sábado, 21 de junho de 2025

Os boicotes funcionam: marcas de Israel não conseguem atrair consumidores

Vem havendo uma queda impressionante na efetividade dos bilhões de dólares gastos pelas empresas israelenses nas plataformas do grupo Meta, segundo dados internos confidenciais da gigante das redes sociais, obtidos pelo Drop Site News. Em decorrência disso, e em meio à crescente reação internacional contra o genocídio promovido pelo governo de Israel na Faixa de Gaza, as empresas  israelenses estão sendo obrigadas a gastar cada vez mais para atrair potenciais clientes para seus sites, ao mesmo tempo em que percebem um engajamento cada vez menor dos usuários.

O aumento do custo de marketing para as marcas israelenses, fornecido ao Drop Site por denunciantes internos da Meta, coloca em números a crescente toxicidade da reputação internacional de Israel. Os dados são divididos em várias categorias, mostrando o valor total gasto anualmente por empresas israelenses em publicidade desde 2023, os gastos anuais de outros países nesse mesmo período, o custo médio para impulsionar o engajamento dos usuários individuais, os principais países consumidores de publicidade israelense, e as 40 principais empresas de Israel que anunciam nas plataformas da Meta, por total de gasto em propaganda.

A métrica conhecida como “custo por clique”, ou CPC, é fundamental para os anunciantes online. O CPC representa o valor em dólares que as empresas precisam pagar para convencer um potencial cliente a clicar em seus anúncios — um número que é então usado para avaliar quanto do seu gasto em publicidade está se traduzindo com sucesso em faturamento. A Meta, procurada, não se manifestou.

Entre 2023 e 2025, o CPC das empresas israelenses teve um impressionante aumento de 155,3%, subindo de US$0,094 (R$0,52) para US$0,24 (R$1,32), necessários para convencer um potencial cliente individual a acessar os sites dessas empresas.

Esse aumento nem de longe representa uma tendência geral de subida; Israel foi o país com o maior aumento nos gastos anuais de CPC entre 2023 e 2024, segundo os dados, seguido por Iraque e Paquistão. As empresas israelenses gastam em média um total de US$1,8 bilhão (R$9,89 bilhões) e US$1,9 bilhão (R$10,44 bilhões) em publicidade nas plataformas da Meta ao longo desses anos, e a efetividade desse gasto vem diminuindo rapidamente.

Entre as empresas israelenses que mais gastam nas plataformas da Meta está uma eclética mistura da empresas de jogos eletrônicos, empresas de serviços de TI, empresas de marketing de conteúdo, e fornecedores físicos de comércio eletrônico. Várias das empresas listadas foram atingidas por campanhas de Boicote, Desinvestimento e Sanções (BDS). Outras, embora não sejam abertamente israelenses, começaram a se identificar com causas pró-Israel imediatamente após os ataques de 7 de outubro, inclusive em suas postagens de rede social e anúncios publicitários. Muitas das empresas de marketing de conteúdo com sede em Israel, listadas como grandes anunciantes na Meta, não divulgam seus clientes na documentação online, o que dá a entender que boa parte de sua publicidade também pode estar concentrada em torno de Israel. O governo israelense, assim como grupos pró-Israel do setor privado, anunciaram grandes iniciativas com o objetivo de defender a reputação online do país ao longos dos últimos dois anos, diante das reiteradas críticas às ações de Israel em Gaza.

Novembro e dezembro logo se seguiram a outubro de 2023, a contagem de vítimas civis disparou, e as empresas israelenses começaram a tentar se distanciar da marca do país em sua publicidade online, com medo dessa reação. Os dados da Meta permitem inferir que essas iniciativas não foram eficazes. Até agora, em 2025, o número de cliques que as empresas israelenses tiveram em seus anúncios é apenas 39,2% do total registrado em 2023, o que explica por que as empresas de Israel agora precisam pagar mais que o dobro em custos de publicidade para atrair clientes.

Isso se demonstrou em praticamente todos os países onde as empresas israelenses anunciam. Para usuários dos EUA que receberam anúncios israelenses, o CPC entre 2023 e 2024 aumentou 93,32%, para o mesmo período; o CPC para as empresas não israelenses que anunciam nos EUA só aumentou 2,8%. Grandes aumentos de CPC também foram observados em outros dos principais países que recebem publicidade israelense, como Reino Unido (163,22%), Canadá (106,61%), Austrália (115,87%), Alemanha (144,39%), Brasil (89,60%), França (102,68%), México (39,91%), e Índia (40,32%). Em comparação, o CPC das empresas israelenses nos anúncios para o público de Israel subiu apenas 12%, que provavelmente se explica pela economia em declínio. Da mesma forma, o CPC para empresas mundiais permaneceu bastante consistente em todos os mercados onde a Meta anuncia. Por exemplo, o aumento do CPC no Reino Unido para empresas não israelenses foi de apenas 9,7%; no Canadá, 8,83%; Austrália, 8%; Alemanha, 10,9%, e assim em praticamente todos os países — mostrando uma diferença significativa entre a taxa de aumento do CPC para Israel e para outras empresas globais.

Os dados da Meta oferecem uma rara perspectiva dos ventos contrários que a economia israelense vem enfrentando após 20 meses dos ataques na Faixa de Gaza que resultaram em acusações formais de genocídio contra o país nos tribunais internacionais. Vários dos principais anunciantes israelenses da Meta também foram incluídos em campanhas online de boicote e desinvestimento, enquanto o movimento BDS oficial propõe o desinvestimento em empresas israelenses de forma geral.

Apesar do apoio sem precedentes da Meta a Israel durante a guerra em Gaza, incluindo a cumplicidade na censura em grande escala de conteúdo pró-Palestina e de críticas a Israel, os dados internos mostram que o sentimento global dos consumidores está se voltando fortemente contra as marcas israelenses, e a receita da Meta que se original de Israel está caindo — já houve uma queda de 8% no gasto em anúncios israelenses durante o período de 2023-2024. À medida que o genocídio em Gaza continua, a crescente recusa global de se envolver com marcas israelenses impõe um custo econômico que nem a censura da Meta consegue apagar.

Outras métricas refletem o mesmo duro colapso da marca de Israel no mundo. No relatório anual Global Soft Power Index (Índice de Soft Power Global), publicado no início deste ano pela consultoria de marketing Brand Finance, com sede em Londres, Israel caiu para a posição mais baixa até hoje. “Mais de um ano após o ataque de 7 de outubro do Hamas em Israel, e da invasão de Israel em Gaza como resposta, o conflito Israel-Palestina continua a impactar fortemente a percepção global do país, o que é demonstrado por um acentuado declínio de 42 posições de reputação, chegando ao 121º lugar”, observou o relatório.

Em meio à crescente reação aos planos declarados pelos líderes israelenses de anexar a Faixa de Gaza e expulsar ou matar sua população, países europeus que vinham apoiando os esforços de guerra israelenses começaram a ameaçar sanções e outras medidas com o objetivo de obrigar Israel a parar com o massacre. A União Europeia e o Reino Unido anunciaram separadamente este mês planos para suspender negociações comerciais e rever os acordos econômicos existentes, em protesto contra as ações israelenses.

As pesquisas mostram que a opinião pública sobre Israel nos EUA continuam a se deteriorar. Uma pesquisa de opinião do Centro de Pesquisas Pew, realizada em abril, mostrou que 53% dos estadunidenses atualmente têm uma visão desfavorável de Israel, contra 42% em março de 2022. O declínio na favorabilidade é especialmente acentuado entre a população mais jovem dos EUA, e as visões negativas são representadas com intensidade bem maior na faixa etária entre 18 e 49 anos. Nessa categoria, até 50% das pessoas que se autoidentificam como republicanas agora declaram uma visão desfavorável de Israel.

Essa queda acontece a despeito dos esforços gigantescos empreendidos pelo governo israelense para moldar a opinião pública mundial. No final de 2024, o Ministério das Relações Exteriores de Israel aumentou o orçamento dos esforços diplomáticos em 150 milhões de dólares (R$823 milhões) sobre os valores já existentes, ao mesmo tempo em que o governo implementava cortes sobre os serviços sociais para cobrir os gastos com defesa, entre outros. O ex-chefe do banco central do país alertou em maio que poderia haver colapso de infraestrutura essencial do setor público de Israel. “Pelo novo orçamento, o Ministério das Relações Exteriores receberá US$150 milhões, além do que já recebe pelas atividades em curso, para o que oficialmente se considera diplomacia pública, ou hasbara, em hebraico”, observou uma matéria do Times of Israel sobre o aumento dos recursos para hasbara. “Esse valor é mais de 20 vezes o que foi habitualmente destinado a essas iniciativas nos últimos anos.”

¨      UE cita 'indícios' de que Israel está violando obrigações de direitos humanos devido à conduta em Gaza

A UE disse que "há indícios" de que Israel está violando obrigações de direitos humanos devido à sua conduta em Gaza, mas não chegou a pedir sanções imediatas.

“Há indícios de que Israel estaria violando suas obrigações de direitos humanos sob o artigo 2 do acordo de associação UE-Israel”, afirma um documento vazado do serviço de política externa da UE, visto pelo Guardian.

Redigido na linguagem tipicamente cautelosa de Bruxelas, o documento, no entanto, representa um momento significativo nas relações da Europa com um aliado de longa data.

O documento, muito bem guardado, que será apresentado pela chefe de política externa da UE, Kaja Kallas, aos ministros das Relações Exteriores europeus na segunda-feira, cita avaliações do Tribunal Internacional de Justiça, do Gabinete do Alto Comissariado para os Direitos Humanos e de vários outros órgãos da ONU, ao mesmo tempo em que afirma que não representa "um julgamento de valor" de nenhuma autoridade da UE.

A descoberta foi vista como uma conclusão precipitada desde que uma revisão do acordo UE-Israel foi colocada na agenda no mês passado por 17 estados-membros da UE, liderados pela Holanda, um aliado tradicional de Israel.

As autoridades da UE foram encarregadas de verificar se as relações internas e internacionais de Israel eram baseadas no “respeito pelos direitos humanos e pelos princípios democráticos”, tendo como pano de fundo os tiroteios fatais quase diários contra civis palestinos em busca de comida .

A revisão foi desencadeada pelo bloqueio israelense à Faixa de Gaza , em meio ao horror generalizado sobre o bombardeio em andamento que devastou o território e matou mais de 55.600 pessoas — a maioria civis — desde 7 de outubro de 2023, de acordo com o Ministério da Saúde de Gaza.

A discussão na UE é complicada pelos ataques aéreos de Israel ao Irã, o que pode impedir alguns governos de pressionar Israel.

Logo após Israel começar a travar uma guerra contra o Irã, a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, "reiterou o direito de Israel de se defender". Ela já havia sido criticada por não se manifestar sobre as consequências humanitárias da ofensiva israelense para os palestinos.

O acordo de associação UE-Israel, assinado em 1995, sustenta uma relação comercial de € 68 bilhões (£ 58 bilhões) entre 27 países europeus e o país do Oriente Médio. A UE é o maior mercado de Israel e representa cerca de um terço do seu comércio. Israel também é membro do programa de financiamento de pesquisa Horizon da UE e obteve subsídios no valor de € 831 milhões desde o início do programa atual em 2021.

O documento surgiu depois que mais de 100 grupos de campanha pediram à comissão esta semana que suspendesse o acordo de associação.

“Uma revisão fraca ou inconclusiva do cumprimento do artigo 2 por Israel e/ou a falha da comissão e do conselho em suspender pelo menos parte do acordo de associação acabaria por destruir o que resta da credibilidade da UE [e] encorajaria ainda mais as autoridades israelenses a continuar com seus crimes de atrocidade”, diz a declaração, assinada por 113 grupos da sociedade civil, incluindo a Anistia Internacional e a Human Rights Watch.

Eve Geddie, chefe do escritório da Anistia Internacional na UE, disse que a decisão de lançar uma revisão chegou "tragicamente e devastadoramente tarde" e que, embora fosse importante, com o passar do tempo as forças israelenses ficaram "cada vez mais encorajadas".

Separadamente, oito estados-membros da UE escreveram a Kallas instando-a a considerar a interrupção do comércio de bens e serviços dos territórios palestinos ocupados .

A carta, organizada pela Bélgica, declara que a UE é obrigada a responder a um parecer do Tribunal Internacional de Justiça, emitido em julho passado, ordenando que Israel encerre a ocupação dos territórios palestinos o mais rápido possível. Em uma decisão histórica – embora não vinculativa –, o tribunal afirmou que outros Estados têm a obrigação de não reconhecer a ocupação como legal.

"Não vimos uma proposta sobre como interromper efetivamente o comércio de bens e serviços com os assentamentos ilegais", afirma a carta, solicitando que a UE estabeleça um cronograma para atingir "total conformidade" com o parecer consultivo por volta de seu primeiro aniversário.

A Holanda lançou um apelo para a revisão do acordo de associação UE-Israel após os protestos do mês passado, que continuaram (foto: Haia, 15 de junho de 2025). Fotografia: Paulo Amorim/VW Pics/Zuma Press Wire/Shutterstock

A política da UE sobre Israel tem sido prejudicada pelas dificuldades em encontrar unanimidade entre 27 estados-membros com visões totalmente diferentes, desde países que reconheceram a Palestina, incluindo Espanha e Irlanda , até aliados fiéis do presidente israelense, Benjamin Netanyahu, como Hungria e República Tcheca.

A maré mudou no mês passado quando a Holanda, um forte aliado de Israel, lançou um apelo para revisar o acordo de associação UE-Israel, após os maiores protestos nas ruas holandesas sobre uma questão de política externa em décadas.

O ministro das Relações Exteriores holandês, Casper Veldkamp, ​​ex-embaixador em Israel, argumentou que o bloqueio israelense à Faixa de Gaza violava o direito internacional e, portanto, o acordo de associação. Um número inesperadamente grande de países concordou, embora a questão não tenha sido submetida a votação.

A UE está longe de estar unida quanto ao que fazer a seguir. Uma suspensão total do acordo, que exige unanimidade, é vista como impossível, dada a certeza de um veto da Hungria, República Tcheca ou Alemanha.

A UE precisa apenas de uma maioria ponderada para suspender termos comerciais favoráveis ​​ou a participação de Israel no Horizon, mas mesmo esses resultados são altamente incertos.

Hildegard Bentele, eurodeputada alemã de centro-direita que preside a delegação israelense no Parlamento Europeu, criticou as tentativas de questionar o acordo. "Isso não terá nenhuma influência sobre o governo israelense. Tenho certeza disso. Isso nos colocará em uma posição menos influente", disse ela em uma entrevista no início deste mês.

O antecessor de Kallas, Josep Borrell, no entanto, criticou a Europa por se esquivar de suas responsabilidades morais em relação a Gaza. Em um discurso tipicamente franco, ele argumentou que a UE deveria usar o acordo de associação como uma alavanca para exigir que o direito humanitário seja respeitado.

Em mais uma ilustração dos problemas da política externa da UE, a Hungria está bloqueando as sanções da UE contra colonos israelenses violentos.

No início desta semana, Kallas expressou frustração com os críticos que acusaram a UE de silêncio e inação, citando a necessidade de encontrar consenso. "Sanções precisam de unanimidade. E, novamente, estou representando 27 [países]."

Ela argumentou que apresentar sanções que inevitavelmente fracassariam era inútil: "Eu mesma me sinto melhor por ter feito algo, mas, na verdade, sei que isso não vai acontecer... e isso só mostrará que não temos uma posição comum".

 

Fonte: Murtaza Hussain, em The Intercept/The Guardian

 

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