Creatina:
o suplemento para musculação que turbina o cérebro
Você
talvez já tenha ouvido falar da creatina, um dos suplementos mais pesquisados
do mundo.
Essa
substância é associada, há muito tempo, ao aumento do desempenho e resistência
durante exercícios físicos. Por isso, os fisiculturistas costumam consumi-la na
forma de creatina mono-hidratada.
Mas
esse composto não é útil apenas para as pessoas que procuram aumentar os seus
músculos.
A
creatina é um ingrediente químico vital. O nosso corpo produz naturalmente a
substância no fígado, rins e no pâncreas e ela é armazenada no cérebro e nos
músculos.
A
creatina que produzimos, normalmente, não é suficiente para as nossas
necessidades. Por isso, a maioria das pessoas recorre a fontes externas.
Certos
alimentos, como carne e peixes oleosos, contêm alto teor do nutriente.
A
creatina ajuda a administrar a energia disponível para nossas células e
tecidos. E existem evidências recentes de que algumas pessoas podem se
beneficiar da suplementação de creatina.
Seja
para reduzir a fadiga pós-viral, promover as funções cognitivas em pessoas que
sofrem de estresse ou até para melhorar a memória, os suplementos de creatina
podem fornecer impulsos cognitivos significativos para algumas pessoas.
Também
se especula que a creatina pode ajudar a melhorar o humor e até reduzir os
sintomas de pacientes com Alzheimer.
Com
todos esses benefícios, será que o seu corpo tem creatina suficiente à
disposição? E quando pode ser uma boa ideia tomar um suplemento?
<><>
O início das pesquisas com creatina
O
professor Roger Harris (1944-2024), da Universidade de Aberystwyth, no País de
Gales, descobriu os benefícios da suplementação de creatina nos anos 1970. E,
desde então, a creatina se estabeleceu no mundo esportivo.
Diversas
pesquisas relacionaram a substância a melhorias das nossas funções físicas.
Mas, nas últimas duas décadas, estudos começaram a revelar outros possíveis
benefícios à saúde dos suplementos de creatina.
Uma das
maiores áreas de pesquisa inclui as funções cognitivas. Afinal, a creatina
participa da neogênese – a formação de novos neurônios no cérebro.
O
cientista e pesquisador Ali Gordjinejad, do centro de pesquisas
Forschungszentrum Jülich, na Alemanha, começou a observar a existência de
estudos relacionando a suplementação de creatina à memória de trabalho e de
curto prazo de pessoas privadas do sono.
Ele,
então, constatou que aqueles estudos sugeriam que as pessoas precisavam tomar
creatina por semanas ou meses para ter eventuais benefícios.
"Considerava-se
que a absorção de células de creatina pelo corpo é marginal", explica
Gordjinejad. "Por isso, ela não funcionaria para apenas uma noite de
privação do sono."
"Até
que fizemos o nosso estudo."
Gordjinejad
decidiu testar os efeitos de uma dose de creatina sobre o desempenho cognitivo
após uma única noite de privação do sono.
Ele
recrutou 15 pessoas e ofereceu a elas um suplemento de creatina, ou um placebo,
às seis horas da tarde.
Em
seguida, Gordjinejad testou o desempenho cognitivo dos participantes a cada
duas horas e meia, até nove horas da manhã. Os testes incluíram seus tempos de
reação e memórias de curto prazo.
Gordjinejad
concluiu que a velocidade de processamento era muito maior no grupo com
creatina, em comparação com o grupo placebo.
O
pesquisador não sabe exatamente por quê, mas ele suspeita que a privação de
sono e as tarefas cognitivas colocam os neurônios dos participantes sob tensão,
o que faz com que o corpo absorva maior quantidade de creatina.
"Se
houver alta demanda de energia das células, a fosfocreatina [que fornece
energia para curtas explosões de esforço] entra em ação como um reservatório de
energia", explica Gordjinejad. E ele destaca que a creatina da alimentação
pode ajudar a reabastecer essa reserva.
O
estudo de Gordjinejad foi pequeno. Mas ele acredita que suas conclusões
demonstrem que a creatina, potencialmente, pode ajudar a superar os efeitos
negativos da falta de sono – mas apenas no curto prazo, até você dormir de
novo.
É
preciso ressaltar que os participantes do estudo consumiram dez vezes a dose
diária recomendada de creatina.
Cada
participante recebeu 35 g, ou cerca de meio copo cheio do suplemento em pó. Não
tente fazer isso em casa.
Essa
dose, segundo Gordjinejad, colocaria em risco pessoas com problemas renais e
pode causar dores de estômago na população em geral. O pesquisador pretende
realizar um estudo similar, oferecendo aos participantes doses mais baixas.
Ele
espera que, no futuro, a creatina possa ser utilizada dessa forma por pessoas
que passam por um período prolongado acordadas, como profissionais de serviços
de emergência ou estudantes em época de provas.
Mas
Terry McMorris, professor emérito da Universidade de Chichester, na Inglaterra,
realizou uma análise de 15 estudos em 2024. Ele concluiu que as pesquisas
realizadas até então não sustentam a teoria de que suplementos de creatina
podem melhorar as funções cognitivas.
Mas
McMorris afirma que isso pode ocorrer porque os estudos que ele observou
utilizaram diversos regimes de suplementos de creatina.
O
professor também explica que muitos estudos se basearam em testes cognitivos
desatualizados. "Alguns datam dos anos 1930 – são fáceis demais, não
forçamos suficientemente as pessoas."
Por
isso, embora afirme que não existem evidências suficientes para tirar
conclusões, McMorris acredita que esta é uma área que precisa de mais
pesquisas.
<><>
Além do desempenho cognitivo
Estudos
demonstram uma série de outros possíveis benefícios da creatina à saúde, como a
interrupção do crescimento de tumores em estudos com animais e a redução dos
sintomas da menopausa.
Uma
razão pode ser que a creatina pode ter efeito protetor antioxidante, que pode
ajudar o corpo a suportar o efeito dos fatores de estresse.
Um
estudo recente envolvendo 25 mil pessoas concluiu que, entre os participantes
com 52 anos de idade ou mais que receberam os níveis mais altos de creatina na
sua alimentação, cada 0,09 g adicionais de creatina (quantidade média de dois
dias) foram relacionados a uma redução de 14% do risco de câncer.
A
creatina também pode trazer benefícios para a nossa saúde mental. Em um estudo,
pessoas com depressão receberam creatina em pó paralelamente à terapia
comportamental cognitiva.
Os
pesquisadores concluíram que, ao longo de oito semanas, seus sintomas
melhoraram mais do que entre as pessoas que receberam a mesma terapia, sem
administração de creatina.
"Uma
razão que pode fazer a creatina ajudar as pessoas com depressão é o seu
emprego, em grau significativo, para a produção e uso de energia no
cérebro", explica o professor de graduação em nutrição esportiva Douglas
Kalman, da Universidade Internacional da Flórida, nos Estados Unidos.
"Se
os níveis de creatina forem baixos, isso afeta a produção de energia no cérebro
e também os níveis de neurotransmissores" – os sinais químicos que
permitem que as células nervosas se comuniquem entre si. E isso, por sua vez,
pode alterar o humor das pessoas.
Essa
descoberta pode ser especialmente importante para os veganos, segundo o
professor de nutrição Sergej Ostojic, da Universidade de Agder, na Noruega.
Pesquisas
indicam que esse grupo apresenta maior risco de depressão. E a creatina pode
ser um fator para isso, explica ele, pois os estudos concluíram que os veganos
possuem menos creatina nos músculos do que as pessoas que seguem dietas
onívoras.
Existem
pesquisas que indicam que a creatina poderá ajudar até mesmo em condições
crônicas.
Em
2023, Ostojic e seus colegas da Universidade de Novi Sad, na Sérvia, testaram
os efeitos de suplementos de creatina em 19 pacientes com covid longa.
Os
pesquisadores forneceram 4 g de creatina para metade dos participantes e
placebo para a outra metade. Eles monitoraram seus sintomas e os níveis de
creatina no cérebro e nos músculos.
Depois
de seis meses, a equipe concluiu que os participantes que receberam maior
quantidade de creatina apresentaram melhora dos sintomas, incluindo redução do
nevoeiro mental e das dificuldades de concentração.
Quanto
mais grave a doença, menores eram os níveis de creatina no corpo no início do
estudo.
"A
hipótese foi que o cérebro, com o estresse da covid longa, esgota os níveis de
creatina, que é uma substância fundamental para o fornecimento de
energia", explica Ostojic.
Ele
conclui que a creatina não é a cura da covid longa, mas pode fornecer
benefícios.
E
existe mais trabalho pela frente. Ostojic quer compreender melhor possíveis
diferenças de gênero que entram em jogo em relação à creatina e condições como
a covid longa.
As
mulheres têm mais probabilidade de desenvolver covid longa do que os homens e
seu metabolismo de creatina é diferente.
Devido
às flutuações hormonais, acredita-se que o transporte, a biodisponibilidade e a
síntese de creatina no corpo possam mudar ao longo da vida da mulher.
O
professor destaca que as mulheres tendem a perder mais creatina pela urina e
ter níveis mais baixos de massa muscular, em relação aos homens. E, como é nos
músculos que é armazenada a maior parte da creatina, faz sentido que as
mulheres tenham menos creatina no corpo.
"Minha
sensação preliminar é que as mulheres com covid longa podem reagir melhor à
suplementação de creatina [do que os homens]", segundo Ostojic.
<><>
O ciclo de vida
Uma
alteração recente das pesquisas sobre a creatina é que o seu papel, agora, está
sendo examinado ao longo de todo o ciclo de vida da pessoa, segundo Kalman.
Existem,
por exemplo, cada vez mais estudos que demonstram o papel importante que a
creatina pode desempenhar desde a concepção até os primeiros anos de vida do
bebê.
As
células e tecidos do nosso corpo usam creatina como fonte de energia em todos
os estágios da reprodução, segundo a pesquisadora Stacey Ellery, do programa
Peter Doherty de início de carreira do Conselho Nacional de Pesquisa Médica e
de Saúde (NHMRC, na sigla em inglês) na Universidade Monash, na Austrália.
A
influência da creatina na reprodução inclui fatores como a mobilidade do
esperma, o desenvolvimento uterino e da placenta, o crescimento fetal e o leite
materno.
A
creatina também pode exercer papel importante na redução dos danos causados
pela falta de oxigênio, segundo Ellery, como pode acontecer com fetos durante o
parto ou no útero.
A falta
de oxigênio pode restringir a capacidade das células de gerar energia
suficiente em tecidos cruciais, como a placenta e o cérebro do feto. Isso pode
retardar seu crescimento ou prejudicar sua saúde a longo prazo, explica ela.
Mas, no
curto prazo, a creatina pode permitir que as células liberem energia sem
necessidade de oxigênio.
"Os
suplementos podem amplificar a creatina disponível para que as células produzam
energia durante a escassez de oxigênio", explica Ellery.
"A
comparação é com carregar uma bateria de reserva para uma tomada elétrica.
Manter as células energizadas reduz o risco de danos sérios ao bebê em
desenvolvimento."
A
creatina pode ser fundamental para complicações na gravidez.
Ellery
observou na sua pesquisa como a placenta pode se adaptar para aumentar os
níveis de creatina no corpo da mãe, por exemplo, em mulheres grávidas que
sofrem de pré-eclâmpsia, uma condição potencialmente mortal.
Mas a
segurança da suplementação de creatina durante a gravidez ainda não foi
estudada diretamente em seres humanos. Por isso, é importante discutir
eventuais suplementos alimentares com seu médico, antes de tomá-los.
A mãe
parece enviar maiores níveis de creatina para o bebê durante trabalhos de parto
longos e difíceis, segundo Ellery – e níveis mais baixos no sangue da mãe
durante os últimos meses de gravidez foram relacionados à maior incidência de
natimortos, partos prematuros, nascimento de bebês menores e internação em
terapia intensiva.
Mas não
se sabe ao certo por que isso acontece, nem se a suplementação de creatina
seria benéfica.
As
pesquisas nesta área estão em seu estágio inicial. Mas Ostojic publicou
recentemente os primeiros cálculos da ingestão diária recomendada de creatina
para bebês com até 12 meses de idade.
Ele
estimou que os bebês alimentados exclusivamente com leite materno precisam de 7
mg por dia até o seis meses de idade e 8,4 mg por dia entre sete e 12 meses.
Ostojic ressalta que são necessários mais dados a respeito.
No
outro lado do ciclo da vida, a creatina também pode beneficiar nossa saúde
muscular no caso de sarcopenia, uma condição relativa à idade que reduz a
resistência e a massa muscular.
"À
medida que as pessoas envelhecem, elas têm menos tono muscular", explica
Kalman. "E estudos demonstraram que a creatina pode ajudar a reduzir a
sarcopenia."
<><>
Temos creatina suficiente no corpo?
Cada
vez mais evidências indicam que a maioria das mulheres que mantêm dieta
ocidental não ingere alimentos ricos em creatina em quantidade suficiente,
segundo Ellery.
Um
estudo recente concluiu que seis a cada 10 mulheres não consumiram a ingestão
diária de creatina recomendada pelos pesquisadores (13 mg por kg de massa do
corpo por dia) e cerca de 20% das mulheres grávidas não consumiram nenhuma
quantidade de creatina.
Estudos
preliminares indicam que os adultos necessitam de cerca de 1 g de creatina por
dia. E dados iniciais de estudos populacionais sugerem que a depressão,
distúrbios cardiometabólicos e câncer são mais frequentes em pessoas que
consomem menos de 1 g de creatina por dia.
Mas não
existem recomendações oficiais de saúde pública relativas à ingestão diária de
creatina.
A
maioria das pessoas consegue creatina da alimentação, segundo Ostojic. Mas os
veganos podem correr o risco de não ingerir quantidade suficiente.
A
creatina é um composto de ocorrência natural no corpo. Isso significa que ela
não é definida como "essencial".
Os
nutrientes essenciais não podem ser sintetizados pelo corpo e, portanto, devem
ser fornecidos pela alimentação.
Mas
alguns pesquisadores, como Ostojic, defendem que a creatina deveria ser
classificada como semiessencial, pois nós aparentemente não conseguimos
sintetizá-la em quantidade suficiente.
"Dois
estudos indicam que as pessoas que não conseguem creatina da alimentação
possuem níveis inferiores de creatina nos seus músculos, o que sugere que elas
não conseguem a substância em níveis ideais", explica Ostojic.
A
creatina não é uma bala de prata, segundo ele, mas deveria ser avaliada
adequadamente. E a população deveria receber orientações baseadas em evidências
científicas.
Apesar
de ser tema de muitos estudos e de estar em falta na dieta de muitas pessoas,
as pesquisas sobre os benefícios da creatina à saúde ao longo de toda a nossa
vida ainda estão nos seus estágios iniciais.
Pesquisadores
como Ellery têm esperança de que o crescente interesse acadêmico pela creatina,
em algum momento, se traduza em interesse de saúde pública. Com isso,
passaremos a saber quais grupos populacionais se beneficiariam dos suplementos
de creatina.
<><>
Os riscos da ingestão de creatina
Algumas
pessoas podem se beneficiar da suplementação de creatina, mas ela também pode
trazer efeitos colaterais, como retenção de líquidos, cãibras musculares e
náuseas.
A
creatina também não é indicada para algumas pessoas, como os portadores de
problemas renais ou hepáticos, ou que tomam certas medicações.
A
creatina é geralmente considerada segura e bem tolerada, mas já houve casos
raros de eventos adversos importantes associados ao suplemento, como
insuficiência renal.
Todo o
conteúdo desta reportagem é fornecido apenas como informação geral e não deverá
ser tratado como substituto ao aconselhamento de um médico ou outro
profissional de saúde. A BBC não é responsável por nenhum diagnóstico feito por
um usuário com base no conteúdo deste site. A BBC não é responsável pelo
conteúdo de nenhum site externo da internet relacionado, nem endossa nenhum
produto ou serviço comercial mencionado ou anunciado em nenhum desses sites.
Consulte sempre seu médico sobre qualquer preocupação com a sua saúde.
Fonte:
BBC Future

Nenhum comentário:
Postar um comentário