A
aposta arriscada de Trump que pode dar certo
O
presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, assumiu um grande
risco ao inserir os EUA no tenso conflito entre Israel e Irã. Mas esse risco poder ter valido a
pena — pelo menos por enquanto.
Trump
anunciou na noite de segunda-feira (23/6) que os dois países concordaram com um
cessar-fogo que, segundo ele, poderia levar a uma paz duradoura.
Se o
presidente americano de fato encerrou o que ele chamou de "Guerra dos 12
Dias", isso representaria um passo significativo para evitar um conflito
que parecia prestes a engolir a região — e os próprios EUA, depois dos
seus ataques aéreos a instalações
nucleares iranianas.
"Desde
que o regime israelense interrompa sua agressão ilegal contra o povo iraniano
até as 4 da manhã, horário de Teerã, não temos intenção de continuar nossa
resposta depois disso", disse o ministro das Relações Exteriores iraniano,
Abbas Araghchi, em um comunicado.
Mais
tarde, o governo israelense disse que concordou com a proposta após
"atingir os objetivos" de seus ataques ao Irã.
As duas
partes pareciam estar prestes a diminuir a pressão quando o prazo final das 4h
(21h30 de segunda-feira no horário de Brasília) chegou em Teerã, e os ataques
israelenses teriam cessado.
Mas a fragilidade do acordo ficou
evidente apenas duas horas depois, quando o ministro da Defesa de Israel
acusou o Irã de violar o cessar-fogo e prometeu responder com firmeza. O Irã,
por sua vez, negou qualquer violação.
O
governo Trump sem dúvida espera que isso seja passageiro, devido às tensões
óbvias, e que o cessar-fogo seja respeitado por ambos os lados.
Isso
acontece após um dia tumultuado na região, quando o Irã cumpriu sua promessa de
retaliar o ataque americano de sábado.
De
acordo com os primeiros relatos, todos os mísseis iranianos direcionados à
enorme base americana no Catar foram interceptados e não houve vítimas ou danos
aos americanos.
Durante
seu discurso à nação na noite de sábado, o presidente Trump havia alertado que
haveria uma resposta americana esmagadora a quaisquer ataques iranianos contra
interesses americanos. Ele prometeu que havia mais alvos que poderiam ser
atingidos pelas forças americanas, se necessário.
Por
mais de 24 horas, o mundo esperou para ver o que o Irã faria. Assim que o Irã agiu, a atenção se voltou
para o presidente dos EUA e, depois de algumas horas, ele falou pela primeira
vez.
"O Irã respondeu oficialmente à nossa
destruição de suas instalações nucleares de forma muito fraca, o que esperávamos,
e combatemos de forma muito eficaz", postou Trump em sua rede social.
Ele
disse, ainda, que "talvez o Irã possa agora prosseguir rumo à paz e à
harmonia na região".
Embora
os danos aos EUA tenham sido aparentemente limitados, Trump parecia inclinado a
não contra-atacar na esperança de que os iranianos estivessem dispostos a
negociar seriamente.
E, nos
bastidores, a Casa Branca afirma que ele estava conversando com mediadores do
Catar e com o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, para acertar os
detalhes do cessar-fogo.
O
ataque de Trump ao Irã no fim de semana foi uma manobra de alto risco, mas um
cenário em que os resultados já estão aparecendo.
Uma
dinâmica semelhante ocorreu em janeiro de 2020, quando Trump ordenou o
assassinato seletivo do líder da Guarda Revolucionária Iraniana, Qasem
Soleimani, em Bagdá.
O Irã
lançou mísseis contra bases militares no Iraque, ferindo mais de 100 soldados
americanos, mas os EUA optaram por não intensificar a ofensiva. A calma acabou
prevalecendo.
De
acordo com a imprensa dos EUA, em seu último ataque na segunda-feira, o Irã
disparou um número de mísseis contra bases americanas igual ao número total de
bombas lançadas por aviões de guerra dos EUA durante o ataque do fim de semana.
Isso,
juntamente com o aviso prévio que o Irã deu ao governo do Catar antes do
lançamento, pelo qual Trump disse estar grato, sugere que os iranianos estão
buscando proporcionalidade — e não escalada.
Durante
a maior parte do dia, Trump estava mais focado no preço do petróleo, na
cobertura da mídia americana e na sugestão do ex-presidente russo Dimitry
Medvedev de que uma nação estrangeira fornecesse armas nucleares ao Irã.
Autoridades
dos EUA declararam que Trump, o atual presidente, cumpre suas ameaças, ao
contrário de alguns de seus antecessores.
Se o
Irã lançasse outra rodada de ataques — e houvesse mortes ou danos
significativos de americanos — a pressão para que Trump respondesse aumentaria.
No
momento, porém, ele parece estar de olho em como evitar mais combates, e ambos
os países parecem dispostos a considerar isso.
¨
Por que Trump decidiu deter ofensiva contra o Irã após
ataques de Teerã a base americana
A
guerra entre Israel e Irã ganhou nova dimensão com a entrada dos Estados
Unidos, aumentando os temores de que o conflito poderia escalar ainda mais e
envolver mais países.
Na
noite de segunda-feira (23/6), porém, o presidente Donald Trump anunciou um
cessar-fogo "completo e total" entre Israel e o Irã.
Trump
afirmou nas redes sociais que o cessar-fogo começará "em aproximadamente
seis horas", após cada país ter "encerrado" suas operações
militares — em um conflito que o presidente chamou de "a guerra dos 12
dias".
Segundo
o republicano, "na 24ª hora" o conflito terminará oficialmente.
Israel
e Irã confirmaram que aceitam o cessar-fogo.
O
anúncio veio no mesmo dia em que Teerã lançou mísseis contra bases
americanas no Catar,
sem causar mortes, em resposta aos ataques desferidos por Washington.
No
domingo (22/6), o governo de Donald Trump bombardeou Fordo, instalação nuclear
mais segura do Irã, contrariando
falas anteriores do presidente sobre evitar a atuação americana em conflitos
externos.
O
objetivo era destruir a capacidade iraniana de construir armas nucleares,
embora o país de maioria persa afirme que seu programa nuclear tem apenas o
objetivo de gerar energia para fins pacíficos.
O
ataque americano foi condenado por duas potências nucleares aliadas do Irã,
China e Rússia, mas não havia perspectiva, no momento, de um apoio militar das
duas nações a Teerã.
Algumas
horas após a retaliação de Teerã, Trump classificou a ação iraniana como
"muito fraca" e agradeceu o "aviso antecipado", indicando
que o ataque teria sido previamente anunciado, para evitar mortes, algo que o
Irã fez em 2020, quando atacou bases dos EUA no Iraque em reação ao assassinato
do líder da Força Quds, Qassim Suleimani.
Usando
a rede Truth Social, Trump afirmou que "quase nenhum dano foi
causado". De 14 mísseis disparados pelo Irã, 13 foram
"derrubados" e outro seguiu em uma "direção não
ameaçadora", disse ainda.
"Talvez
o Irã possa agora prosseguir rumo à paz e harmonia na região, e eu encorajarei
Israel entusiasticamente a fazer o mesmo", escreveu Trump, horas antes do
anúncio de cessar-fogo.
Na
análise do correspondente da BBC, Frank Gardner, o Irã fez um ataque
"calculado" e "coreografado" como o de 2020,
justamente para evitar uma escalada.
Em
entrevista à BBC News Brasil, também antes do anúncio da possível pausa do
conflito, o embaixador Celso Amorim manifestou
preocupação com uma possível nova ação dos EUA no Irã com
objetivo de derrubar o regime dos aiatolás que governa o país desde 1979.
Para o
assessor especial para Assuntos Internacionais do presidente Luiz Inácio Lula
da Silva (PT), uma escalada da crise na região seria uma "grande
ameaça" para todo o mundo.
"Tentar
mudar o regime no Irã vai ser um caos pior do que o que ocorreu no Iraque e na
Líbia", diz Amorim.
Horas
antes da retaliação iraniana, Israel lançou uma série de novos ataques contra o
Irã, mirado Fordo e outros locais importantes para o regime, como uma prisão de
opositores políticos.
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'Ala do trumpismo quer EUA isolados'
Especialistas
em política externa ouvidos pela BBC News Brasil nesta segunda-feira (23/6) já
esperavam pela contenção dos Estados Unidos, após uma retaliação considerada
"simbólica" pelo Irã, sem grandes danos às bases americanas.
O
diplomata aposentado Roberto Abdenur, que foi embaixador do Brasil em
Washington e Pequim, não acredita em uma resposta militar do Catar aos ataques
às bases americanas em seu território.
Abedenur
lembra que jogam a favor da contenção importantes lideranças da direita radical
americana, que defendem que o país deve se manter afastado de conflitos com
outros países, o que também pode ter contido Trump.
Steve
Bannon, por exemplo, apoiou o ataque às instalações nucleares iranianas, mas
criticou a possibilidade de os Estados Unidos ampliarem sua atuação para tentar
derrubar o regime dos aiatolás que governa o país desde 1979.
"Steve
Bannon, que é o ideólogo e um grande porta-voz da extrema-extrema direita
americana, é ferozmente contra a intervenção no Irã, porque essa ala do
trumpismo quer os Estados Unidos isolados, sem se envolver em conflitos
externos", ressalta.
"Trump
age por impulsos e cometeu o erro estratégico de entrar numa guerra que não era
dos Estados Unidos", disse ainda.
Além da
pressão interna no trumpismo, há ainda a pressão da oposição democrata e até
dentro do Partido Republicano, de Trump.
Desde
que o presidente dos Estados Unidos ordenou os ataques ao Irã no fim de semana,
tanto democratas quanto parlamentares de seu próprio partido passaram a
questionar sua autoridade legal para tomar essa decisão sem aval do Congresso.
Na
noite desta segunda, Trump enviou uma carta ao Parlamento dizendo que o ataque
ao Irã foi "limitado em escopo e propósito", destinado a destruir o
programa nuclear iraniano e proteger Israel.
Embora
a lei americana diga que declarar guerra é uma atribuição do Congresso, essa
autorização não acontece oficialmente desde a Segunda Guerra Mundial. Ou seja,
vários presidentes antes de Trump enviaram tropas americanas a diversos
conflitos estrangeiros sem essa etapa.
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Novo ataque dos EUA poderia levar à 'guerra eterna'
O
cientista político Hussein Kalout, que é conselheiro do Centro Brasileiro de
Relações Internacionais (Cebri), doutor em política internacional pela
Universidade de Lancaster e foi secretário especial de Assuntos Estratégicos no
governo Michel Temer (2016-2019), também apostava da diminuição da tensão.
Na sua
avaliação, caso a Casa Branca optasse por outro caminho e ampliasse os ataques
a Teerã para tentar derrubar o regime, a gestão Trump assumiria riscos
elevados.
Nesse
caso, o país abriria uma frente de batalha que pode acabar se transformando no
que chamam de "guerra eterna". Ou seja, um conflito que se arrasta
por anos ou até décadas, com alto custo para os envolvidos e consequências
imprevisíveis. Algo comparável com o que ocorreu no envolvimento dos Estados
Unidos no Afeganistão e no Iraque.
"Se
os Estados Unidos decidirem atacar para derrubar o regime, a tendência é os
iranianos irem para uma guerra aberta de sobrevivência. Aí a coisa vai se
alastrar, vai ter que mobilizar tropa, tem que passar primeiro no Iraque para
chegar no Irã", disso, horas antes do anúncio de cessar-fogo.
Nesse
cenário hipotético, Kalout acredita que Rússia e China dariam algum tipo de
apoio ao Irã. Ele lembra que o país persa foi incluído recentemente no grupo
Brics, com apoio das duas potências.
O Brics
é um bloco inicialmente fundado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do
Sul no final da primeira década dos anos 2000. Nos últimos anos, o bloco passou
por uma expansão com a entrada do Irã, mas também de Egito, Arábia Saudita,
Indonésia, Etiópia e Emirados Árabes Unidos.
Na
esfera econômica, o Irã é importante fornecedor de petróleo para a China.
"Não
estou dizendo que [a China] faria um apoio abertamente, mas pode fazer
clandestinamente. O Irã é um aliado estratégico da China. A China quer perder o
Irã? O Irã também é aliado estratégico da Rússia".
"Existem
várias formas de apoiar. Posições satelitais, por exemplo, para dar indicação
de pontos onde alvejar. O Irã não tem satélites. Podem transferir determinado
tipo de bomba", exemplificou.
Para
Roberto Abdenur, na atual situação o apoio de Rússia e China ao Irã deve se
manter no campo diplomático, sem efeitos práticos.
"Podem
convocar uma reunião do Conselho de Segurança, discutir o assunto, esculhambar
os Estados Unidos. Os Estados Unidos vetam [qualquer proposta de resolução
contra o país], possivelmente a Inglaterra e a França também vetariam, e nada
de concreto [aconteceria]. O Conselho de Segurança deixou de funcionar há muito
tempo", afirma.
Após o
ataque americano, o ministro de Relações Exteriores do
Irã viajou para Moscou para buscar o apoio do presidente russo Vladimir
Putin.
No
encontro, Putin classificou o ataque dos Estados Unidos de uma "agressão
absolutamente não provocada contra o Irã, que não tem fundamento nem
justificativa".
Dias
antes, o presidente russo havia dito que teme uma terceira guerra mundial:
"É preocupante. Falo sem qualquer ironia, sem piadas. Claro que existe
muito potencial de conflitos, sob o nosso nariz, que nos afetam
diretamente".
A
Rússia, porém, está envolvida em sua própria guerra com a Ucrânia, o que
limitaria as condições russas de atuar em outros conflitos, na visão do
embaixador Abdenur.
Apesar
de sua expectativa de que o conflito entre Israel e Irã não escale mais, ele
enfatiza a imprevisibilidade imposta por líderes globais.
"O
mundo está hoje nas mãos de três personagens capazes de qualquer coisa: Trump,
Putin e Netanyahu [primeiro-ministro de Israel]", disse Abdenur.
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'Arma econômica' do Irã seria catastrófica
Caso o
conflite se agrave, outra possível reação do Irã teria grandes impactos
econômicos para o mundo inteiro ao fazer aumentar o preço da gasolina.
Autoridades
iranianas discutem fechar o Estreito de Ormuz, uma passagem estratégica do
Oriente Médio por onde transita um quinto do petróleo comercializado no mundo.
Daria
para fazer isso plantando minas marinhas e criando obstáculos para navios
militares ou mercantes que passem por lá.
Seria
uma aposta arriscada, porque atrapalharia vizinhos árabes que também exportam
petróleo pelo estreito e até parceiros comerciais do Irã, como a China.
"Eu
acho que isso é fora de questão. Fechar o Estreito de Ormuz é provocar uma
catástrofe econômica global. O Irã estaria antagonizando o resto do mundo. Não
vai fazer", acredita Abdenur.
A
expectativa agora é de que os tomadores de decisão linha-dura do Irã concentrem
suas atenções em como restaurar a dissuasão — a capacidade do país de inibir
novos ataques —, enquanto tentam evitar eles mesmos serem alvos de novos
bombardeios.
"É
provável que o Irã minimize os danos às suas instalações, e insista que seu
programa nuclear sobreviveu a esses ataques sem precedentes", argumenta
Ellie Geranmayeh, vice-chefe do programa para o Oriente Médio e Norte da África
do Conselho Europeu de Relações Exteriores.
"Essa
é a grande ironia", disse Geranmayeh a Lyse Doucet, correspondente
internacional chefe da BBC News. "Embora Trump tenha buscado eliminar a
ameaça nuclear do Irã, ele agora tornou muito mais provável que o Irã se torne
um Estado nuclear."
Fonte:
BBC News Mundo

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