quarta-feira, 4 de junho de 2025

Cuidado personalizado pode melhorar qualidade de vida de idosos com câncer

Uma nova abordagem no cuidado de pacientes idosos com câncer metastático pode melhorar significativamente a forma como eles entendem e lidam com o prognóstico da doença, trazendo maior qualidade de vida durante o tratamento oncológico. É o que mostra um estudo brasileiro apresentado no domingo (1º) na reunião anual da Sociedade Americana de Oncologia Clínica (Asco), maior evento científico da área que acontece em Chicago, nos Estados Unidos.

A pesquisa analisou dados de uma intervenção chamada GAIN-S (Geriatric Assessment-Guided Supportive Care Intervention), recomendada pelas diretrizes da Asco, para pacientes com 65 anos ou mais em diversos estados brasileiros. A proposta vai além do tratamento padrão ao oferecer cuidados personalizados com base em uma avaliação geriátrica.

Segundo Cristiane Bergerot, psico-oncologista, líder nacional da especialidade equipe multidisciplinar da Oncoclínicas e líder do estudo, foram avaliados aspectos importantes da saúde de pacientes idosos com câncer metastático, como função física, cognição, humor, comorbidades, nutrição, polifarmácia [uso de mais de um medicamento recorrente] e suporte social.

Com base nos resultados dessa avaliação, uma equipe especializada e multidisciplinar -- com oncologista, psiquiatra, psicólogo, nutricionista e personal trainer -- elaborou e implementou intervenções personalizadas, com o objetivo de melhorar os desfechos clínicos e a qualidade de vida dos pacientes.

"A avaliação geriátrica permitiu identificar vulnerabilidades que muitas vezes não são captadas em avaliações tradicionais", explica Bergerot à CNN. "Com isso, os profissionais puderam adaptar o tratamento oncológico de forma mais individualizada, considerando as necessidades e limitações dos pacientes", completa.

Segundo a especialista, o estudou mostrou que houve melhora significativa na compreensão do prognóstico por parte dos pacientes que participaram da intervenção — ou seja, eles passaram a ter uma noção mais clara sobre a finalidade do tratamento e a expectativa de evolução da doença.

"Isso favoreceu uma tomada de decisão mais alinhada aos seus valores e objetivos, promovendo um cuidado mais centrado na pessoa", afirma Bergerot.

Com taxa de adesão de 93%, o estudo mostra que é possível implementar uma abordagem centrada em adultos com 65 anos ou mais mesmo em contextos desafiadores. A intervenção utilizou o questionário PAIS (Prognostic Awareness Impact Questionnaire), uma ferramenta validada e sensível a mudanças emocionais e comportamentais, permitindo avaliar com precisão como os pacientes se sentem e reagem frente às informações sobre seu estado clínico.

"Idosos com câncer têm características e necessidades muito distintas dos pacientes mais jovens. Eles frequentemente apresentam múltiplas comorbidades, fragilidade, risco de toxicidades e preferências de tratamento diferentes", observa Bergerot. "Uma abordagem como a do GAIN-S reconhece essa heterogeneidade e permite um cuidado mais personalizado, que não apenas melhora os desfechos clínicos (como função física e humor), mas também promove autonomia, segurança no tratamento e maior alinhamento com os valores dos pacientes", completa.

Segundo Cristiane Bergerot, os resultados indicam que há espaço para modelos assistenciais mais sensíveis às necessidades emocionais e cognitivas dos pacientes idosos. "Quando oferecemos tempo, escuta e um cuidado estruturado, mesmo em situações clínicas complexas, o impacto pode ser surpreendente. E isso, mais do que uma descoberta científica, é um compromisso ético com quem está enfrentando uma doença avançada", finaliza.

•        Entre a alta e a volta para casa: como funcionam os hospitais de transição

Ao receber alta hospitalar, nem sempre o paciente está pronto para voltar plenamente à rotina em casa. Se ainda precisa de reabilitação, cuidados clínicos ou apoio emocional, os hospitais de transição surgem como uma solução estratégica e cada vez mais necessária para a recuperação total.

A CNN conversou com especialistas para entender como funcionam unidades de saúde do tipo e a importância delas para a retomada da qualidade de vida, especialmente de idosos.

<><> Como funcionam os hospitais de transição

Os hospitais de transição representam uma mudança importante na forma de cuidar da saúde no Brasil, preencendo uma lacuna entre a alta hospitalar e o cuidado domiciliar para pacientes em fase de recuperação.

Especificamente no caso de idoso, o geriatra Felipe Vecchi, diretor da Sociedade Brasileira de Geriatria e Gerontologia de São Paulo, destaca que esse tipo de modalidade hospitalar é essencial para restaurar dois pilares da vida saudável do indivíduo: a autonomia e a independência.

“O objetivo do ambiente de transição é atender o paciente idoso, que estava em um hospital [tradicional] e recuperado do ponto de vista clínico, mas que ainda precisa melhorar esses dois pilares para conseguir voltar a conviver em sociedade ou seguir com o seu dia a dia da maneira mais segura possível”, observa Vecchi.

Isso inclui, por exemplo, casos de pessoas que sofreram um acidente vascular cerebral (AVC), passaram por uma cirurgia ortopédica ou ficaram acamados por longos períodos em UTIs.

<><> Como é a rotina de um hospital de transição

Nos hospitais de transição, a lógica de cuidado é centrada no paciente, com planos terapêuticos personalizados desenvolvidos por profissionais de diversas áreas.

A equipe pode incluir clínicos, fisioterapeutas, nutricionistas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, geriatras, psicólogos, assistentes sociais, entre outros.

A permanência média do paciente em hospitais de transição varia conforme a complexidade do caso, podendo ser de 15 a 90 dias, de acordo com Carlos Alberto Chiesa, clínico geral e CEO da Rede Placi, com atuação no Brasil e focada na modalidade.

<><> Brasil x Mundo

Ainda incipiente no país, o modelo é consolidado em países da Europa e nos Estados Unidos.

"Em termos de funcionamento [os hospitais de transição estrangeiros], não diferem muito. Porém, em organização, perfil de pacientes e acesso, sim. Nos EUA, os pacientes são transferidos mais precocemente para as unidades específicas de reabilitação, de cuidados especializados de enfermagem ou de cuidados complexos", afirma Chiesa.

"No Reino Unido, procura-se atingir o máximo de autonomia para o retorno seguro para casa, e existe uma preocupação grande em liberar os leitos dos hospitais de cuidados agudos para pacientes mais graves”, acrescenta o clínico geral.

Na avaliação do gestor, o principal desafio atual de seguir com os hospitais de transição no Brasil está ligado à cultura do país.

“Talvez a maior adaptação tenha sido incorporar um novo modelo assistencial intermediário entre o hospital de cuidados agudos e o de cuidado em casa. Outro grande ajuste é entender que o hospital de transição não tem a vocação de diagnosticar e tratar (que é fundamental, diga-se de passagem), mas, sim, de cuidar", diz Chiesa.

"Isso requer um modelo mental diferente dos profissionais de saúde que trabalham de forma integrada entre as várias disciplinas, além do envolvimento e participação da família e do cuidador em todas as etapas deste processo”, completa o médico.

<><> Ambiente acolhedor, estímulo à autoestima e prevenção a intercorrências

Um diferencial importante desses hospitais é, justamente, o de ser um ambiente mais leve e propositivo, visando a recuperação do paciente.

Ao contrário do clima hospitalar comum, as unidades de transição oferecem espaços mais humanizados, com atividades coletivas, terapias ocupacionais e treinamentos para estimular a independência.

“Isso acontece com pequenas coisas, como parar de depender de alguém para se alimentar e passar a comer sozinho, levantar de uma cadeira sozinha e andar sozinho é super importante", descreve o geriatra Felipe Vecchi.

"Esse objetivo principal: não ter nenhum grau de dependência", acrescenta. "É o que mais motiva e é o que realmente mais acaba sendo o importante na autoestima do idoso para que ele se envolva cada vez mais no tratamento.”

Ainda de acordo com Vecchi, quanto mais independente, mais seguro o idoso está. “Sabemos que, quanto mais próximo possível ele estiver do que era antes, menores são as chances dele ter um novo evento adverso, uma nova intercorrência clínica”, pontua o médico.

<><> Desafios e perspectivas de crescimento

Apesar dos avanços, a expansão desse tipo de unidade ainda esbarra em alguns desafios: pouco conhecimento da população e necessidade de mais investimentos públicos e privados.

“Comparado com países da América do Norte e Europa, o Brasil tem uma oferta ainda incipiente de leitos de transição — em níveis 20 vezes menor do que o oferecido nestes países”, projeta Chiesa.

De acordo com o executivo, o Sistema Único de Saúde (SUS) prevê hospitais de retaguarda, de cuidados prolongados e existem alguns modelos públicos de hospitais de excelência voltados para reabilitação.

Em alguns municípios, há a contratação de leitos de transição como política de otimização de gestão de leitos hospitalares.

 

Fonte: CNN Brasil

 

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