De
Berseba à Babilônia: Netanyahu se apresenta como libertador do Irã
Foi em
Berseba, a cerca de mil quilômetros e 2.500 anos da Babilônia, que Benjamin Netanyahu sugeriu na
quinta-feira que havia chegado a hora de os judeus pagarem sua antiga dívida
com Ciro, o Grande, e trazerem a libertação ao Irã.
O
primeiro-ministro israelense acabara de visitar o hospital Soroka, em Bersheba,
que poucas horas antes havia sido atingido diretamente por um míssil balístico
iraniano em um de seus prédios. Por isso, foi palco de uma fuga que já estava
sendo considerada milagrosa pelos líderes israelenses.
O
diretor do hospital havia acabado de ordenar a evacuação dos andares superiores
daquele prédio específico, e os últimos pacientes haviam sido transferidos
poucas horas antes do míssil atingir o local. Se ele não tivesse agido, Soroka
poderia muito bem ter entrado para a história como a pior perda de vidas em
Israel desde o massacre de civis pelo Hamas em 7 de outubro de 2023.
O longo
domínio de Netanyahu no poder parecia irremediavelmente rompido naquela data,
20 meses atrás, já que suas forças de segurança foram impotentes para salvar
vidas israelenses. Mas agora, duas guerras depois, com mais de 55.000 mortos, o
primeiro-ministro se apresenta como um homem com um destino traçado.
Cada
vez mais confiante em redesenhar fundamentalmente o mapa do Oriente Médio, ele
brincou com a ideia de uma mudança de regime no Irã – o líder de uma nação de 10 milhões de habitantes
convocando uma população quase dez vezes maior para derrubar o regime clerical
que governa o país desde a revolução de 1979.
“As
pessoas me perguntam: estamos mirando a queda do regime?”, disse Netanyahu,
falando à imprensa em um complexo hospitalar coberto de cacos de vidro por
centenas de metros, brilhando sob o sol do deserto. “Isso pode ser um
resultado, mas cabe ao povo iraniano se levantar por sua liberdade. A liberdade
nunca é barata. Nunca é de graça. A liberdade exige que essas pessoas
subjugadas se levantem, e depende delas. Mas podemos criar condições que as
ajudem a fazer isso.”
Se as
bombas israelenses derrubassem os pilares da República Islâmica, Netanyahu
disse que isso representaria o pagamento de dívidas milenares, que remontam à
libertação dos judeus do cativeiro na Babilônia, por Ciro da Pérsia, o lendário
predecessor dos aiatolás.
“Quero
dizer a vocês que há 2.500 anos, Ciro, o Grande, rei da Pérsia, libertou os
judeus. E hoje, um Estado judeu está criando os meios para libertar o povo
persa”, disse ele.
Quando
Ciro invadiu a antiga Babilônia, o fez por terra. Há menos garantias de que uma
campanha de bombardeio aéreo – uma opção inaceitável para os antigos – possa
mudar a liderança de outro país da maneira defendida pelos bombardeiros.
Até
agora, há sinais de que até mesmo oponentes fervorosos do regime opressor estão
se unindo à sua causa diante de uma ameaça externa. Na pior das hipóteses,
campanhas de bombardeio podem levar monstros ao poder, como o bombardeio
americano ao Camboja ajudou a criar o Khmer Vermelho.
Nessa
ocasião, Netanyahu foi à cidade de Bersheba, no sul do país, na orla do deserto
de Negev, para pintar os líderes do Irã como monstros pelo bombardeio do
hospital de Soroka.
“Estamos
mirando em locais de mísseis. Eles estão mirando em um hospital”, disse ele.
“Eles estão mirando em civis porque são um regime criminoso. Eles são os
arqui-terroristas do mundo.”
Uma
hora antes, o presidente de Israel, Isaac Herzog, estava no mesmo local, com o
mesmo prédio carbonizado atrás dele, e fez o mesmo argumento, dizendo aos
líderes do Irã: "Seus crimes contra a humanidade, seus crimes de guerra,
não nos deterão".
Herzog
saiu sem responder a perguntas, e Netanyahu também não foi questionado sobre a
destruição implacável de hospitais e clínicas em Gaza por Israel, onde 2,2
milhões de palestinos estão internados em condições de quase fome, o que lembra
relatos de cercos no Oriente Médio nos tempos antigos e na Idade Média.
Aryeh
Myers, porta-voz dos serviços de emergência israelenses Magen David Adom,
argumentou que havia uma distinção crítica, apontando para as reivindicações
israelenses de redutos do Hamas sob as instalações médicas de Gaza.
"A
principal diferença entre este hospital é que ele é totalmente civil",
disse Myers, enquanto ajudava a supervisionar a evacuação de pacientes acamados
para outros hospitais da região. "Não há túneis embaixo [de Soroka] – não
há quartéis-generais terroristas. Este hospital é para os civis que vivem na
região do Negev – sejam eles residentes judeus, muçulmanos, ou quem quer que
seja."
"Temos
uma enorme comunidade beduína que vive nesta área e é muito bem atendida por
este hospital. E o fato de este hospital ter sido atacado é uma situação
horrível", disse ele.
O
direito internacional humanitário oferece fortes proteções a hospitais,
clínicas, ambulâncias e seus funcionários, que devem ser protegidos em todos os
momentos. O padrão para infrações é muito alto.
O
ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, argumentou que o
míssil iraniano havia sido direcionado a um quartel-general militar israelense
próximo e afirmou que o hospital de Soroka sofreu apenas danos
"superficiais" com a onda de choque. Não havia dúvida, porém, de que
o prédio danificado do hospital havia sido atingido diretamente, e o mapa que
Araghchi usou para ilustrar suas alegações online tinha pouca relação com o
centro de Bersheba.
Por
outro lado, as alegações de Netanyahu de que ele conhecia todos os locais
militares de Israel e que não havia tal local "por quilômetros e
quilômetros ao redor" também pareciam abertas à interpretação.
O
primeiro-ministro tem fama de ser criativo na hora de criar narrativas,
especialmente neste momento, enquanto analisa milhares de anos de história. Em
última análise, sugeriu ele, a libertação final de judeus e persas poderia
depender de outro rei futuro, muito além destas terras, cujos apoiadores
evangélicos também compararam a Ciro, o Grande.
Netanyahu
descreveu Donald Trump como um salvador em espera – "um amigo
extraordinário, um líder mundial extraordinário", a quem elogiou por
"sua determinação, determinação e clareza". A mensagem tem sido
consistente há vários dias: se Israel quiser desempenhar o papel transformador
para as eras que Netanyahu tem em mente, claramente precisará de muita ajuda.
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Conflitos no Oriente Médio põem economia de Israel à
prova
Guerra é algo caro.
Além de provocar destruição, tragédias pessoais
e mortes, custa muito dinheiro comprar e mobilizar equipamentos. Também custa
mão de obra, como a economia de Israel vem descobrindo em várias frentes.
Desde
que foi atacado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, Israel está envolvido em
intensos combates na Faixa de Gaza.
Após o
início da guerra, Israel também fez ataques aéreos contra o Líbano com o objetivo
declarado de atingir o Hezbollah. E, na semana passada, lançou um amplo
ataque ao Irã com o objetivo declarado de desativar seu programa nuclear.
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Grandes problemas e grandes orçamentos
Com
tudo isso acontecendo ao mesmo tempo, a economia de Israel está sob pressão
significativa.
Muitos
reservistas foram convocados para a guerra, o que os forçou a deixarem
temporariamente seus empregos. Além disso, as autorizações de trabalho de
muitos palestinos foram canceladas, e cruzar as fronteiras ficou cada vez mais
difícil para eles.
Tudo
isso dificulta o preenchimento de vagas de emprego. Em abril, o país registrou
uma taxa de desemprego de 3%, abaixo dos 4,8% de 2021.
Ao
mesmo tempo, aumentam os gastos militares em Israel. Em 2024, eles
cresceram 65% e atingiram 46,5 bilhões de dólares, segundo um relatório do Instituto
Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em
inglês) publicado em abril. Os gastos militares representaram 8,8% do PIB —
segundo maior percentual do mundo, depois da Ucrânia.
O
orçamento do país para 2025 prevê gastos totais de 215 bilhões de dólares, alta
de 21% em relação ao ano anterior. Deverá ser o maior orçamento da história de
Israel. Nesse montante, estão previstos 38,6 bilhões de dólares para defesa,
segundo uma reportagem do jornal The Times of Israel.
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Incerteza sobre o futuro
Itai
Ater, professor de economia da Universidade de Tel Aviv, afirma que a guerra é
"muito cara" no momento, e que há "uma enorme incerteza sobre o
futuro no curto e longo prazo".
"Os
custos militares nas frentes ofensiva e defensiva são muito altos. Isso
certamente afetará o orçamento, o déficit, o PIB e a dívida israelense",
disse Ater à DW.
Os
custos são realmente significativos. Nos últimos 20 meses, muitos israelenses
passaram centenas de dias no serviço militar. Outros foram retirados de suas
casas perto das regiões de fronteira, causando grandes perturbações em suas
vidas. Os serviços sociais estão sob pressão.
Desde o
início do confronto com o Irã, muitas pessoas não têm trabalhado em
função dos bombardeios recorrentes, incluindo nos setores de manufatura,
comércio, tecnologia e educação, diz Ater.
Os voos
comerciais de e para o país também estão suspensos. As companhias aéreas
retiraram seus jatos e o espaço aéreo sobre grande parte do Oriente Médio está
fechado.
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Alta de impostos para cobrir custos
Para
compensar parte dessa pressão financeira, o governo aumentou os impostos. O
imposto sobre o valor agregado para a maioria dos bens e serviços subiu de 17%
para 18% no início do ano. A contribuição de saúde, deduzida do salário dos
funcionários, também aumentou, assim como as contribuições para a seguridade
social.
A
economia israelense sofreu ao longo do último ano e meio, mas tem sido
"surpreendentemente resiliente", diz Benjamin Bental, professor
emérito de economia da Universidade de Haifa.
Embora
o turismo, a manufatura, a construção e a agricultura tenham sentido o impacto,
outros setores, como alta tecnologia, defesa e varejo de alimentos, continuam
resilientes. Em 2024, o PIB do Israel superou os 540 bilhões de dólares, melhor
que o dos dois anos anteriores.
Bental
destaca o desempenho sustentado do setor de alta tecnologia e o mercado de
trabalho em geral, que está "mais aquecido do que nunca". Os alertas
de que infraestruturas críticas de energia e internet seriam alvo do Hezbollah
ou do Irã se mostraram, até agora, infundados, mantendo as empresas em pleno
funcionamento.
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Dependência do setor de alta tecnologia
Não é
por acaso que Israel é conhecido por sua indústria de alta tecnologia. O setor
emprega 12% da força de trabalho e paga cerca de 25% do imposto
sobre a renda devido aos altos salários, segundo o banco de investimentos
americano Jefferies.
Os
serviços e produtos de alta tecnologia representam 64% das exportações do país
e cerca de 20% do PIB total.
Mas o
número de funcionários do setor de alta tecnologia em Israel está estagnado
desde 2022, segundo um relatório divulgado em abril pela Autoridade de Inovação
de Israel.
Em
2024, pela primeira vez em uma década, o número de funcionários locais no setor
de alta tecnologia diminuiu, e o número de funcionários que deixaram o país
aumentou, segundo o relatório.
Hoje,
essas empresas ainda têm cerca de 390 mil funcionários em Israel e outros 440
mil fora do país. Alguns temem que impostos mais altos possam levar mais
empresas ou trabalhadores que conseguem operar remotamente a sair do país.
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Risco de guerra de atrito
A maior
incógnita neste momento é a incerteza geral da situação em Israel e na região.
Isso afeta trabalhadores, empregadores e investidores.
"No
entanto, se olharmos para o mercado de ações e a taxa de câmbio, parece que os
investidores estão otimistas, provavelmente antecipando que a guerra terminará
em breve, que a ameaça nuclear do Irã será eliminada
e que a economia se recuperará e melhorará", disse Ater.
Para os
investidores, os riscos de curto prazo aumentaram, mas o impacto real depende
da duração dos conflitos militares e de como eles terminarão. "Um cenário
alternativo, no qual entramos em uma longa guerra de atrito com o Irã, também é
provável", disse Ater. "Nesse caso, é improvável que a economia
prospere."
Olhando
para o futuro, Ater vê a situação de segurança em geral, e o conflito
israelo-palestino em particular, como um dos desafios econômicos de longo prazo
do país.
Além
dessas tensões, ele diz que será importante também ficar de olho na divisão
social interna do país e na reforma do Judiciário e suas
implicações para as instituições democráticas.
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Estreito de Ormuz, no Irã, é gargalo do comércio de
petróleo
O
Estreito de Ormuz é uma via navegável de apenas 33 quilômetros de largura
localizada entre o Irã e o Omã, por onde transitam navios vindos do Golfo
Pérsico em direção ao Mar Arábico.
É
o gargalo para o transporte de petróleo mais importante
do mundo, na definição da Administração de Informações de Energia dos EUA (EIA,
na sigla em inglês).
No seu
ponto mais estreito, a via pela qual os navios podem navegar tem apenas 3,2
quilômetros de largura em cada direção, o que a torna congestionada e perigosa.
Grandes
volumes de petróleo bruto extraídos por países da Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (Opep), como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos,
Kuwait e Iraque, passam pelo estreito antes de chegarem a países
consumidores em todo o mundo.
Estima-se
que cerca de 20 milhões de barris de petróleo bruto, condensado e combustíveis
sejam transportados por ali diariamente, segundo dados da Vortexa, uma
consultoria do mercado de energia e frete.
O
Catar, um dos maiores produtores mundiais de gás natural liquefeito (GNL),
também depende fortemente do estreito para transportar suas exportações da
commodity.
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Qual é a situação atual no estreito?
A
escalada do conflito entre Israel e o Irã aumentou a tensão sobre a segurança
da hidrovia. No passado, o Irã já ameaçou fechar o Estreito de
Ormuz ao tráfego em retaliação à pressão de países do Ocidente.
Armadores
estão cada vez mais cautelosos em usar o estreito. Alguns navios reforçaram a
segurança a bordo, enquanto outros cancelaram rotas que passariam por ali,
informou a agência de notícias AP.
Desde
sexta-feira, não houve nenhum ataque significativo à navegação comercial na
região. Mas dois petroleiros colidiram na costa dos Emirados Árabes Unidos
nesta terça-feira (17/06) – os navios pegaram fogo, mas não houve vítimas
nem derramamento de óleo.
A
interferência eletrônica nos sistemas de navegação de navios comerciais
aumentou nos últimos dias ao redor da hidrovia e do Golfo, disseram fontes
navais à agência de notícias Reuters. Essa interferência afeta os navios que
navegam pela região.
Como
não parece haver um fim à vista para o conflito, os mercados ficam em alerta.
Qualquer bloqueio da hidrovia ou interrupção no fluxo de petróleo poderia
provocar um forte aumento nos preços do petróleo bruto e afetar os países
importadores, especialmente na Ásia.
O frete
dos navios que transportam petróleo bruto e derivados na região já aumentou nos
últimos dias. O custo do transporte de combustíveis do Oriente Médio para o
Leste Asiático subiu quase 20% em três sessões até segunda-feira, informou a
Bloomberg, citando dados da Baltic Exchange. O frete para a África Oriental
aumentou mais de 40%.
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Quem seria mais afetado em um bloqueio?
A EIA
estima que 82% dos carregamentos de petróleo bruto e outros combustíveis que
atravessam o estreito vão para consumidores asiáticos.
China, Índia, Japão e Coreia do Sul são os
principais destinos – esses quatro países juntos respondem por quase 70% de
todo o fluxo de petróleo bruto e condensado que atravessa o estreito.
Esses
mercados provavelmente seriam os mais afetados por interrupções no transporte
marítimo ali.
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Como um bloqueio afetaria o Irã e os países do Golfo?
Se o
Irã tomar medidas para fechar o estreito, isso poderia potencialmente provocar
uma intervenção militar dos Estados Unidos. A Quinta Frota dos EUA, estacionada
no vizinho Barein, tem a tarefa de proteger o transporte comercial na área.
Qualquer
movimento do Irã para interromper o fluxo de petróleo pela hidrovia também
poderia comprometer as relações de Teerã com os países árabes do Golfo, como a
Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos – países com os quais o Irã tem
melhorado as relações nos últimos anos de forma meticulosa.
Os
países do Golfo Pérsico vêm criticando Israel pelos ataques contra o Irã, mas
se as ações de Teerã obstruírem suas exportações de petróleo, eles podem ser
pressionados a se posicionar contra Teerã.
Além
disso, o Irã também depende do Estreito de Ormuz para enviar seu petróleo aos clientes, e fechar o estreito
poderia ser um tiro no próprio pé.
"A
economia do Irã depende fortemente da livre passagem de mercadorias e navios
pela rota marítima, já que suas exportações de petróleo são inteiramente
marítimas", afirmaram à agência de notícias Reuters os analistas Natasha
Kaneva, Prateek Kedia e Lyuba Savinova, do JP Morgan.
"Fechar
o Estreito de Ormuz seria contraproducente para o relacionamento do Irã com seu
único cliente de petróleo, a China", disseram.
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Existem alternativas ao estreito?
Países
do Golfo Pérsico, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos,
desenvolveram nos últimos anos infraestruturas que lhes permitem transportar
parte de seu petróleo bruto por outras rotas, contornando o estreito.
A
Arábia Saudita, por exemplo, opera o Oleoduto Leste-Oeste, com capacidade para
transportar cinco milhões de barris por dia até o Mar Vermelho. E os Emirados
Árabes Unidos têm um oleoduto que liga seus campos petrolíferos terrestres ao
terminal de exportação de Fujairah, no Golfo de Omã.
A EIA
estima que cerca de 2,6 milhões de barris de petróleo bruto por dia produzidos
na região poderiam contornar o Estreito de Ormuz em caso de bloqueio da
hidrovia.
Fonte:
DW Brasil

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