar a suposta perseguição a Bolsonaro e
o governo Lula pela nova taxa de Trump. Já os governistas argumentam que os
bolsonaristas agem para prejudicar o Brasil.
Primeiro
da família Bolsonaro a se manifestar, o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ)
escreveu no X que Lula "conseguiu ferrar o Brasil".
Já o
senador Humberto Costa (PE-PT) usou a mesma rede social para criticar os
adversários: "Isso é o bolsonarismo: jogar e torcer contra o Brasil".
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Decisão de Trump vem após atuação de Eduardo Bolsonaro
O
aumento da taxação das exportações brasileiras para os EUA foi anunciado poucos
meses após Eduardo Bolsonaro, filho do ex-presidente, se licenciar do cargo de
deputado federal e se mudar para os Estados Unidos.
Na
ocasião, em março, Eduardo disse que se dedicaria em tempo integral a convencer
o governo Trump a atuar pela anistia aos envolvidos nos ataques do 8 de janeiro
no Brasil e para obter sanções ao ministro do STF Alexandre de Moraes, relator
do processo sobre golpe de Estado contra o ex-presidente.
Após
essa movimentação, o STF abriu um inquérito em maio para investigar Eduardo
Bolsonaro pelos crimes de coação, obstrução de investigação e abolição violenta
do Estado Democrático de Direito, por sua atuação nos EUA.
Em nota
assinada junto com o jornalista Paulo Figueiredo, o filho de Bolsonaro disse
que "nos últimos meses, temos mantido intenso diálogo com autoridades do
governo do presidente Trump — sempre com o objetivo de apresentar, com
precisão, a realidade que o Brasil vive hoje".
"A
carta do presidente dos Estados Unidos apenas confirma o sucesso na transmissão
daquilo que viemos apresentando com seriedade e responsabilidade."
Os dois
dizem que o STF e Alexandre de Moraes colecionaram "violações de direitos
humanos contra jornalistas, contra cidadãos e residentes dos Estados
Unidos" e também avançaram "sobre líder maior da oposição, o
ex-presidente Jair Bolsonaro, negando-lhe garantias mínimas de legalidade,
defesa e presunção de inocência na forma da farsa de um julgamento quase
sumário em um tribunal de exceção".
A carta
segue dizendo que a dupla agiu "buscando evitar o pior", com foco em
aplicar sanções a Moraes.
"No
entanto, recentemente, o presidente Trump, corretamente, entendeu que Alexandre
de Moraes só pode agir com o respaldo de um establishment político, empresarial
e institucional que compactua com sua escalada autoritária. O presidente
americano entendeu que esse establishment também precisa arcar com o custo
desta aventura."
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'Drástica', 'exaltada' e de cunho 'pessoal': como
imprensa internacional repercutiu nova tarifa de Trump ao Brasil
A
imprensa internacional repercutiu nesta quarta-feira (9/7) a decisão do
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, em taxar em 50% os produtos importados
do Brasil.
A nova
tarifa entra em vigor em 1º de agosto e representa um aumento significativo em
relação à taxa de 10% anunciada em 2 de abril. Entre os principais produtos
brasileiros exportados aos EUA estão petróleo, suco de laranja, café, ferro e
aço.
A
medida foi anunciada em uma carta dura, que diz que a
decisão é uma resposta à perseguição que o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL)
estaria sofrendo no Brasil. O texto menciona o processo criminal que Bolsonaro
enfrenta no Supremo Tribunal Federal (STF), acusado de liderar uma tentativa de
golpe de Estado.
O
jornal The Washington Post afirmou que o gesto expõe como questões pessoais, e
não apenas econômicas, norteiam o uso de tarifas comerciais por Trump.
"A
medida evidencia como relações pessoais e alinhamentos políticos seguem pesando
mais que fundamentos econômicos nas decisões de Trump. Embora o presidente dos
EUA afirme que suas tarifas são motivadas por desequilíbrios comerciais, o caso
do Brasil contradiz essa lógica", diz reportagem.
O texto
lembra que, inicialmente, Trump justificou as tarifas amplas como uma resposta
a um "estado de emergência econômica". "Mas essa justificativa
perde força quando a medida é claramente atrelada ao julgamento de
Bolsonaro", continua.
O The
New York Times afirmou que a tensão comercial entre EUA e Brasil explodiu com
os novos atos e que os países parecem ter iniciado uma guerra comercial
repentina.
Para o
jornal, o conflito, que escalou rapidamente, tem potencial para gerar
"consequências econômicas e políticas significativas, sobretudo para o
Brasil".
"Os
Estados Unidos são o segundo maior parceiro comercial do país, atrás apenas da
China. E Trump parece condicionar o fim das tarifas à suspensão do processo
contra Bolsonaro", diz o jornal.
O texto
também ressalta a tentativa de Trump de usar tarifas como forma de interferir
em um julgamento criminal em outro país e afirma que medida mostra como ele
trata tarifas como "um instrumento universal de coerção — com alto
potencial destrutivo para a economia".
Ambos
os jornais afirmaram que é falsa a informação de que os Estados Unidos têm um
déficit comercial com o Brasil, como Trump afirmou em carta.
Já o
jornal britânico The Guardian chamou a mensagem de Trump de
"exaltada" e notou que o texto a Lula foi "marcadamente
diferente" de outras cartas tarifárias que o presidente americano costuma
enviar.
O
jornal também comparou os atos antidemocráticos de 8 de janeiro de 2023 em
Brasília ao ataque ao Capitólio dos EUA, em 2021.
"Considerando
que Trump ainda sustenta que estava dentro de seus direitos ao tentar
permanecer no cargo após perder a reeleição em 2020, e que seus esforços
culminaram numa invasão do Capitólio por seus apoiadores em 6 de janeiro de
2021, não é difícil entender por que ele parece tão empenhado em defender a
ideia de que Bolsonaro não fez nada de errado."
Na
América Latina, o jornal argentino El Clarín chamou o anúncio de "medida
drástica" e afirma que abre uma guerra comercial entre os dois maiores
países do continente, governados atualmente por líderes de espectros políticos
opostos.
"Trump
misturou motivações políticas e econômicas ao justificar o aumento da tarifa,
que supera em muito a média de 10% aplicada a outros países
latino-americanos", afirmou o jornal.
Fonte:
BBC News Brasil

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