A
grande aposta econômica de Trump que Getúlio Vargas tentou implementar sem
sucesso no Brasil
O
presidente americano defende uma política comercial semelhante à de Juan Perón
na Argentina ou de Getúlio Vargas no Brasil, que deixaram lições para a região.
O
presidente americano defende uma política comercial semelhante à de Juan Perón
na Argentina ou de Getúlio Vargas no Brasil, que deixaram lições para a região.
Pergunta
1: qual
presidente nas Américas utilizou um antigo dispositivo legal para taxar
importações e persuadir empresas a instalar fábricas em seu país?
Resposta: Getúlio Vargas, no
Brasil, na década de 1950. E também Donald Trump, nos Estados Unidos, neste ano.
Pergunta
2: qual
presidente nas Américas declarou a "independência econômica" de seu
país em um ato pomposo em que adotou o protecionismo industrial?
Resposta: Juan Domingo Perón,
na Argentina, em 1947. E também Trump neste ano.
Determinado
a proteger a indústria americana com barreiras tarifárias sobre produtos
estrangeiros, Trump se assemelha a líderes latino-americanos que muitos
consideram populistas.
Os
argumentos do republicano e a maneira como ele promete impulsionar a produção
industrial nos Estados Unidos são parecidos com a política de
industrialização por substituição de importações (ISI) adotada por Perón,
Vargas e outros líderes ao sul do Rio Grande, que marca a fronteira dos EUA com
o México.
"A
lógica [de Trump] é muito do século passado, e é por isso que se assemelha
tanto às experiências latino-americanas com o ISI", observa Monica de
Bolle, pesquisadora do Instituto Peterson de Economia Internacional, em
Washington, coautora de um novo livro sobre o assunto.
Mas
tanto ela quanto outros especialistas alertam para as potenciais consequências
negativas de tal medida nos EUA atualmente.
"O
contexto é completamente diferente e, portanto, a lógica desse tipo de política
usada hoje não faz sentido", disse de Bolle à BBC News Mundo (o serviço de
notícias em espanhol da BBC).
"Na
América Latina, o ISI foi um fracasso retumbante: não há como argumentar que
houve resultados mistos."
·
Política abandonada
Acadêmicos
apontam há muito tempo as semelhanças de Trump com líderes latino-americanos em
suas atitudes políticas: desde se apresentar como o salvador de seu país em
oposição à elite, passando pela eliminação da distinção entre líder e partido,
até o desafio aos limites da democracia liberal.
Mas a
comparação de Trump com líderes latino-americanos por razões econômicas é
diferente.
O banco
de investimentos JPMorgan Chase observou em um relatório há algumas semanas que
"o risco para os mercados é que as autoridades políticas dos EUA repitam
os erros de líderes latino-americanos como o ex-presidente argentino Juan
Perón: protecionismo, falta de independência do banco central e um desrespeito
generalizado pela estabilidade macroeconômica".
"Ironicamente,
muitas economias latino-americanas fizeram progressos significativos nessas
áreas, ao mesmo tempo em que os participantes do mercado questionam cada vez
mais a credibilidade econômica dos EUA", acrescentou o relatório do banco.
O
ex-presidente da Costa Rica, Oscar Arias, traçou um paralelo semelhante.
"Na
América Latina, tivemos o modelo de substituição de importações por muito
tempo. Tínhamos um Mercado Comum Centro-Americano com esse modelo. É isso que o
presidente Trump está fazendo: o que abandonamos anos atrás", disse Arias,
ganhador do Prêmio Nobel da Paz, em entrevista à BBC News Mundo em abril.
Então,
em que consiste essa política?
·
Liberação
A
estratégia de substituição de importações, ou ISI, adotada do México à
Argentina, particularmente entre as décadas de 1930 e 1950, buscava reduzir a
dependência do mercado externo e alcançar a autossuficiência econômica após a
Grande Depressão e as Guerras Mundiais.
Diante
dessa turbulência internacional e da migração das áreas rurais para as cidades
latino-americanas, que demandavam empregos urbanos, os governos da região
buscaram que as indústrias nacionais produzissem bens de países desenvolvidos.
Com o
apoio teórico da Comissão Econômica para a América Latina (CEPAL), foram
criadas barreiras tarifárias sobre certas importações que pretendiam substituir
por produtos locais, além de recorrer a outros instrumentos, como subsídios ou
cotas de importação.
O
desejo de proteger a indústria local com tarifas é a principal coincidência do
ISI com a agenda de Trump, que agora está abalando o comércio global.
"Esta
é a nossa declaração de independência econômica", disse Trump em 2 de
abril, quando anunciou, na Casa Branca, um muro tarifário sobre remessas de
mercadorias de grande parte do mundo para os EUA.
O
conceito de "independência econômica" foi incluído em um documento
que Perón assinou em cerimônia solene como presidente argentino em 9 de
julho de 1947, quando aumentou as tarifas para industrializar seu país durante
seu primeiro mandato.
"A
Nação alcança sua liberdade econômica", dizia o texto de Perón. E ele
enfatizou: "livre do capitalismo estrangeiro e das hegemonias econômicas
globais".
"Líderes
estrangeiros roubaram nossos empregos, bandidos estrangeiros saquearam nossas
fábricas", disse Trump em abril, referindo-se ao déficit comercial dos
EUA. Ele prometeu: "Teremos uma nação muito livre e bela; será o Dia da
Libertação."
Para
impor suas tarifas de importação, Trump lançou mão da Lei de Poderes Econômicos
de Emergência Internacional, de 1977. Esta lei é objeto de uma batalha
judicial.
Na
semana passada, um tribunal federal declarou ilegal o uso da norma com este
fim, mas uma corte de apelações aceitou o seu emprego, pelo menos
temporariamente.
Muito
antes disso, quando voltou à presidência do Brasil em 1951, Getúlio Vargas
também recorreu a um instrumento legal de anos antes para impor suas tarifas de
importação.
A
"lei do similar" permitia que produtores locais se registrassem,
solicitando a proteção do governo contra concorrentes diretos do exterior.
Da
mesma forma que Trump nos dias de hoje, Vargas procurava pressionar as empresas
estrangeiras para instalarem indústrias no país, sob pena de perderem o acesso
ao amplo mercado doméstico brasileiro.
·
'Modelo fracassado'
É claro
que também existem algumas diferenças.
Perón e
Vargas promoveram empresas estatais em amplos setores da economia, do petróleo
à eletricidade, enquanto Trump defende a redução do Estado e, ao mesmo tempo,
sua intervenção na economia.
Os EUA
são agora uma nação desenvolvida, enquanto os países latino-americanos que
adotaram políticas de substituição de importações aspiravam alcançar o
desenvolvimento por meio da industrialização.
Em toda
a região, essas estratégias permitiram que fábricas prosperassem com relativa
rapidez, e países como Argentina, Brasil e México se tornaram
semi-industrializados antes da década de 1970.
No
entanto, a estratégia encontrou vários obstáculos: desde frequentes problemas
de balanço de pagamentos, porque as indústrias locais necessitavam de peças e
máquinas importadas, até ineficiência produtiva, formação de monopólios e
oligopólios e também corrupção.
Algumas
medidas adotadas para corrigir essas dificuldades, por sua vez, levaram à
inflação, desvalorizações da moeda e desequilíbrios fiscais.
Outro
problema apontado por especialistas é que, diferentemente dos países asiáticos,
que também implementaram políticas de substituição de importações e passaram a
competir globalmente, na América Latina a estratégia foi desenvolvida
internamente e fez com que a região perdesse capacidade exportadora.
De
Bolle destaca que o México, ao abandonar o ISI para firmar seu acordo de livre
comércio com os EUA e o Canadá na década de 1990, conseguiu se industrializar
ainda mais e se tornar menos dependente da exportação de matérias-primas.
"Brasil
e Argentina nunca escaparam (do ISI) até hoje e têm indústrias nada
competitivas", ressalta.
"A
razão é que, com o tempo, essas políticas geram uma espécie de dependência do
setor privado em relação ao governo, um fenômeno tóxico que resulta em baixo
crescimento e, frequentemente, crises fiscais."
Um
paradoxo é que o atual presidente da Argentina, Javier Milei, é um aliado de
Trump, mas criticou "o modelo fracassado de substituição de
importações" aplicado em seu país.
Trump,
no entanto, mantém sua postura protecionista, apesar de ter modificado
parcialmente sua política comercial quando os mercados reagiram negativamente.
Por
exemplo, ele reduziu as tarifas sobre produtos chineses de 145% para 30% após
um acordo bilateral, em meio a alertas sobre riscos inflacionários.
Mas, na
terça-feira (03/06), dobrou as tarifas sobre aço e alumínio estrangeiros (de
25% para 50%), argumentando que isso "fortaleceria ainda mais a segurança
da indústria siderúrgica".
No
entanto, novos sinais adversos estão surgindo em relação a essas políticas.
A
Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) projetou na
terça-feira que o crescimento do PIB dos EUA será de 1,6% este ano, inferior
aos 2,8% em 2024, se a tarifa efetiva sobre importações que Trump manteve até
meados de maio continuar.
E
observou que essa tarifa é a mais alta para os EUA desde 1938: em média,
aumentou de cerca de 2,5% no ano passado para mais de 15%.
O
alerta de vários economistas é que tais medidas, sem um plano claro, podem
incentivar a produção local, mas aumentar o preço das importações e bens
intermediários do exterior, o que eleva a inflação e prejudica os setores e
trabalhadores que o presidente alega proteger, como demonstra a história da
América Latina.
"A
lição é que políticas dessa natureza, adotadas por períodos prolongados ou
executadas de qualquer forma, têm resultados desastrosos", diz De Bolle,
"e não será diferente aqui nos EUA".
¨
“Quem quer cortar gasto tem que mostrar onde: vamos
debater os R$ 700 bilhões em subsídios”, diz Guido Mantega
Em entrevista
ao programa Boa Noite 247, o economista e ex-ministro da Fazenda
Guido Mantega afirmou que a resistência do Congresso ao aumento do Imposto
sobre Operações Financeiras (IOF) expõe uma contradição entre o discurso de
responsabilidade fiscal e a prática de blindar setores beneficiados por
subsídios bilionários. Segundo ele, diante da meta fiscal de 2025, o governo
precisará de R$ 21 bilhões adicionais, além dos R$ 30 bilhões já congelados,
para fechar o orçamento.
“O
orçamento está apertado”, disse Mantega. “O governo tem uma trava fiscal
colocada pelo arcabouço, que foi o que deu para fazer, mas que é
contracionista.” Por isso, argumentou, é necessário adotar medidas que permitam
o cumprimento da meta, afastando o discurso de que o governo é “gastador”. “As
contas não estão desequilibradas e vão entregar, mas para isso tem que ter
algum sacrifício.”
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O
ex-ministro considerou que a proposta do IOF, embora imperfeita, foi “dos
males, o menor”. A medida incide sobre o crédito e operações financeiras, como
o chamado risco sacado — antecipações de recebíveis por empresas — e sobre
movimentações internacionais. “Ela tem um impacto sobre as empresas e elas
reclamaram”, reconheceu. “Mas não era uma proposta ruim dentro do quadro que
temos.”
Segundo
Mantega, a reação negativa partiu tanto do setor produtivo quanto do Congresso.
“O Congresso está dizendo: nós não permitiremos o aumento de impostos. Então
tem que cortar na carne, tem que cortar na despesa. Só que o Congresso é o
primeiro a aumentar a despesa, a diminuir a disponibilidade orçamentária”,
criticou.
Diante
disso, propôs que o governo use a crise como oportunidade para abrir um debate
amplo e transparente sobre os subsídios. “Tem um conjunto de subsídios de quase
R$ 600, R$ 700 bilhões por ano”, listou, citando exemplos como o Simples
Nacional, a Zona Franca de Manaus e os incentivos ao agronegócio. “Quero ver se
o Congresso aprova cortar subsídio pro setor agrícola. Vamos cortar a Zona
Franca de Manaus? Quero ver se eles topam.”
Mantega
enfatizou que o IOF tem a vantagem de ser de aplicação imediata e de
competência exclusiva do Poder Executivo. “O governo não precisa de autorização
do Congresso para aumentar o IOF. É prerrogativa do Ministério da Fazenda. Já
fizemos isso no passado.” Ele também ressaltou que a elevação do imposto pode
atuar como instrumento complementar à política monetária, evitando altas
adicionais na taxa de juros.
O
economista sugeriu outras alternativas para ampliar a arrecadação, embora
reconheça que não são de execução imediata. Entre elas, a tributação de apostas
esportivas — as chamadas “bets” — e o aumento da arrecadação com petróleo. “A
União é dona do subsolo, ou seja, o petróleo pertence à nação. Pode aumentar a
participação especial nas áreas mais rentáveis, o que já foi feito no passado”,
afirmou.
Para
Mantega, o recuo do governo em pontos da proposta original se deu por falta de
articulação política e diálogo prévio, o que abriu espaço para reações
desproporcionais. “Talvez ela devesse ter sido detalhada com antecedência,
discutida com o presidente da Câmara, do Senado, com o Banco Central”, avaliou.
Ele também apontou que parte da crítica foi amplificada por motivações
políticas. “O que a oposição quer, o que a Faria Lima quer, é que se façam
cortes em saúde, educação e no salário mínimo. O governo não deve ceder.”
Ao fim,
o ex-ministro defendeu que o governo use a prerrogativa legal para manter parte
do IOF, ajuste pontos críticos — como a taxação do risco sacado e a tributação
de aplicações no exterior — e convoque o Congresso a participar ativamente da
revisão de gastos. “Vamos fazer algo a céu aberto. Todos vão ter que fazer seu
sacrifício. Senão, não dá.”
Fonte:
BBC News Brasil/Brasil 247

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