A
geração ansiosa e os excessos digitais
Vivemos
em uma era marcada por uma hiperconectividade sem precedentes. As redes
sociais, os dispositivos móveis e as telas digitais tornaram-se extensões quase
inseparáveis da vida cotidiana, especialmente para crianças e adolescentes. No
entanto, essa realidade tecnológica traz consigo desafios profundos para a
saúde mental e o desenvolvimento emocional das novas gerações. Em seu livro A
geração ansiosa: Como a infância hiperconectada está causando uma epidemia de
transtornos mentais, o psicólogo social Jonathan Haidt expõe, com base em dados
e estudos recentes, como o uso intensivo de telas e redes sociais está
correlacionado a um crescimento alarmante de casos de ansiedade, depressão e
outros transtornos psíquicos entre os jovens.
Haidt
argumenta que, a partir da década de 2010, houve uma ruptura no desenvolvimento
saudável da infância e adolescência. A substituição do brincar livre, das
interações presenciais e das experiências concretas por horas diante das telas
levou a uma forma de socialização artificial, ansiosa e, muitas vezes, tóxica.
Plataformas como Instagram, TikTok e Snapchat incentivam comparações
constantes, idealizações irreais e busca por validação imediata, o que afeta
profundamente a autoestima dos jovens. A ansiedade, segundo Haidt, não surge
apenas pelo conteúdo consumido, mas pelo modo como essas redes moldam o
comportamento social e o valor que os jovens atribuem a si mesmos com base em
curtidas, visualizações e comentários.
Um dos
principais problemas apontados por Haidt é o déficit de controle parental e
institucional sobre o tempo e o tipo de uso das redes sociais. Muitas famílias
enfrentam dificuldades em estabelecer limites claros, seja por desconhecimento
dos riscos, seja por pressão social ou conveniência. Destarte essa realidade
desponta uma das grandes fragilidades contemporâneas no campo da educação
familiar: a dificuldade em estabelecer limites diante do avanço tecnológico.
Muitos
pais e responsáveis, imersos na mesma cultura digital que envolve seus filhos,
sentem-se inseguros ou despreparados para impor restrições ao uso das telas.
Essa lacuna formativa é agravada pela pressão social por conectividade
constante e pelo uso da tecnologia como recurso de distração, especialmente em
contextos de cansaço, falta de tempo ou ausência de apoio coletivo. O problema,
nesse sentido, não é apenas técnico ou comportamental, mas ético e cultural.
Estabelecer limites hoje exige coragem educativa, diálogo firme e afetivo, e
uma consciência crítica que muitas vezes ainda precisa ser construída dentro
das próprias famílias.
A
ausência dessa mediação abre espaço para o domínio das plataformas digitais
sobre a infância e adolescência, comprometendo a autonomia, a saúde emocional e
a construção de vínculos mais profundos com o mundo real. Além disso, o design
viciante dessas plataformas – planejadas para prender a atenção por mais tempo
possível – torna difícil para crianças e adolescentes desligarem-se de forma
voluntária. A chamada "economia da atenção" transforma jovens em
consumidores e produtos, vulneráveis a algoritmos que reforçam vícios e
distorcem a percepção da realidade.
Outro
aspecto abordado por Haidt é a substituição das experiências presenciais por
interações digitais superficiais, o que compromete o desenvolvimento de
habilidades socioemocionais. A comunicação por meio de mensagens curtas e
emojis reduz a capacidade de empatia, escuta ativa e resolução de conflitos,
habilidades essenciais para uma vida adulta saudável e ética. Além disso, o uso
constante de telas compromete o sono, reduz a capacidade de concentração e
contribui para o isolamento emocional, fatores que se somam ao aumento dos
quadros de sofrimento mental entre os jovens.
A
realidade dos excessos digitais vividos pela atual geração não pode ser
ignorada. Crianças e adolescentes passam, em média, de 6 a 9 horas por dia
diante de telas, seja em jogos, redes sociais ou vídeos. O que poderia ser uma
ferramenta de entretenimento, estudo ou conexão com o mundo, tornou-se uma
prisão invisível. O excesso não está apenas no tempo de exposição, mas na
intensidade emocional e psicológica com que os jovens se envolvem com esse
universo.
Os
relatos de jovens que não conseguem ficar longe do celular por mais de poucos
minutos são cada vez mais frequentes. Isso configura uma dependência
comportamental, um tipo de vício que afeta a regulação emocional, o
autocontrole e o equilíbrio mental. A busca incessante por notificações,
curtidas e respostas rápidas cria um estado de alerta constante, que leva à
exaustão psíquica. Não por acaso, os índices de burnout, insônia e
irritabilidade aumentaram consideravelmente entre adolescentes nos últimos anos.
Jonathan
Haidt alerta para a necessidade de restaurar os limites saudáveis entre o
digital e o humano. Em um mundo onde tudo é instantâneo, a paciência, a espera
e o silêncio tornaram-se experiências quase intoleráveis. A realidade dos
excessos digitais desorganiza o tempo interno, fragmenta a atenção e compromete
a capacidade de lidar com o tédio – elemento essencial para a criatividade e o
autoconhecimento.
Além
disso, os excessos favorecem a cultura da hiperexposição e da comparação
constante, o que prejudica a construção da identidade. Jovens que crescem em um
ambiente onde tudo é postado, comentado e julgado publicamente desenvolvem uma
percepção distorcida de si mesmos e dos outros. Isso gera sentimentos de
inadequação, medo de exclusão e insegurança crônica.
É
necessário também destacar o impacto dos excessos nas relações familiares e
escolares. Muitos pais relatam dificuldades em manter conversas profundas com
seus filhos, que preferem o silêncio da tela ao diálogo presencial. Nas
escolas, professores enfrentam o desafio de competir com os celulares por
atenção em sala de aula. O que antes era uma distração ocasional, agora
tornou-se um obstáculo diário à aprendizagem significativa.
Frente
a esse cenário, torna-se urgente promover uma cultura de moderação e presença.
Isso passa por educar para o uso consciente das tecnologias, criando momentos
de "dieta digital", espaços sem telas e tempo de qualidade offline.
Significa também recuperar o valor do corpo, da convivência, do olho no olho,
do tempo livre não preenchido por estímulos artificiais.
Como
lembra Haidt, o problema não é a tecnologia em si, mas o modo como ela é usada
sem mediação, sem limites e sem responsabilidade. É preciso educar para o
equilíbrio. Afinal, todo excesso, mesmo quando revestido de modernidade, é
sempre um afastamento da vida real e da saúde emocional.
Fonte:
Por Robson Ribeiro de Oliveira Castro Chaves, em IHU

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