A
menina mexicana que precisa de tratamento e governo Trump quer expulsar: 'Se a
deportarem, ela morre'
"Em
2023, recebemos um visto humanitário que, até agora, salvou a vida dela."
A
mexicana Deysi Vargas fala sobre sua filha Sofia (nome fictício atribuído à
menor por seus advogados) para uma dezena de jornalistas convidados para uma
entrevista coletiva em Los Angeles, no Estado americano da Califórnia.
A
menina tem quatro anos de idade e também está presente. Ela observa a mãe com o
canto dos olhos, enquanto brinca com um carrinho na mesa ao lado, repleta de
livros infantis.
As
covinhas que se formam no seu rosto quando ela sorri e sua vitalidade escondem
a grave síndrome de que ela padece. E também desviam a atenção da mochila que
ela carrega permanentemente às costas, para mantê-la viva.
A
mochila faz parte do tratamento que ela recebe, graças à autorização que
permitiu que ela e seus pais ingressassem nos Estados Unidos em julho de 2023,
provenientes do México.
Mas, no
mês de abril, a família foi notificada de que o governo Donald Trump revogou
sua autorização de caráter humanitário e os vistos de trabalho correspondentes.
"Nas
cartas que recebemos desde então, eles nos dizem que corremos o risco de sermos
deportados e que o melhor para nós é sair do país", declarou Vargas, na
entrevista coletiva da última quarta-feira (28/5).
A
advogada Gina Amato, do projeto Direitos dos Imigrantes da organização Public
Counsel, informou que eles voltaram a solicitar o visto humanitário. Esta
informação foi confirmada pelo Departamento de Segurança Nacional (DHS, na
sigla em inglês) à BBC News Mundo, serviço em espanhol da BBC.
O DHS
destacou que a petição se encontra em análise e nega que este seja um caso
"ativo" de deportação.
• 'No México, ela não crescia, nem
melhorava'
Sofia
nasceu de parto prematuro em Playa del Carmen, no litoral caribenho do México.
Seus
pais haviam se mudado para lá por motivos de trabalho. A mãe é originária de
Oaxaca, no sul do país, e seu pai é natural da Colômbia.
Vargas
declarou ao jornal Los Angeles Times – um dos primeiros órgãos de imprensa a
noticiar o caso – que a menina sofreu complicações de saúde desde cedo. Ela
precisou ser submetida a seis cirurgias para aliviar seu bloqueio intestinal.
O
diagnóstico foi de síndrome do intestino curto, uma doença grave que leva o
corpo a não absorver os nutrientes necessários.
Quando
Sofia tinha sete meses de idade, um médico recomendou à família que se mudasse
para a Cidade do México. Lá, eles encontrariam o melhor atendimento do país
para a condição da menina.
Na
capital mexicana, ela permaneceu praticamente confinada no hospital. Sofia
sobrevivia, mas seu estado não avançava.
Quando
completou dois anos, "minha filha não crescia, nem melhorava", contou
Vargas durante a entrevista coletiva.
Foi
naquela época que a mãe tomou conhecimento de que, em outros países, pacientes
como sua filha levam uma vida normal. E que uma dessas nações eram os Estados
Unidos.
Vargas
também descobriu que havia uma forma de emigrar legalmente – um programa
impulsionado pelo governo americano, então chefiado pelo presidente Joe Biden.
Para isso, era preciso solicitar uma audiência por meio do aplicativo CBP One e
se apresentar em um determinado cruzamento de fronteira, no dia indicado.
A
reunião foi marcada para 31 de julho de 2023. Naquele dia, a família ingressou
em território americana no ponto de entrada entre Tijuana, no México, e San
Ysidro, na Califórnia. Lá, eles pediram o visto humanitário.
Mais
conhecido como "parole", este visto é concedido de forma ilimitada a
estrangeiros que, mesmo não cumprindo com as exigências para obter um visto,
solicitarem a entrada nos Estados Unidos de forma transitória, por "razões
humanitárias urgentes ou benefício público significativo".
Este
mecanismo migratório não abre as portas para a cidadania, mas permite morar e
trabalhar por dois anos nos Estados Unidos. Ele foi um dos recursos empregados
pelo governo Biden para aliviar a pressão na fronteira mexicana.
O
"parole" permitiu o ingresso legal nos Estados Unidos de cerca de 532
mil pessoas – entre elas, a família Vargas.
Assim
que foi emitido o visto, Sofia foi hospitalizada em um centro de saúde de San
Diego, na Califórnia. O tratamento inicial fez com que ela ficasse conectada 24
horas por dia a um sistema de alimentação.
Quando
Sofia se fortaleceu, seus médicos a encaminharam ao Hospital Infantil de Los
Angeles, que ofereceu o tratamento que, atualmente, ela pode realizar na sua
casa, situada em Bakersfield, a 160 km ao norte da cidade.
Agora,
a menina passa 14 horas por noite conectada a um sistema intravenoso e, quatro
vezes por dia, sua mãe administra por uma hora uma solução com outros
nutrientes, através de uma sonda conectada ao seu estômago.
Sofia
carrega o líquido de aspecto leitoso em uma mochila para onde quer que vá e,
quando chega à sua aula na pré-escola, a enfermeira escolar o administra.
"Com
a ajuda que recebi nos Estados Unidos, minha filha tem a oportunidade de sair
do hospital, conhecer o mundo e viver como uma menina da sua idade",
declarou Vargas aos jornalistas.
Mas a
família receia que esta oportunidade desapareça e, com ela, a saúde de sua
filha. E os médicos indicam que a menina poderá também perder a própria vida.
• A revogação do visto humanitário
Desde
que o republicano Donald Trump tomou posse como presidente americano, com a
promessa de realizar "a maior deportação da história dos Estados
Unidos", as detenções de imigrantes sem documentos se multiplicaram.
As
prisões acontecem até mesmo quando os imigrantes comparecem a audiências na
Justiça, como parte do seu processo de regularização.
Ainda
assim, o governo revogou a proteção humanitária de milhares de pessoas, que
entraram nos Estados Unidos com base em diversos programas do governo Biden.
Paralelamente,
na última sexta-feira (30/5), a Suprema Corte americana deu luz verde para que
o governo revogue o status legal que protegia imigrantes provenientes da
Venezuela, Cuba, Nicarágua e Haiti.
Milhares
de pessoas, como a família Vargas, já receberam avisos do governo federal,
informando que eles já não detêm status legal e devem abandonar o país por seus
próprios meios, para que não sejam perseguidos e deportados.
O
aplicativo usado pela família de Sofia para entrar nos Estados Unidos foi
transformado em CBP Home – um sistema para ajudar os imigrantes a se
"autodeportarem", caso contrário, "o governo federal os
encontrará", segundo o alerta do sistema.
"Vocês
entraram nos Estados Unidos por período limitado [...] e o DHS, agora, está
exercendo sua autoridade para encerrar o seu 'parole'", afirma a
notificação recebida pela família de Sofia, à qual a BBC teve acesso.
"Caso
você não deixe os Estados Unidos imediatamente, ficará sujeito a possíveis
ações de ordem pública, que resultarão na sua deportação dos EUA, a menos que
tenha obtido, de outra forma, uma base legal para permanecer aqui."
"Eventuais
benefícios recebidos nos Estados Unidos, relativos à sua liberdade condicional,
como a autorização para trabalhar, também serão encerrados. Você estará sujeito
a possíveis ações penais, multas civis, sanções e qualquer outra opção legal disponível
para o governo federal", alerta a carta com data de 11 de abril.
Como
alertou a correspondência, pouco depois de receber a notificação de revogação
do visto humanitário, a família Vargas também perdeu sua autorização para
trabalhar nos Estados Unidos.
O
desespero os levou a entrar em contato com o escritório jurídico sem fins
lucrativos Public Counsel e seu projeto Direitos dos Imigrantes. E foi através
deles que eles pediram a prorrogação do seu visto humanitário, considerando as
condições médicas da filha.
"Nosso
objetivo é evitar que Sofia seja deportada e morra", declarou a advogada
Gina Amato à BBC News Mundo.
"Agora
que o governo revogou seu status legal, ela e seus pais correm o risco de serem
detidos pelo Serviço de Imigração e Alfândega dos Estados Unidos (ICE, na sigla
em inglês) a qualquer momento, neste governo."
"Administrar
as necessidades médicas de Sofia é um processo muito complexo e, se ela e sua
mãe forem simplesmente detidas pelo ICE, a saúde de Sofia ficará em
risco."
"Deportar
esta família, nestas condições, não é apenas ilegal, mas constitui um fracasso
moral que viola os princípios básicos da humanidade e da decência",
destacou a advogada na entrevista coletiva da semana passada.
• 'Seria fatal em questão de dias'
O
Hospital Infantil de Los Angeles continua atendendo Sofia regularmente. A
instituição rejeitou o pedido de comentários da BBC News Mundo sobre o caso.
O
jornal Los Angeles Times teve acesso a uma carta solicitada pela família ao
médico que acompanha a menina a cada seis semanas, John Arsenault.
Ele
declarou que "os pacientes que recebem Nutrição Parenteral Total em casa
não têm autorização para sair do país, pois a infraestrutura para fornecer o
alimento ou fazer intervenções imediatas em caso de problemas com o acesso
depende de recursos sanitários existentes nos Estados Unidos e não pode ser
transferida para além das fronteiras."
Ele
destacou que, no caso de Sofia, a interrupção desta alimentação "seria
fatal em questão de dias".
O caso
da menina atraiu as manchetes e a atenção da imprensa. E os dramas migratórios
vêm se acumulando dia após dia.
Na
quinta-feira passada (29/5), 38 congressistas democratas assinaram uma carta
dirigida à secretária de Segurança Nacional, Kristi Noem, pedindo ao governo
americano que reconsidere o status migratório da família Vargas.
"Acreditamos
que a situação desta família se enquadra claramente na necessidade de ajuda
humanitária", defende a missiva. "É nosso dever proteger os enfermos,
vulneráveis e indefesos."
A
Secretaria de Relações Exteriores (SRE) do México também se pronunciou,
destacando que a família de Sofia "não desrespeitou as condições de sua
permanência".
Os
advogados "estão em contato com o consulado geral do México em Los Angeles
e o consulado mexicano em Fresno [também na Califórnia], para interceder ante
os legisladores estaduais e federais, a fim de evitar a deportação",
informou a SRE na quinta-feira (29/5).
Em
declaração encaminhada à BBC, o Departamento de Segurança Nacional dos Estados
Unidos (DHS) afirma que "qualquer relato de que a família se encontra em
[processo de] deportação ativa é falso".
O órgão
informou que "esta família solicitou visto humanitário ao Serviço de
Cidadania e Imigração dos Estados Unidos (USCIS, na sigla em inglês) no dia 14
de maio de 2025 e a petição ainda está em análise".
Enquanto
a solicitação é avaliada, a mãe de Sofia deixa um alerta.
"Se
nos deportarem e retirarem da minha filha o acesso ao seu sistema
especializado, ela morre."
Fonte:
BBC News Mundo

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