sábado, 21 de junho de 2025

De Berseba à Babilônia: Netanyahu se apresenta como libertador do Irã

Foi em Berseba, a cerca de mil quilômetros e 2.500 anos da Babilônia, que Benjamin Netanyahu sugeriu na quinta-feira que havia chegado a hora de os judeus pagarem sua antiga dívida com Ciro, o Grande, e trazerem a libertação ao Irã.

O primeiro-ministro israelense acabara de visitar o hospital Soroka, em Bersheba, que poucas horas antes havia sido atingido diretamente por um míssil balístico iraniano em um de seus prédios. Por isso, foi palco de uma fuga que já estava sendo considerada milagrosa pelos líderes israelenses.

O diretor do hospital havia acabado de ordenar a evacuação dos andares superiores daquele prédio específico, e os últimos pacientes haviam sido transferidos poucas horas antes do míssil atingir o local. Se ele não tivesse agido, Soroka poderia muito bem ter entrado para a história como a pior perda de vidas em Israel desde o massacre de civis pelo Hamas em 7 de outubro de 2023.

O longo domínio de Netanyahu no poder parecia irremediavelmente rompido naquela data, 20 meses atrás, já que suas forças de segurança foram impotentes para salvar vidas israelenses. Mas agora, duas guerras depois, com mais de 55.000 mortos, o primeiro-ministro se apresenta como um homem com um destino traçado.

Cada vez mais confiante em redesenhar fundamentalmente o mapa do Oriente Médio, ele brincou com a ideia de uma mudança de regime no Irã – o líder de uma nação de 10 milhões de habitantes convocando uma população quase dez vezes maior para derrubar o regime clerical que governa o país desde a revolução de 1979.

“As pessoas me perguntam: estamos mirando a queda do regime?”, disse Netanyahu, falando à imprensa em um complexo hospitalar coberto de cacos de vidro por centenas de metros, brilhando sob o sol do deserto. “Isso pode ser um resultado, mas cabe ao povo iraniano se levantar por sua liberdade. A liberdade nunca é barata. Nunca é de graça. A liberdade exige que essas pessoas subjugadas se levantem, e depende delas. Mas podemos criar condições que as ajudem a fazer isso.”

Se as bombas israelenses derrubassem os pilares da República Islâmica, Netanyahu disse que isso representaria o pagamento de dívidas milenares, que remontam à libertação dos judeus do cativeiro na Babilônia, por Ciro da Pérsia, o lendário predecessor dos aiatolás.

“Quero dizer a vocês que há 2.500 anos, Ciro, o Grande, rei da Pérsia, libertou os judeus. E hoje, um Estado judeu está criando os meios para libertar o povo persa”, disse ele.

Quando Ciro invadiu a antiga Babilônia, o fez por terra. Há menos garantias de que uma campanha de bombardeio aéreo – uma opção inaceitável para os antigos – possa mudar a liderança de outro país da maneira defendida pelos bombardeiros.

Até agora, há sinais de que até mesmo oponentes fervorosos do regime opressor estão se unindo à sua causa diante de uma ameaça externa. Na pior das hipóteses, campanhas de bombardeio podem levar monstros ao poder, como o bombardeio americano ao Camboja ajudou a criar o Khmer Vermelho.

Nessa ocasião, Netanyahu foi à cidade de Bersheba, no sul do país, na orla do deserto de Negev, para pintar os líderes do Irã como monstros pelo bombardeio do hospital de Soroka.

“Estamos mirando em locais de mísseis. Eles estão mirando em um hospital”, disse ele. “Eles estão mirando em civis porque são um regime criminoso. Eles são os arqui-terroristas do mundo.”

Uma hora antes, o presidente de Israel, Isaac Herzog, estava no mesmo local, com o mesmo prédio carbonizado atrás dele, e fez o mesmo argumento, dizendo aos líderes do Irã: "Seus crimes contra a humanidade, seus crimes de guerra, não nos deterão".

Herzog saiu sem responder a perguntas, e Netanyahu também não foi questionado sobre a destruição implacável de hospitais e clínicas em Gaza por Israel, onde 2,2 milhões de palestinos estão internados em condições de quase fome, o que lembra relatos de cercos no Oriente Médio nos tempos antigos e na Idade Média.

Aryeh Myers, porta-voz dos serviços de emergência israelenses Magen David Adom, argumentou que havia uma distinção crítica, apontando para as reivindicações israelenses de redutos do Hamas sob as instalações médicas de Gaza.

"A principal diferença entre este hospital é que ele é totalmente civil", disse Myers, enquanto ajudava a supervisionar a evacuação de pacientes acamados para outros hospitais da região. "Não há túneis embaixo [de Soroka] – não há quartéis-generais terroristas. Este hospital é para os civis que vivem na região do Negev – sejam eles residentes judeus, muçulmanos, ou quem quer que seja."

"Temos uma enorme comunidade beduína que vive nesta área e é muito bem atendida por este hospital. E o fato de este hospital ter sido atacado é uma situação horrível", disse ele.

O direito internacional humanitário oferece fortes proteções a hospitais, clínicas, ambulâncias e seus funcionários, que devem ser protegidos em todos os momentos. O padrão para infrações é muito alto.

O ministro das Relações Exteriores do Irã, Abbas Araghchi, argumentou que o míssil iraniano havia sido direcionado a um quartel-general militar israelense próximo e afirmou que o hospital de Soroka sofreu apenas danos "superficiais" com a onda de choque. Não havia dúvida, porém, de que o prédio danificado do hospital havia sido atingido diretamente, e o mapa que Araghchi usou para ilustrar suas alegações online tinha pouca relação com o centro de Bersheba.

Por outro lado, as alegações de Netanyahu de que ele conhecia todos os locais militares de Israel e que não havia tal local "por quilômetros e quilômetros ao redor" também pareciam abertas à interpretação.

O primeiro-ministro tem fama de ser criativo na hora de criar narrativas, especialmente neste momento, enquanto analisa milhares de anos de história. Em última análise, sugeriu ele, a libertação final de judeus e persas poderia depender de outro rei futuro, muito além destas terras, cujos apoiadores evangélicos também compararam a Ciro, o Grande.

Netanyahu descreveu Donald Trump como um salvador em espera – "um amigo extraordinário, um líder mundial extraordinário", a quem elogiou por "sua determinação, determinação e clareza". A mensagem tem sido consistente há vários dias: se Israel quiser desempenhar o papel transformador para as eras que Netanyahu tem em mente, claramente precisará de muita ajuda.

¨      Conflitos no Oriente Médio põem economia de Israel à prova

Guerra é algo caro. Além de provocar destruição, tragédias pessoais e mortes, custa muito dinheiro comprar e mobilizar equipamentos. Também custa mão de obra, como a economia de Israel vem descobrindo em várias frentes.

Desde que foi atacado pelo Hamas em 7 de outubro de 2023, Israel está envolvido em intensos combates na Faixa de Gaza.

Após o início da guerra, Israel também fez ataques aéreos contra o Líbano com o objetivo declarado de atingir o Hezbollah. E, na semana passada, lançou um amplo ataque ao Irã com o objetivo declarado de desativar seu programa nuclear.

<><> Grandes problemas e grandes orçamentos

Com tudo isso acontecendo ao mesmo tempo, a economia de Israel está sob pressão significativa.

Muitos reservistas foram convocados para a guerra, o que os forçou a deixarem temporariamente seus empregos. Além disso, as autorizações de trabalho de muitos palestinos foram canceladas, e cruzar as fronteiras ficou cada vez mais difícil para eles.

Tudo isso dificulta o preenchimento de vagas de emprego. Em abril, o país registrou uma taxa de desemprego de 3%, abaixo dos 4,8% de 2021.

Ao mesmo tempo, aumentam os gastos militares em Israel. Em 2024, eles cresceram 65% e atingiram 46,5 bilhões de dólares, segundo um relatório do Instituto Internacional de Pesquisa para a Paz de Estocolmo (Sipri, na sigla em inglês) publicado em abril. Os gastos militares representaram 8,8% do PIB — segundo maior percentual do mundo, depois da Ucrânia.

O orçamento do país para 2025 prevê gastos totais de 215 bilhões de dólares, alta de 21% em relação ao ano anterior. Deverá ser o maior orçamento da história de Israel. Nesse montante, estão previstos 38,6 bilhões de dólares para defesa, segundo uma reportagem do jornal The Times of Israel.

<><> Incerteza sobre o futuro

Itai Ater, professor de economia da Universidade de Tel Aviv, afirma que a guerra é "muito cara" no momento, e que há "uma enorme incerteza sobre o futuro no curto e longo prazo".

"Os custos militares nas frentes ofensiva e defensiva são muito altos. Isso certamente afetará o orçamento, o déficit, o PIB e a dívida israelense", disse Ater à DW.

Os custos são realmente significativos. Nos últimos 20 meses, muitos israelenses passaram centenas de dias no serviço militar. Outros foram retirados de suas casas perto das regiões de fronteira, causando grandes perturbações em suas vidas. Os serviços sociais estão sob pressão.

Desde o início do confronto com o Irã, muitas pessoas não têm trabalhado em função dos bombardeios recorrentes, incluindo nos setores de manufatura, comércio, tecnologia e educação, diz Ater.

Os voos comerciais de e para o país também estão suspensos. As companhias aéreas retiraram seus jatos e o espaço aéreo sobre grande parte do Oriente Médio está fechado.

<><> Alta de impostos para cobrir custos

Para compensar parte dessa pressão financeira, o governo aumentou os impostos. O imposto sobre o valor agregado para a maioria dos bens e serviços subiu de 17% para 18% no início do ano. A contribuição de saúde, deduzida do salário dos funcionários, também aumentou, assim como as contribuições para a seguridade social.

A economia israelense sofreu ao longo do último ano e meio, mas tem sido "surpreendentemente resiliente", diz Benjamin Bental, professor emérito de economia da Universidade de Haifa.

Embora o turismo, a manufatura, a construção e a agricultura tenham sentido o impacto, outros setores, como alta tecnologia, defesa e varejo de alimentos, continuam resilientes. Em 2024, o PIB do Israel superou os 540 bilhões de dólares, melhor que o dos dois anos anteriores.

Bental destaca o desempenho sustentado do setor de alta tecnologia e o mercado de trabalho em geral, que está "mais aquecido do que nunca". Os alertas de que infraestruturas críticas de energia e internet seriam alvo do Hezbollah ou do Irã se mostraram, até agora, infundados, mantendo as empresas em pleno funcionamento.

<><> Dependência do setor de alta tecnologia

Não é por acaso que Israel é conhecido por sua indústria de alta tecnologia. O setor emprega 12% da força de trabalho e paga cerca de 25% do imposto sobre a renda devido aos altos salários, segundo o banco de investimentos americano Jefferies.

Os serviços e produtos de alta tecnologia representam 64% das exportações do país e cerca de 20% do PIB total.

Mas o número de funcionários do setor de alta tecnologia em Israel está estagnado desde 2022, segundo um relatório divulgado em abril pela Autoridade de Inovação de Israel.

Em 2024, pela primeira vez em uma década, o número de funcionários locais no setor de alta tecnologia diminuiu, e o número de funcionários que deixaram o país aumentou, segundo o relatório.

Hoje, essas empresas ainda têm cerca de 390 mil funcionários em Israel e outros 440 mil fora do país. Alguns temem que impostos mais altos possam levar mais empresas ou trabalhadores que conseguem operar remotamente a sair do país.

<><> Risco de guerra de atrito

A maior incógnita neste momento é a incerteza geral da situação em Israel e na região. Isso afeta trabalhadores, empregadores e investidores.

"No entanto, se olharmos para o mercado de ações e a taxa de câmbio, parece que os investidores estão otimistas, provavelmente antecipando que a guerra terminará em breve, que a ameaça nuclear do Irã será eliminada e que a economia se recuperará e melhorará", disse Ater.

Para os investidores, os riscos de curto prazo aumentaram, mas o impacto real depende da duração dos conflitos militares e de como eles terminarão. "Um cenário alternativo, no qual entramos em uma longa guerra de atrito com o Irã, também é provável", disse Ater. "Nesse caso, é improvável que a economia prospere."

Olhando para o futuro, Ater vê a situação de segurança em geral, e o conflito israelo-palestino em particular, como um dos desafios econômicos de longo prazo do país.

Além dessas tensões, ele diz que será importante também ficar de olho na divisão social interna do país e na reforma do Judiciário e suas implicações para as instituições democráticas.

¨      Estreito de Ormuz, no Irã, é gargalo do comércio de petróleo

O Estreito de Ormuz é uma via navegável de apenas 33 quilômetros de largura localizada entre o Irã e o Omã, por onde transitam navios vindos do Golfo Pérsico em direção ao Mar Arábico.

É o gargalo para o transporte de petróleo mais importante do mundo, na definição da Administração de Informações de Energia dos EUA (EIA, na sigla em inglês).

No seu ponto mais estreito, a via pela qual os navios podem navegar tem apenas 3,2 quilômetros de largura em cada direção, o que a torna congestionada e perigosa.

Grandes volumes de petróleo bruto extraídos por países da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), como Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Kuwait e Iraque, passam pelo estreito antes de chegarem a países consumidores em todo o mundo.

Estima-se que cerca de 20 milhões de barris de petróleo bruto, condensado e combustíveis sejam transportados por ali diariamente, segundo dados da Vortexa, uma consultoria do mercado de energia e frete.

O Catar, um dos maiores produtores mundiais de gás natural liquefeito (GNL), também depende fortemente do estreito para transportar suas exportações da commodity.

<><> Qual é a situação atual no estreito?

A escalada do conflito entre Israel e o Irã aumentou a tensão sobre a segurança da hidrovia. No passado, o Irã já ameaçou fechar o Estreito de Ormuz ao tráfego em retaliação à pressão de países do Ocidente.

Armadores estão cada vez mais cautelosos em usar o estreito. Alguns navios reforçaram a segurança a bordo, enquanto outros cancelaram rotas que passariam por ali, informou a agência de notícias AP.

Desde sexta-feira, não houve nenhum ataque significativo à navegação comercial na região. Mas dois petroleiros colidiram na costa dos Emirados Árabes Unidos nesta terça-feira (17/06) – os navios pegaram fogo, mas não houve vítimas nem derramamento de óleo.

A interferência eletrônica nos sistemas de navegação de navios comerciais aumentou nos últimos dias ao redor da hidrovia e do Golfo, disseram fontes navais à agência de notícias Reuters. Essa interferência afeta os navios que navegam pela região.

Como não parece haver um fim à vista para o conflito, os mercados ficam em alerta. Qualquer bloqueio da hidrovia ou interrupção no fluxo de petróleo poderia provocar um forte aumento nos preços do petróleo bruto e afetar os países importadores, especialmente na Ásia.

O frete dos navios que transportam petróleo bruto e derivados na região já aumentou nos últimos dias. O custo do transporte de combustíveis do Oriente Médio para o Leste Asiático subiu quase 20% em três sessões até segunda-feira, informou a Bloomberg, citando dados da Baltic Exchange. O frete para a África Oriental aumentou mais de 40%.

<><> Quem seria mais afetado em um bloqueio?

A EIA estima que 82% dos carregamentos de petróleo bruto e outros combustíveis que atravessam o estreito vão para consumidores asiáticos.

ChinaÍndiaJapão e Coreia do Sul são os principais destinos – esses quatro países juntos respondem por quase 70% de todo o fluxo de petróleo bruto e condensado que atravessa o estreito.

Esses mercados provavelmente seriam os mais afetados por interrupções no transporte marítimo ali.

<><> Como um bloqueio afetaria o Irã e os países do Golfo?

Se o Irã tomar medidas para fechar o estreito, isso poderia potencialmente provocar uma intervenção militar dos Estados Unidos. A Quinta Frota dos EUA, estacionada no vizinho Barein, tem a tarefa de proteger o transporte comercial na área.

Qualquer movimento do Irã para interromper o fluxo de petróleo pela hidrovia também poderia comprometer as relações de Teerã com os países árabes do Golfo, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos – países com os quais o Irã tem melhorado as relações nos últimos anos de forma meticulosa.

Os países do Golfo Pérsico vêm criticando Israel pelos ataques contra o Irã, mas se as ações de Teerã obstruírem suas exportações de petróleo, eles podem ser pressionados a se posicionar contra Teerã.

Além disso, o Irã também depende do Estreito de Ormuz para enviar seu petróleo aos clientes, e fechar o estreito poderia ser um tiro no próprio pé.

"A economia do Irã depende fortemente da livre passagem de mercadorias e navios pela rota marítima, já que suas exportações de petróleo são inteiramente marítimas", afirmaram à agência de notícias Reuters os analistas Natasha Kaneva, Prateek Kedia e Lyuba Savinova, do JP Morgan.

"Fechar o Estreito de Ormuz seria contraproducente para o relacionamento do Irã com seu único cliente de petróleo, a China", disseram.

<><> Existem alternativas ao estreito?

Países do Golfo Pérsico, como a Arábia Saudita e os Emirados Árabes Unidos, desenvolveram nos últimos anos infraestruturas que lhes permitem transportar parte de seu petróleo bruto por outras rotas, contornando o estreito.

A Arábia Saudita, por exemplo, opera o Oleoduto Leste-Oeste, com capacidade para transportar cinco milhões de barris por dia até o Mar Vermelho. E os Emirados Árabes Unidos têm um oleoduto que liga seus campos petrolíferos terrestres ao terminal de exportação de Fujairah, no Golfo de Omã.

A EIA estima que cerca de 2,6 milhões de barris de petróleo bruto por dia produzidos na região poderiam contornar o Estreito de Ormuz em caso de bloqueio da hidrovia.

 

Fonte: DW Brasil

 

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