Moisés
Mendes: E se Bolsonaro perder o controle do bolsonarismo, como fica?
Perguntem
a alguém que conhece Bolsonaro de perto se ele suportaria, já como presidiário,
ver Michelle ser eleita presidente. E se, ainda encarcerado, aguentaria saber
que Michelle desfruta no Planalto e no Alvorada de uma estrutura de poder e de
bajulação que um dia foi dele.
Bolsonaro
preso sobreviveria, vendo pela TV, a uma esfuziante festa de posse de Michelle?
Não. Bolsonaro suportaria, no máximo, ver o filho Eduardo como herdeiro do seu
espólio. Mas Eduardo não tem alcance fora da extrema direita.
Preso,
Bolsonaro não suportaria ver Caiado, Ratinho ou Zema no poder, mesmo que todos
lhe prometessem assumir num dia e anistiá-lo no outro. Não há como, nem por
milagre, imaginar que Ciro Gomes possa virar protagonista nas pesquisas e ser
um dia apoiado por Bolsonaro. Não há como confiar em Ciro.
Tudo o
que seria aparentemente provável, na perspectiva da direita e do bolsonarismo,
como opção eleitoral para 2026, deixa de ser quando essa é a questão: que nome
seria mesmo aprovado por Bolsonaro?
Pois é
agora que devemos começar a tentar medir o poder real de Bolsonaro como
orientador da extrema direita, e suporte da velha direita anti lulista, com
capacidade de influenciar escolhas para 2026. Não é um exagero dizer que nenhum
nome da direita se viabilizaria sem seu apoio?
É uma
dúvida razoável, mesmo que subestimada, a que pode trazer para o cenário
pré-eleitoral a repetição do que aconteceu na eleição para prefeito de São
Paulo. E se Bolsonaro vacilar, por insegurança, e atrasar demais a concessão da
bênção a Tarcísio de Freitas?
O
retrato do Brasil até abril do ano que vem, quando Tarcísio precisa se
desincompatibilizar, pode estar ruim para Lula, mas talvez também não esteja
tão bom para a direita. Bolsonaro estará preso e sem a força que Lula manteve,
mesmo com a derrota de Haddad em 2018, para sair da cadeia, 580 dias depois, e
se reeleger.
É
possível que Bolsonaro perca o controle do bolsonarismo, considerando-se que
quase toda a família foi cercada e está fragilizada? Em Brasília, Sorocaba,
Alegrete e Barbacena sabem bem que, mesmo com a alma de Bolsonaro presente,
após sua morte política os sentimentos dos líderes próximos e de suas bases
serão outros.
Eduardo
já antecipou que, com Bolsonaro fora do jogo, os que tentarão sucedê-lo vão se
devorar, como acontece – foi o filho quem disse – quando morre um chefão do
tráfico.
Tarcísio,
tão fiel ao seu mentor e tão moderado como extremista, permitiria que isso
acontecesse? Pois foi na direção de Tarcísio que Eduardo fez a insinuação ao
falar em entrevista sobre a situação do pai.
Eduardo
sabe que toda a racionalidade aplicada ao fascismo brasileiro pode resultar em
mais irracionalidade, o que significa que, com Bolsonaro morto, como o filho já
imagina, o roteiro deve ser reescrito.
Mas
vamos tentar ver algum sentido em informações recentes do Datafolha que dizem o
que segue. É de 67% o índice de brasileiros que desejam ver Bolsonaro fora da
disputa eleitoral. E é de 35% o índice de brasileiros que se declaram
bolsonaristas, o mesmo percentual dos que se consideram lulistas. Em abril, os
bolsonaristas eram 31%, e os lulistas, 39%.
Parece
não fechar, considerando-se que dois terços dos eleitores pedem Bolsonaro fora
de uma eleição e que 52% desejam a prisão dele (Datafolha de abril), contra 42%
que discordam. Mas fecha.
O que
esses dados aparentemente conflitantes mostram é que o eleitor manda um recado.
Para sobreviver e crescer – como o brasileiro expressa no Datafolha com o
aumento da adesão à extrema direita –, o bolsonarismo depende da morte de
Bolsonaro como força eleitoral. Que ele deixe de ser um zumbi inelegível.
O
bolsonarismo pode já estar pronto para se desplugar do Bolsonaro concreto e
ficar apenas com o Bolsonaro abstrato. Sobraria só o mito.
• Bolsonaro entrega medalha '3is' a Kassab
e se aproxima com presidente do PSD
A
relação entre Jair Bolsonaro (PL) e o presidente do PSD, Gilberto Kassab, mudou
da água para o vinho nos últimos meses. Após uma conversa no início do ano que
marcou uma tentativa de aproximação, o ex-presidente entregou nesta
terça-feira, 17, a medalha "3is" a Kassab. O objeto é reservado
apenas aos aliados mais próximos - a sigla significa "imbrochável,
imorrível e incomível".
Os dois
se encontraram em Presidente Prudente (SP), onde participaram ao lado do
governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), da Feira
Internacional da Cadeia Produtiva da Carne (Feicorte).
O
vice-governador de São Paulo, Felício Ramuth (PSD), também recebeu a medalha.
Diferente de Kassab, ele publicou a homenagem nas redes sociais. Procurado pela
Coluna do Estadão, o presidente do PSD não respondeu.
O clima
entre Bolsonaro e Kassab era "ótimo" nos bastidores do evento,
segundo uma fonte que estava no local relatou à Coluna. Eles conversaram e
comeram churrasco juntos. Quem assistiu à conversa aposta que o PSD entregará
votos favoráveis ao projeto de lei da anistia aos condenados pelo 8 de Janeiro,
que também deve beneficiar o ex-presidente.
Por
outro lado, Kassab trabalha para diminuir resistências a seu nome no
bolsonarismo. Ele almeja ser vice na chapa à reeleição de Tarcísio em 2026 ou
candidato ao Palácio dos Bandeirantes caso o governador saia para disputar a
Presidência.
Em
público, Bolsonaro citou o PSD em seu discurso ao afirmar que tem "muita
gente boa no Brasil". A declaração contrasta com o veto do ex-presidente à
alianças com candidatos do partido de Kassab na eleição do ano passado. À
época, Bolsonaro responsabilizava o dirigente pelos votos favoráveis do PSD ao
seu indiciamento na CPMI do 8 de Janeiro.
• Prestes a ser preso, Bolsonaro é rifado
pelo centrão: 'impede quadro da centro-direita para 2026'
Em
almoço com empresários promovido pelo grupo Esfera Brasil e pela Casa
ParlaMento nesta terça-feira (17), em Brasília, o deputado federal Doutor
Luizinho (PP-RJ), líder do Progressistas na Câmara e aliado de Jair Bolsonaro,
fez críticas incisivas à postura do ex-mandatário em relação às eleições
presidenciais de 2026.
Durante
o encontro, Luizinho afirmou que Bolsonaro, hoje inelegível, tem sido um
entrave para a articulação de uma candidatura de centro-direita por não indicar
claramente quem pretende apoiar no próximo pleito. “A realidade é essa. O
ex-presidente Bolsonaro impede que a centro-direita coloque um quadro. Porque
ele, ao não apoiar o governador [de SP] Tarcísio de Freitas, ou ao não se
posicionar claramente sobre quem é o candidato dele, está impedindo a
organização da centro-direita no país”, disse o parlamentar, de acordo com a
coluna da jornalista Mônica Bergamo, da Folha de S Paulo.
Segundo
Luizinho, tanto o Progressistas quanto o União Brasil, partidos que integraram
a base do governo Bolsonaro e que hoje formam uma federação, têm nomes
qualificados para liderar uma chapa presidencial ou, ao menos, ocupar a
vice-presidência em uma composição com o bolsonarismo. O parlamentar afirmou
que “ele [Bolsonaro] vem impedindo uma candidatura que está claramente
colocada. No nosso campo, uma candidatura precisa estar validada pelo
União-Progressistas, ou por uma candidatura nossa, ou pelo menos com a
vice-presidência da República”.
Entre
os nomes que circulam como potenciais pré-candidatos da direita estão os
governadores Tarcísio de Freitas (Republicanos-SP), Ronaldo Caiado (União
Brasil-GO), Romeu Zema (Novo-MG) e Ratinho Júnior (PSD-PR). Todos, até o
momento, evitam confrontar publicamente a liderança de Bolsonaro.
Apesar
das movimentações, Bolsonaro mantém indefinições e acena, nos bastidores, com a
possibilidade de lançar um nome de sua própria família, como o deputado federal
licenciado Eduardo Bolsonaro ou a ex-primeira-dama Michelle Bolsonaro.
O
senador Ciro Nogueira (PP-PI), presidente do Progressistas e ex-ministro da
Casa Civil de Bolsonaro, tentou adotar um tom mais conciliador durante o
evento. Para ele, ainda não é hora de se discutir nomes, mas sim o que
classificou como “projeto de país”. Apesar disso, ele mirou críticas ao governo
Lula. “Eu acho o governo completamente perdido, sem norte. Não adianta ficar só
culpando o ministro [da Fazenda, Fernando] Haddad. A culpa maior é do próprio
presidente da República, que não assume as suas atribuições de comandar o
Brasil da forma correta”, declarou.
Ciro
também disse que há uma expectativa por uma candidatura de centro-direita com
reais chances de vitória, mas defendeu que esse campo político precisa
atravessar o período de instabilidade sem que o governo atual “atrapalhe ainda
mais o Brasil”.
• Tarcísio, o chanceler do Bandeirantes: o
antilulismo como política externa. Por Gustavo Guerreiro
Em meio
a um dos momentos mais dramáticos do interminável massacre de Israel sobre a
Palestina, assistimos ao espetáculo constrangedor de um governador de estado
arrogando-se o papel de chanceler paralelo. Tarcísio de Freitas, governador de
São Paulo, decidiu criticar a política externa brasileira sobre o genocídio
israelense contra os palestinos, defendendo um “alinhamento automático” com
democracias ocidentais. O episódio, detalhado pela imprensa, exige reflexão
sobre o que realmente está em jogo.
Comecemos
por um fato incontornável: um governador exerce atribuição que a Constituição
reserva exclusivamente à União. Tarcísio, em sua ânsia por contraponto, parece
ter ignorado esse “detalhe constitucional menor”.
Num
evento com empresários, o ex-ministro de Bolsonaro não só atacou a posição
brasileira sobre Gaza, como insinuou que o presidente não representa o
“verdadeiro pensamento nacional” — como se 60 milhões de votos fossem menos
legítimos que sua autenticidade imaginária.
Isso
remete à velha estratégia da direita: incapaz de governar centralmente, tenta
fazê-lo pelas bordas. Sem acesso ao Itamaraty, que tal criar uma chancelaria
alternativa no Bandeirantes?
Mas há
mais que cálculo eleitoral. O gesto adere a um projeto que, sob verniz
teológico e de segurança, esconde uma realidade colonial brutal. Ao defender
“alinhamento automático” com o Ocidente nesse contexto, Tarcísio não apenas
agrada eleitores evangélicos e a comunidade sionista paulistana, mas endossa
uma visão que normaliza a opressão sistemática de um povo.
O
sionismo, originalmente movimento de colonização europeia que se aproveitou da
aflição dos judeus diante de perseguições históricas, transformou-se sob
Netanyahu e a extrema-direita israelense em um explícito projeto de holocausto,
associado ao imperialismo dos EUA e Europa, embora Israel execute esse plano
desde 1948. Como documenta o historiador Ilan Pappé, vive-se uma limpeza étnica
em câmera lenta há décadas.
Tarcísio
não age isolado. A instrumentalização do genocídio virou peça-chave no arsenal
retórico da direita brasileira. Não por acaso, bandeiras de Israel tremularam
ao lado das brasileiras nos atos bolsonaristas da Paulista. Apropriar-se disso
serve a um propósito: construir narrativas binárias de “civilização versus
barbárie” ou “o bem contra o mal” transplantáveis ao cenário político
doméstico.
O mais
chocante, contudo, não é o uso de tragédia humanitária como capital político,
prática já rotineira na decadente política brasileira. É o apagamento da
tradição diplomática brasileira forjada por nomes como San Tiago Dantas e
Oswaldo Aranha.
Desde
1948 (sob presidência do brasileiro Oswaldo Aranha na ONU), o Brasil defendeu a
solução de dois Estados e a coexistência pacífica. Essa posição equilibrada de
reconhecimento tanto do direito de Israel à segurança quanto dos palestinos à
autodeterminação foi mantida pela chancelaria de governos diversos, do regime
militar (pasmem) a Lula, muito embora Israel tenha se esforçado para convencer
a opinião pública mundial do contrário.
O
“alinhamento automático” proposto por Tarcísio rompe não só com Lula, mas com
toda essa tradição. É a troca do equilíbrio pela subserviência. Sob o discurso
de “valores ocidentais” e “combate ao terrorismo”, esconde-se uma visão
utilitarista que relativiza o sofrimento palestino por interesses
imediatos.
O
posicionamento revela ainda a força do lobby sionista no Brasil — tema
inexistente na grande mídia corporativa. Estudos da UFF mostram que a
influência de organizações pró-Israel no financiamento eleitoral e na formação
de opinião cresceu exponencialmente na última década. Políticos alinhados a
essa agenda recebem tratamento privilegiado em círculos empresariais e
midiáticos.
Ao
criticar a política externa brasileira, Tarcísio sinaliza não só para seu
eleitorado conservador, mas para essa rede de influência. É, nos termos de
Pierre Bourdieu, uma estratégia de acumulação de capital simbólico em múltiplos
campos.
Reduzir
o episódio a mero cálculo para 2026 é ingenuidade. Busca-se reconfigurar a
tradição diplomática, substituindo o multilateralismo pragmático por um
alinhamento automático que, sob o pretexto de “defender valores ocidentais”,
subordina nossos interesses a agendas alheias.
Não nos
enganemos: “alinhamento automático” não propõe política externa soberana, mas
subordinação nacional a interesses externos. É o antilulismo como doutrina
diplomática — rejeita-se uma posição não por contrariar o Brasil, mas
simplesmente por ser defendida pelo adversário.
Isso também tem sido recorrente em assuntos internos do país.
Historicamente,
nações que abdicam de autonomia na política externa raramente prosperam. A
diplomacia não é campo para dogmatismos, mas espaço de defesa pragmática de
interesses nacionais. Ao manipular o massacre de Israel contra os palestinos
para obter vantagens em disputas internas, Tarcísio arrisca a credibilidade
internacional do Brasil como mediador equilibrado.
Que
fique claro: criticar o governo israelense não é endossar o Hamas ou o
terrorismo – muito embora seja óbvio que um povo que não dispõe de um Estado
nacional, nem de um exército para defender sua soberania, possa encontrar na
guerra não convencional uma forma de resistir. Essa falsa dicotomia empobrece o
debate. É possível condenar os ataques de 7 de outubro e a resposta
desproporcional israelense que já matou mais de 55 mil palestinos, maioria
civis inocentes.
O
Brasil, forjado na diversidade, tem obrigação moral de defender uma solução
justa baseada no direito internacional e na dignidade humana de ambos os povos.
Nossa tradição diplomática nos credenciou como mediadores globais e não pode
ser sacrificada por ambições eleitorais de quem confunde política externa com
palanque.
Enquanto
autoproclamados “defensores do Ocidente” exibem subserviência a Netanyahu,
crianças palestinas morrem sob escombros em Gaza e 1,9 milhão de seres humanos
correm o risco de morrer de fome. Essa é a realidade brutal que o discurso do
“alinhamento automático” tenta ocultar. Nenhuma ambição política justifica
tamanha cegueira moral.
Fonte:
Brasil 247/Agencia Estado

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