quarta-feira, 28 de agosto de 2024

A ultradireita na América Latina: particularidades locais e conexões globais

Até há pouco tempo, o tema da ultradireita era contemplado a partir da América Latina como um fenômeno distante, como algo que acontecia na Europa e obedecia aos conflitos políticos que lá ocorriam. De fato, a questão migratória é talvez uma das razões centrais por trás do sucesso eleitoral da ultradireita na Europa, e como grandes fluxos de migrantes não afetam de maneira pronunciada os países da América Latina, poderia se pensar que aqui estaríamos a salvo da expansão eleitoral de forças de ultradireita. No entanto, essa interpretação está errada por pelo menos três razões. Em primeiro lugar, a bibliografia acadêmica estabeleceu que não existe um vínculo direto entre a quantidade de imigrantes que chegam a um país e o ascenso da ultradireita. Por exemplo, a maior parte dos países da Europa Oriental não recebe um grande número de migrantes, mas sim observaram um aumento notável no voto a favor de partidos de ultradireita. De fato, estudos revelam que, mais do que o aumento real de imigrantes, é o medo da chegada deles o que propicia o sucesso eleitoral de partidos políticos com uma agenda contra a migração. Isso demonstra que uma das principais causas do apoio à ultradireita são as percepções dos eleitores, muitas das quais tendem a descansar em ameaças subjetivas antes do que objetivas.

Em segundo lugar, embora seja verdade que o próprio da ultradireita europeia é defender posturas xenófobas (sobretudo, contra a população muçulmana), é redutivo pensar que esse seja seu traço definidor. Mais ainda, se alguém analisa as ideias desenvolvidas pela ultradireita fora da Europa, é evidente que a xenofobia deixa de ser um critério primordial e que, em vez disso, outras ideias ganham maior relevância. Consequentemente, é preciso desenvolver um conceito de ultradireita suficientemente amplo para agrupar diversos atores que compartilham uma determinada idiossincrasia, mas que apresentam diferenças ideológicas em escala regional e nacional.

Em terceiro lugar, hoje não há dúvidas de que a ultradireita chegou às Américas. O primeiro caso emblemático foi a irrupção de Donald Trump nos Estados Unidos em 2016 e o seguinte exemplo paradigmático foi o triunfo eleitoral de Jair Bolsonaro no Brasil em 2018. Embora seja verdade que nenhum desses líderes conseguiu ser reeleito, ambos obtiveram uma grande quantidade de votos apesar de terem feito uma gestão ruim da pandemia de covid-19 e de terem terminado seus respectivos governos com um balanço econômico bastante regular. Além disso, forças de ultradireita começaram a ganhar terreno em diferentes países do continente, sendo representativos os casos de Nayib Bukele (Nuevas Ideas, em El Salvador); José Antonio Kast (Partido Republicano, no Chile); Rafael López Aliaga (Renovação Popular, no Peru); Guido Manini Ríos (Cabildo Abierto, no Uruguai); e, com mais força ainda, Javier Milei (La Libertad Avanza, na Argentina).

Como podemos entender essa rápida ascensão da ultradireita na região? Quais impactos pode ter sobre a democracia? Este artigo aspira a responder essas perguntas e para isso se divide em três partes. Primeiro, é oferecida uma revisão conceitual das noções de ultradireita e de direita convencional no contexto europeu.

<><> Ultradireita versus direita convencional

Nas sociedades modernas, o conflito político existente costuma ser subsumido na dicotomia entre direita e esquerda. Como é de amplo conhecimento, a origem dessa distinção analítica remonta à Revolução Francesa, já que, uma vez que o rei é decapitado e se forma uma Assembleia Nacional, aqueles que estão a favor do Antigo Regime sentam-se à direita e aqueles que defendem a instauração de uma nova ordem sentam-se à esquerda. Esse posicionamento espacial acabou dando vida a duas posturas que desenvolvem marcos ideológicos opostos. Em termos mais abstratos e seguindo Norberto Bobbio, o próprio da direita é pensar que a maioria das desigualdades são naturais e, portanto, o Estado deve fazer pouco ou nada para erradicá-las. Por outro lado, a esquerda afirma que a maioria das desigualdades são construídas socialmente e, portanto, o Estado deve assumir um papel ativo para enfrentá-las.

A definição proposta é bastante comum no estudo da política comparada, mas algo que às vezes é ignorado é que quando Bobbio e seus seguidores raciocinam sobre se as desigualdades devem ser contempladas como naturais (ou não), é necessário considerar tanto a dimensão socioeconômica quanto a sociocultural. Enquanto a primeira dimensão está relacionada com o clássico debate em torno de grupos econômicos privilegiados e despossuídos, a segunda obedece à discussão sobre a integração ou exclusão de grupos com base em critérios culturais (gênero, nação, etc.). É importante ter em mente ambas as dimensões, principalmente porque – como veremos mais adiante – o debate sobre as ultradireitas não se vincula tanto com as políticas econômicas defendidas, mas sim e, fundamentalmente, com as políticas culturais promovidas. Dado que na Europa as forças de ultradireita têm consolidado sua representação parlamentar desde a década de 1980, nessa região pode-se observar um extenso debate conceitual sobre o fenômeno.

O ponto de partida das definições reside na necessidade de distinguir entre dois blocos dentro do campo político da direita, a saber, a direita convencional e a ultradireita. Os critérios para fazer essa distinção são fundamentalmente dois: atributos espaciais (adoção de posições moderadas ou radicais) e atributos relacionados à relação mantida com a democracia (aceitação ou rejeição). Levando em consideração esses dois critérios, é relativamente simples distinguir os dois campos da direita. Por um lado, a direita convencional se caracteriza por defender ideias de direita de maneira relativamente moderada e, ao mesmo tempo, por respeitar as regras do jogo inerentes ao sistema democrático liberal. Trata-se de atores que adotam posições conservadoras em termos morais (por exemplo, contra o aborto ou o casamento homossexual) ou que favorecem o livre mercado (por exemplo, redução do peso do Estado de Bem-Estar), mas sempre o fazem dentro do quadro da democracia liberal e, portanto, estão dispostos a aceitar a existência de instituições tanto no nível nacional quanto supranacional que eventualmente colocam limites ao seu próprio poder. Por sua vez, a ultradireita se destaca por adotar posturas de direita com bastante radicalidade e, ao mesmo tempo, por manter um vínculo problemático com a democracia, em particular, com seu componente liberal (por exemplo, a autonomia dos tribunais de justiça, a legalidade na atuação da administração pública e a proliferação de organismos supranacionais que restringem o poder da soberania popular). De fato, não é casual que as forças de ultradireita comumente utilizem uma retórica populista para argumentar que há uma “elite corrupta” composta por círculos progressistas que controlam uma série de organizações – aparato judicial, meios de comunicação, instituições internacionais, etc. – e que, por isso, propõem a necessidade de realizar reformas para diminuir o poder dessas organizações ou substituir aqueles que as controlam para colocar pessoas realmente virtuosas, ou seja, aquelas que professam ideias de ultradireita.

A expansão da ultradireita na Europa remonta à década de 1980, quando um grupo de intelectuais vinculados à assim chamada Nova Direita, na França, se inspira no trabalho de Antonio Gramsci e propõe que é necessário levantar uma nova hegemonia cultural centrada na noção de etnopluralismo. Esse termo é utilizado para argumentar que cada etnia é particular e tem seu valor próprio, de modo que as desigualdades entre diferentes etnias são naturais e que o Estado não deve intervir para erradicar tais desigualdades. O singular desse debate é que planta as sementes para que comece a ganhar muito mais relevância a dimensão sociocultural em relação à dimensão socioeconômica, que historicamente havia constituído o eixo articulador do clássico debate entre direita versus esquerda. Por isso, a ultradireita se apresenta como um projeto que ataca não apenas a esquerda, mas também a direita convencional, à qual muitas vezes busca dominar. Existe bastante consenso no campo acadêmico de que o próprio da ultradireita europeia consiste em elaborar uma proposta programática que atenta contra a expansão dos valores progressistas que vêm ganhando terreno ao longo do tempo e que, em certo sentido, também foram adotados pela direita convencional. Particularmente notável é a forma como a ultradireita europeia articula ideias opostas ao multiculturalismo e próximas à xenofobia, sobretudo, contra a população muçulmana. Por sua vez, é importante que as posições econômicas adotadas pela ultradireita europeia têm variado e, em alguns casos, se modulam em torno da ideia do “chauvinismo de bem-estar”, um conceito utilizado para defender, ao menos no discurso, a existência de um Estado de Bem-Estar robusto, mas apenas para a população nativa, ou seja, não para os imigrantes, pois estes atentam contra a suposta homogeneidade da nação.

Embora este não seja o lugar para oferecer uma análise conceitual detalhada sobre ultradireita e direita convencional na Europa, é importante apontar que dentro de cada um desses campos existem diferentes famílias de partidos políticos. Por um lado, no campo da direita convencional, podem ser identificados os partidos democrata-cristãos, conservadores e liberais, cruciais para a consolidação da democracia liberal na Europa Ocidental, pois se trata de partidos políticos que conseguem articular e canalizar ideias de direita no âmbito democrático. Por outro lado, no campo da ultradireita, costuma-se diferenciar entre a direita populista radical e a extrema direita: a primeira tem crescido eleitoralmente graças à crítica ao establishment e à defesa, ao menos nominal – embora com tensões –, do sistema democrático (por exemplo, partidos como Vox na Espanha ou Reagrupamento Nacional na França), enquanto a segunda conta com um peso eleitoral muito reduzido devido ao seu ataque frontal contra a democracia e seu claro aspecto autoritário (por exemplo, Amanhecer Dourado na Grécia ou o Partido Nacional Democrata da Alemanha).

<><> Ultradireita na América Latina

Até pouco tempo atrás, o debate sobre a ultradireita era observado da América Latina como um fenômeno distante e localizado na Europa. No entanto, os triunfos eleitorais de figuras como Recep Tayyip Erdoğan na Turquia, Narendra Modi na Índia e Donald Trump nos EUA evidenciam que a ultradireita deve ser considerada uma corrente global. Sobretudo após a ascensão de Bolsonaro à Presidência do Brasil em 2018, o debate sobre a ultradireita também começou a ganhar preponderância na América Latina. Agora, é importante refletir sobre como utilizar no contexto latino-americano os conceitos de ultradireita e direita convencional anteriormente explicados. A década de 2000 foi, em certo sentido, a “era de ouro” da esquerda na América Latina e é por isso que uma grande quantidade de estudos surgiu para compreender não apenas as causas e consequências dessa virada à esquerda, mas também para distinguir entre diferentes tipos de esquerdas dentro da região. Justamente devido a essa hegemonia da esquerda, o estudo da direita foi deixado de lado por grande parte da academia. Em certo sentido, os elevados níveis de desigualdade socioeconômica imperantes na região permitiam imaginar que, em cenários de competição democrática, a esquerda teria uma vantagem comparativa sobre a direita, já que pode conectar com demandas transversais da sociedade em relação à necessidade de fortalecer o Estado para enfrentar tais desigualdades. Em outras palavras, é difícil pensar que a direita possa ganhar eleições se mantiver uma oferta programática centrada na ideia de que a mão invisível do livre mercado pode por si só solucionar os problemas de pobreza e desigualdade característicos da região.

Essa argumentação continua válida até hoje, mas não se deve esquecer que, ao falar da disputa direita versus esquerda, as desigualdades que se pretende politizar podem ser de ordem tanto socioeconômica quanto sociocultural. Sob essa perspectiva, a direita pode tentar se diferenciar da esquerda por meio do desenvolvimento de temas socioculturais que ajudam a ativar demandas latentes da cidadania em torno de questões como aborto, casamento igualitário ou povos indígenas. De fato, o que caracteriza as “novas direitas” que vêm surgindo recentemente na América Latina é que se distinguem tanto da esquerda quanto da direita convencional por seu ataque deliberado à correção política e à crítica de ideias consideradas progressistas. Felizmente, gradualmente o interesse pelo estudo das direitas na América Latina começou a aumentar, e em vários dos trabalhos dos últimos anos sobre o tema podemos encontrar o desenvolvimento de conceituações que convergem com os termos elaborados na Europa e em escala global.

Por um lado, Simón Escoffier, Leigh A. Payne e Julia Zulver sustentam em seu livro sobre “a direita contra os direitos” que esta última deve ser compreendida como um novo projeto político definido como “uma mobilização coletiva institucional e extra institucional que pretende controlar, desmantelar ou reverter direitos específicos promovidos por comunidades e grupos previamente marginalizados e restaurar, promover ou avançar um statu quo ante de direitos políticos, sociais, econômicos e culturais tradicionais”. Por sua vez, Lindsay Mayka e Amy Erica Smith, em seu trabalho sobre a “direita de base” na América Latina, propõem que esta última deve ser concebida como “um conjunto diverso de indivíduos e organizações que buscam manter hierarquias sociais percebidas como tradicionais ou naturais (…) Tais hierarquias incluem áreas como o patriarcado, a dominação econômica de grandes empresas ou latifúndios, ou a subordinação de indivíduos LGBTQ+ e indígenas latino-americanos”. Esses dois trabalhos elaboram conceitos que deliberadamente procuram diferenciar atores da direita convencional (por exemplo, Sebastián Piñera no Chile ou Mauricio Macri na Argentina) de novas forças políticas de direita (por exemplo, Bolsonaro no Brasil ou Rafael López Aliaga no Peru) que colocam especial ênfase na invocação de temas como a oposição ao aborto, aos direitos LGBTQ+ e à educação sexual nas escolas.

Em outras palavras, o que caracteriza essa “nova direita” que parece estar emergindo na América Latina é a politização da dimensão sociocultural em detrimento da dimensão socioeconômica, com o intuito de mobilizar não apenas segmentos acomodados da sociedade, mas também setores populares que professam ideias conservadoras em relação a questões morais. Isso se torna particularmente evidente quando se considera a população evangélica e suas preferências eleitorais. Essa “nova direita” também promove políticas de punitivismo penal contra a criminalidade, um tema transversalmente considerado pela cidadania latino-americana como urgente a ser enfrentado. A esse respeito, é importante indicar que a bibliografia acadêmica distingue entre “questões de valência” e “questões de posição” : enquanto as primeiras se caracterizam por gerar sentimentos de consenso entre a cidadania, independentemente das ideias e interesses individuais, as segundas geram bastante dissenso porque se estruturam segundo a ideologia do eleitor e seus próprios interesses. Essa distinção é relevante porque ajuda a compreender que, em vez de competir em todas as dimensões do espaço político, os líderes e partidos normalmente preferem dar mais protagonismo àqueles temas em que têm mais credibilidade e que os ajudam a se diferenciar de seus oponentes.

Até que ponto essa “nova direita” que alguns autores identificam na América Latina pode ser considerada ultradireita, seguindo a conceitualização discutida anteriormente? A semelhança é bastante evidente, pois se trata de forças políticas que não apenas adotam posturas de direita bastante radicais (especialmente, em assuntos socioculturais), mas também mantêm uma relação conflituosa com o sistema democrático, em particular, com o andaime liberal da democracia. Por sua vez, trata-se de forças políticas que – assim como seus correligionários europeus – são eminentemente reacionárias; isto é, são atores que se opõem ao ascenso das minorias que têm ganhado reconhecimento material e simbólico graças a políticas de acomodação de diversas ordens. Como bem indica o trabalho de Lenka Bustikova, a ultradireita se mobiliza devido ao ressentimento contra grupos minoritários ascendentes. Nesse sentido, a ultradireita não está necessariamente interessada na aniquilação ou erradicação das minorias, mas sim em suprimir seu desejo de exercer um maior poder político, influenciar as políticas públicas, obter recursos governamentais e adquirir posições de relevância. O ponto central sobre quais minorias têm ganhado terreno e são consideradas desafiadoras varia de acordo com os contextos nacionais e regionais. No caso da América Latina, tudo indica que a mudança do status quo das relações entre minorias e maioria está diretamente ligada a temas como gênero e identidade sexual, enquanto na Europa é muito mais relevante a temática migratória.

Ao pensar na ultradireita na América Latina, a Argentina é um dos casos mais chamativos pelo rápido e inesperado ascenso eleitoral de Javier Milei e pela radicalidade tanto de suas ideias quanto de seu estilo de liderança. Gabriel Vommaro revela que o característico de Milei é desenvolver uma série de inovações programáticas, muitas das quais são bastante oportunistas. Assim, por exemplo, até pouco tempo atrás Milei não assumia posturas conservadoras em relação a temas morais, mas agora ostenta uma posição contrária ao aborto. No entanto, professa ideias libertárias para defender questões como o livre mercado e justificar sua não oposição ao casamento igualitário. Por sua vez, a contribuição de Vommaro também nos ensina que a incapacidade de estabilizar a economia (particularmente, a inflação), tanto na administração de Macri quanto no subsequente governo peronista, gerou um descontentamento contra a chamada “casta” política, que foi explorado muito habilmente pelo discurso libertário e populista de Milei.

O caso de Bolsonaro no Brasil é talvez o exemplo mais conhecido de ultradireita na região latino-americana. Lucio Rennó revisa as políticas implementadas durante o governo de Bolsonaro e demonstra que, à medida que sua campanha de reeleição se aproximava, aumentaram a radicalidade e o aspecto antidemocrático de seu governo. Por isso, seu artigo evidencia que, embora não haja dúvida quanto à catalogação do fenômeno Bolsonaro como ultradireita, é bastante difícil saber se constitui um caso de direita populista radical (isto é, que mantém uma relação antagônica com a democracia liberal) ou se se trata, mais propriamente, de um caso de extrema direita (com uma postura contra a democracia em termos absolutos). Por fim, a análise da situação brasileira permite supor que, mesmo que Bolsonaro tenha poucas chances de continuar liderando a ultradireita, tudo indica que o bolsonarismo como projeto político continuará existindo no país.

A presença da ultradireita no Chile é bastante nova e está relacionada com o surgimento da figura de José Antonio Kast, que deu vida ao Partido Republicano. Lisa Zanotti indica que se trata de um projeto de ultradireita que deve ser compreendido como uma cisão da direita convencional. De fato, tanto Kast quanto vários líderes do Partido Republicano vêm de partidos da direita convencional que, na opinião deles mesmos, se tornaram excessivamente moderados tanto na dimensão socioeconômica quanto na sociocultural e, por essa razão, supostamente cederam ao progressismo. Essa contribuição revela um rápido crescimento eleitoral da ultradireita em um período muito curto de tempo, o que eventualmente pode acarretar tensões internas, já que existem dentro dela diversas facções e não é totalmente evidente que possam manter uma relação harmônica entre si.

A Colômbia se destaca na América Latina pela força dos partidos de direita e pela fraqueza dos partidos de esquerda. No entanto, Sandra Botero e José Miguel Jaimes Prada argumentam que até hoje não se vislumbram casos indiscutíveis de ultradireita no país e, em sua opinião, seria errôneo catalogar o ex-presidente Álvaro Uribe ou o ex-candidato presidencial Rodolfo Hernández como exemplos de ultradireita. O único liderança política que caracterizam como o representante mais nítido da ultradireita colombiana é a da senadora María Fernanda Cabal, que adota os discursos próprios dessa tendência, embora atualmente ainda faça parte de um partido político da direita convencional. Em todo caso, os autores sugerem que a eleição de Gustavo Petro representa um ponto de inflexão na situação política colombiana e uma situação de crise para a direita, de modo que atualmente surgem oportunidades para que líderes e grupos da direita convencional acabem mudando e instaurando um projeto de ultradireita. De fato, os autores indicam que setores afins ao uribismo estão hoje em dia tentados a seguir nessa direção.

Junto com Bolsonaro no Brasil, Nayib Bukele em El Salvador é o outro exemplo de ultradireita na América Latina que conseguiu acessar o Poder Executivo. Manuel Meléndez-Sánchez oferece uma análise desse caso de estudo, destacando que se trata de uma liderança política que, em seus primórdios, carecia de um perfil claro de ultradireita, mas que com o passar do tempo desenvolveu uma agenda programática com um marcado tom conservador em questões morais. Por sua vez, as políticas de confronto à criminalidade são extremamente conflitantes com o Estado de direito e o andaime liberal do sistema democrático. A reeleição de Bukele no início deste ano pavimenta o caminho não apenas para a consolidação de seu projeto político, mas também para a continuidade do processo de erosão democrática que El Salvador está vivenciando.

Comparado com os demais países da América Latina, o México se destaca pela ausência de líderes e partidos de ultradireita eleitoralmente bem-sucedidos. Como explicar essa situação? Para responder a essa pergunta, Rodrigo Castro Cornejo oferece uma análise que se foca nas peculiaridades do governo de Andrés Manuel López Obrador (AMLO). Dado que este último não adotou uma agenda liberal em termos culturais, trata-se de um projeto de “esquerdismo sem progressismo” que consegue satisfazer segmentos do eleitorado que poderiam se sentir atraídos por ofertas programáticas de ultradireita. No entanto, AMLO está prestes a terminar seu mandato e não está claro se quem o substituirá (Claudia Sheinbaum do Partido Morena) conseguirá continuar contando com o apoio de potenciais eleitores de ultradireita, que poderiam ser reunidos por figuras políticas novas de maneira bem-sucedida.

Embora seja verdade que no Peru abundam lideranças personalistas e é praticamente impossível encontrar organizações partidárias robustas, na última década coexistiram no país diferentes projetos de direita que conseguiram mobilizar importantes segmentos do eleitorado. Carlos Meléndez oferece uma análise desses diferentes projetos políticos, mais próximos da direita convencional, mas sugere que recentemente está se configurando uma iniciativa política de ultradireita. A figura-chave é Rafael López Aliaga, que, em certo sentido, “colonizou” o partido político Renovación Popular e, a partir de sua posição de prefeito de Lima, está tentando articular um exercício governamental de ultradireita, principalmente por meio da defesa de medidas extremamente conservadoras no âmbito sociocultural, bem como por seu enfrentamento populista com certos setores da elite empresarial.

Por fim, o Uruguai também é um caso de estudo interessante a ser considerado. Após uma longa hegemonia do projeto político de esquerda do Frente Amplio, a direita reconquistou o Poder Executivo nas eleições de 2019. O governo do atual presidente do país, Luis Lacalle Pou, pertence à direita convencional, mas para alcançar uma maioria no Congresso, dependia em parte dos votos de um partido de ultradireita: Cabildo Abierto. Talita Tanscheit explica as singularidades desse caso de estudo, que adota posturas moralmente conservadoras e defende políticas de “mão dura” contra a criminalidade no contexto uruguaio. Vale ressaltar que Guido Manini Ríos, o principal líder de Cabildo Abierto, foi anteriormente comandante em chefe do Exército Nacional e, por isso, não é casual que esse projeto político tenha uma importante influência no mundo militar e tenda a elaborar uma leitura revisionista do regime autoritário.

 

Fonte: Por Cristóbal Rovira Kaltwasser, em IHU

 

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